segunda-feira, julho 04, 2016

Vida medíocre - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 04/07

Ouço com frequência jovens me perguntarem o que fazer para não terem uma vida medíocre. A angústia deles é verdadeira. Os jovens hoje, por detrás de toda essa "fúria" de acharem que são uma "evolução" das gerações anteriores, morrem de medo.

Esse é o sentimento básico da chamada geração Y: o medo. O mundo é mais competitivo, as pessoas, mais egoístas, as opções de escolha, maiores (o que os faz viver como se a vida estivesse na prateleira de uma promoção do freeshop), e, por isso mesmo, a chance de fracassar, muito maior. A ansiedade de errar entre tantas opções os esmaga.

Por detrás desse blablablá de que os jovens de hoje são mais corajosos para seguir seus sonhos, está a boa e velha publicidade vendendo vidas que não existem.

Sei que alguns afirmam que viver segundo o desejo é a solução. Concordo em teoria, mas o problema é que viver segundo o desejo (seja lá o que isso for) é sempre um risco porque, como nos ensinou Arthur Schopenhauer (1788-1860), o desejo pode nos humilhar de duas formas básicas: negando-nos a realização de nosso desejo ou, pior, deixando que realizemos nosso desejo, porque assim perceberemos que, ao realizarmos nosso desejo, perdemos o tesão por ele, um pouco como o velho personagem Dom Juan e seu desespero diante da perda do desejo pela mulher seduzida.

Alguns acham que para escapar da vida medíocre devemos viver uma vida estética, como se diz em filosofia. Uma vida estética é uma vida vivida pelas sensações, como dizia Soren Kierkegaard (1813-1855). Uma vida estética é bastante sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens. Mas fracassa pela mesma razão que dizia Schopenhauer: uma hora o tesão pela sensação acaba.

O dinamarquês Kierkegaard levanta outra hipótese, que é a da vida ética. Essa proposta centra o sentido da vida numa busca de vida honesta. Cuidar da família, ser fiel no casamento, ser trabalhador, pagar impostos, investir em previdência privada. O fracasso será, entretanto, muito provável: famílias traem, um dia você pode ser trocado ou trocada por alguém mais jovem e belo, empregadores demitem, injustiças abundam, impostos só aumentam e pouco se ganha em troca. A aposta na vida ética é ainda mais frustrante porque você se sentirá um pouco ingênuo ao perceber que o mundo não leva em conta os esforços para termos uma vida "reta".

Outra opção, segundo nosso dinamarquês, é aderir a uma vida religiosa numa igreja. De nada adiantará porque igrejas são poços de repressão, mentiras e hipocrisias. De volta a estaca zero.

Para Kierkegaard, toda essa busca se dá porque somos um poço de angústia. Tememos uma vida inundada em angústia, e, por isso mesmo, tentamos toda forma de fuga, para ao final tombarmos na mesma constatação: medo, desespero e angústia.

O existencialista Kierkegaard aposta num "salto na fé", livre de instituições religiosas, tipo "você e Deus". Mas, ao mesmo tempo esse "salto" implica um ato de coragem que é apostar numa vida sem medo da angústia. Toda vez que tentamos escapar dela e fracassamos, mergulhamos no desespero: perdemos a esperança de que possamos viver uma vida sem angústia e pautada por alguma garantia contra nossos medos.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) apostava numa vida vivida a partir "dos seus próprios valores", longe do espírito de rebanho que assola a humanidade, principalmente na modernidade, essa era dos rebanhos e manadas. Richard Rorty (1931-2007) traduzia essa ideia assim: "Buscar uma vida autoral". Isso significa o seguinte: viver de forma tal que sua vida seja sua obra de arte.

De volta a questão dos jovens: como não ter uma vida medíocre? Acho difícil não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma vida medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança e garantias.

Creio que a receita para termos uma vida medíocre é termos muito medo. A proposta de Nietzsche e Rorty me parece bastante sedutora. Mas, quem está preparado para não ter medo de sofrer?


Começou a operação Lava Crime - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

 O ESCÂNDALO OBSCENO DE PASADENA, REPLETO DE DIGITAIS DE DILMA, NÃO MERECEU O DEVIDO INQUÉRITO

O ex-ministro Paulo Bernardo foi preso. Ele ocupou as Pastas do Planejamento e das Comunicações nos governos Lula e Dilma. Um ministro importante - ou, mais que isso, um dos líderes da hegemonia petista no Planalto. É acusado de roubar R$ 100 milhões de servidores públicos - destinando a maior parte do roubo para o caixa do Partido dos Trabalhadores, sem esquecer-se de reservar seu pixuleco particular. Mas Paulo Bernardo foi solto pelo STF, em decisão providencial do companheiro Dias Toffoli.

Veio também do Supremo Tribunal Federal outra decisão importantíssima para a preservação da saúde da quadrilha. Em ato do companheiro Teori Zavascki, o processo contra Lula por tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró foi parar longe das mãos de Sergio Moro. O argumento do ministro companheiro para mandar a operação cala a boca para a Justiça Federal de Brasília é impagável: o suposto delito de Lula denunciado pelo senador cassado Delcídio do Amaral não está no âmbito das investigações da Lava Jato.

Perfeito: o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró foi condenado no escândalo do petrolão, investigado pela Operação Lava Jato, mas a tentativa de um ex-presidente da República de impedir que o condenado contasse tudo o que sabia sobre o escândalo investigado pela Operação Lava Jato não tem nada a ver com a investigação conduzida pela Operação Lava Jato. Claro como petróleo roubado.

Surge então o companheiro procurador Rodrigo Janot, autor de vistosas coreografias para bagunçar o processo de impeachment, e recomenda que José Dirceu tenha sua pena pelos crimes do mensalão perdoada. Outra decisão cristalina. Ela ocorre no exato momento em que o juiz Sergio Moro, esse golpista, aceita nova denúncia contra o ex-ministro de Lula e o torna réu pela segunda vez na Lava Jato. Como se vê, a floresta de implicações de Dirceu no assalto ao Estado brasileiro perpetrado pelo PT não enseja outra providência senão o perdão.

E a quem caberá, no STF, a decisão final sobre o perdão ao guerreiro do povo brasileiro? Ao companheiro Luís Roberto Barroso - isso, aquele mesmo. Façam suas apostas.

Outra dobradinha da Procuradoria-Geral com o Supremo que tem feito história no refresco à quadrilha do bem é a Janot-Teori. Funcionou melhor que a zaga do Barcelona rebatendo a saraivada de denúncias contra a companheira afastada Dilma Rousseff. Nem o escândalo obsceno de Pasadena, repleto de digitais da companheira, mereceu o devido inquérito - sempre sob as escusas de não haver indícios suficientes contra ela, embrulhadas no sofisma de que presidente no exercício do mandato não pode ser investigado.

Mais uma falsidade, naturalmente. Presidente não pode ser réu, mas o delito no qual supostamente se envolveu pode e deve ser investigado. Menos na democracia companheira - onde as instituições são muito sensíveis aos corações valentes.

Aí aparece uma perícia no Senado decretando que a Senhora Rousseff não pedalou. Como o Brasil é uma mãe, a opinião pública é uma geleia e as instituições são uma sopa, a barbaridade se dissemina com solene indignação.

Não adianta informar ao jardim de infância que a perícia contratada pelos ciclistas operou apenas mais uma malandragem - alegando que não há ato direto da Sra. Rousseff nas pedaladas. Claro que não há. O ato da ex-mandatária foi justamente uma omissão - não pagar os débitos do Tesouro com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES, forçando os bancos públicos a emprestar a seu controlador, o que é proibido pela lei fiscal.

A tal perícia deixou só um crimezinho pendurado no processo de impeachment, reconhecendo que os decretos de crédito suplementar não foram autorizados pelo Congresso Nacional. No país da geleia geral, onde as convicções são formadas com a meticulosidade de um churrasco em Atibaia, vai emergindo a versão de que os ladrões não eram tão maus assim - e no fundo são até simpáticos. Aí, Dilma lança sua vaquinha para percorrer o Brasil contra o golpe. E você achava que sabia o que era uma ópera-bufa.

