quinta-feira, outubro 26, 2017

Teletormento - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/10

O telemarketing invasivo nos lembra que as deficiências do Brasil não se limitam ao setor público.

Por uma combinação de incompetência com terceirizações precárias, empresas que desejam legitimamente se dirigir a clientes atuais ou potenciais se tornam um estorvo na vida do consumidor, invadindo sua privacidade e seus momentos de repouso –o que conspira contra a imagem e os interesses da própria companhia.

Essa marcha insensata é favorecida por um ambiente de regulação falha, além de protocolos que violam as mais elementares regras de bom senso. Operadores mal remunerados e sem treinamento acabam por adotar uma prática mais semelhante ao assédio do que à conquista recomendada pelos manuais de vendas.

Como descreve o caderno especial publicado por esta Folha na terça-feira (24), os resultados desses desatinos, além da irritação de quem precisa responder a múltiplas e inconvenientes ligações telefônicas, são ineficiências empresariais na forma de custos com multas e até processos judiciais.

Há uma forma razoavelmente simples e barata de enfrentar o problema: trata-se da lista pública de telefones que não devem ser contatados pelos departamentos de telemarketing, já adotada nos EUA, em países da União Europeia, na Argentina e mesmo em alguns Estados do Brasil, como São Paulo.

Empresas que fazem chamadas indesejadas a números registrados nesses cadastros ficam sujeitas a multas e a outras sanções. Se isso não basta para eliminar as agruras dos consumidores —especialmente porque a incompetência está entre suas causas—, decerto serve para atenuá-las.

Outro aspecto preocupante é que o desrespeito à privacidade dificilmente fica restrito ao campo do telemarketing agressivo. Tudo indica que o padrão de desleixo de empresas esteja se repetindo na guarda de dados dos clientes, com transtornos menos visíveis, mas consequências que podem ser bem mais graves.

Tais informações têm valor estratégico e são frequentemente vendidas ou repassadas a outras firmas, nem sempre idôneas.

Embora o Marco Civil da Internet proíba o fornecimento de dados pessoais sem a anuência do titular, este costuma autorizá-lo inadvertidamente, ao preencher formulários não lidos na íntegra, em meio digital. Seria recomendável, portanto, a apresentação à parte de tais cláusulas.

Faz-se hora de interromper essa e outras rotinas de ineficiências que tanto mal fazem ao país.


Diferença em relação à denúncia anterior é irrelevante; Temer sai mais forte, não mais fraco - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 26/10

Patamar de votação é o mesmo; a denúncia derrotada nesta quarta não é a segunda de uma série, mas a última; presidente tem como retomar o comando político


Num dia em que se viram especulações as mais variadas sobre a sua saúde, o presidente Michel Temer venceu mais um embate. A segunda denúncia oferecida contra ele por Rodrigo Janot foi recusada. Disseram “sim” ao relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) 251 deputados, 12 a menos do que os 263 da primeira jornada, o correspondente a 4,5%. A rejeição ativa cresceu um pouco: de 227 em agosto para 233 agora — 2,5%. Coloco os dados em termos percentuais para que se note que a variação foi muito pequena. Logo, parecem-me falsas, de saída, as ilações de que o presidente está mais fraco.

Vamos lá. Sempre se é forte ou fraco em relação a alguma demanda. Em política, não são adjetivos intransitivos. Qual é o grande desafio que tem o presidente nos 14 meses que lhe restam de mandato? Ele depende do Congresso para quê? Há dois desafios principais, que Temer encara se quiser: a reforma da Previdência e as privatizações. A sobrevivência de seu governo não depende nem de uma coisa nem de outra. Já observei aqui que a economia está em recuperação e que o país terá um tempo de crescimento com ou sem as mudanças. Depois pode vir de novo o reverso não da fortuna, mas das eventuais escolhas erradas.

Há critérios que fazem um governo se mover para um lado ou para o outro e que o levam a fazer concessões. Temer poderia estar pensando na sua própria sobrevivência política se candidato fosse à reeleição. Mas, com efeito, todos sabem que ele não é. Logo, inexiste essa via para as trocas políticas. Poderia, como era o caso até ontem, ter uma espada sobre a sua cabeça: a depender dos movimentos que fizesse, alguns patriotas da Câmara poderiam tentar lhe puxar o tapete, a exemplo do que fez o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aquele que já anunciou a quem queira se juntar a ele que, em política, inexiste essa coisa de amizade. Entendo. Segundo essa concepção, creio, ou se tem negócio ou se tem traição.

Atenção, caros leitores, essa não é a segunda denúncia de uma série que vem pela frente. É a última. Esse flanco da chantagem não existe mais. À diferença do que se alardeia por aí, do ponto de vista político, a única chance do presidente é se fortalecer. Até porque, reitero, a economia tem um clico de recuperação que vai perdurar em 2018. E assim será, mesmo que o governo não consiga sem bem-sucedido na reforma da Previdência.

Também na contramão da azeitada assessoria de Rodrigo Maia, que consegue plantar na imprensa a falácia de que o presidente se tornou uma espécie de seu refém, observo: o deputado não saiu vitorioso. Ele trabalhou de forma dedicada para que o relatório tivesse mais votos contrários do que favoráveis. Isso teria algum simbolismo, ainda que, do ponto de vista prático, fosse irrelevante.

Cumpre agora ao presidente tomar nas mãos a coordenação política e chamar ao Palácio do Planalto, de portas abertas, os partidos que realmente estão dispostos a levar adiante a reforma da Previdência. Mas que se exija deles que mostrem a cara. Tomemos o caso do PSDB. A ala rebelde diz ser contra o governo, mas a favor do Brasil. Na primeira denúncia, 22 deputados votaram a favor do presidente; 21 contra. Desta feita, dois mudaram de lado: 23 a 20 em desfavor de Temer. Mas tenho a certeza de que os valentes que acharam consistente a denúncia de Janot não recusarão a reforma ou as privatizações, certo?

