segunda-feira, julho 11, 2016

Day after - RUY CASTRO

Folha de SP - 11/07

Relatos das internas dão conta de que o ex-presidente Lula está deprimido e apreensivo. Deprimido porque, longe do poder, já quase não o procuram para conversar. Como não sabe fazer mais nada, o ócio o afeta cruelmente. Sua única distração tem sido cantar senadores para que votem a favor de Dilma no impeachment, prometendo comparecer aos palanques deles nas províncias. Mas, se poucos querem a sua companhia num jantar, quem vai querê-la num palanque?

E a apreensão é pela sombra de Curitiba em sua biografia.

A querida Curitiba só dá desgostos a Lula. Desde que seus agentes literários, Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro, se mudaram para lá há um ano, cessou a procura por suas palestras, pelas quais recebia cachês com que homens como Albert Einstein, Bertrand Russell e Aldous Huxley, em seu apogeu no século 20, sequer sonharam. Mas, pensando bem, o que Einstein, Russell e Huxley tinham a dizer aos ditadores do Oriente Médio, América Central e África, principais plateias do palestrante Lula?

Impressionante como essas investigações estão afetando a vida profissional de tantos que, até há pouco, exerciam funções vitais na economia. José Dirceu, por exemplo, teve cortado o fio do escafandro que lhe permitia prestar assessoria a empresas e governos e lhe rendia comissões dignas de um herói do povo brasileiro. Como ficam os negócios desses investidores sem os contatos de Dirceu?

E como ficam os negócios de Dirceu sem os contatos do governo?

Sobrou até para uma escola de samba gaúcha, que um ex-tesoureiro do PT ajudava, dizem, com dinheiro do Ministério do Planejamento. Por gratidão, a escola bordava o nome do benfeitor em sua bandeira e compunha sambas-enredo em sua homenagem. Com a prisão do tesoureiro, a escola pode perder até a sua madrinha de bateria.

É o "day after" do poder.

A apoteose dos bonecos foragidos - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


Num lance de judicialismo fantástico, o STF (Supremo Tribunal Federal) pôs a Policia Federal no encalço de dois desses bonecos infláveis de passeata, também chamados "pixulecos". Na quarta-feira passada, por meio de um ofício assinado pelo secretário de Segurança do Supremo, Murilo Herz, a mais alta Corte do Brasil requisitou forças policiais para encontrar e identificar os responsáveis pela confecção e exibição dos dois artefatos satíricos, um caricaturando o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o outro ironizando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo apurou o Supremo, os dois fizeram sua estreia no dia 19 de junho, num protesto na Avenida Paulista, em São Paulo. O pixuleco de Lewandowski o retrata segurando uma balança em que a estrela do PT pesa mais que a bandeira nacional. O de Janot leva pendurado no pescoço um arquivo de metal cinza carimbado com o epíteto "petralhas". A reação da cúpula do Judiciário tardou (como reza a tradição), mas não deixou por menos. Chamou a polícia.

Os bonecos são ofensivos? Sem dúvida. A própria palavra pixuleco já é ofensiva. Era uma senha que um operador de dinheiros esquisitos, preso na Lava Jato, usava para se referir a propina. Lógico: chamar alguém de pixuleco, seja quem for, é um xingamento. O pixuleco de Lula era especialmente ofensivo, ao retratá-lo com roupa de presidiário. O de Dilma também era ofensivo, sobretudo se levarmos em conta que ela estava no exercício da Presidência da República. Apesar das ofensas, o poder não tentou criminalizá-los e, nisso, foi sábio.

Agora, o tempo fechou. Caçoar da presidente da República, tudo bem, mas zoar com a estampa do presidente do Supremo, alto lá! O secretário de Segurança do STF viu no episódio uma agressão seriíssima, ou, em suas próprias palavras, uma "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao estado democrático de direito".
Nos termos do ofício, as alegorias rechonchudas são alçadas ao patamar de inimigos públicos ameaçadores e pestilentos. "Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do Chefe desse Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do país."

Com sua hermenêutica severa, o secretário enfim reclama, "em caráter de urgência", esforços policiais "no sentido de interromper a nefasta campanha difamatória contra o chefe do Poder Judiciário, de maneira a que esses constrangimentos não mais se repitam".

Isto posto, os policiais dão busca em bonecos. Imagine a cena. É ou não é judicialismo fantástico? É ou não é dadaísmo jurídico? Surge assim um novo ramo das ciências jurídicas, o ius-saramandaia. Eis então que a mais egrégia entre todas as egrégias Cortes do país acaba de inventar a censura de passeata. Fazer pixuleco de Dilma pode. De Lula também. De Lewandowski, não, nem pensar. Isso "extrapola, em muito, a liberdade de expressão". Em breve, as prefeituras serão instruídas a, no instante de autorizar uma manifestação em logradouros públicos, verificar de antemão os cartazes, faixas, máscaras, adereços e pixulecos que serão exibidos, com o propósito de interditar previamente os que pratiquem o crime atentatório de caçoar de magistrados. Por analogia, a mesma medida será estendida ao Carnaval de Olinda, famoso por seus bonecos gigantes. Não custa prevenir.

Ou será que custa? A verdade é que esse tipo de prevenção custa, e custa muito mais caro do que não fazer absolutamente nada. Esse tipo de prevenção acarreta o efeito oposto: em lugar de conter, potencializa a zombaria. Os pixulecos judiciários aí estão para comprovar. Se o Judiciário tivesse sido mais sábio e deixasse isso para lá, a imensa maioria dos brasileiros jamais teria ouvido falar do boneco de Lewandowski. Mas, como a dura lex se abalou, os novos pixulecos fizeram fama da noite para o dia. Jornais e sites do Brasil inteiro, para cumprir o dever de explicar a seus leitores do que trata o inesperado oficio do STF, são obrigados a mostrar fotos dos dois pixulecos, a explicar o que eles criticavam e dizer que eles também atendiam pelas alcunhas de Petrolowski e Enganô. Ao tentar intimidar a caçoada, o Supremo inadvertidamente a consagrou. Moral da história: os bonecos foragidos estão em êxtase e, daqui por diante, tendem a se multiplicar.


O conflito entre o bem e o bem - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 11/07

Minha religião é a tragédia. Não porque eu creia em Zeus ou Afrodite (neste caso, quase faria uma exceção ao meu ceticismo, devido a certas mulheres que conheci ao longo da vida), mas porque tenho certeza de que a tragédia é a forma mais acabada que o espírito humano encontrou pra descrever nossa condição.

Escrevi algumas semanas atrás que minha religião é a tragédia. Muitos leitores me perguntaram o que eu queria dizer com isso. Com o tempo vamos aprendendo onde nos sentimos em casa (esta é uma forma de felicidade muito sutil para espíritos ruidosos). A tragédia é uma de minhas casas, talvez a mais "minha" de todas.

Ao longo da vida percebemos que as pessoas sofrem, resolvem problemas, fazem escolhas entre "X" e "Y", enfim, enfrentam a labuta do dia a dia. Com o tempo, sem saber ao certo a razão, desenvolvi um encanto por essa capacidade de ação dos meus semelhantes. Hoje, sei que existia nesse encanto que sentia o reconhecimento de que os seres humanos, na sua infinita batalha cotidiana, mereciam aquilo que só mais maduro pude saber o que era –eles mereciam reverência.