Libertem Paulo Bernardo. Prendam os milhares de servidores públicos desfalcados no escândalo do crédito consignado. Tragam Dilma de volta. Deem mais uma chance à elite vermelha - ela ainda não tinha terminado de raspar o tacho.

Critérios supremos – EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de S. Paulo - 04/07
Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo.

De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios.

Ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Bernardo havia sido preso preventivamente no dia 23, acusado de receber R$ 7 milhões em propina. Passados seis dias de sua detenção, viu-se solto graças ao ministro Dias Toffoli, do STF, para quem a restrição de liberdade imposta ao petista constituía manifesto constrangimento ilegal.

Com razão, Toffoli lembrou que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação da pena nem a fim de forçar a devolução de valores desviados. A função do mecanismo é outra: impedir que o suspeito fuja, continue praticando crimes ou atrapalhe o processo. Para o ministro do STF, esses requisitos não estavam demonstrados.

É sem dúvida bom saber que as instâncias superiores da Justiça vez ou outra se mostram dispostas a corrigir exageros punitivos.

Melhor seria, porém, que isso constituísse a regra, e não exceção. Basta dizer que os presos provisórios (sem condenação) representam 40% de uma população carcerária formada por mais de 600 mil pessoas. Quantos estarão atrás das grades indevidamente?

Se Toffoli acertou no conteúdo, o mesmo não se pode dizer da forma. Como Bernardo teve a prisão decretada por juiz da primeira instância da Justiça Federal, caberia ao Tribunal Regional Federal analisar o recurso. Depois, o processo seguiria ao Superior Tribunal de Justiça e só então chegaria ao STF.

Ou seja, Bernardo saltou duas instâncias judiciais. Essa clara subversão do sistema é aceita raríssimas vezes no STF, embora não falte quem arrisque a manobra -talvez o meio mais comum de tentá-la seja o habeas corpus.

De acordo com o projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de 2011 a março de 2016 avaliaram-se 2.894 habeas corpus que saltaram instâncias para chegar ao STF. Só 13 (0,45%) tiveram sucesso.

A situação do ex-ministro petista é mais peculiar porque ele tentou caminho menos comum. Em vez de discutir diretamente sua liberdade, alegou que seu caso deveria ser julgado pelo Supremo, já que documentos mencionam sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) -detentora de foro privilegiado.

Toffoli não concordou com a tese, mas ainda assim revogou a prisão que lhe parecia abusiva. Segundo o Supremo em Números, desde 1988, na média, há menos de uma decisão semelhante a essa por ano.

Quando magistrados de instâncias inferiores erram, há quem lhes corrija; quando ministros do STF ampliam demais suas margens de discricionariedade para justificar decisões anômalas, resta o espanto, a surpresa e a desconfiança.

Entrevista de Temer - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

A Lava-Jato não vai abalar meu governo


O presidente em exercício diz que é "zero" a chance de as investigações provarem algo contra ele e que a economia vai melhorar depois da definição do impeachment


Certo de completar dois meses na Presidência da República, o presidente em exercício, Michel Temer, tem trabalhado até dezessete horas por dia - preço que paga por liderar um governo montado em prazo bíblico. Foram sete dias ao todo, segundo ele, um tempo exíguo que não foi definido apenas pelas circunstâncias, mas também por um distanciamento do poder que ele se auto impôs às vésperas da votação do impeachment na Câmara para evitar a pecha de conspirador - já que, como diz, "o vice é sempre o principal suspeito".

De segunda a sexta, o peemedebista continua morando no Jaburu, o belo palácio que Oscar Niemeyer projetou para parecer "uma casa de fazenda", e que lembra mesmo uma, mais ainda quando as galinhas que ciscam à beira do lago comparecem de surpresa às reuniões que o presidente em exercício faz na sala envidraçada voltada para o jardim. Lá, em entrevista a VEJA, ele defendeu as privatizações de tudo "o que for possível", revelou ser contrário à criação de normas para "disciplinar" as delações premiadas, mas disse considerar "discutível" a decisão que prevê a prisão imediata dos réus condenados em segunda instância. Ao comentar a possibilidade de o deputado Eduardo Cunha renunciar à presidência da Câmara, contou que o aconselhou a "meditar a respeito". Sobre ele próprio, afirmou ser "zero" a chance de ter uma acusação comprovada na Lava-Jato. Reclamou da "campanha" dos adversários e elogiou a mulher, Marcela, a quem julga "preparadissima" para entrar na vida pública. A estreia, disse, se dará assim que ela se mudar para Brasília com o filho do casal, Michelzinho, o que deve acontecer em agosto, se tudo correr como se prevê e o hoje presidente em exercício se tornar o 37-presidente da República do Brasil.

O senhor diz que teve apenas sete dias para montar o governo. Por quê? 


Quis esperar a votação da admissibilidade do impedimento pelo Senado. Apenas seis dias antes, quando se verificou que ela se daria, comecei a organizar o governo. Montar uma equipe em seis, sete dias é trabalho insano. Adotei como prioridade a área econômica, com atenção especial à questão do desemprego. Acho que fizemos da melhor maneira possível.

O prazo curto explica escolhas que, logo depois, se mostraram equivocadas? 


Eu tinha de fazer uma boa equação com o Parlamento. Alguns ministros deixaram o governo assim que o meu partido declarou independência. Pelo menos um (refere-se a Henrique Alves,ministro do Turismo, acusado de ter recebido propina no escândalo da Petrobras) eu tinha até um dever moral de trazer de volta. O outro é o senador Romero Jucá, que é figura importante no plano governamental, conhece economia como poucos, tem uma capacidade de articulação extraordinária. Mas depois surgiu aquele acidente (o ministro apareceu em gravação tentando "estancar a sangria" da Lava-Jato). O terceiro é Fabiano Silveira (que deixou o Ministério da Transparência depois que apareceu em gravações criticando a Lava-Jato). Os três pediram para sair. Aliás, o Henrique até saiu antes que viesse à luz qualquer coisa. Ressalte-se: eles saíram de imediato, diferentemente do que se via antes.

Esse será o procedimento-padrão de seu governo?
Procurarei tomar essa providência. Mas, antes, farei uma pré-avaliação. No Brasil, estamos perdendo um pouco a noção de que existe todo um processo. Hoje, basta alguém falar de alguém que ele já está pré-condenado.

O senhor é a favor da prisão imediata do réu após a condenação em segunda instância?
Como presidente em exercício, tenho de tomar muito cuidado com o que digo. Eu diria que é uma matéria discutível essa da prisão no segundo grau.

E sobre as tentativas de restringir as delações premiadas? 


Pessoalmente, não sou favorável à mudança dos critérios da delação. Tal como está, considero que está bem. É claro que o sistema normativo exige que a delação seja comprovada.

Ao afastar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o Supremo invadiu a competência do Congresso?
O Supremo muitas vezes decide segundo os princípios constitucionais, muitas vezes isso não está na letra da lei. Nesse caso, o próprio relator, adequadamente, foi buscar uma norma no Código do Processo Penal. Decisão correta, portanto. Prefiro só dar a opinião jurídica nesse caso.

De zero a 10, qual é a possibilidade de a Lava-Jato abalar seu governo?
Zero. Convenhamos, em 45 dias resolvemos o problema federativo no país com a dívida dos estados, aprovamos a Desvinculação de Receitas da União, a DRU, em duas semanas... No caso das estatais, o projeto estava parado no Senado. Votamos na Câmara. São exemplos de que a Lava-Jato não atrapalha em nada.

E qual é a possibilidade de a Lava-Jato atingi-lo pessoalmente?
O que houve é que fui presidente do partido por muitos anos. Entravam doações, todas oficiais. Há uma tendência para criminalizar as doações oficiais. É preciso separar bem o que é propina do que foi doação legal.

O senhor presidiu o PMDB durante quinze anos. As investigações mostram que, nesse período, houve pagamentos de propina a José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e Eduardo Cunha...
O senhor nunca suspeitou de nada? 


Eu cuidava das doações oficiais. Nunca soube que alguém pudesse dar verbas fora da doação oficial. E são afirmações que merecem comprovação, não são definitivas, têm de ser comprovadas.

O que a interinidade o impede de fazer no governo? 