Esta quarta foi, sem dúvida, importante para Temer. Creio que termine a saga insana para derrubá-lo. E termina no dia em que, pelo caminho da desinformação, da fofoca e do mau jornalismo, tentaram até matá-lo. O presidente ganhou. Rodrigo Maia perdeu. E sua cara de enterro durante a votação o dizia com clareza. Era o enterro de uma quimera.

Reforma trabalhista e investimentos - JOSÉ PASTORE

O Estado de S.Paulo - 26/10
Uma vez aprovada a Lei 13.467/2017, entidades empresariais e laborais passaram a promover seminários e a produzir documentos para explicar aos seus públicos as novas regras. Afinal, a nova lei trouxe importantes inovações no campo da segurança das relações do trabalho.

Para os investidores, essa segurança é fundamental, pois ninguém investe ao saber que as regras de uma lei podem não valer no dia de amanhã. É isso que foi dito por membros da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e do quadro de auditores fiscais. Em reunião da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), eles lançaram um balde de água fria na almejada segurança. Os 125 enunciados recém-publicados esterilizam a Lei 13.467/2017 do começo ao fim. E mais: os juízes presentes ameaçaram não aplicar as regras daquela lei, argumentando que “a norma não é a lei, e sim o que se extrai da lei”. Como ninguém sabe o que os juízes extrairão da lei no dia de amanhã, não há como garantir aos investidores que as regras explicitadas na Lei 13.467/2017 regerão seus negócios depois da interpretação daqueles magistrados.

Essa ameaça é grave. Investidor, no mundo inteiro, foge da insegurança jurídica provocada por autoridades que têm poder para anular acordos e aplicar penalidades.

O argumento mais recorrente é o de que muitas regras da nova lei violam a Constituição federal. Uma das principais violações residiria no fato de a Lei 13.467/2017 admitir que o negociado prevalece sobre o legislado. Segundo os críticos citados, isso só vale quando o negociado for mais favorável aos trabalhadores.

Para quem milita há décadas no campo trabalhista e acompanha centenas de negociações entre empregados e empregadores, surge a pergunta: quem decide o que é mais favorável para os trabalhadores? Os fiscais, os promotores e os juízes ou os próprios trabalhadores? Se estes são os detentores dos direitos, nada mais lógico do que dar a eles a liberdade para decidir o que é mais útil para si em cada situação concreta.

O que há de errado com empregados que concordam com redução de salário para manter seus empregos no momento da recessão? Ou dos que concordam em deslocar o dia feriado na semana (para evitar as longas “pontes”) em troco de uma gratificação? Ou daqueles que preferem caprichar no seu desempenho para merecer um prêmio?

Na discussão do mais favorável é imprescindível levar em conta a opinião dos trabalhadores. Por que só fiscais, promotores e juízes podem opinar sobre sua vida?

A reforma trabalhista seguiu o salutar princípio de abrir liberdade, mantendo proteção. Assim, se empregados e empregadores quiserem negociar coletivamente reduzir o horário de almoço, isso pode ser feito e será respeitado – é a liberdade –, mas, se não quiserem, continuarão com os 60 minutos estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atual – é a proteção. E assim ocorre com todos os direitos: as partes ganharam liberdade e mantiveram proteção. Foi o princípio adotado na reforma trabalhista da França: empregados e empregadores podem negociar uma jornada de trabalho semanal de 40 ou 44 horas. Mas, se não quiserem, a jornada continuará sendo de 35 horas – como prevê a lei francesa. Está aí: liberdade com proteção. O que há de errado nisso?

Felizmente, o ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), acredita que a maioria dos juízes aplicará a lei como aprovada pelo Congresso Nacional. Oxalá assim seja. Isso atrairá investimentos e criará empregos. Tudo o que o Brasil precisa.

Classificação etária em mostra do Masp é fórmula para evitar polêmicas - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 26/10

Abriu a exposição "Histórias da Sexualidade", no Masp, em SP. São centenas de obras, divididas em nove temas (corpos nus, religiosidades, jogos sexuais etc.).

Os curadores criaram assim uma exposição que se visita sem distrações. Ninguém fica a fim de construir teorias sobre por que o pinto dos pré-colombianos seria diferente do pinto dos expressionistas alemães.

O espectador percorre livremente a mostra, digamos, de sexualidade em sexualidade. Claro, há obras obviamente carregadas de desejo e fantasias sexuais, mas algumas pedem um tempo para o espectador descobrir por que elas estão na mostra.

Um exemplo disso? Veja, no tema "religiosidades", duas estátuas, em tamanho natural, de penitentes ajoelhados queimando e sofrendo nas chamas do purgatório. Enfim, há um catálogo e, num volume separado, uma ótima coletânea de textos.

Vivemos num estranho clima, em que os supostos liberais pedem que haja censura às artes enquanto as esquerdas defendem a liberdade de expressão (que nunca lhes foi especialmente querida quando elas estiveram no poder). Nesse fogo cruzado paradoxal, o Masp parece ter encontrado a fórmula para evitar polêmicas. Mas não foi de graça.

A exposição é proibida aos menores de 18 anos. O que significa que, se você for menor, nem mesmo a autorização dos pais permitirá seu acesso. E, se você for o responsável por um menor, você deverá se curvar à decisão do Estado.

Alguns dizem que o Masp amarelou. Outros dizem que foi a tática certa para que a exposição não corresse o perigo de ser fechada, mesmo que temporariamente.

Qualquer proibição para menores de 18 anos (que é sempre uma proibição que substitui a autoridade dos pais por aquela do Estado) é, para mim, uma indignidade, que só merece desacato.

Portanto, quem quiser permitir que os filhos adolescentes tenham acesso à exposição recorra aos truques que os próprios jovens usam para entrar nas festas. Ou então, sem ilegalidades, compre o catálogo (proibido para menores), leve-o para casa e ofereça-o a seus filhos, sobrinhos e netos.

