sábado, abril 16, 2016

O dia D - SACHA CALMON

ESTADO DE MINAS - 16/04

O Brasil viveu uma semana decisiva de sua história. O que for decidido determinará o futuro da nação para as próximas gerações. Muitos acham pouco tirar do poder o PT, Dilma e Lula. Querem mais: mil reformas, fim de todos os partidos, a prisão em massa de todos os políticos e eleições gerais. A tanto chegaram pelo desencanto com os 13 anos de poder do "lulopetismo" e suas alianças.

É de se perguntar se toda essa gente está unida e com programas coerentes de governo. Se os seus respectivos partidos estão formados. Uma coisa é a revolta justa e difusa de parte do nosso povo e, outra, bem diversa, um projeto organizado de nação. Foi por não tê-lo, alegando o contrário, que Lula, com a sua ignorância, lábia, má-fé e falta de caráter, enganou muita gente o tempo todo. Não fez as reformas estruturais e nos trouxe ao desastre ético e econômico atual, dividindo o país. E já se prepara para fazer uma oposição ferrenha ao futuro governo, brandindo a tese de que seu partido teria sido vítima de um golpe de Estado antidemocrático, "esquecido" de que patrocinou oito pedidos semelhantes contra FHC.

O primeiro requisito das mudanças radicais em nosso país passa pelo respeito à Constituição, sem delírios, utopias, casuísmos, conjecturas sem lastro legal e na realidade. Cada coisa a seu tempo e cada dia com a sua agonia.

Existem três caminhos postos: o impeachment (assume o vice, a pôr em prática um governo de transição na tentativa de evitar o desastre econômico e social em curso); a renúncia da presidente, ao que parece, descartada; e o remoto julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, com a convocação de eleições em 90 dias. Cada dia perdido, porém, são mais desempregados no mercado, fechamento de estabelecimentos, aumento do déficit na contas do governo e agravamento da recessão. Cálculos realistas nos dão conta de um déficit de R$ 300 bilhões em 2016 (ao revés de R$ 130 bilhões) caso Dilma continue no poder; e uma recessão de 4% na economia. Em qualquer circunstancia, em 2017, se houver crescimento, não será mais do que 0,2%.

Enquanto isso, temos que seguir o calendário eleitoral: as eleições municipais deste ano e gerais em 2018, reorganização das forças políticas de acordo com as correntes de pensamento exibidas pela sociedade durante a crise e depois dela.

Na hipótese de não haver impeachment será o caos. Havendo - enquanto o país discutirá as muitas reformas necessárias e configuradoras de uma nação democrática e economicamente viável, a ser decidida em 2018 -, a tarefa mais urgente é a econômica. A simples notícia de êxito no impeachment faz a bolsa subir, o dólar e o euro caírem e aumenta o afluxo de capitais externos, além das consultas para aquisição de empresas no Brasil. O mundo aguarda o fim do populismo no Brasil.

As reformas da Previdência, trabalhista e tributária (simplificadora) precisam ser encaminhadas. É preciso cortar gastos, diminuir o Estado e impulsionar as concessões de ferrovias, portos, aeroportos, estradas, saneamento, linhas de transmissão, além do plano nacional de desestatização e eliminação da burocracia. Se o governo não tem como investir, que se chame o setor privado. Ao governo cabe parar de gastar mais do que arrecada e fazer o ajuste fiscal, com sangue, suor e lágrimas. Acredito que os brasileiros deviam dar um voto de confiança ao vice-presidente - que bem pode surpreender nossa sociedade descrente e desorientada.

Não podemos inventar saídas, nem teses, nem soluções não previstas na Constituição nem rejeitar tampouco as saídas nela radicadas para a resolução dos conflitos políticos que venham a ocorrer na República, mormente envolvendo o processo de impedimento do presidente da República.

Por último, uma advertência. O PT, na linha dos partidos sectários vermelhos, durante e depois do processo de impeachment, bem-sucedido, desencadeará ações legais e ilegais para enevoar o ambiente político e mobilizar suas quintas-colunas, como o MST e quejandos, como sempre fez, enquanto foi oposição. Não aprovou nem a Constituição de 1988, nem o Plano Real, para se ter uma ideia de sua indecorosa atuação no passado.

Cabe relembrar Ulysses Guimarães: "A democracia é o regime em que os governados mudam os governantes e, sem violência, fazem mudanças com ou mesmo contra a vontade dos governantes".

Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Que seja apenas o começo - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 16/04
O PT colhe hoje o que plantou. Quando oposição, o partido se insurgia contra a corrupção, contra acordos com a direita e a elite financeira e prometia ética na política. Ao deixar a planície e se instalar no Planalto, sofreu metamorfose estupenda. Logo no primeiro governo Lula, o mensalão escandalizou o Brasil. Até hoje, cenas de Jefferson denunciando a maracutaia - "Sai daí, Zé!" - estão frescas na memória dos brasileiros que acompanharam o desenrolar do escândalo. À época, em pronunciamento, Lula se disse traído e afirmou que o PT devia desculpas à nação.