Dito nas palavras que aprendi com Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): a vida dos seres humanos desperta em nós, quando olhamos com atenção, "terror e piedade", traços da tragédia grega, segundo o filósofo.

E, antes de tudo, meus semelhantes mereciam reverência porque, ao final (um importante detalhe que logo ficou claro pra mim), sempre perderiam a batalha. A vida ficou clara na sua "essência" para mim quando, depois de deixar a infância, entendi que somos como heróis da tragédia: combatemos até o fim, mas sempre seremos derrotados ao final. Não só a morte enquanto tal, mas as perdas, as frustrações, as mentiras, os amores impossíveis, dores de todos os tipos.

Evidente que isso tudo é atravessado por uma profunda beleza e coragem que, às vezes, assim como que num ato de graça, conseguimos até tocar com as mãos ou sentir seu perfume. E essas duas, beleza e coragem, que considero irmãs de sangue, tornam ainda mais evidente o reconhecimento de que os seres humanos merecem reverência nessa labuta sem fim.

Hoje reconheço aquilo que para grandes autores como G. W. F. Hegel (1770-1831), Isaiah Berlin (1909-1997) e John Gray, vivo e em atividade, se constitui num dos traços marcantes da condição trágica: o fato de, muito pior do que ter de escolher entre o bem e o mal, sermos obrigados, em muitos dos mais dramáticos momentos de nossas vidas, a escolher entre o bem e o bem.

Os utilitaristas na virada do século 18 para o 19 entendiam que a vida humana se dá por meio de escolhas racionais: escolhemos o bem-estar e não o sofrimento (o mal para o utilitarismo).

Isso é apenas meia verdade. Fosse essa a realidade na sua plenitude, não haveria problema. A verdade é que, muitas vezes, somos obrigados a escolher entre duas formas de bem em conflito irremediável. Bens materiais x bens imateriais, fidelidade x paixão, filhos x dedicação à vida profissional, verdade da alma x verdade do corpo, sinceridade x sobrevivência, enfim, apenas iniciantes acreditam que o utilitarismo "resolve" o drama moral humano. Gray chama esse tipo de escolha de "escolha radical", porque ela nos lança no drama trágico por excelência.

Martin Thibodeau, no seu maravilhoso "Hegel e a Tragédia Grega", recém-lançado pela É Realizações, descreve essa mesma condição dizendo que a vida é trágica porque ela se dá fora de qualquer possibilidade de redenção metafísica, de qualquer acordo final que possa dar conta da oposição entre bens, da cisão interior, da negatividade dos fatos e do conflito essencial que alimenta nossas vidas sem possibilidade de "domesticação".

"The clash between good and good", nas palavras de Gray, ou "o conflito entre o bem e o bem", é nosso principal problema moral. Todas as demais formas de concepção de vida, para mim, estão aquém dessa clareza trágica. Quando estamos diante de uma escolha dessa, a vida cobra sua conta. Ela cobra de nós a capacidade de sentirmos terror e piedade de quem sofre tamanha maldição.


O destino da Lava-Jato - MARIA CRISTINA PINOTTI

REVISTA VEJA

Existem boas razões para acreditar que o Brasil não repetirá a Itália, onde os políticos conseguiram se livrar das condenações. Mas a pressão da sociedade precisa ser permanente



UM QUADRO DE CORRUPÇÃO sistêmica emerge das investigações da Lava-Jato. Hoje, sabe-se que o pagamento de propinas para participar de obras públicas era visto cinicamente pelas empreiteiras como "pedágio" para tomar parte em contratos públicos. O volume de recursos movimentado e a sofisticação usada para sua ocultação escancaram a magnitude da corrupção. Além de propinas, todas as outras formas de corrupção ocorreram de maneira sistemática, como troca de favores, compadrio, fraudes contábeis e eleitorais, apropriação indevida do dinheiro público, sonegação de impostos, tráfico de influência. A certeza da impunidade produziu esse manual de condutas criminosas, que agora vem à luz com as investigações.

Além dos custos éticos, sociais e políticos, a corrupção gera enormes custos econômicos. Afetado por parasitas, o organismo econômico se debilita, o que leva à queda da produtividade e à consequente redução do crescimento. Nos investimentos em infraestrutura, desaparece a competição e encastelam-se cartéis que produzem obras superfaturadas e de baixa qualidade, fruto de projetos que favorecem interesses privados. Apenas parte dos recursos públicos chega ao seu destino, ficando o restante no caminho minado pela corrupção, o que afeta negativamente a qualidade dos investimentos, das transferências aos mais pobres e dos serviços públicos, como saúde e educação. Nesse ambiente de incerteza e ineficiência, retraem-se os investimentos privados, e o país se fecha às inovações, sofrendo um processo de esclerose precoce.

Para voltar a crescer, o Brasil tem de reduzir, permanentemente, a corrupção. As perspectivas são favoráveis e trazem esperança. Estamos dando ao mundo um exemplo de como fazer uma investigação, dentro do mais completo respeito às leis, e com uma eficiência que causa espanto aos acostumados com a impunidade. Mas riscos existem, e é bom ficarmos atentos. Ao ameaçar um grande número de políticos, a Lava-Jato enfrenta um momento delicado. A perspectiva de condenação exacerba nos legisladores envolvidos a tentação de alterar as leis e instituições que os ameaçam. Diálogos gravados entre líderes políticos não deixam dúvidas a respeito. Argumentos de que é preciso "voltar à normalidade" são defendidos sob o disfarce de "acordos de salvação nacional" - e que são meras tentativas de salvar a pele dos investigados.

A Itália sucumbiu nesse ponto. A Operação Mãos Limpas, realizada entre 1992 e 1998, e que, pelo porte e pela qualidade dos métodos investigativos, guarda semelhanças com a Lava-Jato, fornece lições valiosas. A reação do sistema politico, liderada por um dos principais acusados, o empresário da área de construção e comunicações Silvio Berlusconi (que se tornou primeiro-ministro), mutilou leis para proteger os corruptos e dificultar a identificação e a punição dos seus crimes. Conhecemos o resultado, e basta abrir um jornal italiano para ver casos de corrupção sendo por vezes protagonizados pelos mesmos indivíduos condenados no passado. Como diz o magistrado italiano Piercamillo Davigo, a espécie predada se fortaleceu. A Itália continua a ser um dos países da Europa com maior índice de corrupção — e crescimento econômico medíocre. O exemplo mais recente ocorreu na semana passada, quando se realizou a Operação Labirinto, que prendeu 24 pessoas, entre elas um político próximo do primeiro-ministro. É a prova de como quase nada mudou na Itália. Mas não estamos fadados a reiterar a história italiana. Ao contrário, o exemplo nos motiva a não repetir os erros lá cometidos.