Não tenho uma confiança cega na família e nas boas intenções dos pais, e é necessário que o Estado (o Judiciário) aplique a lei, protegendo o menor da violência, inclusive de seus próximos (veja-se o caso dos pais que, poucas semanas atrás, no Piauí, deixaram o filho de 11 anos para dormir numa penitenciária, com um estuprador de menores).

Também admito que o Estado dê indicações aos pais sobre espetáculos etc. que os pais podem desconhecer: olhe, a gente acha que seu filho ou filha de 14 anos (embora tenham a idade do consentimento sexual ou seja, de decidir sozinhos com quem transar) não deveriam ler, digamos, o "Decamerão".

Mas não reconheço no Estado a autoridade moral para decretar o que meus filhos podem ou não podem ver, ler etc.

Nada me garante que os funcionários do Estado tenham as qualidades necessárias para ocupar essa função (seria preciso, para isso, que tivessem formação milagrosa por vastidão, profundidade e capacidade crítica de pensamento). De fato, os funcionários da censura são sempre parecidos com o protagonista da série "Magnífica 70" (HBO).

Além disso, como o Estado seria o censor, se ele, no seu conjunto, é infinitamente mais obsceno do que qualquer site de pornografia que ele proibisse? Enfim, curiosamente, a preocupação da censura é quase sempre focada no sexo. Agora, a exposição (mesmo precoce) ao sexo não é a que mais me preocupa na formação de uma crianças.

Por exemplo, no próximo domingo, 70% (visão realista) dos sermões que serão ouvidos nas igrejas ou nos templos do país serão provavelmente ofensivos ao meu bom senso, ao meu interesse pela verdade e, portanto, ao meu padrão moral.

Muito mais do que a visão de um ato sexual, esses discursos poderão influenciar qualquer menor a ponto de reprimi-lo, de inibi-lo, de estragar sua vida futura e extraviar sua capacidade de juízo ético.

Mesmo assim, sou contra qualquer censura prévia do Estado, que se sobreporia à autoridade dos pais. Ou seja, não peço que o Estado proíba templos e igrejas aos menores de 18 anos. Prefiro, como disse, que a responsabilidade seja deixada aos pais.

Quanto a mim, tentarei preservar meus filhos, sobrinhos e netos dessa possível decadência moral.

O equívoco do nosso isolamento - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 26/10

Achamos que somos diferentes e partimos para o experimentalismo excessivo


Simplificações são arriscadas. Porém, parece justo afirmar que o pensamento econômico no Brasil deu pouca importância a restrições orçamentárias nas contas públicas – o que explica o histórico de inflação alta – e com frequência julgou a literatura internacional de pouca serventia, pois o Brasil seria, supostamente, diferente.

Essa combinação não deu boa coisa: um Estado que intervém excessivamente, e mal, na economia, e sem o devido cuidado com os recursos públicos. A sociedade perde.

Nesses tempos de cobertor curto, cada vez mais o Brasil precisará conectar-se ao debate mundial e aprender com experiências de sucesso. O mundo discute as melhores políticas públicas, com base em estudos e evidências empíricas, e busca escolher aquelas mais eficientes, sem perder de vista o equilíbrio fiscal.


Qual a melhor forma de reduzir a desigualdade regional, por exemplo? Estimulando diretamente o setor produtivo das regiões atrasadas, com subsídios tributários e creditícios e com investimento direto do Estado na produção, ou investindo em educação e infraestrutura e estimulando o empreendedorismo, aliando programas de transferência de renda no curto prazo?

Não estamos acostumados a refletir sobre as escolhas de políticas públicas e somos refratários a avaliações de resultados.

Interessante artigo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dos pesquisadores Mauro Boianovsky e Leonardo Monasterio, ajuda nessa reflexão. Os autores narram a vinda do Nobel em Economia de 1993, Douglass North, ao Brasil em 1961.

A missão de North, organizada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos juntamente com o Ibre/FGV, era avaliar os planos da Sudene para o desenvolvimento do Nordeste, tendo em vista o acordo de cooperação financeira e técnica entre o governo Kennedy e a Sudene, de Celso Furtado.

Pena que não consideramos as recomendações de North. Insistimos no modelo de promoção da industrialização e rechaçamos políticas assistencialistas de curto prazo do governo americano.

North não via a promoção da industrialização como política adequada para uma região com carência de mão de obra qualificada, insumos naturais e mercado consumidor. O Nordeste não seria uma área industrial.

Sua recomendação foi que o governo americano se envolvesse apenas moderadamente, em um programa voltado a explorar o talento da região, por meio da implantação de centros de pesquisa de agricultura tropical, pesca, recursos geológicos e hídricos do Vale do Parnaíba.

Em suas andanças pelo País, North estranhou o enorme intervencionismo estatal, inclusive no urbanismo, e questionou como os brasileiros aceitam tantos controles, regulações e restrições, e por que o pensamento liberal de Eugênio Gudin enfrentava tanta resistência. A resposta pode estar no nosso isolamento. Privilegiamos a narrativa e desprezamos o diálogo com a academia internacional.

Aos poucos aprendemos com os erros, como na adoção de políticas focalizadas, como o Bolsa Família. Mantemos, no entanto, programas de desenvolvimento regional, que consomem R$ 5,6 bilhões do Orçamento da União. Com a Zona Franca de Manaus, lá se vão mais R$ 25,6 bilhões, só no nível federal.

O problema não são os programas em si, mas sua desconexão com as vantagens comparativas e talentos regionais. O custo não é só fiscal, mas também as distorções geradas.

Poderíamos estar adotando políticas mais eficazes e eficientes. Não avaliamos o custo de oportunidade das políticas.

Insistimos ainda na industrialização com participação estatal, que foi o caso das refinarias da Petrobrás, sem viabilidade econômica.

