quinta-feira, abril 09, 2020

O petróleo e a implosão de uma geopolítica - CELSO MING

ESTADÃO - 09/04

O alastramento do novo coronavírus desmonta o megajogo das nações pelo produto, altamente estratégico


A Opep+ (esse + é a Rússia) tem nesta quinta-feira em Viena uma reunião extraordinária para fechar (ou não) novo acordo para reduzir a oferta de petróleo pelos países do grupo. O objetivo é buscar certa recuperação nos preços, que desabaram dos US$ 50 por barril para a altura dos US$ 35 a partir do dia 9 de março, quando a Rússia não apenas se recusou a cortar suas exportações, mas avisou que exportaria mais. Seu principal objetivo nessa negativa foi tirar do mercado as produtoras de óleo de xisto dos Estados Unidos.

Há mais de 120 anos, o petróleo vinha sendo considerado produto altamente estratégico. Como tal, determinou sua própria geopolítica. Para se livrar da dependência de suprimento do Oriente Médio – e, de quebra, prejudicar certos financiamentos a grupos islâmicos radicais –, os Estados Unidos favoreceram a exploração de óleo de xisto em seu território, atividade que há dois anos os tornou exportadores. A Rússia vem usando petróleo e gás para aumentar sua influência sobre a Europa. E esta passou a adotar políticas de redução de consumo, para viabilizar as metas de redução do efeito estufa e para reduzir sua dependência de combustíveis fósseis. Os Estados Unidos vinham pressionando seus aliados europeus a desistir da construção do gasoduto russo Nord Stream 2.

O alastramento do novo coronavírus começa a desmontar esse megajogo. O consumo de energia despencou com a brutal redução da atividade econômica. O mundo está encharcado de petróleo. A maior parte dos produtores dos campos de xisto dos Estados Unidos ficou inviabilizada. Quase todos os países da Opep passaram a enfrentar grandes rombos fiscais em consequência da quebra das receitas com royalties e exportações.

Como observa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), especialista em petróleo e gás, o jogo conjunto entre a Arábia Saudita e a Rússia foi por água abaixo com a crise econômica produzida pelo coronavírus: “É inédito o que acontece agora no mercado de óleo. Nunca houve tanta oferta, com preços em queda e tão pouca demanda. Não fosse a crise do coronavírus, a estratégia teria sido bem-sucedida”.

Para ele, as novas condições do mercado produziram importante ganhador: a China. Grande compradora mundial, a segunda maior economia do mundo pode agora tirar proveito das novas condições de preços. Seu governo está cuidando para garantir grandes estoques a preços ínfimos. Assim, poderá impulsionar a retomada da atividade econômica a custos bem mais baixos, após meses de sufoco.

Walter Franco, professor de Economia do Ibmec São Paulo, observa que o principal objetivo da Europa vem sendo reduzir sua dependência por combustíveis fósseis. É o que sustenta a transição energética pela qual os europeus vêm passando, o que força os investimentos em matrizes limpas e renováveis. “Toda estratégia da Opep falha quando o setor produtivo global depende menos de combustíveis fósseis. O mercado mundial está rechaçando a manipulação dos preços.”

Do encontro formal da Opep+ desta quinta-feira não participará um terceiro e importante player do mercado: os Estados Unidos. Mas qualquer decisão terá de levá-lo em conta. Donald Trump não pode determinar a redução da oferta de óleo dos Estados Unidos porque estaria interferindo num setor altamente regulado pelas leis antitruste. Mas poderá aumentar ou diminuir a ajuda financeira às empresas que agora estão em perigo e, assim, garantir sua sobrevivência.

De todo modo, para que tenha relevância, uma redução da oferta nesta reunião da Opep teria de ser superior a 5 milhões de barris diários, algo em torno de 5% menor do consumo antes da crise.

É improvável que a outra reunião agendada para sexta-feira, a de ministros de Energia e Petróleo do grupo das 20 maiores economias, com objetivo de examinar o mesmo assunto, possa obter grande avanços sobre o que decidir a Opep+. / COM GUILHERME GUERRA

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