Embora sinta que a confiança no Brasil está começando a renascer, reconheço que o investimento estrangeiro está esperando para ver o que vai acontecer em agosto, na votação do impeachment. Tenho a impressão de que então se abrirá um novo campo. É a única observação que faço em relação ao, digamos, prejuízo da interinidade. Fora isso, só o lado pessoal.

Como assim? 


Campanhas contra mim, por exemplo. Enquanto existir a interinidade, existe a perspectiva do retorno. E, enquanto existir a perspectiva do retorno, desejosos desse retorno se dedicarão a esse tipo de ação. Tentaram invadir o meu escritório em São Paulo. Outro dia, um grupo se postou em frente à minha casa e começou a gritar palavrões, assustando minha mulher e meu filho. Os dois ficaram chorando, foi muito desagradável.

Do ponto de vista pessoal, sua vida mudou muito depois de o senhor assumir a Presidência? 


Comecei a compreender que a vida do presidente da República é muito devassada, não há como evitar. Hoje, não vou a cinema, não vou a restaurante, não ando mais na praça como fazia. Se eu for, vão dez seguranças junto.

O senhor tem experiência nisso, mas a primeira-dama nem tanto. 


Mas graças a Deus ela é muito discreta, não se deslumbra com certas coisas. Evidentemente, vindo para Brasília, ela terá uma participação nas questões da área social, acho que será até útil para ela. Ela até hoje cuidou do nosso filho.

Ela está preparada para a vida pública? 


Ah, pre-paradíssima. Ela tem tranquilidade, especialmente em face da discrição. Vocês publicaram aquela reportagem "Bela, recatada e do lar". Eu gostei, ela também ficou feliz, mas os nossos inimigos nos bombardearam. "Está vendo: não trabalha, é do lar, fica em casa. Isso deve ser culpa do Temer, o Temer a impede."

O senhor mandou impor restrições à equipe da presidente afastada Dilma Rousseff?
Nenhuma restrição foi imposta. A equipe diz que ela foi impedida de usar os aviões da FAB. Ela não está em exercício. Portanto, não está exercendo funções públicas. Você tem transporte aéreo para funções atinentes ao governo. Mas ela começou a usar a estrutura oficial para participar de um movimento chamado algo como "mulheres guerrilheiras contra o governo e contra o golpe". Então, ficava esdrúxulo que a senhora presidente usasse o aparato governamental para fazer campanha contra o governo.

Numa reunião com ministros, o senhor afirmou que o governo vai "privatizar tudo". O que quer dizer? 


Um Estado liberal como o nosso é poderoso na medida em que a iniciativa privada produz bons resultados. Vamos tomar o caso do emprego. A administração pública cria emprego? Não, você cria emprego quando as empresas prosperam. Então, quando digo "vamos privatizar tudo", não é tudo, claro. É: na medida do possível, devemos privatizar.

Algum setor será blindado? 


A Petrobras, sem dúvida. Ela está muito ligada à ideia da nacionalidade, patriotismo.

Correios? 


Isso já não me parece tão complicado.

Bancos públicos? 


Não vejo como fazer isso. Muitos têm uma função social, como o BNDES e a Caixa Econômica. Mas tudo o que eu adiantar agora será um pouco irresponsável, isso demanda estudos. Talvez eu abra novas frentes na área de concessões. Vamos também incrementar as áreas de portos, aeroportos, onde elas já vêm sendo feitas, mas estão paralisadas.

O senhor tem alguma viagem internacional prevista para quando, e se, se tornar presidente definitivo?
Sim, quero buscar investimentos para o país. Pretendo ir aos Estados Unidos, aos Emirados Árabes e ao Japão. Essas viagens incentivam a aplicação do capital estrangeiro.

Qual será a primeira medida se o senhor se tornar presidente efetivo? 


Há medidas que já estão sendo examinadas. A questão da Previdência, por exemplo. Elas demandam estudos e concertação nacional. Já fiz aqui no Jaburu duas ou três reuniões com as centrais sindicais, porque não dá para fazer uma coisa que vai gerar movimentos de rua, protestos. Tem de ter um mínimo de consenso.

O senhor é favorável à redução da diferença do tempo de aposentadoria entre homens e mulheres para três anos? 


Defendo a ideia de que no caso da mulher haja uma pequena diferença. Agora, há algo interessante. A Constituição prevê o somatório de duas condições: idade e tempo de contribuição. Está escrito lá: na Previdência, você só pode se aposentar se reunir duas condições. A primeira: 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. A segunda: 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher. Agora, não sei o que aconteceu que, com o tempo, se entendeu que isso era uma alternativa e não um somatório das duas condições.

As pesquisas de opinião lhe dão um alto índice de rejeição. Como interpreta esse resultado?
Não estou preocupado com isso. Deve estar quem é candidato em 2018. Como eu não sou, não estou. Também, essas pesquisas acho que foram feitas até o trigésimo dia do governo, as pessoas ainda estão olhando. Mas a rejeição não aumentou, até caiu um pouco. Vamos avaliar daqui a um ano.


O senhor não será candidato em 2018 nem na hipótese de seu governo ser um retumbante sucesso? 


Não preciso mais disso, com toda a franqueza. Já fiz muita coisa. Com muita discrição, claro, nunca fui carro alegórico, mas acho que já cumpri meu papel. E me convenci do seguinte: para exercer certas funções, particularmente a de presidente, você precisa ter uma vida interior muito sólida, senão você não existe. Acho que eu tenho uma vida interior bastante sólida.

O que é uma vida interior sólida? 


Ah, eu leio muito.

O que o senhor tem lido? 


Tanta coisa. Tenho lido muitas biografias. A do Getúlio, por exemplo, os três volumes.

E a poesia? 
Tem conseguido escrever? 

Não, não mais. O livro de poesias que publiquei foi meio brincadeira. Mas vou dizer uma coisa: desde pequeno, sempre quis ser escritor. Não tinha um autor preferido, sempre fiz uma leitura muito variada. Por exemplo, li todos os volumes do Ken Follett. Aqueles de mil páginas cada um: Os Sete Pilares da Sabedoria... Leio muito variadamente. Mas, em poesia, Vinicius de Moraes era o meu encantamento durante a faculdade. Tinha um colega que tocava violão muito bem, e nas festinhas ele cantava e eu declamava. Agora, se Deus quiser, meu segundo livro será um romance. Tenho tudo na cabeça. No dia em que eu parar, escrevo.

Quem vai se apresentar como chefe de Estado na cerimônia de abertura da Olimpíada? 


Você se refere à eventual presença da presidente Dilma?

Isso. 


Não me causa nenhum constrangimento.

Mas o senhor ficará na posição destinada ao presidente da República? 


Suponho que sim. Eu sou o presidente em exercício. Mas, se pedirem que eu não vá, tudo bem, eu não vou. Mas vai soar estranho. Não tenho nenhum constrangimento. A regra é da boa educação pessoal e cívica.

O senhor recebeu o deputado Eduardo Cunha no Jaburu no domingo passado. É adequado?
Acho curioso. Quando eu recebia membros da oposição, isso era tido como traição no governo. Aqui você não pode conversar com certas pessoas. É o caso do Cunha. Mas, veja, ele é deputado, embora afastado é presidente da Câmara, é do meu partido, ficou muito tempo envolvido nas questões todas, e esteve comigo de fato aqui no domingo, veio conversar um pouco sobre o cenário político e a posição dele. Naturalmente, ele está angustiado. Muitos propõem que ele renuncie à presidência.

E o senhor, o que propõe?
Eu não dou muito palpite. É uma invasão nas questões mais íntimas dele. Mas, evidentemente, quando ele me contou isso, eu disse: "Você deveria meditar a esse respeito".

Há risco real de o Tribunal Superior Eleitoral impugnar a chapa Dilma-Temer?
Isso vai acabar com a decisão do impeachment. Se passar, é claro que a ação perde objeto, já que ela foi movida contra a presidente. A questão é saber se ela segue contra o vice-presidente. Pessoalmente, tenho defendido, e isso é um enfoque exclusivamente jurídico, a ideia de que o vice é uma figura institucionalmente apartada do presidente. É o que diz a Constituição. Depois, há a questão dos direitos individuais. Seria o primeiro caso em que a condenação de alguém repercute no outro. É como se você estivesse dirigindo um carro, tivesse um acidente, matasse alguém e a pessoa sentada ao lado também fosse condenada. Eu tenho essa visão jurídica. Se prosseguir o processo, tenho o dever de construir uma saída jurídica, que é o que farei.

