quarta-feira, maio 13, 2020

Bolsonaro falava de segurança familiar? Lorota! É tarefa do GSI, não da PF - REINALDO AZEVEDO

UOL - 13/05

Bolsonaro ensaia explicação na rampa: "Nem falei Polícia Federal". Não agrediu os jornalistas!!! Olhem os coleguinhas aglomerados. Cuidado com o vírus!


Sei lá que malabarismo verbal vão tentar para evidenciar que, na reunião-tarja-preta no dia 22 de abril, ao falar sobre sua família, o presidente Jair Bolsonaro estaria preocupado, na verdade, com a segurança pessoal da turma. Na entrevista que concedeu a jornalistas no alto da rampa — cuidado com o corona, moçada! —, o presidente insistiu que não pronunciou a expressão "Polícia Federal" naquela oportunidade. Temos de assistir ao vídeo, não é mesmo? Em seus respectivos depoimentos, os generais Braga Netto (Chefe da Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete da Segurança Institucional) dizem não ter percebido a pressão sobre Sérgio Moro e endossam a versão de que Bolsonaro estava preocupado com familiares.

Sim, é complicado falar sem ver o vídeo. Agora, a coisa não faz sentido. Quando, ao tratar do assunto, o presidente ameaçou demitir todo mundo, inclusive o ministro, estava, afinal, a falar com quem? Essa pergunta é importante em razão de um fato concreto.

GSI FAZ SEGURANÇA DA FAMÍLIA, NÃO PF

A Polícia Federal nada tem a ver com a segurança dos familiares do presidente. O que Moro tem com isso além de nada? Essa é uma atribuição do Gabinete da Segurança Institucional. Assim já era no governo Temer, com a Lei 13.402, de 1º de novembro de 2017. Ela foi inteiramente revogada pela Lei 13.844, de 18 de junho de 2019 -- já sob o governo Bolsonaro.

E o zelo com a segurança de presidente e familiares continuou com o GSI. Está precisamente no "Item 2" da "Alínea a" do Inciso VI do Artigo 10 da referida lei. Assim, pergunta-se: se Bolsonaro deu algum chilique, preocupado com a segurança de familiares, ameaçando com demissão, então o ameaçado era o general Heleno? Não, ne?

O que parece é que se está diante de uma linha de defesa, não é? Sem ver a fita, dá para a gente fazer algumas ilações consistentes. Todo mundo sabe que Bolsonaro é o rei do "cogitus interruptus". Suas conversas não costumam ter muito foco. Ele dá saltos lógicos no que respeita à linguagem, mistura tempos, eventos, coisas de naturezas distintas. Trabalhar com ele deve ser um inferno, especialmente quando tem alguma cisma.

É possível que tenha tido um desses ataques, que vão largando palavras soltas pelo meio do caminho. Exceção feita aos respectivos depoimentos dos militares e ao próprio Bolsonaro, os que se lembram daquela reunião entenderam que o alvo da sua bronca era Moro. E que, quando empregou o verbo "foder" para significar "pôr sua família em risco", estava se referindo à Polícia Federal. O presidente se apega agora ao que seria um detalhe: não teria pronunciado a expressão.

O ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo, terá acesso à transcrição da reunião. Há o risco de que, sem ver o filme, não consiga entender direito o que aconteceu. De toda sorte, há esta questão primária: o que tinha a PF a ver com seus filhos, além de nada? O que há no Rio, aí sim, é a investigação do caso Marielle e a da rachadinha da Assembleia. Mas ambas são conduzidas pela Polícia Civi.

PARANOIA

É notória, no entanto, a paranoia do presidente, especialmente depois que passou a desconfiar -- e com razão nesse caso -- que Moro quer para si a cadeira em que ele senta. Depois de entregar ao ex-juiz poderes que um ministro da Justiça nunca teve, Bolsonaro começou a ficar com medo de ser investigado na surdina. O "foder" a família, no caso, tem tudo para ser o temor de que, de súbito, pudesse eclodir uma operação da Polícia Federal tendo filhos ou aliados seus como alvos.

Exceção feita a Carlos, que é vereador do Rio fora do Rio, os outros dois políticos da família têm foro no Supremo; o deputado Eduardo e o senador Flávio. E qualquer ação que envolvesse, por exemplo, mandado de busca e apreensão contra a dupla teria de contar com a autorização de um ministro do Supremo. Não podem, de resto, ser presos a não ser em flagrante de crime inafiançável (Parágrafo 2º do Artigo 53). Ocorre que Bolsonaro acredita que há um núcleo de conspiração contra ele também no Supremo.

Será muito difícil ao presidente convencer o distinto público de que se referia à segurança pessoal de seus familiares. Há uma lei a respeito. Elaborada pelo próprio gabinete de Bolsonaro e aprovada pelo Congresso. E quem cuida da área é o GSI do general Heleno, não a ex-Polícia Federal de Moro. Ou a Polícia Federal do ex-Moro. Ou a ex-Polícia Federal do ex-Moro.

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