Há diferenças importantes entre o caso brasileiro e o italiano conspirando a nosso favor. O mundo mudou. A globalização aumentou a interação entre os países, tornando-os mais dispostos a combater o crime organizado. A ampliação das ações terroristas, da corrupção e do tráfico de drogas levou ao aumento dos controles internacionais sobre as transferências de recursos. Acordos de cooperação foram firmados, criando condições para que as informações financeiras fluam com rapidez entre as nações. Sem contar com tais instrumentos, a Mãos Limpas encontrou enorme dificuldade em conseguir dados sobre contas e valores depositados no exterior. Além disso, na Itália o clima de violência dos anos de chumbo, com ações terroristas e atentados matando dezenas de pessoas, marcou dramaticamente a sociedade. A ação da máfia, que impôs ameaças e a "lei do silêncio", e os suicídios ocorridos entre os investigados contribuíram para assustar a população e minar o apoio às investigações. Outra diferença, importantíssima, a favor do Brasil refere-se à qualidade e à liberdade da nossa imprensa, duramente conquistadas. Na Itália, a situação é diferente, com o Estado e os principais partidos políticos mantendo presença forte nos meios de comunicação.

O exemplo do Chile deveria nos animar. Ao ver familiares e membros do governo envolvidos em corrupção, em 2014, a presidente Michelle Bachelet criou o Conselho Assessor Presidencial, formado por duas dezenas de cidadãos, de profissões variadas. O objetivo foi elaborar propostas para reduzir a corrupção, repensar o financiamento de partidos e regular conflitos de interesse. Eduardo Engel, renomado economista, assumiu a presidência do conselho, que em 45 dias chegou a 236 propostas. Elas foram levadas ao Congresso, que não demonstrou entusiasmo em apreciá-las, já que feriam interesses de políticos corruptos. A saída encontrada por Engel para que o esforço não fosse em vão foi simples e eficaz. Criou o Observatório Anticorrupción, cujo objetivo é acompanhar os avanços das medidas anticorrupção. As informações são atualizadas regularmente no site da organização, que se tornou um termômetro considerado confiável. A popularidade de Engel supera a de adorados jogadores de futebol, e ele foi capaz de incorporar, com maestria e transparência, o papel de guardião do processo anticorrupção. Ao denunciar a iminência de retrocessos, mobiliza a opinião pública e vence a resistência do Congresso em aprovar medidas que ferem privilégios. Houve queda nos casos de corrupção. A população atesta e aprova o avanço.

O Brasil não precisa necessariamente replicar o modelo chileno. A lição crucial a ser aprendida é a importância do apoio da sociedade na luta contra a corrupção. Felizmente, temos exemplos marcantes de mobilização popular e de esforço conjunto das instituições no enfrentamento da corrupção a nos dar esperanças. Foi notável a coleta de mais de 2 milhões de assinaturas em apoio ao projeto de lei das Dez Medidas contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal — ora tramitando, embora lentamente, no Congresso. As manifestações do dia 13 de março, com milhões de pessoas nas ruas, foram as maiores já registradas. Crucial ainda contra a impunidade provocada por infindáveis recursos protelatórios foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que alterou a jurisprudência e permitiu a condenação de réus a partir de julgamento em segunda instância, pondo fim a uma venenosa jabuticaba brasileira. Por último, Michel Temer tem declarado total apoio à Lava-Jato. Esperamos que essas conquistas se mantenham. Que se mantenha a prisão com condenação em segunda instância, que o STF voltará a analisar. Que se mantenham os termos da delação, que parlamentares já insinuam limitar, com o objetivo óbvio de dificultar a colaboração premiada. Que se mantenha a liberdade de atuação, dentro da lei, das autoridades policiais e judiciais, pois se fala, no Congresso, em projetos para conter supostos abusos de autoridades.

Apesar das ameaças vindas dos defensores da velha ordem, há motivos para conservarmos o otimismo quanto ao futuro da Lava-Jato e demais investigações contra a corrupção sistêmica no pais. Valorizando mais as oportunidades que as dificuldades do momento, e apoiando o combate à corrupção e o fortalecimento das instituições, construiremos um país mais justo, do qual voltaremos a ter orgulho.

*economista, é sócia da consultoria A.C. Pastore & Associados

Retórica infame - FABIO GIAMBIAGI

O Globo - 11/07

Defensores de Dilma dizem que o impeachment representaria a reação dos ‘brancos de olhos azuis’ que estariam querendo ‘ir à forra’ após uma década de avanços sociais


O Brasil é um país com grandes diferenças sociais, refletidas numa série de vícios. Vou exemplificar com algo que aconteceu comigo diversas vezes: ao me aproximar, no ambiente de trabalho, de um bebedouro para beber um copo de água, a pessoa do serviço de apoio e limpeza que se encontrava no local se afastou, retirando o copo antes de enchê-lo, cedendo a vez e dizendo “pode passar, doutor”. A cena sempre me choca e seria inimaginável na Europa, por exemplo. Não adianta insistir para que a pessoa continue enchendo o copo, ser amável etc.: na posição subalterna em que a pessoa se coloca, a primazia é dos “doutores”. E não é a cor da pele que faz a diferença, pelo fato de, mais de uma vez, a pessoa em questão e eu sermos ambos brancos.

A receita para superar a chaga da divisão social do país é o binômio de crescimento e educação. Tomem-se as medidas para que o país cresça a um bom ritmo durante 50 anos e ofereça-se uma boa escola pública aos filhos das pessoas mais humildes para que elas possam ingressar na universidade e, cedo ou tarde, os filhos ou os netos de quem vai beber água e de quem cede a vez se colocando em posição inferior terão um destino parecido.

A pior forma de encarar essa questão é estimular o ressentimento. Ao invés de fomentar a integração, o ressentimento é profundamente divisionista. Quando se estimula uma atitude de hostilidade, no lugar de mostrar para as pessoas que não há razão nenhuma para que os indivíduos recebam tratamentos diferentes em uma série de âmbitos, o ovo da serpente está sendo chocado no interior da sociedade.

Isto se relaciona com a esfera da política. Os defensores do governo Dilma Rousseff, em 2015 e nos primeiros meses do ano em curso, passaram a martelar o argumento de que o impeachment representaria a reação dos “brancos de olhos azuis” que estariam querendo “ir à forra” depois de uma década de avanços sociais. Em mais de uma oportunidade, foi mencionado pelas autoridades da época o argumento infame acerca do suposto desconforto de parte da sociedade com o fato de que “pela primeira vez, temos pobres andando de avião”.

Trata-se de uma retórica abjeta. O fato de existir essa postura em algumas pessoas não autoriza a fazer generalizações. Convido o leitor à seguinte reflexão: no seu círculo de amigos que defenderam a aprovação do impeachment, que proporção de indivíduos reclamou ao longo dos últimos dez ou 15 anos da ascensão social dos mais pobres? Provavelmente, a maioria dos leitores deste artigo não pertence aos estratos inferiores da população. Duvido que, no ambiente de relacionamento social desses leitores — cuja maioria, estatisticamente, suponho ter sido a favor da saída da presidente Dilma — haja um grupo representativo que estivesse irritado com o fato de “pobre andar de avião”.

Na esteira desse tipo de manifestações, há um conjunto de ressentimentos que perpassam tais atitudes, indo desde a ideia de que pessoas com maiores recursos são “culpadas”, até a noção de que roubar rico não chega a ser condenável do ponto de vista moral. Talvez poucos espectadores tenham parado para pensar no significado simbólico da imagem, mas num filme brasileiro muito aclamado recentemente por representar a ascensão social de uma nova classe, uma das cenas mais festejadas pelo público — e construída para gerar essa empatia com quem assiste — é aquela em que a funcionária de uma casa, ao “pedir as contas” e se mudar da residência dos “patrões”, leva uma travessa com ela para sua nova casa. De fato, a cena tem sua graça cênica, mas objetivamente trata-se, pura e simplesmente, de um roubo, travestido pelo sentimento de “justiça” de que é feito contra uma família “rica”.