Achamos que somos diferentes e partimos para o experimentalismo excessivo e descuidado, e, nos últimos anos, com a crença equivocada de que com o pré-sal não faltariam recursos.

A estratégia não funcionou e nos fez mal.

O Nordeste não se desenvolveu como se esperava. Continua pobre e dependente de recursos governamentais, passados quase 60 anos.

As eleições se aproximam. Vamos rever nosso pensamento?

* ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

TEMER AGORA QUER CONCLUIR 4.000 OBRAS EM 1 ANO

O governo prepara a campanha de lançamento de um arrojado programa cujo objetivo é passar a sensação de recuperar o tempo perdido, com tantas denúncias, determinando a conclusão de mais de 4.000 obras inacabadas em todo o Brasil, no prazo máximo de um ano. Esse programa deve gerar milhares de empregos e deverá injetar na economia cerca de R$50 bilhões. Trata-se do “Agora é avançar”.

SACUDINDO A POEIRA
A ordem do presidente é “sacudir a poeira”, após vencer na Câmara a votação que suspendeu a segunda denúncia contra ele.

TEMPO PERDIDO
Com esse programa de obras, o governo espera “retomar o tempo perdido” com denúncias que quase sufocaram o seu governo.

AMBIÇÃO DIMINUIU
Os números ainda estão sendo fechados. Num primeiro momento, a intenção era concluir 6.600 obras, mas na prática seria impossível.

AGENDA POSITIVA
Antes de anunciar o programa de mais de 4.000 obras, Temer vai festejar boas notícias sobre o pré-sal, nesta sexta-feira.

META DA OPOSIÇÃO ERA SÓ TV NO HORÁRIO NOBRE
Líderes dos principais partidos de oposição, capitaneados pelo PT, sabiam que não havia a menor chance de evitar a rejeição da segunda denúncia da Procuradoria Geral da República contra o presidente Michel Temer, por isso estabeleceu como meta postergar ao máximo o início da votação com o objetivo exclusivo de garantir exposição no horário nobre das emissoras de TV que transmitiriam a votação.

OLHA EU AQUI
Vice-líder petista admitiu que o objetivo não era impedir a votação, algo impossível, e sim aparecer nos telejornais ou nas transmissões ao vivo.

TORCIDA DA FIGURAÇÃO
Mesmos os governistas torciam para que a Globo novamente não exibisse o Jornal Nacional para mostrá-los no plenário, trabalhando.

FALEM MAL, MAS...
Ao contrário dos que imaginam alguns “analistas”, mostrar como o deputado votou pouco importa. O que fica é a imagem.

RECUPERANDO O TEMPO
Ao despertar da sedação, Michel Temer se viu ao lado da primeira-dama, Marcela. Pediu notícias da votação e foi logo avisando que sairia do hospital direto para o Planalto. “O sr. está de sonda”, lembraram. Ele respondeu, ainda meio grogue da anestesia: “Vou com sonda e tudo”.

DIAGNÓSTICO PRECISO
São recentes as queixas de Michel Temer sobre obstrução na uretra. É decorrente de infecção urinária, segundo o médico e deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que também é vice-líder do governo na Câmara. Foi sedado no hospital para a desobstrução, que provoca fortes dores.

TOSA DE PORCO
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) não se surpreendeu com o domínio do governo da votação da denúncia contra Temer: “Cálculo da oposição é como tosa de porco: muito grito e pouca lã”, ironizou.

MEMÓRIA CURTA
O líder da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que Michel Temer “afundou o Brasil na maior crise da História”. Esqueceu que Dilma é o nome da crise.

ESTRATÉGIA DO GOVERNO
Em menos de 15 minutos, mais de 150 deputados invadiram o plenário da Câmara, ontem, logo antes da votação da segunda denúncia contra Michel Temer. Foi a estratégia do governo para concluir logo a votação.

PASSOU UM BOI
A oposição vendia uma força que não tinha. Assim que o número de deputados presentes se aproximou dos 342, o quórum, que subiu lentamente por horas, disparou de 310 a 435 em poucos minutos.

ROUBA E NÃO FAZ
Ao defender a denúncia contra Michel Temer, Miro Teixeira (Rede-RJ) lembrou que tudo começou com o escândalo do mensalão. Aquele em que o governo Lula foi acusado de subornar deputados aliados.

É UM COMEÇO
Na era da internet, a Imprensa Nacional encerrou a versão impressa do Diário Oficial da União para assinantes e compra avulsa. O gasto previsto para produzir e distribuir o DOU este ano: R$ 50 milhões.

PENSANDO BEM...
...a estratégia da oposição de esvaziar a sessão plenária para dar força à denúncia contra Temer esvaziou a própria oposição.

Uma vitória do preconceito - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/10

Respeito à dignidade humana exige valorização do pluralismo de ideias e situações sociais

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho sobre o trabalho escravo é uma comprovação de como o preconceito pode às vezes prevalecer sobre a realidade. Sem atentar para a realidade social concreta e o ordenamento jurídico, fez-se uma interpretação abstrata do ato do governo federal, partindo do pressuposto – não demonstrado – de que o decreto abranda o combate ao trabalho escravo.

Com ou sem portaria, a criminalização do trabalho escravo continua a mesma. É o Código Penal, em seu art. 149, que fixa a pena de reclusão de dois a oito anos, mais a multa, para o crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A lei penal ainda diz que incorre na mesma pena quem “cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho, ou mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”.

Sem dúvida, é uma legislação dura, que, em linha com vários tratados internacionais, amplia o conceito de trabalho escravo com o intuito de não abrir qualquer margem de tolerância para esse tipo de exploração absolutamente incompatível com a dignidade humana. É surpreendente que, em pleno século 21, ainda perdurem situações de escravidão e, portanto, todo o empenho para erradicar e punir esse mal é mais que louvável – é estritamente necessário. Essa causa é profundamente cara ao Estado, já que o motivo para a fundação do jornal em 1875 foi justamente a luta pela abolição da escravidão e pela instauração da República.