Além da chapa, havia uma parceria PT-PMDB no escândalo da Petrobras. 


O escândalo não é do partido, é de pessoas, pode acontecer. Se houve corrupção, foram pessoas que se corromperam. Não foi o PMDB que foi lá se corromper na Petrobras.

Era possível um esquema envolvendo tantos valores e políticos tão importantes operar sem o conhecimento do presidente do partido? 


Claro, evidente. Eu não estou dizendo que tenham feito.

O senhor ainda tem dúvidas? 


Estou dizendo que eu não tenho julgamento sobre isso.

O preço da interinidade – VALDO CRUZ

Folha de S. Paulo - 04/07

A interinidade, como já disse Michel Temer, tem sido uma guerra. Lava Jato, recuos, demissões de ministros. Mas a área econômica compensava a tudo e a todos.

Pois bem, na semana passada, de repente o governo Temer notou que até seu grande trunfo para se tornar definitivo começava a sofrer desgaste de forma bem prematura.

Aqui e ali surgiram críticas, até de aliados, à falta de coerência entre discurso e prática na área fiscal. De um lado, defende um teto para os gastos públicos. Do outro, apoia aumento de servidores, reajusta o Bolsa Família, dá verba para a educação e moratória aos Estados.

Em reação de contenção de danos, o governo saiu a campo com discurso afinado. O reajuste dos servidores foi abaixo da inflação, havia prazo fatal para renegociar as dívidas estaduais e o Bolsa Família estava dois anos sem aumento.

O fato é que Temer sinalizou um início austero e, para acomodar pressões e conquistar apoios, passou a ser generoso. Se fez uma proposta ousada de teto para as despesas públicas, fixou um rombo altíssimo para o Orçamento de 2016 a fim de absorver mais gastos.

É o preço da interinidade. Se não for bem calculado, pode jogar por terra seu principal ativo: a estabilidade econômica, com garantia de retomada do crescimento.

Por enquanto, as críticas não contaminaram o comportamento dos mercados. Ainda prevalece a torcida entre agentes econômicos para que Michel Temer dê certo.

E falam mais alto suas escolhas para a equipe econômica. Fossem outros os nomes na Fazenda e Banco Central, o mercado já estaria chiando. Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn têm crédito para gastar.

Dizem que, passada a interinidade, o governo do peemedebista será outro e cederá menos às pressões. Poderia dar os primeiros sinais desde já fixando um rombo para 2017 bem menor do que os R$ 170 bilhões deste ano. A conferir.


Real, 22 anos – AÉCIO NEVES

Folha de S. Paulo - 04/07

Não é a primeira vez que me refiro, neste espaço, ao advento do Real, que está completando 22 anos.

Faço isso como reconhecimento a um esforço que reuniu coragem, responsabilidade e compromisso com o país e acabou por se transformar em um ponto fora da curva na história da administração pública brasileira, refém, tantas vezes, da passividade e de interesses que não os coletivos.

Desse ponto de vista, a estabilidade monetária foi uma das maiores conquistas da sociedade brasileira nos anos recentes, após inúmeras tentativas de derrotar a doença crônica da inflação, que roubava os salários dos trabalhadores muito antes de cada mês terminar.

A atuação decidida dos governos dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso venceu resistências e superou expectativas. Naquele percurso, foram sempre fundamentais a confiança e a adesão da população, bases sobre a quais se estabeleceram no país, legitimamente, as novas regras para o funcionamento da economia.

Tombada a inflação, o passo seguinte foi a busca do controle dos gastos públicos, uma tarefa tão difícil quanto a primeira, na medida em que o desafio era enfrentar com determinação um regime de descontroles incrustado anos a fio no corpo do Estado brasileiro.

Se avançamos com a edição de uma lei de responsabilidade fiscal, a obra, contudo, ficou incompleta.

Os governos que se sucederam transformaram o controle da inflação e o respeito ao dinheiro público em temas de menor importância. Os 13 anos de gestão petista reavivaram a carestia e tornaram letra morta a responsabilidade fiscal.

É por essa razão que vem em boa hora a manifestação explícita do Banco Central de que buscará, sem subterfúgios, atingir a meta de inflação, tornada miragem nos últimos anos. A autoridade monetária visa a normalidade institucional que no passado se tornara regra, mas que a leniência petista desvirtuou.

Será, contudo, sempre mais difícil alcançar esse objetivo se a política monetária não estiver ancorada em rigorosa sobriedade fiscal. É crucial fechar a torneira da farra dos gastos públicos, prática ainda não inteiramente assumida pelo novo governo. Alguns sinais dados nas últimas semanas não contribuíram para fortalecer a ideia de que realmente entramos em um outro momento.

O Brasil só conseguirá vislumbrar perspectiva melhor, real, se a transparência e a responsabilidade ancorarem as decisões de governo, demonstrando à população o tamanho do desafio em curso e os sacrifícios que serão exigidos de todos. Sem exceção.

O caminho é árduo, mas precisa ser trilhado. Assim como foi no passado, na vitória de todos contra a inflação. Sem concessões a quem quer que seja.


Do que o País vai se livrar - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 04/07

A desmoralização do PT, que está prestes a se tornar completa em razão do esperado impeachment da presidente Dilma Rousseff e de uma previsível derrota nas eleições municipais, fará um grande bem ao País. Para saber do que o Brasil está a caminho de se livrar, basta ler a declaração final do mais recente encontro do Foro de São Paulo, o convescote anual de partidos ditos de esquerda da América Latina.

Em meio ao acelerado desmoronamento de seu projeto de poder, o Foro resumiu, na declaração, a irracionalidade patológica de seus integrantes, entre os quais o PT. No texto, derrotas são tratadas como vitórias, irresponsabilidade fiscal é chamada de conquista social e autoritarismo é qualificado de democracia.

“Os governos de esquerda em nosso continente lograram dar estabilidade social, política e econômica a nossas nações e tiraram da pobreza dezenas de milhões de famílias, que se livraram assim da marginalização e do desemprego, tendo acesso à saúde, educação e oportunidades de desenvolvimento humano”, afirma a declaração do Foro, referindo-se a um mundo de fantasia que subsiste somente no discurso de seus líderes.

Sempre foi assim. Inventado pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva em 1990, sob inspiração do tirano cubano Fidel Castro, o Foro reúne a nata dos potoqueiros que se dizem “progressistas” enquanto sustentam regimes autoritários e, a título de defender os “oprimidos”, aparelham o Estado, financiam-se com dinheiro público e arruínam a democracia.

A era dourada desse embuste se deu na primeira década dos anos 2000, quando Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e outros países menos cotados estavam sendo governados – melhor seria dizer desgovernados – por bolivarianos ou simpatizantes dessa deletéria ideologia, articulada pelo caudilho venezuelano Hugo Chávez. Naquela época, a turma do Foro de São Paulo esbanjava excitação com os “avanços no terreno político e eleitoral”, que criaram “condições favoráveis sem precedentes para avançar rumo à derrota política e ideológica definitiva do neoliberalismo na nossa região”, conforme a declaração do encontro de 2007.

O tempo tratou de frustrar, de forma inapelável, esse prognóstico otimista. A Venezuela é hoje o grande exemplo da fraude oferecida pelos bolivarianos que antes se regozijavam de suas conquistas. O “socialismo do século 21”, inventado por Chávez, devolveu a Venezuela ao século 19. Em meio à gravíssima crise de desabastecimento, que afeta quase todos os produtos consumidos pelos venezuelanos, e ao avanço da oposição, o presidente Nicolás Maduro abandonou de vez a democracia de fachada que o chavismo inventou para legitimar o regime e passou a agir, sem nenhum pejo, como o ferrabrás que sempre foi.

Apesar disso, o Foro diz que “o povo revolucionário” venezuelano está resistindo às “investidas brutais da oligarquia apátrida e ao imperialismo” e afirma que Maduro “tem ganhado cada vez mais respaldo continental e mundial”.