A ideia de que Dilma Rousseff foi afastada porque os “brancos de olhos azuis” foram às ruas ano passado incomodados com a ascensão dos mais pobres é moralmente ofensiva, além de economicamente indigente. A suposição de que há um antagonismo inevitável de interesses é própria de uma interpretação obtusa do funcionamento da economia. Esta não é um jogo de soma zero, onde para alguém ganhar outro precisa perder. O progresso econômico pode se encarregar de gerar uma melhora de bem-estar para todos os grupos — e progresso foi, justamente, o que não tivemos em 2015 e 2016, quando a economia encolheu.

Fabio Giambiagi é economista

Vontade política - PAULO GUEDES

O GLOBO - 11/07

Temer deve resistir à síndrome de ilegitimidade apregoada por seus oponentes e evitar a busca de uma ilusória popularidade

O primeiro e mais elementar ensinamento a respeito do processo inflacionário é de Milton Friedman: “A inflação é sempre, em qualquer lugar, um fenômeno monetário.” Essa lição trivial explica a diferença entre o fracasso do Cruzado e o sucesso do Real. O Cruzado deixou a moeda frouxa, pois considerava a inflação fenômeno “inercial”. O congelamento de preços e salários acabaria com reajustes automáticos de um “conflito distributivo”. Já o Plano Real foi “monetarista” até a medula. Além de desarmar reajustes automáticos ao introduzir uma nova moeda (a URV como unidade de conta), garantiu seu poder de compra com juros astronômicos (o real como reserva de valor). A lição fundamental: fique de olho no Banco Central. O regime de metas de inflação é uma institucionalização desse princípio básico.

O segundo e um pouco mais elaborado ensinamento é de Thomas Sargent e Neil Wallace: “É essencial que haja coordenação entre as políticas monetária e fiscal. Para conduzir um bem-sucedido programa anti-inflacionário, o Banco Central precisa de apoio da política fiscal.” Por que nunca antes em qualquer lugar do mundo houve um programa de combate à inflação que durasse décadas como no Brasil? Porque faltou a dimensão fiscal, o princípio básico de Sargent e Wallace. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a geração de superávits primários a partir do segundo mandato de FHC sugeriam um grau de coordenação que se perdeu inteiramente ao longo dos mandatos de Dilma.

O terceiro e mais complexo ensinamento é de Robert Lucas: “A racionalidade do processo de formação de expectativas a partir dos fundamentos macroeconômicos sugere que as pessoas esperam taxas elevadas de inflação no futuro por boas razões. Expectativas adversas se alimentam exatamente de inadequadas trajetórias das políticas fiscal e monetária adotadas pelo governo.” A boa notícia é que essa mesma racionalidade permite uma queda fulminante e permanente da inflação, com pequena taxa de sacrifício em perdas de produção e emprego, pelo colapso das expectativas inflacionárias ante mudanças drásticas dos regimes fiscal e monetário. Mas, para isso, é preciso vontade política. Temer deve resistir à síndrome de ilegitimidade apregoada por seus oponentes e evitar a busca de uma ilusória popularidade.

Quem ri por último? - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 11/07

BRASÍLIA - A 25 dias dos Jogos Olímpicos do Rio, lá vamos nós, de novo, perder uma bela oportunidade para mostrar ao mundo que, sim, merecemos sua confiança.

Até aqui, nossa cartão de visita tem sido um horror. Deixemos a questão da segurança para depois, vamos ao mundo da política e economia, palco de notícias negativas, bizarras e de arrepiar qualquer um.

Nossa penúria é tanta que, vejam só, comemoramos que em 2017 vamos ter um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas. O quarto consecutivo e menor que os R$ 170,5 bilhões deste ano. Triste país que fica feliz só porque a desgraça é menor.

A responsável por esta quebradeira deu para dizer que errar é humano, logo ela que não gosta de assumir erros. E ainda sonha e batalha em voltar, indefinição que trava investimentos externos no país.

Não bastasse esta dúvida, que só será eliminada depois do julgamento do impeachment, a Câmara dos Deputados mergulha numa disputa do pior contra o pior pelo seu comando. É de chorar dar uma espiada no currículo dos candidatos a substituir Eduardo Cunha.

O ex-presidente da Casa, que disse ter seus momentos humanos quando chorou ao anunciar sua renúncia, tenta sobreviver, mas está fadado a ser condenado e cassado.

Quem olha de fora deve rir de um país em que dois adversários, até pouco tempo os poderosos Dilma e Cunha, disputam para não cair primeiro. Num jogo em que nenhum terá motivos para rir por último.

Por fim e pior, temos a insegurança no Rio. O prefeito Eduardo Paes promete, porém, que isso não será problema para os turistas durante a Olimpíada. As Forças Armadas estarão nas ruas garantindo a paz.

Pois é, assim foi na Copa do Mundo. Foi uma tranquilidade. Depois, o medo e a violência voltaram. O filme deve se repetir, num atestado do fracasso dos governantes em cuidar da segurança do brasileiro também. Não só do turista estrangeiro.


A felicidade é relativa - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 11/07

Somos irracionais. E somos previsivelmente irracionais, segundo Dan Ariely, pesquisador da economia comportamental, que trata de aspectos tanto de psicologia quanto de economia.

Nossa irracionalidade ocorre da mesma maneira, repetidamente, seja quando agimos como consumidores, empresários ou estrategistas. Entender como somos previsivelmente irracionais é o ponto de partida para aperfeiçoar nossas decisões e melhorar nosso modo de vida.

A maioria de nós não sabe o que quer. Então, programamos o cérebro para olhar à nossa volta, em relação aos outros. Na hora de contratar um serviço, comparamos com outro já contratado ou disponível. O próximo destino das férias é decidido por mecanismo semelhante, assim como o vinho que vamos beber no jantar.

Somos tão previsivelmente irracionais que os profissionais de marketing, cientes de que não sabemos o que queremos, colocam um chamariz na oferta que fazem para que nossa escolha recaia sobre o que eles querem vender. O livro "Previsivelmente Irracional", de Dan Ariely (Elsevier), apresenta diversos exemplos que comprovam essa técnica.

O primeiro capítulo do livro é sobre a relatividade que tanto nos ajuda a tomar decisões na vida. Mas também pode nos fazer muito infelizes. O ciúme e a inveja nascem da comparação do que temos com o que outras pessoas têm. Miguel, por exemplo, decidiu procurar seu supervisor para reclamar do salário.

"Há quanto tempo você trabalha na empresa?", perguntou o supervisor. "Três anos. Vim direto da faculdade", respondeu Miguel. "Quando veio trabalhar conosco, qual era sua expectativa de renda anual depois de três anos?" "Cerca de $ 100 mil", respondeu Miguel. "Você ganha quase $ 300 mil, por que está reclamando?" "Bem... meus colegas, que não são melhores do que eu, ganham $ 310 mil". A medida de felicidade de Miguel não é o seu próprio salário, mas seu salário relativo ao dos colegas na mesma função.