A luta contra a escravidão, no entanto, nada tem a ver com os abusos que vêm ocorrendo na fiscalização das situações de trabalho. O justo e necessário rigor da lei penal tem sido utilizado para intimidar e achacar empregadores cujas empresas e fazendas não apresentam qualquer indício da ocorrência das condutas tipificadas no Código Penal. Há uma subversão do conteúdo e do sentido da lei como forma de incriminar relações de trabalho, seja por motivos ideológicos, seja para obter benefícios pecuniários.

A Portaria 1.129/2017 foi baixada para regular essa realidade social e não se pode interpretar o ato do Ministério do Trabalho sem ter presente essas situações de abuso. A rigor, a suspensão dos efeitos da Portaria 1.129/2017 é uma afronta ao Estado de Direito, já que obriga o poder público a ser conivente com os abusos recorrentes impetrados pelos seus agentes.

As exigências contidas na Portaria 1.129/2017 não são irrazoáveis, e tampouco ferem a legislação pátria e os acordos internacionais. Basta ver que o ato do Ministério do Trabalho não deixa desprotegida qualquer situação que antes a lei protegia. A fiscalização contra o trabalho escravo pode e deve continuar, mas – e essa era a novidade do decreto – ela precisa ser feita de forma mais rigorosa, sem descuidos nos autos de infração que dão margem a muitos abusos.

Na celeuma criada em torno da Portaria 1.129/2017, há algo que fere profundamente o Estado Democrático de Direito. Permitiu-se que o preconceito – tratar uma medida razoável como mera barganha da bancada ruralista – produzisse efeitos jurídicos. As críticas à portaria exalam um profundo desconhecimento da realidade do campo, além de representarem um perigoso viés autoritário, como se os parlamentares que representam os interesses de quem vive e trabalha no campo fossem menos legítimos. Nessa estranha lógica, incompatível com a realidade geográfica e social do País, nota-se uma tentativa de excluir do debate público parcela significativa da população brasileira. O respeito à dignidade humana, tão vinculado à luta para erradicar o trabalho escravo, exige atitude oposta, de valorização do pluralismo, tanto de ideias como de situações sociais.

Clima no Planalto é de ‘bola para frente’ - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 26/10

'Fim da ficção do Rodrigo Janot, de volta à realidade do Brasil' era uma das frases engatilhadas para o pronunciamento do presidente


O Palácio do Planalto levou dois sustos nesta quarta-feira, 25, a inesperada internação do presidente Michel Temer no Hospital do Exército e a dificuldade em dar quórum para derrotar a segunda denúncia no plenário da Câmara. Apesar disso, a vitória estava garantida desde o início e o sentimento no governo era e é de “bola para frente!”.

Por causa da obstrução na uretra, do procedimento médico e da anestesia, Temer teve de cancelar uma reunião com os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco – também denunciados, como ele – para definir o tom e o conteúdo de um pronunciamento que ele pretendia fazer à Nação.

A intenção era, e continua sendo, insistir num ponto: depois de duas denúncias, ambas derrubadas pela Câmara, é hora de retomar a normalidade, a agenda de reformas abruptamente interrompida pelo escândalo JBS e os avanços na economia. Aliás, argumentos repetidos insistentemente pelos deputados que votaram a favor de Temer.

“Fim da ficção do Rodrigo Janot, de volta à realidade do Brasil” era uma das frases engatilhadas para o pronunciamento do presidente, que deveria, ou deverá, enumerar dados econômicos positivos. Além da queda da inflação, do sexto mês da volta de empregos e da perspectiva de crescimento de mais de 3% em 2018, a ideia é falar de êxitos nesta mesma semana.

Enquanto o Congresso se preparava para votar a segunda denúncia e Temer abria os cofres para as emendas dos parlamentares dos votantes, o Banco Central baixava os juros para 7,5%, o Senado votava importante projeto sobre a leniência das empresas e o mercado se debruçava sobre o leilão do pré-sal, marcado para esta sexta-feira, 27.

A expectativa do Planalto é de que, sem a obrigatoriedade de participação da Petrobrás, a presença de grandes empresas estrangeiras será forte, criando um bom momento para mostrar a volta da confiança dos investidores internacionais no Brasil.

O Planalto, portanto, quer mostrar normalidade, avanços, segurança e disposição de mudar as coisas para melhor, mas tudo isso depende da capacidade e da força política de Temer para retomar a reforma da Previdência, que já foi considerada fundamental nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff, mas nenhum deles conseguiu ir até o fim.

Temer, que se sente vitorioso e revigorado politicamente, aposta tudo nisso, mas a vitória na Câmara não significa que os problemas evaporaram e tudo está resolvido e às mil maravilhas. Nem a própria saúde do presidente.

Modelo de Luciano Huck não é Macron, mas Mauricio Macri - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 26/10

Quando um grupo de multimilionários lançou o Renova Brasil, no mês passado, a reação entre os melhores analistas foi cética.

De fato, há bons motivos para desconfiar do porvir eleitoral de um "fundo cívico para a renovação política" porque as condições atuais privilegiam o velho em detrimento do novo: o fundo partidário, o tempo de televisão, o uso da máquina pública, o instituto do foro privilegiado e a força das dinastias movidas a patronagem familiar.

Renovar a política demandará mais do que a oferta de bolsas, treinamento e assessoria que o Renova Brasil promete aos pré-candidatos comprometidos com a pauta mínima de quem paga a conta.

Seria um equívoco, no entanto, descartar o Renova Brasil de antemão. Os dois motivos imediatos são óbvios.

Nenhum outro grupo possui as mesmas condições para testar o uso de inteligência artificial aplicada às redes sociais, metodologia que permitiu ao En Marche de Emmanuel Macron rebater a estratégia online de Marine Le Pen. E nenhuma outra confederação de interesses tem na manga uma possível candidatura de Luciano Huck, que consegue ao mesmo tempo ser jovem, livre de denúncias de corrupção, credor da confiança do mercado e capaz de gerar mídia espontânea e uma coalizão no centro do espectro ideológico.