O mesmo nível de impostura se verifica em outros pontos. O Foro, por exemplo, celebrou “o reconhecimento dos Estados Unidos da derrota de sua política em relação a Cuba” e atribuiu a paz na Colômbia à “heroica luta” das Farc.

Não ficou só nisso. Na melhor tradição do realismo fantástico, o Foro declarou que “a esquerda impulsiona a transparência e a honradez no uso dos recursos públicos”. Tal afirmação poderia até ser vista como piada, mas, diante dos efeitos nefastos da roubalheira generalizada protagonizada pelo PT, trata-se de uma ofensa.

A respeito do Brasil, o Foro, é claro, qualificou como “golpe” o processo de impeachment de Dilma e disse que se trata de uma “contraofensiva imperial que será derrotada pelas forças populares de todo o continente”. Lula, em mensagem ao Foro, foi na mesma linha, apelando para a solidariedade de “todos os companheiros e companheiras da América Latina” na defesa de Dilma, “contra os golpistas empenhados em destruir as conquistas sociais”.

Tais apelos soam como tentativa desesperada de salvar o que resta de um projeto imoral que durante mais de uma década entorpeceu o Brasil. Felizmente, é o canto do cisne.


Corporativismo e censura - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADÃO - 04/07

Três repórteres e outros dois profissionais do jornal Gazeta do Povo, do Paraná, foram processados por magistrados e promotores do Estado após terem publicado reportagem especial sobre os vencimentos recebidos por juízes e representantes do Ministério Público neste ano. O jornal mostrou os expedientes por eles utilizados para ganhar mais do que o teto salarial fixado pela Constituição para o funcionalismo público. Os profissionais do jornal, de 97 anos de existência, foram alvo de pelo menos 48 processos judiciais movidos de abril até agora em várias cidades do Paraná.

As petições foram praticamente idênticas e seus signatários alegaram que foram “ridicularizados” e “ofendidos”. “Colegas de todo o Estado passaram a experimentar algum tipo de dissabor ou constrangimento, como a indagação de populares sobre supersalários”, afirmaram os diretores da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar).

Os processos reivindicam R$ 1,3 milhão em indenizações e foram abertos em Juizados Especiais, que aceitam causas no valor de até 40 salários mínimos e obrigaram os jornalistas a comparecer a todas as audiências de conciliação, sob pena de serem condenados à revelia. Isso já os levou a percorrer milhares de quilômetros e os obrigou a perder muitos dias de trabalho por semana.

A forma de intimidação de jornalistas e do trabalho da imprensa adotada pelos juízes paranaenses não é nova. Há oito anos a Igreja Universal do Reino de Deus estimulou dezenas de fiéis a abrir processos, em suas respectivas cidades, contra uma repórter da Folha de S.Paulo que publicou reportagem revelando o patrimônio da organização e questões societárias de gráficas, agências de turismo, imobiliárias, emissoras de rádio e empresas de táxi aéreo ligadas a seus bispos. As petições tinham os mesmos textos e os fiéis – como no caso dos magistrados paranaenses – se diziam “ofendidos”. Trata-se de tentativa corporativa de censura. Antidemocrática e inconstitucional.

Mas nem todos vão por aí. Felizmente. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a liberdade de imprensa durante o 11.º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo. Ao comentar a série de ações propostas pelos juízes paranaenses contra jornalistas da Gazeta do Povo, a futura presidente do STF declarou que o “dever da imprensa não pode ser cerceado de maneira nenhuma”. Para Cármen Lúcia, quem assume cargo público tem uma esfera de privacidade menor. Dizer quanto o juiz ganha não está no espaço da privacidade. É o cidadão que paga. Ele tem o direito de saber. Sobre o episódio, sublinhou ainda que os juízes envolvidos, nesse caso, “são parte”, não mais magistrados.

Tenho grande respeito pelo Poder Judiciário, que é, sem dúvida, um dos pilares da democracia. Mas quando integrantes do Judiciário, independentemente de suas motivações subjetivas, começam a trafegar pelos desvios do corporativismo, as instituições entram em perigosa turbulência. Oportuna, portanto, a inequívoca tomada de posição da ministra Cármen Lúcia.

Relembro, ainda, declarações semelhantes do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto. Suas palavras não deixam margem para interpretações ambíguas: “Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não há plenitude de liberdade de imprensa”. Para o ex-presidente do STF, o confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o direito à privacidade “inevitavelmente”se dará. Carlos Ayres Britto garante, porém, que a nossa Carta Magna estabelece a prioridade à livre expressão ante o direito à privacidade. “A liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”.

O interesse público está acima do interesse privado. O direito à informação, pré-requisito da democracia, reclama o dever de informar. E os meios de comunicação demandam liberdade e independência para cumprir o seu dever de informar. A privacidade dos homens públicos é relativa. O cargo público traz consigo a incontornável necessidade de transparência. “O poder”, dizia Rui Barbosa no seu belíssimo texto A Imprensa e o Dever da Verdade, “não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública até à sua vida particular deram paredes de vidro”.

Um abismo separa os ideais de Rui Barbosa dos usos e costumes da vida pública brasileira. Informação jornalística relevante é, frequentemente, considerada um abuso ou um despropósito. A informação não é um enfeite. É o núcleo da missão da imprensa e a base da democracia. Homens públicos invocam o direito à privacidade como forma de fugir da investigação da mídia. Entendo que o direito à privacidade não é intocável. Pode cessar quando a ação praticada tem transcendência pública. É o caso dos servidores públicos, dos governantes ou candidatos a cargos públicos. Os aspectos da vida privada que possam afetar o interesse público não devem ser omitidos em nome do direito à privacidade.

Não pode existir uma separação esquizofrênica entre vida privada e vida pública. Clareza e transparência, isso é o mínimo que se espera dos homens públicos. Salário de servidor não é assunto privado. É informação de interesse público. Relevante para a sociedade. O leitor tem o direito de saber.

A imprensa deve fazer o contraponto. Sempre. A ministra Rosa Weber, do STF, deferiu na quinta-feira, 30 de junho, a liminar do jornal para que as ações contra o veículo sejam suspensas. Os juízes paranaenses estão equivocados. A Gazeta do Povo fez o que devia. Cumpriu o seu papel.

* CARLOS ALBERTO DI FRANCO É JORNALISTA.

Celebração científica - PAULO GUEDES

O GLOBO - 04/07

Paixões ideológicas infectaram o ambiente acadêmico brasileiro, retardando a aplicação de princípios fundamentais de teoria econômica aos nossos mais prementes problemas. Foi ignorada a importância da dimensão fiscal para uma erradicação fulminante e permanente da inflação, com baixa taxa de sacrifício em perdas de produção e emprego. E também o papel decisivo da educação para o crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais. Na vã tentativa de transpor esse fosso de ignorância nos debates públicos em meados dos anos 1980, eu mesmo trouxe ao Brasil Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995), Thomas Sargent (Nobel de 2011) e Gary Becker (Nobel de 1992), meus professores na Universidade de Chicago nos anos 1970.

Pois bem, 30 anos depois, quase não se compram mais jabuticabas em nosso meio acadêmico, embora frondosas jabuticabeiras ainda se plantem em partidos políticos e nos governos. Nas próximas duas semanas reúnem-se no Brasil quase 500 pesquisadores das melhores universidades do mundo para apresentações de trabalhos científicos inéditos. Nos dias 6 a 9 de julho, ocorre no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) a XVI reunião anual da Sociedade para o Avanço da Teoria Econômica, com a presença de Robert Lucas. Nos dias 11 a 13 de julho, ocorre na FGV-Rio a XVII reunião anual da Associação de Teoria Econômica para Políticas Públicas, com a presença de Eric Maskin (Nobel de 2007).