Já que é assim que o cérebro funciona, o que podemos fazer para aumentar nossa felicidade? Podemos controlar os círculos à nossa volta, fazer parte de um grupo que possa elevar nossa felicidade relativa.

Numa festa, por exemplo, evite se aproximar de quem conta vantagem do salário que recebe e vá conversar com outro grupo. Se estiver comprando uma casa ou um carro, evite visitar ou testar os que estão acima de suas possibilidades. Concentre-se em conhecer e selecionar aqueles pelos quais você pode pagar.

Outra estratégia é alterar o foco, de estreito para amplo. Ariely comenta sobre interessante pesquisa de Amos Tversky e Daniel Kahneman. Suponha que você saiu de casa para comprar duas coisas, uma caneta simples e um terno para o trabalho. Você encontra uma caneta bonita por R$ 25, mas antes de comprar se lembra de que viu a mesma caneta por R$ 18 em outra loja, a 15 minutos de distância. Vale a pena caminhar 15 minutos para poupar R$ 7? A maioria dos que participaram da experiência decidiu que sim.

Você acha um terno bacana por R$ 455 e está quase pagando por ele quando um cliente cochicha no seu ouvido que o mesmo terno custa R$ 448 em outra loja, a 15 minutos dali. A maioria respondeu que não caminharia para poupar R$ 7. Mas o que acontece? Quinze minutos do seu tempo valem R$ 7 ou não?

Esse é o problema da relatividade. Comparamos a vantagem relativa da caneta barata com a cara e decidimos que vale a pena gastar o tempo extra para poupar R$ 7. Por outro lado, a vantagem relativa do terno mais barato é pequena demais, então decidimos gastar mais R$ 7.

Fácil gastar R$ 3.000 para colocar um banco de couro em um carro que custa R$ 30.000, mas é difícil gastar R$ 3.000 em um sofá para nossa sala de estar, mesmo sabendo que vamos passar muito mais tempo no sofá do que no carro.

Se pensarmos com perspectiva mais ampla, podemos avaliar melhor o que fazer com os R$ 3.000 que talvez sejam gastos na troca do estofamento do carro. Podemos fazer uma viagem de férias, comprar roupas, uma TV.

Um amigo comprou uma BMW e já está pensando que seu próxi- mo carro será um Porsche. Sabe o que os donos de Porsche querem ter? Uma Ferrari. Quanto mais temos, mais queremos. Segundo Ariely, a única cura é romper o ciclo da relatividade.


Mau tempo na agricultura - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/07

Sustentar o saldo comercial será a contribuição mais vistosa do setor para a economia do país



O governo poderá reclamar dos céus, quando apresentar o balanço da economia nacional de 2016. A crise do ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 3,8%, foi atenuada pelo crescimento de 1,8% da produção agropecuária, enquanto a atividade industrial diminuiu 6,2% e a de serviços, 3,3%. Neste ano, o campo continua sustentando a receita de exportações e garantindo o saldo comercial, mas sua contribuição para o desempenho geral dos negócios deve ir pouco além disso.

A safra de grãos de 2015-2016 deve atingir 189,3 milhões de toneladas, 8,9% menos que na temporada anterior, segundo a 10.ª estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2014-2015, o País havia colhido 208 milhões de toneladas, um recorde histórico.

Os números calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são um pouco diferentes e indicam uma colheita de 191,8 milhões de toneladas, mas também com redução significativa – de 8,4% – em relação à safra precedente. As causas principais podem ter variado entre regiões, mas foram sempre vinculadas ao tempo, com excesso ou escassez de chuvas nos momentos menos adequados.

Em anos de boa colheita e boa receita, a agropecuária contribui para o desempenho de outros setores, movimentando o consumo de bens industrializados, como roupas, calçados e eletroeletrônicos, e absorvendo bens de produção, como fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos.

Neste ano, as vendas no atacado de tratores de rodas totalizaram 14.340 unidades de janeiro a junho, 31% menos que no primeiro semestre de 2015. Foram vendidos 279 cultivadores motorizados, número 38,7% menor que o de um ano antes. O total de colheitadeiras vendidas, de 1.693 unidades, foi 14% inferior ao da primeira metade do ano anterior.

Em 2014 e 2015, as vendas de máquinas agrícolas e rodoviárias já haviam diminuído. O desempenho do agronegócio havia sido mais satisfatório que em 2016, mas nesses anos as vendas de equipamentos foram em boa parte prejudicadas pelo fiasco dos programas de infraestrutura e pela crise do setor de construção pesada.

As quebras de produtividade e de produção, neste ano, ocorreram na maior parte das lavouras de cereais, leguminosas e oleaginosas, no primeiro semestre. As poucas estimativas otimistas estão concentradas nas culturas de inverno, com colheita prevista para o segundo semestre. A safra de trigo, o produto mais importante desse grupo, está estimada pela Conab em 6,28 milhões de toneladas, com aumento de 13,5% em relação à anterior.

Segundo o balanço de oferta e demanda publicado pela Conab, o estoque final de trigo deve passar de 743,7 mil toneladas na temporada anterior para 1,01 milhão na atual. Os estoques de algodão em pluma, arroz em casca, feijão, soja e derivados devem diminuir.

Para avaliar a produção total do campo falta levar em conta as estimativas de outras classes de cultura, como café e cana-de-açúcar, e dos vários tipos de criação de animais. Para o café e a cana as projeções são de aumento de volume, mas o balanço geral será com certeza muito afetado pela redução do volume de cereais, leguminosas e oleaginosas. Os efeitos da quebra têm aparecido e continuarão a aparecer nos preços. No semestre, os preços dos produtos agropecuários subiram 16,93% no atacado.

Mesmo com as perdas causadas pelo mau tempo, o agronegócio continuou sustentando a balança comercial. As exportações do setor totalizaram no primeiro semestre US$ 45 bilhões, 49,9% da receita obtida com o comércio externo de bens. Subtraído o valor importado, verificou-se um superávit de US$ 38,91 bilhões, mais que suficiente para compensar o déficit de outros segmentos produtivos, principalmente da área de manufaturados. Graças ao agronegócio, o Brasil ainda alcançou um saldo comercial positivo de US$ 23,63 bilhões de janeiro a junho. Sustentar o saldo comercial será com certeza a contribuição mais vistosa do setor para a economia brasileira neste ano.


Orçamentos negativos - RAUL VELLOSO

O Globo - 11/07

As análises do atual problema financeiro dos governos estaduais pecam por misturarem aspectos estruturais com os conjunturais. Muitos batem com força no forte e inconveniente crescimento do gasto com pessoal que a maioria dos estados tem mostrado nos últimos anos, o que é verdadeiro, mas o problema estrutural é bem mais complexo que isso parece sugerir. Por outro lado, diante da forte crise econômica herdada dos governos Dilma Rousseff, a arrecadação desabou, e isso se sobrepôs de forma devastadora ao gasto, que se elevava fortemente, causando o aparecimento de buracos financeiros de grande dimensão em vários estados. Sem entender direito o que está acontecendo, é complicado sugerir políticas de correção dos desequilíbrios estaduais.

O caso do Rio de Janeiro é bem mais dramático, porque o abalo conjuntural se deveu adicionalmente à queda drástica do preço externo do petróleo, que trouxe ao chão as receitas de royalties, e à crise da Petrobras e de toda a cadeia dela dependente, não somente por isso, mas também pelas práticas de corrupção e má gestão que abalaram a empresa nos últimos anos.