O terceiro motivo é menos conhecido. Renova Brasil, ao oferecer proteção e projeção a uma nova geração de políticos brasileiros, pode causar uma fissura no fisiologismo tradicional que até hoje sustenta o presidencialismo de coalizão da Nova República: o conluio entre Executivo e Legislativo para lotear o Estado e vender leis em troca de financiamento de campanha, muitas vezes com a anuência do Judiciário e das instituições de controle.

Como? A referência aqui não é Macron, mas Mauricio Macri. Uma década antes de chegar à Casa Rosada, Macri entendeu ser impossível governar a Argentina sem uma azeitada rede de clientelismo. Trabalhou com afinco para construí-la, oferecendo ao conjunto de jovens pré-candidatos um clube de facilidades que ninguém no peronismo oferecia.

No processo, além de captar sangue novo, atraiu uma clientela poderosa de raposas velhas que já estavam sedentas por uma alternativa ao kirchnerismo desgastado. Macri montou uma máquina paralela e, quando pôs o time em campo, bateu de frente contra quem comandava o antigo esquema.

Se é isso que o Renova Brasil fará é impossível prever. Mas a demanda social por renovação existe e, depois da Lava Jato, os velhos esquemas clientelistas de PT, DEM, PMDB e PSDB têm pernas bambas. O jogo da renovação começa em 2018 e não tem data para acabar.

Juízes fora da lei - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 26/10

Juiz não pode, supostamente em nome de convicção pessoal, ignorar a legislação vigente e seguir uma outra


A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) é uma entidade de classe, que age como um sindicato de juízes. Já é meio esquisito, mas como a legislação não é clara, a categoria se associou e defende fortemente seus interesses específicos. Muito mais esquisito, porém, é que essa associação se assuma como um tribunal constitucional, declarando que não aceita a reforma trabalhista e recomendando a seus associados que não a apliquem.

A reforma foi aprovada depois de um longo debate, seguindo todas as normas legais. Votada na Câmara dos Deputados e no Senado, sancionada pelo presidente Temer, a nova legislação vai estar em vigor a partir de 11 de novembro próximo.

Ocorre que a Anamatra convocou uma jornada reunindo juízes, procuradores e auditores fiscais do trabalho, na qual aprovou 125 enunciados para, diz, orientar as decisões dos magistrados. Na verdade, os enunciados rejeitam todos os pontos principais da reforma e também da Lei de Terceirização. Para a entidade, são inconstitucionais, e os juízes do trabalho devem decidir os casos específicos com base nessa orientação, e não no texto da lei.

Eis a insegurança jurídica. Uma empresa vai contratar um funcionário no dia 12 de novembro. Qual legislação deve considerar, a aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente ou os enunciados da Anamatra?

Dirão: a reforma tem força de lei; os enunciados, não. Mas o sindicato dos juízes e seus associados entendem que os magistrados não são obrigados a seguir a “literalidade” da lei. Ou seja, que estão livres para interpretá-la conforme sua “livre convicção”, para buscar a “vontade concreta da lei” a partir das “balizas constitucionais e legais”.

Trata-se de uma confusão de palavras e conceitos. É claro que o juiz interpreta. A lei é regra geral, o juiz decide casos específicos da vida real, de modo que precisa mesmo interpretar e dizer qual lei e como se aplica em cada situação. Todo mundo está de acordo com isso.

O que o juiz não pode fazer é, supostamente em nome de sua convicção pessoal, simplesmente ignorar a legislação vigente e seguir uma outra, recomendada pela sua entidade de classe. É exatamente o que pretende a Anamatra.

Alega que a reforma trabalhista é inconstitucional. Mas existe uma corte para decidir isso — e é uma só, o Supremo Tribunal Federal. É lá, e somente lá, que a Anamatra deveria apresentar seu caso. E enquanto o STF não decide, vale a reforma aprovada pelo Congresso. Se não for assim, para que serviria o Congresso Nacional, o poder legislador? A regra é a independência dos poderes.

Há uma questão maior por trás desse debate: trata-se de um tipo de ideologia que domina boa parte do Judiciário brasileiro. Pode ser assim resumida: o juiz não está lá para aplicar a lei, mas para fazer justiça.

Pode parecer muito bonito, mas a ideia é falsa. A verdade é o contrário: fazer justiça é fazer respeitar a lei e os contratos. Não há como escapar disso sem gerar uma enorme insegurança, uma ampla fonte de injustiças e de autoritarismo.

Não faz muito tempo, critiquei aqui, até com ironia, uma decisão do STJ que impedia os lojistas de conceder desconto para pagamento à vista. Desembargadores me ligaram para dizer que também achavam a decisão ridícula, mas era o que determinava a lei — que, afinal, foi alterada.

Se a decisão não for com base na lei, será necessariamente subjetiva e baseada na ideologia do juiz. O contrário da civilização, do estado do direito, que é o império da lei.

Até a Anamatra sabe disso. Seus enunciados sustentam que não se deve seguir a “literalidade” da lei. Na verdade, recomendam que os juízes não sigam a “literalidade” de uma determinada lei — a reforma recém-aprovada — e que sigam outras leis, as anteriores. Estão se dando o direito de dizer qual lei e qual não vale.

Aí não pode. Essa é uma escolha, sobre qual será lei, é prerrogativa política do Parlamento, o poder popular, Imaginem que um ministro da Suprema Corte diga isso: não vou seguir a atual Constituição, vou seguir uma outra que acho mais justa. Seria caso de impeachment, não é mesmo?

A Anamatra não está causando apenas insegurança jurídica. É muito mais grave.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Não deveria haver nenhuma nova lei para os aplicativos de transporte - ROBERTO DIAS

FOLHA DE SP - 26/10

SÃO PAULO - O serviço de táxis é um problema de mercado histórico. Tem preços tabelados e alta barreira de entrada. Funciona com grande assimetria de informação. O incentivo à competição se nota mínimo.