Por trás dessa celebração científica está uma vida de ensino e pesquisa do probabilista, matemático e economista Aloisio Araújo, cujos 70 anos serão também festejados nos eventos. Aloisio mandou para treinamento fora mais de 150 brasileiros. “O ensino e a pesquisa são pilares da prosperidade americana. Minha vida é manter esse diálogo brasileiro com a fronteira científica mundial”, diz o economista, que se dedicou ao uso de modelos matemáticos de equilíbrio geral, teoria dos jogos, macrodinâmica e teoria dos leilões para exame de problemas brasileiros. Aloisio trabalhou na aprovação da Lei de Falências, na reprovação do modelo de partilha responsável pelo desastre do pré-sal e se engajou na cruzada pela educação infantil a partir das pesquisas de James Heckman (Nobel de 2000), também professor de Chicago nos anos 1970. Parabéns, ad astra!

Evitar a explosão - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 04/07

A situação da Previdência brasileira é semelhante ao do paciente que, vítima de doença tratável apenas com cirurgia, fica indefinidamente à espera da intervenção, mesmo ao risco de morrer, por falta de um cirurgião que se sinta competente para operá-lo. Troquem-se os substantivos — “morte” por “insolvência” — e dá-se o prognóstico do que a leniência com que sucessivos governos vêm tratando a questão das aposentadorias e do rombo no INSS acabará por produzir: um Estado insolvente, arruinado pela inevitável explosão dos gastos, decorrente de uma equação que não fecha.

Num país onde a contribuição dos assalariados financia os benefícios pagos aos aposentados, à medida que a população envelhece rapidamente o sistema produz déficits exponencialmente crescentes. É uma lógica tão clara quanto nefasta. O IBGE dá forma à equação: a contribuição de cada grupo de cem pessoas aptas a trabalhar, uma faixa que vai de 15 a 64 anos, sustenta 12 pessoas com mais de 65 anos. Em quatro décadas, se nada for feito para conter a distorção, essa relação praticamente se quadruplicará.

Hoje, essa irracionalidade já produz um rombo de RS 133 bilhões no sistema. Daqui a dois anos, o déficit da Previdência, cevado pela inércia do poder público, alcançará R$ 178 bilhões. Estima-se que em quatro anos, a contar de 2014, o buraco do sistema previdenciário terá aumentado em torno de 213%. O país paga hoje aos beneficiários do INSS quase meio trilhão de reais. Isso corresponde ao equivalente a 8% do PIB. Deixar que o fosso aumente diante dessa ordem de grandeza é receita infalível para o desastre.

O tema da reforma da Previdência é premente, mas ainda não parece ter entrado para valer na agenda do poder público. Há um alento do governo do presidente interino Michel Temer, que parece disposto a, enfim, fazer a intervenção cirúrgica no paciente.

Ao defender, num prazo mais imediato, o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos (e, em prazo mais dilatado, estendê-la para 70 anos), indistintamente para homens e mulheres, o Planalto sinaliza com propostas realistas para enfrentar a questão.

É um paradigma corrente em praticamente todo o mundo — e que, de resto, deveria ser estendido, por isonomia, também ao serviço público. O déficit atual declarado da Previdência diz respeito apenas ao setor privado, e não leva em conta o desequilíbrio do sistema que atende ao setor público federal, que passa de R$ 60 bilhões por ano, e do regime dos entes estaduais e municipais.

Mas entre a intenção e a realidade de pôr em movimento as ações necessárias à aprovação das mudanças vai alguma distância. Há fortes pressões político-ideológicas, e também corporativistas, contra mudanças. Isso, apesar de o país estar diante da maior crise fiscal de sua história, herança dos desmandos lulopetistas na economia. É preciso coragem para pegar o bisturi e proceder às intervenções que afastem o risco de uma explosão. Um desafio imediato para o governo Temer, de passar das boas intenções para a aplicação das medidas estruturais que deem racionalidade ao sistema previdenciário.


A mumificação do direito - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 04/07

Há dias, 20 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) lançaram um manifesto contra as reformas das legislações trabalhista e previdenciária, alegando que “em tempos de crise econômica, política e ética” as mudanças poderiam resultar na “descontinuidade de direitos” e comprometer o “princípio da sociedade justa e igualitária previsto na Constituição”. Agora, o texto foi assinado por cerca de 1,5 mil juízes trabalhistas. “Qualquer outro discurso contrário é inoportuno e representa grave ameaça aos alicerces e a um mercado civilizado e justo para todos. Toda e qualquer proposta de reforma deve observar a Constituição, que prevê a construção progressiva de novos direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de reduzir suas conquistas histórias e fundamentais”, disse o presidente da Anamatra, Germano Siqueira, ao site Consultor Jurídico, esquecendo-se de que, se só o ponto de vista de seus filiados fosse “oportuno”, a magistratura do trabalho não primaria pela tolerância e pelo diálogo.

Com o título Documento em defesa do Direito do Trabalho, o texto é apresentado como uma crítica à “desconstrução dos direitos sociais” e como uma resposta às mudanças que o governo do presidente interino Michel Temer pretende promover nas legislações previdenciária e trabalhista. Só a legislação trabalhista tem mais de 1,7 mil textos legais, entre leis, portarias e súmulas, com normas que muitas vezes colidem entre si, anulando-se reciprocamente e disseminando insegurança jurídica. É um primor de atraso.

Apesar de ter se limitado a dizer o óbvio, que as leis estão desconectadas da realidade econômica, tecnológica e comercial do mundo globalizado, o governo até agora não anunciou nenhuma proposta concreta. Apenas lembrou que, se não se modernizar essa anacrônica legislação, o peso dos encargos continuará comprometendo a competitividade dos bens e serviços nacionais no comércio mundial e o INSS não terá como pagar aposentadorias e pensões.

Por meio de um discurso enganoso, que passa ao largo das questões fundamentais que o País tem de enfrentar para voltar a crescer, a magistratura trabalhista está criticando um projeto de reformas legais que nem sequer foi formulado, o que dá a medida do enviesamento político e ideológico da corporação. Seus membros se esquecem de que, no Estado de Direito, os integrantes do Judiciário têm a atribuição de aplicar a lei, enquanto a tarefa de elaborá-la e aprová-la é do Executivo e do Legislativo. Juízes são escolhidos por concursos públicos com base no princípio do mérito, enquanto o presidente da República e os deputados federais e senadores são escolhidos em eleições livres com base na regra de maioria. Nas democracias onde existe a separação de Poderes, juízes não se imiscuem na tomada de decisões políticas e na elaboração legislativa, funções que competem a outros Poderes.

Quando classifica eventuais mudanças legislativas como “agressão” ao Direito do Trabalho, acusando-as de “desproteger 45 milhões de trabalhadores, vilipendiar 10 milhões de desempregados, fechar os olhos para milhares de mutilados e revelar-se indiferentes à população de trabalhadores”, a magistratura trabalhista sai de seu terreno institucional para invadir a jurisdição dos demais Poderes. Se não concordarem com o teor das reformas, quando forem anunciadas e justificadas pelo governo, os juízes podem agir como os demais cidadãos, expressando sua posição política pelo voto.

Também não é de hoje que, ignorando que as leis não podem ser textos perenes, porque a sociedade muda e os avanços da tecnologia introduzem novas formas de relações sociais e econômicas, a magistratura do trabalho se mantém contra o uso de métodos alternativos mais modernos nos conflitos laborais, como os mecanismos de conciliação e arbitragem. O documento assusta pela alienação, pelo irrealismo e pela irresponsabilidade, na medida em que o que defende, em pleno século 21, é a mumificação dos direitos trabalhista e previdenciário.


O sistema contra-ataca - MARCOS NOBRE

VALOR ECONÔMICO - 04/07

O sistema conseguiu um razoável grau de blindagem


Soltar o ex-ministro Paulo Bernardo após seis dias de prisão foi um marco. Não por causa da controvérsia jurídica em torno da decisão do ministro do STF, Dias Toffoli. Não faltam nos últimos tempos decisões judiciais inteiramente fora da curva da jurisprudência. A soltura sinaliza principalmente o objetivo de pôr freio ao voluntarismo da turma de Curitiba e às prisões de prazo ilimitado da Lava-Jato.

Como a prisão foi decretada por outro juiz que não Sérgio Moro, é a oportunidade perfeita para testar a nova velha maneira de lidar com o assunto sem cutucar diretamente a onça da moralidade nacional. Estabelecer que políticos sem privilégio de foro responderão a seus processos em liberdade significa que políticos com privilégio de foro poderão com muito mais razão dormir tranquilos.