O “x”da questão estrutural dos estados é que, ao contrário do que se pensa, os governadores têm muito pouca margem de manobra na gestão de suas administrações. Na verdade, em muitos casos, os titulares enfrentam algo que se poderia, simbolicamente, chamar de “orçamento negativo”. Depois de se considerarem os vários suborçamentos que dominam o imaginado orçamento básico estadual, o que resta ao governador é um orçamento residual, que se apresenta com muitos poucos recursos para enfrentar as demandas dos segmentos fora daqueles orçamentos privilegiados.

Pegando o caso concreto de Minas Gerais, e com base em dados de balanço, os orçamentos com receitas cativas ou despesas fortemente obrigatórias são os seguintes: Educação, Saúde, Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário e Ministério Público), Outras Vinculações, Serviço da Dívida e Inativos & Pensionistas. Considerando a receita corrente líquida (RCL) conforme definida pela União, o primeiro suborçamento teve, em 2015, 19,2% da RCL total; o segundo, 9,3%; o terceiro, 14%; o quarto, 5,3%; o quinto, 13,2%; e o sexto e último, 34,5% do total.

Somando-se essas parcelas, sobrou para o governador administrar parcela de apenas 4,5% do total. Essa parcela terá de atender às necessidades de todas as secretarias, exceto Educação e Saúde, notadamente a de segurança pública e os investimentos em infraestrutura. A despesa executada por Minas Gerais nesse orçamento residual correspondeu a 28,8% da RCL em 2015, sendo 22,3% para pessoal (ou seja, quase tudo), sobrando 2,3% para outras despesas correntes e míseros 4,2% do total para investimentos.

Nessas condições, o orçamento residual enfrentou um buraco, de saída, da ordem de 24,3% da RCL (28,8 menos 4,5%), para cujo enfrentamento o que o estado pôde obter de outras fontes de receita (receitas de capital etc.) foi algo ao redor de apenas 6,9% da RCL. Finalmente, então, o estado fechou o exercício com um buraco financeiro de 17,4% da RCL ou R$ 9 bilhões.

Esse tipo de situação é, obviamente, muito difícil de administrar, forçando o governante, sem condições de ajustar gastos super rígidos no curto prazo, a jogar boa parte dos gastos discricionários (especialmente investimentos) em “restos a pagar”, ou seja, para serem pagos mais adiante, sujeito a chuvas e trovoadas. E, mesmo se sabendo que o estado mobilizou cerca de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais em 2015, sem o que o buraco teria sido bem maior.

Por que os governadores ficaram tão encurralados nos últimos tempos em seu mini orçamento residual? Primeiro, porque os lobbies dos suborçamentos setoriais (Educação, Saúde e Poderes Autônomos) conseguiram aprovar a regra de que as despesas com inativos e pensionistas deixassem de ser pagas nos seus próprios quartéis. Mandaram a conta para o governador, que passou a encarar a necessidade de obter mais recursos para financiar essas despesas adicionais. No caso de Minas, como dito, a despesa total com inativos e pensionistas chega ao número expressivo de 34,5% da RCL.

Depois, como esses segmentos têm um quinhão da receita garantido, é muito fácil enfrentar os governadores com solicitação de reajustes salariais, alegando que aquela parcela garantida vai ter de ser gasta com seu segmento de qualquer maneira.

Outro suborçamento fora do controle dos governadores é o relativo ao serviço da dívida, basicamente sob controle da União, pois os estados assinaram contratos de renegociação de dívidas no passado, autorizando o governo federal a reter as transferências, ou entrar em suas contas bancárias se fosse necessário, para pagarem o serviço da dívida a ela devido. Além do mais, qualquer novo endividamento tem de ser autorizado pelo Ministério da Fazenda.

Nesses termos, é preciso rever urgentemente a estrutura orçamentária estadual, certamente aprovando a volta dos gastos com aposentadorias e pensões para serem pagos nos suborçamentos setoriais, sem o que o desastre financeiro estadual não se equacionará no tempo requerido.

Raul Velloso é economista

Inês é velha - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 11/07

SÃO PAULO - A economia brasileira inicia a partir de agora uma lenta recuperação daquela que terá sido a pior derrocada deste ciclo democrático. O volume da produção, se confirmadas as hipóteses de analistas reputados, vai retomar apenas em 2019 os níveis verificados em 2014.

O atraso é ainda maior se a renda per capita for levada em conta. O poder de compra médio que o brasileiro possuía em 2013 só será recobrado em 2021, oito anos depois. Perde-se o que se perdeu, mas também o que se deixou de ganhar.

O Brasil desperdiça os últimos raios de luz de sua janela demográfica, o período em que, em razão da queda ainda relativamente recente da natalidade, o conjunto das pessoas em idade de trabalhar se expande mais depressa que a população.

Com menos crianças para cuidar e ainda poucos aposentados para sustentar, um país deveria acelerar o crescimento da produção por habitante. Essa expectativa foi periodicamente frustrada no Brasil nos últimos 35 anos. Novamente agora.

Mas agora Inês é velha. No ano 2000, menos de 8 em cada 100 brasileiros tinham 60 anos ou mais de idade. Hoje essa proporção já se aproxima de 12. Em 2030, para cada centena de habitantes, 19 serão pelo menos sexagenários.

O salto terá alcançado quase 150% em 30 anos, uma das mais rápidas metamorfoses demográficas da história das nações. A marcha do envelhecimento prosseguirá até a metade do século, quando 30 em cada 100 terão 60 anos ou mais.

O que acontece no Brasil, observando-se a perspectiva das décadas por vir, é uma pequena tragédia. O país jovem é apenas remediado e pouco produtivo. A despeito disso, gasta 10% do PIB para sustentar seus aposentados e pensionistas.

O país maduro ali na esquina, se não realizar um pequeno milagre na produtividade, vai se espatifar contra o muro da falência civil. Inês corre risco de morrer.


Eleição à sombra de Cunha - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 11/07

“Sei da interinidade, mas estou agindo como se fosse efetivo” 

Michel Temer, presidente interino da República

O que Lula e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) têm em comum? Aparentemente, nada. Lula tentou salvar Dilma do impeachment. Maia fez tudo para condená-la. Lula vê o DEM como a quinta essência do conservadorismo. Maia vê o PT como o máximo em corrupção. Apesar das diferenças, Lula e Maia descobriram que algo pode uni-los: a eleição, nesta semana, do próximo presidente da Câmara dos Deputados.

MAIA QUER suceder a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou ao cargo na esperança de não ser cassado. (Será cassado e mais tarde preso.) Como não se pede carteira de identidade a voto nem atestado de coerência, Maia anda batendo em todas as portas que possam se lhe abrir. Bateu na porta do PT. Foi atendido por um velhinho de voz rouca, insidioso decerto, porém simpático.

MANDADOS ÀS favas todos os escrúpulos, Maia disse a Lula que carece de votos para alcançar o total de 257, sem o qual não se elegerá. Lula sugeriu que carece da boa vontade do governo Temer para que não lhe seja cruel a peia que bate em Chico e em Francisco. A Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara e aliado de Maia, Lula pediu para retardar a cassação de Cunha.