A tecnologia abriu um caminho que permite virar essas questões do avesso. Na ótica do consumidor, uma evidente solução. Na dos políticos, uma chance de criar problema.

Pois é isso que significa o projeto que o Senado pretende votar na semana que vem, em caráter de urgência, para equipar as regras dos aplicativos de transporte às dos táxis.

A própria existência do projeto já é um equívoco. Não deveria haver nenhuma nova regulação.

Para problemas na prestação de serviço existe o Código de Defesa do Consumidor. Crimes cometidos no transporte não diferem dos de outros ambientes, e aí está o Código Penal. Impostos podem ser cobrados como em qualquer atividade.

Dizer que os serviços devem ser taxados por usar vias públicas é argumento ruim. Muitas atividades dependem das ruas; os apps podem ter externalidade positiva ao diminuir a demanda por estacionamento.

É claro que a situação da mais importante empresa do setor não ajuda a defender o modelo. Acusações de assédio sexual, vexames do fundador, suspeitas de furto de propriedade intelectual, uma postura arrogante —a imagem da Uber é péssima.

Mas o que está movendo o lado contrário tampouco é bonito: corporativismo sindical aliado ao interesse arrecadatório do Estado.

O impacto econômico desses novos atores é facilmente notado por qualquer pessoa ou empresa que passou a utilizá-los. As melhorias oferecidas pelos taxistas nos últimos anos mostram como competição faz bem.

O Brasil já figura muito mal nas listas de países com bom ambiente de negócios. Agora prepara um tiro na livre iniciativa e na inovação. A internet deu muita sorte de não ter nascido por aqui.

De volta aos eixos - JOSÉ SERRA

ESTADÃO - 26/10

Amanhã poderá ser um grande dia para o Brasil e os brasileiros, com o leilão do pré-sal


Amanhã será realizado o primeiro leilão de campos do pré-sal sob a nova disciplina para o setor de petróleo, estabelecida no ano passado pela Lei 13.365, de minha autoria, que alterou o regime de partilha instituído na era petista, em 2010, o qual, por sua vez, acabara com o regime de concessões implementado pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997. A nova legislação liberou a Petrobrás da obrigação bancar, no mínimo, 30% da exploração de todas as áreas do pré-sal.

Não obstante as eventuais boas intenções dos seus defensores, essa obrigação passou a representar, de fato, uma grande ameaça aos interesses do País, pois a empresa não tinha condições de mobilizar capital suficiente para arcar com os recursos necessários, ainda que contasse com parceiros nacionais e estrangeiros para cobrir os outros 70%.

Para se ter uma ideia das dificuldades da Petrobrás no final da era petista basta lembrar que, apesar de a empresa ter-se tornado a petroleira mais endividada do mundo, a capacidade nacional de refino se elevou em apenas 17% entre 2006 e 2015, enquanto o consumo nacional se expandia em 50%.

Outro fator importante para ampliar o descalabro foi a política populista de controle de preços durante quase todo o período. Segundo estudo dos pesquisadores Almeida, Oliveira e Losekann, o prejuízo da Petrobrás entre 2011 e 2014, decorrente do arrocho, foi de R$ 98 bilhões.

Diante de uma Petrobrás combalida, os leilões do pré-sal foram sendo postergados – nenhuma licitação no Brasil foi feita nos três primeiros anos de vigência do regime de partilha –, atrasando de maneira crítica a exploração de óleo e gás, em contraste com o potencial de produção existente.

Somente em 2013 foi realizado o único leilão sob o regime de partilha, no campo de Libra. Apesar do tremendo potencial desse campo, nem sequer houve disputa e o resultado foi frustrante. Apenas um consórcio concorreu e, ainda assim, porque a Petrobrás, num esforço de última hora, aceitou ampliar sua participação para 40%, medida desesperada para manter os parceiros no projeto, salvar o leilão e esconder o erro representado pela alteração do regime de concessão do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Sob esse regime, adotado a partir da quebra do monopólio da Petrobrás, em 1997, a produção nacional de petróleo passou de 900 mil barris/dia para 2 milhões de barris/dia em 2010 – um aumento de quase 120%. Em contrapartida, sob o regime petista, desde 2010 até o presente a produção nacional cresceu apenas 35%, apesar da imensidão das reservas do pré-sal. Poderíamos estar produzindo muito mais, não fosse a desnecessária adoção do regime de partilha mais a imposição dos 30% de participação mínima da Petrobrás.

Mas esse atraso não se traduziu apenas em perda de produção física. Mais grave, deixou-se passar o período de ápice histórico dos preços do petróleo – entre 2011 e 2015 –, em que o preço médio mensal do barril foi de US$ 97, com pico de US$ 125 em março de 2012. A média mensal desde janeiro de 2016 caiu para US$ 47 o barril, com pico de US$ 56 em setembro deste ano. Se as políticas da era petista não tivessem sido adotadas e provocado a virtual paralisação de leilões, os valores arrecadados em bônus de assinatura teriam sido muito maiores no período de 2011 a 2015.

Infelizmente, esse novo patamar de preços, mais baixo, não é uma flutuação de curto prazo, segundo a maioria dos analistas. A queda, ao que tudo indica, é estrutural e se dá por três fatores principais: expansão e barateamento de fontes alternativas aos combustíveis fósseis, com destaque para as energias eólica e solar; aumento da eficiência energética no consumo; e, principalmente, a radical redução dos custos de produção de óleo por fracionamento nos Estados Unidos e no Canadá. Essas tendências, em especial a expansão da produção de shale (xisto) por fracionamento, reduziu o poder da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de controlar a produção e os preços. Atualmente, mesmo com o relativo sucesso da política de redução de produção da Opep, o incremento nos preços foi modesto, não alcançando, no pico, nem 60% da média observada no quinquênio 2011-2015.