É mais uma peça no contra-ataque organizado do sistema político para retomar pelo menos parte do controle sobre seu próprio destino. A senha foi dada pela divulgação, há cinco semanas, das gravações de Sérgio Machado que incriminavam toda a cúpula histórica do PMDB. E o primeiro alvo do contra-ataque foi o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. A prisão de Delcídio do Amaral, líder do governo, senador no exercício de seu mandato, no final de novembro de 2015, foi aprovada pelo Senado sem quase nenhum ruído, a toque de caixa. O pedido tinha sido feito por Janot e tinha sido aceito pelo STF.

Já quando Janot pediu a prisão de José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá a partir de gravações muito mais comprometedoras, o estardalhaço da reação foi ouvido por toda parte. O pedido foi taxado de descabido, excessivo e arbitrário. Mais que isso, foi negado pelo STF. A partir daí, Janot foi acusado de ser responsável pelo vazamento dos vídeos estarrecedores de Sérgio Machado e ameaçado de impeachment. Pela primeira vez desde o início da Lava-Jato, um vazamento foi criminalizado. E Janot foi para a defensiva. Na ofensiva, Renan Calheiros ameaça agora aprovar projeto de lei que, entre outras coisas, pune quem der "início a persecução penal sem justa causa fundamentada".

Também fazem parte do contra-ataque eliminar focos de resistência ao governo interino. O mais saliente talvez tenha sido o dirigido à turma da cultura. Se a turma incomoda, se é eficaz em fazer barulho no país e no exterior, operações da Polícia Federal que mostram falcatruas na lei de incentivo à cultura ajudam a confundir joio e trigo. Não têm nada que ver com o pessoal que ocupou prédios por todo o país, ou que levantou cartazes em tapetes vermelhos para protestar contra o governo interino. Mas são suficientes para levantar a suspeita e a dúvida de que por trás de um artista também possa se esconder um criminoso.

Outras operações da Polícia Federal atendem a outro objetivo, complementar. Se não fosse uma ofensa muito grave ao filme de Michael Curtiz, deveriam todas se chamar "Operação Casablanca". Porque seguem a máxima do chefe de polícia que, ao final do filme, manda prender "os suspeitos de sempre". Na versão local, são personagens conhecidos das páginas policiais da política, de filme já bem queimado, Carlinhos Cachoeira à frente. Com isso, garante-se que o show continue, só que bem longe dos políticos, especialmente aqueles com mandato. Deslocamentos de delegados da Lava-Jato para outras funções sem que substitutos tenham sido designados fazem parte do novo quadro.

O contra-ataque já produziu confiança suficiente no interior do sistema político para, por exemplo, permitir a retirada da urgência das medidas anticorrupção da pauta de votações da Câmara. Elaborada pelo Ministério Público, sob a liderança da força-tarefa da Lava-Jato, as medidas foram recebidas pelos deputados com festa. Tietaram o procurador Deltan Dallagnol, prometeram urgência e empenho, tiraram fotos e distribuíram abraços. E, em seguida, mandaram um beijinho no ombro de Brasília para Curitiba. Para completar a chacota, o Senado ameaça liberar o funcionamento dos cassinos ainda esta semana, contra todas as advertências do Ministério Público sobre o risco de esses estabelecimentos se tornarem verdadeiras fábricas de lavagem de dinheiro.

Com esse bem organizado contra-ataque, Michel Temer caminha para cumprir a primeira promessa de campanha que fez a seu eleitorado. A impressionante rapidez com que alcançou o objetivo é um dos fatores que explicam a confiança e a segurança que o governo interino passou a demonstrar a partir da semana passada. É um governo que pode se orgulhar de ter conseguido devolver ao sistema político condições mínimas para funcionar segundo os padrões em que funcionou nas últimas décadas. É um governo que se sente suficientemente forte agora para consolidar a restauração da normalidade de uma república pemedebista.

Pode parecer cedo para tanta confiança, especialmente em vista da permanente caixinha de surpresas que é a Lava-Jato. Mas confiança é fundamental, tanto em política quanto em economia. Consegue-se com ela apoio no Congresso e investimento produtivo. E não é pouca coisa o sistema ter conseguido contra-atacar e colocar na defensiva a Lava-Jato mesmo tendo no colo o terremoto das gravações de Sérgio Machado. Mostra que um razoável grau de blindagem foi alcançado. Não é garantia de tranquilidade, mas é incomparavelmente menos inseguro para a política oficial do que o clima que prevaleceu até o afastamento de Dilma Rousseff.

Foi até agora apenas um contra-ataque e não um movimento que tenha definitivamente colocado a Lava-Jato em ritmo de lavagem manual e a seco, sem pressa. Mas foi suficiente para gerar no sistema a expectativa de que a punição de políticos foi estendida para um horizonte agora distante e imprevisível. Foi suficiente para gerar a expectativa de que a responsabilização de políticos por crimes será muito mais restrita e restritiva, indo imediatamente para o cadafalso apenas um ou outro dos suspeitos de sempre, Eduardo Cunha à frente. A realização ou não dessas expectativas depende agora de como a turma da Lava-Jato irá reagir ao contra-ataque.

Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Privatizações! Eis o remédio mais eficaz para combater o crime de lesa pátria do PT - REINALDO AZEVEDO

BLOG DO REINALDO AZEVEDO - 04/07

O país poderia agora estar prestes a vender ativos e a fazer concessões porque é o melhor para os brasileiros. Mas há uma urgência adicional: minorar os estragos do petismo



Que coisa, né? O Brasil poderia agora — na verdade, já deveria tê-lo feito muito antes — estar se preparando para empreender a privatização apenas virtuosa de estatais. Em vez de fazê-lo para minorar a herança maldita do PT, estaria a tanto se dedicando para atrair investimentos, para melhorar a qualidade dos serviços prestados ao distinto público — vale dizer: aos pobres —, para aumentar a eficiência da economia.

Atenção! É claro que uma nova rodada de privatizações terá também todos esses aspectos positivos. Mas não é menos verdade que ela passou a ter uma urgência quase dramática em face de um país que está, obviamente, quebrado.

Segundo http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1788211-governo-preve-arrecadar-ate-r-30-bilhoes-com-privatizacoes-em-2017.shtml reportagem da Folha, o governo Temer espera arrecadar com um programa de privatizações e concessões algo entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Acho um volume baixo, o que caracterizaria uma ambição ainda modesta.

Na lista de empresas, diz o jornal, estariam a Caixa Seguridade, o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), participações da Infraero em aeroportos e concessões de rodovias, portos e aeroportos.

É evidente que acho uma boa medida. Para ser ainda mais claro: no meu modelo ideal, não sobra uma só estatal nem para fazer remédio. Nada! Restringiríamos a presença do Estado às áreas em que ele se mostra essencial num país com as características do Brasil: saúde, educação e segurança pública — no caso das duas primeiras áreas, o capital privado podendo atuar livremente.

Assim, que o governo privatize à larga, mas é preciso deixar claro que estamos com uma premência: o déficit deste ano está previsto em R$ 170,5 bilhões — terceiro ano consecutivo no vermelho. No ano que vem, os cálculos variam entre R$ 135 bilhões e R$ 150 bilhões negativos. Em 2018, é provável que se estará ainda com déficit. O realismo aponta para a volta do superávit só em 2019.

Eis o que o PT fez com a economia brasileira. A receita derivada da venda de ativos e de concessões servirá para minimizar o desastre. Digam-me: isso é ou não é a cara do petismo? Estamos ou não diante do mais óbvio resultado de uma equação asnal? O partido passou a sua existência demonizando as privatizações, muito especialmente nos 13 anos que em passou no poder. Nesse tempo, elevou à estratosfera os gastos públicos e jogou a economia no abismo.

Agora, as demonizadas privatizações — e a peteza continuará a atacar a proposta, não duvidem — terão de vir não só porque são o melhor para o Brasil e para os brasileiros, não só porque aumentam a eficiência da economia, não só porque atraem investimentos, não só porque geram empregos, riqueza e renda, mas também para minorar os desastres provocados pela companheirada.