PARA LULA e o PT, o melhor é que Cunha só seja julgado na Câmara quando Dilma estiver sendo julgada no Senado. Não precisa ser no mesmo dia, mas pelo menos em dias próximos. Assim — quem sabe? —, um julgamento não influencia o outro e Dilma se beneficia? Ou então segue menos mal para o exílio em Porto Alegre? Claro que Lula não disse tudo o que pensa a Maia e a Maranhão. Ninguém diz.

APESAR DE buscar apoio para sobreviver à Lava-Jato, Lula quer mais é que a escolha do sucessor de Cunha acabe por cindir de vez a base de sustentação do governo Temer no Congresso. Nada seria melhor para a oposição. Para atrair os votos do PC doB, Maia conseguiu que Maranhão impedisse a criação da CPI da União Nacional dos Estudantes (UNE). O PCdoB manda na UNE.

TÃO BOM quanto presidir a Câmara por dois anos é presidi-la por seis meses e meio. Assim será para quem completar o mandato de Cunha, a esgotar-se em fevereiro de 2017. O eleito vai morar em uma mansão à beira do lago de Brasília, terá segurança 24 horas, jatinho da FAB em vez de avião de carreira e o direito de substituir o presidente da República em suas ausências.

A RENÚNCIA de Cunha poderia servir à Câmara como marco inicial do processo de reabilitação de sua imagem cá fora. Mas não servirá. E é fácil entender por quê: só se deve pedir às pessoas o que elas podem dar. Dito de outra maneira: não espere de ninguém o que exceda à sua capacidade. A regra vale para o mundo privado e igualmente para o mundo público. E vale ainda para as instituições.

HÁ, NA CÂMARA, políticos sérios e com biografias respeitáveis. Por serem poucos, não terão relevância na hora de ungir o próximo presidente. Em um passado recente, a Câmara se dividia entre o baixo clero e o alto clero com seus cardeais. Predominavam os últimos. O baixo clero multiplicou-se e ajudou a eleger Cunha. O alto clero está ameaçado de desaparecer junto com os cardeais.

CUNHA É paciente terminal, mas respira sem aparelhos. Banca a candidatura de Rogério Rosso (PSDDF) a presidente da Câmara. Temer finge não ter candidato. Pode não ter ainda, mas será inevitável que tenha. O presidente da Câmara pode atrasar a vida de qualquer governo.

Na lanterna do ensino - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 11/07

Pesquisa recente divulgada no Fórum Econômico Mundial, em Genebra (Suíça), revelou dados sombrios sobre a educação no Brasil. Segundo o levantamento, o país ocupa apenas a 131ª posição na qualidade geral de ensino entre 139 nações pesquisadas. Quando o tema é matemática e ciências, nossa colocação é ainda pior: 133ª.

Por mais dúvidas e polêmicas que essas pequisas causem entre os especialistas - os dados nos colocam abaixo de países paupérrimos, com reduzidos recursos para investimento -, é flagrante que há erros na condução do processo educacional brasileiro, em todos os níveis, da educação básica ao ensino superior.

O Brasil que um dia festejou o fato de ser a sétima economia mundial - posição já perdida em razão da nossa grave crise e da recessão - nunca conseguiu um lugar de destaque no quesito que realmente define o desenvolvimento de uma nação e de seu povo: a educação.

É histórica a luta pelo aumento do investimento nesse setor. Mas, apesar de estarmos longe do ideal - houve recentes cortes no aporte, principalmente para as universidades -, as verbas aplicadas já são expressivas e não justificam classificações tão pífias em rankings internacionais. Qual seria o nosso problema, então?

O fato é que a educação é prioridade apenas nos discursos dos políticos. A elaboração e a implementação de políticas nacionais, a partir de um amplo entendimento entre os maiores especialistas no tema, ficaram sempre em segundo plano, ofuscadas por propostas populistas que não foram suficientes para melhorar a qualidade do ensino no país como um todo.

A nossa classificação na pequisa do Fórum Econômico Mundial torna-se ainda mais preocupante por esse ranking espelhar a real situação do país em áreas estratégicas, como ciência e matemática. Elas são base para a indústria da tecnologia, que hoje é a ponta de lança da economia mundial. Não se pode mais falar em país rico sem desenvolvimento tecnológico.

É verdade que há ilhas de excelência no ensino brasileiro de matemática, ciência e tecnologia. Mas também está claro que o país precisa de mudanças radicais para subir de patamar, não só nas pesquisas e levantamentos internacionais, mas principalmente entre as nações mais desenvolvidas do planeta.


O pífio legado da Copa - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/07

Dois anos depois da realização do torneio, boa parte das propostas continua no papel


A Copa do Mundo de 2014 deixará uma grande herança ao País, anunciou o governo federal quando trouxe o espetáculo para o Brasil, prometendo a realização de importantes obras de mobilidade urbana em várias cidades. A promessa, no entanto, não se tornou realidade. Dois anos depois da realização do torneio, boa parte das propostas continua no papel. Segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apenas 18% dos 125 projetos de mobilidade urbana relacionados à Copa do Mundo estão em operação.

No momento, existem 22 empreendimentos com obras iniciadas, mas a maioria está parada. Variadas, as causas para a ineficiência vão de erros de projeto a falta de recursos.

Como alternativa à construção do metrô – mais cara e demorada –, vários dos projetos de mobilidade urbana previram a construção de BRT (Ônibus de Trânsito Rápido) e de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Mesmo esses projetos mais simples não foram finalizados.

As obras do VLT de Cuiabá (MT) estão paradas desde dezembro de 2014 por divergências entre o Estado e o consórcio construtor. O grupo pede R$ 1,3 bilhão para concluir o projeto, que já recebeu até o momento desembolsos de R$ 1,06 bilhão. Segundo o governo estadual, auditoria feita pela KPMG indicou necessidade de aporte de R$ 602 milhões. A disputa foi parar na Justiça. Diante do impasse, chegou-se a cogitar a troca da modalidade de transporte, de VLT para BRT, mas – segundo o secretário de Cidades do Estado, Eduardo Chiletto – a possibilidade foi descartada por causa das obras já executadas.

Já o BRT de Belém (PA) teve de ser readequado pela administração atual por causa de erros no projeto, elaborado durante a gestão anterior. Segundo a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém, o desenho original não previa área para ultrapassagem dos ônibus. Já as estações, incompatíveis com o clima da cidade, tiveram de ser devolvidas. Os erros levaram ao cancelamento das licitações e à elaboração de novos contratos, atrasando a liberação de recursos e a retomada das obras. O início de operação experimental está previsto para a primeira quinzena de julho.

Em outras cidades, a falta de dinheiro fez com que o projeto de BRT fosse substituído por um simples corredor de ônibus. “Estão levando muito tempo para uma obra simples e que, depois de pronta, não atende às necessidades da população”, diz Halan Moreira, vice-presidente da Brasell Gestão Empresarial, empresa do setor de mobilidade.

Muitas vezes, a falta de recursos para os projetos é sintoma também de mau planejamento. Por exemplo, o governo federal pôs à disposição R$ 150 bilhões para a mobilidade urbana, mas não foi prevista a parcela de recursos dos Estados e municípios, muitos deles sem capacidade para investir. Houve empreendimentos que não foram adiante por falta de verbas para as desapropriações, que deveriam sair dos cofres municipais em valores quase iguais aos do próprio projeto.