Todas as evidências até aqui apontam para a redução contínua da fatia do petróleo na matriz energética mundial. Esse vetor impõe uma aceleração na exploração de reservas, pois a queda dos preços parece ser determinada por fatores permanentes. O petróleo não extraído hoje pode ficar mais barato no futuro. A preocupação com os efeitos da concentração de CO2 no clima tende a operar nessa direção, comprimindo adicionalmente o preço de longo prazo dos combustíveis fósseis. Só mesmo o preconceito ideológico impede de enxergar que o pior destino para o pré-sal seria continuar indefinidamente enterrado.

Mais ainda, há uma especificidade do pré-sal que recomenda ampliar o leque de investidores. No jargão da indústria, há dois tipos de custos críticos na produção do petróleo: os custos variáveis da extração e custo dos investimentos prévios à produção. Os custos variáveis de extração no Brasil têm sido extremamente favoráveis, até na comparação com os campos mais produtivos do Oriente Médio. Acontece que, diferentemente do que ocorre nesses campos, a exploração no pré-sal requer investimento prévio muitíssimo maior.

O pré-sal deve ser explorado com inteligência, pragmatismo e tempestividade. Até pela ciclópica dimensão das jazidas, o único risco de perder essa riqueza é não explorá-la de acordo com o melhor interesse nacional. A retomada vigorosa dos investimentos no pré-sal permitida pela Lei 13.365 atenuará a crise fiscal, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro, expandirá o emprego e enriquecerá mais o País.

Vamos torcer para que o leilão de amanhã dê certo. Poderá ser um grande dia para o Brasil e para os brasileiros.

*Senador (PSDB-SP)

A brutal impostura - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/10

Propaganda comunista quis consolidar ideia de que sua revolução era um desdobramento da história, mas felizmente hoje há cada vez menos gente disposta a defender essa fraude


Não há o que celebrar no centenário da chamada Revolução Bolchevique, de 25 de outubro. Em nome da igualdade entre os homens, a população da Rússia se tornou escrava dos desígnios de um partido que se dizia portador da verdade e da história, e essa impostura se espalhou, nas sete décadas seguintes, para vários outros países do mundo. O único legado realmente importante desse movimento, além dos milhões de mortos que causou e da destruição econômica que proporcionou, é a preciosa lição segundo a qual é possível aniquilar a democracia apenas com boas intenções.

A sobrevida que a ideologia bolchevique parece manter mesmo depois de inapelavelmente derrotada em 1989, com a queda do Muro de Berlim e a posterior dissolução da União Soviética, pode ser explicada justamente pelo fato de que toca o coração da juventude a pretensão de acabar com as injustiças do mundo como um ato de vontade. A crescente desigualdade social e econômica e o atraso crônico de muitos países em que vigoram formas degeneradas de capitalismo só ajudam a alimentar esse devaneio, dando ares de alternativa viável ao que não passa de uma utopia violenta.

Essa utopia foi tão bem urdida que, mesmo com a distância de um século, ainda há quem acredite na mistificação, criada pela propaganda do Partido Comunista da União Soviética e reproduzida obedientemente por seus pares mundo afora, segundo a qual o povo, em fervor revolucionário, foi o grande protagonista dos acontecimentos de outubro de 1917. Em primeiro lugar, o que se poderia chamar de revolução ocorrera não em outubro de 1917 (novembro, pelo calendário russo), mas em fevereiro daquele ano, quando o czarismo deu lugar a uma república que se pretendia democrática. Em outubro, os bolcheviques deram um golpe, derrubaram o governo provisório e assumiram o poder. Nem de longe essa facção marginal do movimento socialista poderia dizer que atuava em nome dos proletários russos. Aliás, quando os bolcheviques dissolveram à força a Assembleia Constituinte que os contrariava, o povo saiu às ruas para protestar e acabou esmagado pela repressão que seria a marca do regime que apenas se iniciava.

Antes de ser o condimento de uma época de grandes antagonismos, a brutalidade era a essência mesma do bolchevismo, sob a liderança de Lenin. E assim tinha de ser, se o que se almejava era acelerar a história – pretensão de qualquer movimento totalitário. Se Marx, profeta da revolução, havia dito que o comunismo era a consequência natural das contradições do capitalismo, então cabia à vanguarda revolucionária impedir de toda maneira que esse processo fosse obstado pelos “inimigos do povo” – expressão oficializada em novembro de 1917 pelo novo regime.

Assim, o “motor da História”, conforme Lenin, era a violência das massas. O ambiente era propício. A Rússia saíra economicamente exaurida da 1.ª Guerra Mundial, situação que ampliou as rivalidades, dissolveu a autoridade do Estado e gerou o clima de guerra civil que afinal eclodiria logo após o golpe. O alvo da ira popular, especialmente entre os soldados de origem camponesa, não era mais o alemão, mas o russo rico que explorava os mais pobres.

Lenin entendeu que ali estava a chave para o sucesso do novo regime, ao escrever que “a essência do trabalho bolchevique” era “visar à transformação da guerra imperialista em uma guerra de classes, em uma guerra civil”, de modo a “purificar a terra russa de todos os insetos nocivos”. Estava estabelecida, como política de governo, a cultura da violência política – os gulags, as execuções em massa, as deportações, os julgamentos falsos, tudo isso passou a ser justificado em nome do triunfo da revolução contra o “inimigo”, que está em todo lugar e pode ser qualquer um.

Assim, é importante aproveitar essa efeméride para reiterar o verdadeiro espírito da Revolução Bolchevique, que de nenhuma maneira pode ser confundido com os legítimos ideais da esquerda democrática, cuja contribuição para a construção da cidadania e para a inclusão social é inegável. A propaganda comunista pretendeu consolidar a ideia de que sua revolução era um desdobramento inevitável da história, mas felizmente hoje há cada vez menos gente disposta a defender essa fraude.