A herança que PT deixa pode, sem exagero, ser chamada de crime de lesa pátria.


O voto e a corrupção - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 04/07

“Passou a hora de dizer a verdade” CARLINHOS CACHOEIRA, ex-bicheiro, preso pela Operação Saqueador, aspirante a delator



Ao preço de queimar a língua ou os dedos, digo que a corrupção política deverá ceder um pouco, mas não muito, tão logo a Lava-Jato se torne uma vaga lembrança. Para que não fosse assim, o Congresso deveria aprovar uma abrangente reforma política capaz de aproximar a vontade do eleitor ao votar e o resultado final das eleições. Bastaria? Certamente que não. Mas sem dúvida seria um passo adiante.

MAS COM ESTE Congresso? Com este governo que deixará de ser interino, mas que nem por isso deixará de ser conservador? Sempre que se reclamava da má qualidade do Congresso ao deputado Ulysses Guimarães, condestável da República nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar de 64, ele respondia: “É porque vocês ainda não viram o próximo”. Estava certo.

A POLÍTICA ENTRE nós degradou-se desde então. E faltam sinais convincentes de que se recuperará. Estreitou-se no Parlamento o espaço para a discussão de ideias. Ele abdicou da tarefa de propor leis. Limita-se a dizer sim ou não às que emanam do Executivo. Política virou um negócio para enriquecer os que a praticam. O Judiciário ganhou um protagonismo excessivo e perigoso.

EM NOVEMBRO do ano passado, pela primeira vez desde 1990, a corrupção alcançou o lugar mais alto do pódio das preocupações dos brasileiros. Com 34%, ela superou a Saúde (16%), o desemprego (10%), e a Educação e a Segurança, empatadas (8%), segundo pesquisa Datafolha. No final de janeiro último, a corrupção continuou no alto, mas o combate a ela cedeu a prioridade para Saúde e inflação.

“OS ELEITORES NÃO castigam a corrupção” como deveriam fazê-lo nem aqui nem em nenhuma outra parte do mundo. “A pesquisa acadêmica mundial concorda que o voto não é uma ferramenta satisfatória de controle político”, observa Jordi Pérez Colomé em reportagem publicada pelo jornal “El País” a propósito dos resultados da recente eleição espanhola para a formação de um novo governo.

GANHOU, ALI, o Partido Popular, apesar de atingido nos últimos anos por pesadas denúncias de corrupção. “Não somos um país diferente. O nível de penalização da corrupção aqui é similar ao de outros países”, diz Elena Costas, professora da Universidade Autônoma de Barcelona. Ela e outros acadêmicos listaram alguns motivos para isso, nada estranhos à realidade brasileira.

PARA COSTAS, “só se tem um voto e quer se dizer muitas coisas. A corrupção não é castigada porque nos afeta pouco. Quando um cidadão decide seu voto valoriza sua ideologia, seus impostos, os candidatos alternativos ou quem vai construir uma ciclovia. A corrupção pode ser um fator, mas é difícil que seja o principal, e seguramente não é o único”.

PARA GONZALO RIVERO, doutor em Política pela Universidade de Nova York, “o voto é ideológico e partidário. Se protegeram sua pensão e sua poupança, você agradece votando”. Acrescenta Jordi Muñoz, professor da Universidade de Barcelona: “Os seguidores de um partido tendem a ver a corrupção desse partido como menos grave”. Ou como algo comum a todos os partidos. (Alô, alô, PT!)

OS ESTUDIOSOS OUVIDOS ressaltam que há vezes em que a corrupção se impõe, mas esses “são casos extraordinários” que exigem intervenção judicial em grande escala e uma cobertura total dos meios de comunicação. Aconteceu na Itália com a Operação Mãos Limpas. Em resumo: “Os políticos corruptos perdem votos, mas não o bastante para deixarem de governar”, reconhece Costas.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DEVASSA DA LAVA JATO CHEGA AOS TRÊS PODERES

Os brasileiros devem enfrentar fortes emoções nas fases seguintes da Operação Lava Jato, previstas para este mês de julho. É que, após sacudir os poderes Executivo e Legislativo com as investigações, a força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal deve desembarcar em grande estilo no Poder Judiciário, segundo afirmam atentos advogados criminalistas. “Nitroglicerina pura”, jura um deles.

ABALO SÍSMICO
Nas rodas de conversa de juristas e políticos, em Brasília, discute-se a capacidade de a democracia brasileira não suportar o abalo sísmico.

FIM DO MUNDO
Além dos acordos de leniência da OAS e de delação premiada do seu ex-presidente Leo Pinheiro, a de Marcelo Odebrecht promete barulho.

ESTADO DE CHOQUE
A demora no fechamento das delações da OAS e Odebrecht decorre do impacto já provocado entre os poucos que as conhecem.

LISTA ODEBRECHT
Ainda há o escândalo da lista apreendida pela PF, em março, na casa de um funcionário da Odebrecht, onde aparecem mais de 300 políticos.

CUNHA ACHA QUE CCJ ANULARÁ DECISÃO DO CONSELHO
O deputado Eduardo Cunha anda confiante no recurso à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) contra a recomendação do Conselho de Ética para sua cassação. Ele aponta duas supostas ilegalidades: (1) a votação nominal, e não eletrônica, adotada (como na comissão do impeachment) para evitar o “efeito manada”, e (2) o impedimento do relator Marcos Rogério (DEM-RR), por haver trocado de partido.

TROCOU, PERDEU
Membros do Conselho de Ética são indicados pelos líderes. Por isso, ao trocar de partido, Marcos Rogério perderia seu lugar no colegiado.

ESTACA ZERO
Se conseguir anular a participação do relator Marcos Rogério, Eduardo Cunha conseguirá fazer seu processo voltar à estaca zero.

MAIORES CHANCES
Aliados acham que, na CCJ, é bem mais expressiva que no Conselho de Ética a chance de Eduardo Cunha obter maioria de votos.

TIREM A MÃO DO MEU BOLSO
Em cerca de um mês e meio, o governo tomou R$5,7 bilhões por dia do contribuinte brasileiro, o que é trocado em relação à arrecadação anual: mais de R$1 trilhão até agora, e prováveis R$2,3 trilhões até dezembro.

TEORIA DO CAOS
O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) está indignado com as ameaças de invasão e depredação para impedir a instalação da CPI da UNE, que faturou ao menos R$ 44 milhões nos governos do PT. “Há solidariedade com um projeto criminoso. É a teoria do caos”, acusa.

A FAVORITA
Mesmo com o presidente, Marcelo Odebrecht, preso há mais de um ano, a empreiteira favorita de petistas não parou de faturar alto com o governo federal. A empreiteira recebeu R$377,5 milhões desde janeiro.

FORTE LIGAÇÃO
É pura fofoca a “iminente separação” da jornalista Cláudia Cruz do marido, Eduardo Cunha, segundo amigos do casal impressionados com a ligação entre os dois. Mas um desses amigos observa: “Se ela um dia for presa por causa disso tudo, aí sim, ele desmorona...”

ILUMINAÇÃO MILIONÁRIA
A Câmara gastou mais de R$19 milhões sem licitação desde o início do ano. A maior parte, R$13 milhões, foi para o “serviço de iluminação” dos novos apartamentos funcionais de seus deputados, em Brasília.

ABUSO INTOLERÁVEL
Um rapaz de 19 anos em São Paulo e um de 17, no Ceará, foram presos em casa, ao amanhecer, porque publicaram em redes sociais críticas à Polícia Militar. É contra esse abuso de autoridade que deveriam agir os políticos, e não ameaçar os que investigam corrupção.

LEGADO ZERO
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) considera que, apesar de Copa do Mundo, Olimpíadas, Jogos Panamericanos, Jogos Militares, Jogos Universitários etc, o legado esportivo no Brasil é “nenhum”.

COM O SEU DINHEIRO
A crise financeira aperta todas as áreas da economia, mas o governo federal, de Dilma e Temer, torrou quase R$220 milhões, de janeiro a maio deste ano, com diárias pagas a funcionários públicos.

PERGUNTA ÀS 6H DA MATINA
O recesso do Judiciário vai mesmo dar uma pausa na Operação Lava Jato?