A ineficiência também afetou os projetos de monotrilho, mais complexos e mais caros. Segundo o último balanço do PAC, havia cinco projetos dessa modalidade no País. Por enquanto, apenas a Linha 15 de São Paulo, que liga duas estações num trecho de 3 km, está em operação. A Linha 17, que ligará o Aeroporto de Congonhas ao Morumbi, estava com as obras paradas até pouco tempo atrás. Os outros empreendimentos continuam parados.

Em 2010, Lula havia prometido que “a Copa será uma grande oportunidade para acelerar o crescimento em infraestrutura necessário para o Mundial e fundamental para o desenvolvimento do nosso Brasil”. Posteriormente, a pupila Dilma Rousseff repetiu várias vezes semelhante falácia. O resultado está aí e bem reflete os anos de PT no poder – um discurso nacionalista embalando ineficiência e corrupção.


Fim da Venezuela chavista - MOISÉS NAIM

ESTADÃO - 11/07

Até pouco tempo atrás, o regime fundado por Hugo Chávez era objeto de admiração para os progressistas do mundo inteiro. Viajar para a Venezuela e ver as realizações da revolução bolivariana passou a fazer parte do programa de inúmeros ativistas. A Venezuela de Chávez era motivo de celebração. Isso acabou. Não há o que celebrar em meio à calamidade. E culpar pela catástrofe venezuelana os Estados Unidos, as elites ou a queda dos preços do petróleo convence apenas um reduzido grupo de ingênuos – ou fanáticos. O regime chavista deixou cair a máscara: seu militarismo, autoritarismo, corrupção e desprezo pelos pobres estão expostos.

Por que o mundo demorou tanto para conscientizar-se disso? Porque Chávez inovou ao criar um modo de atuar na política no século 21 que conjuga um simulacro de democracia com poder ilimitado e um boom do petróleo.

O primeiro ingrediente foi a manipulação do sistema eleitoral. Chávez entendeu rapidamente a importância de não aparecer perante o mundo como mais um militar que governa de forma autocrática. Enquanto houvesse eleições, ele seria um democrata. Poucas pessoas fora da Venezuela pareciam estar interessadas nos tediosos detalhes das listas eleitorais falsificadas ou no uso maciço do dinheiro público para a compra de votos.

Os venezuelanos votaram 19 vezes desde 1999, e o chavismo ganhou em 17. A cada eleição, a Constituição era mais violada, os tribunais e os organismos de controle, mais cooptados, os contrapesos institucionais mais debilitados e as liberdades mais limitadas.

A torrente de petrodólares que jorrou no país durante a longa bonança do petróleo, de 2003 a 2014, se avolumou em razão do endividamento que hoje chega a US$ 185 bilhões, impossível de saldar. O dinheiro foi usado com dois propósitos: subsidiar o consumo das classes populares e a corrupção da oligarquia chavista. Enquanto isso, a economia real entrava em queda.

Quando sua popularidade despencou, o governo foi obrigado a mudar seus truques e passou a retirar recursos e autoridade das instituições cujo controle estava perdendo.

Caracas elegeu um prefeito da oposição, mas Chávez acabou com suas principais competências e Maduro ordenou sua prisão. Quando os eleitores conferiram o controle da Assembleia Nacional à oposição, o Supremo Tribunal – repleto de chavistas – bloqueou todos seus atos. O compromisso do governo com a democracia durou enquanto durou a maioria eleitoral.

Algo semelhante ocorreu com a imprensa. Chávez entendeu que fechar os veículos independentes comprometeria sua reputação internacional. Recorreu então a testas de ferro para comprá-los e garantir sua submissão. Dezenas de jornalistas foram silenciados e a liberdade de imprensa na Venezuela se transformou em uma farsa.

A retórica chavista de solidariedade com os pobres também se revelou fraudulenta. Os discursos de amor a eles encobriam o saque do país por parte de Cuba, da incomensurável corrupção dos militares e dos amigos e parentes do regime.

Enquanto os protestos da população desesperada em razão da fome são reprimidos com inusitada violência, líderes chavistas aparecem bêbados nas redes sociais encalhando seus luxuosos iates. Enquanto recém-nascidas morrem pela escassez de remédios, o Supremo leal ao governo censura a Assembleia por ter solicitado ajuda humanitária internacional. O governo não tem respostas para a crise e sua indiferença ao sofrimento do povo provoca indignação.

A comunidade internacional tem reiterado sua preocupação com a Venezuela, mas estas declarações não tiveram grandes consequências. O mínimo que podemos fazer é admitir que a fachada democrática do chavismo foi derrubada, e a cruel ditadura que se escondia por trás dela foi escancarada. A esquerda progressista do mundo não pode continuar calada diante da tragédia da Venezuela. /Tradução de Anna Capovilla

É COLUNISTA DO ESTADO; ARTIGO ESCRITO COM FRANCISCO TORO, JORNALISTA VENEZUELANO

Dólar sob intervenção - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 11/07

A rápida valorização do real nas últimas semanas trouxe de volta preocupações pertinentes com a competitividade das empresas exportadoras do país.

Depois de superar R$ 4 no início do ano, a cotação do dólar caiu abaixo de R$ 3,20 nos últimos dias. O movimento barateou as importações e encareceu os produtos destinados ao mercado externo.

O risco para as exportações não decorre apenas do novo patamar do câmbio. Ainda mais deletérias são as frequentes e acentuadas oscilações da taxa, que atravancam o planejamento de quem busca os consumidores estrangeiros.

Isso considerado, é plenamente defensável a decisão do Banco Central de retomar as intervenções no mercado visando sustar as idas e vindas da moeda norte-americana —a despeito de, em princípio, seus dirigentes serem adeptos do regime de livre flutuação cambial.

Em sabatina no Senado, quatro novos diretores da instituição defenderam que não deve haver uma meta para as cotações, como muitas vezes se tentou no passado com resultados de inócuos a desastrosos. Trata-se, isso sim, de lidar realisticamente com distorções comuns em economias emergentes como a brasileira.

Nesses casos, pratica-se em geral a flutuação sujeita a interferências —ou "suja", como se convencionou chamar. O motivo é que países onde as condições políticas e econômicas são mais instáveis acabam sujeitos a mudanças bruscas nos fluxos de capital estrangeiro.

Tome-se o exemplo do Brasil. O pessimismo com os rumos do governo Dilma Rousseff (PT) impulsionava a compra de dólares, elevando a taxa de câmbio; já a troca de governo e de equipe econômica contribuiu para a rápida reversão da tendência.

Em cenários assim, cabe ao BC suavizar a intensidade das variações e seu impacto sobre o cotidiano de empresas, investidores e consumidores —sem, no entanto, incorrer no erro de pretender manipular as taxas conforme as preferências do governo de turno.

Evidentemente, o ideal é equacionar os desequilíbrios históricos que levam à volatilidade da moeda. Rombos orçamentários e inflação resistente forçam a adoção de juros elevados, que atraem ao país o dinheiro da especulação global, igualmente capaz de fugas abruptas nos momentos de crise.

Em termos práticos, deve-se buscar, a longo prazo, juros reais semelhantes aos do resto do mundo, algo como 1% ao ano nos dias de hoje. Fora disso, qualquer intervenção cambial, por justificável que seja, será apenas paliativa.