Até hoje, o país aguarda o mea-culpa petista. Em vez disso, o que todos viram e veem é que, na prática, os condenados do mensalão foram saudados pelos bons companheiros como "guerreiros do povo brasileiro". Além disso, o partido aprofundou a guinada à direita, aliando-se a todos que acusava de corruptos e culpava pelo atraso do país. Nessa lista, encabeçada pela elite financeira, estão banqueiros, empreiteiros, Collor, Maluf, Sarney, Renan, Jucá, Jader Barbalho, Temer, Cunha e toda a banda podre do PMDB, sem exceção.

Veio, então, a descoberta do bilionário esquema de desvio de dinheiro da Petrobras e de outras estatais, de venda de medidas provisórias, de Belo Monte, de obras da Copa, da transposição do São Francisco etc., evidenciando que o assalto aos cofres públicos deixou de ser mero ponto fora da curva. Tornou-se método. Investigações apontam que a ladroagem, além de servir para enriquecimento pessoal, passou a financiar a perpetuação do partido no poder.

Tradução: quem votou no PT esperando ética na política acabou vítima de estelionato eleitoral. Falando em português claro: acabou vítima de um golpe. Mas, numa total inversão de valores, quem anda sendo chamado de golpista pelo PT são os cidadãos a favor do impeachment de Dilma. Não cola. O Brasil que exige o impedimento dela tampouco avaliza Temer ou Cunha. Sabe que são apenas sócios que brigaram e agora estão em lados opostos. O sujo e o mal lavado. Quer uma prova? Veja: pesquisa Datafolha apontou que 58% da população é igualmente a favor do afastamento de Temer. E que 80% defendem a cassação de Cunha. Ou seja: se depender dos brasileiros, a lista dos políticos a serem defenestrados é longa. Dilma figura apenas como a primeira da fila.

Entre Dilma e a lógica - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/04

SÃO PAULO - Como pensamos? Um modelo popular entre neurocientistas é o das redes neurais. Neurônios que disparam juntos formam uma conexão que se liga a outros neurônios e conexões, formando redes que podem ser ativadas por contiguidade. Se eu gosto de uma pessoa ou de uma ideia, elas integrarão um circuito em meu cérebro que, quando disparado, produzirá sentimentos positivos e inibirá o acionamento de redes concorrentes.

Isso explica por que o militante tem dificuldade em dissociar fatos de sentimentos. Numa ilustração do fenômeno, muitos comunistas se recusaram a acreditar nos crimes de Stálin, mesmo quando denunciados "de dentro" por Khrushchov. Entre uma verdade dolorosa e o investimento emocional e social que haviam feito na ideia de uma sociedade mais justa, ficaram com o segundo.

Algo parecido acontece com o impeachment. Simpatizantes do PT não conseguem ver as acusações contra Dilma como graves o bastante ou suficientemente provadas para justificar o afastamento. É uma posição compreensível do ponto de vista psicológico. Eu diria até legítima. O problema é que é difícil conciliá-la com a atitude que esses mesmos militantes adotaram em situações análogas.

Tomemos o caso Collor. Seu impeachment teve o apoio maciço da esquerda, que não parecia muito preocupada com os aspectos jurídicos do processo. Quando o caso foi avaliado de forma mais técnica pelo STF, o ex-mandatário foi absolvido por insuficiência de provas. Ora, se a lógica formalista que o PT defende hoje é a correta, então o partido participou em 1992 de um golpe contra um governo legitimamente eleito.

Se, como sustento, o impeachment é essencialmente um processo político, então o PT não precisa desculpar-se pelo que fez em 92 e, de novo, em 93 e 99, quando integrantes do partido pediram o impeachment de Itamar Franco e FHC. Entre Dilma e a lógica, fico com a lógica.

Fim de caso - IGOR GIELOW

Folha de SP - 16/04
É improvável, mas Dilma Rousseff pode até sobreviver ao voto deste domingo (17) na Câmara. Ninguém, contudo, crê na subsistência de seu ex-governo.

Lula anunciou que assumiria na prática em caso de vitória, enquanto a presidente fugia de um estapafúrdio pronunciamento de TV e bolava a próxima judicialização do inevitável. Na prática, já vivemos o pós-Dilma.

Há muita gente com boas intenções que denega as pedaladas como motivo de impedimento. Fosse o processo de degola um juízo penal, a dosimetria da pena talvez não entregasse a cabeça da soberana; as mãos bastariam, digamos.

Mas impeachment é julgamento político embasado por uma lei segundo a qual quase qualquer coisa é motivo de deposição; essas são as regras hoje. Dilma só chegou onde está por encabeçar um governo nulo e uma recessão. Fim de caso.

Outro ponto dos adversários do impeachment é o ético. Argumenta-se que Eduardo Cunha é o anticristo, que as hienas famintas do PMDB e dos PPs da vida irão refestelar-se e que a Lava Jato morrerá.

O mérito sobre os atores está correto, isso é óbvio. Mas era diferente com o PT e esses mesmíssimos aliados? Mensalão e petrolão, sofisticações agigantadas de esquemas atávicos de corrupção, são invenções exógenas? A lógica do "todos são iguais" legitima Dilma na cadeira?

Mais: a Lava Jato já está sob ameaça, e pelo governo, mas sobrevive e trabalha numa rodada fatal de delações. É um trem sem freios que Temer não teria como parar, se quisesse, isso se não acabar atropelado por ele.

Se assumir, o vice terá de usar a janela que ele mesmo citou, de três ou quatro meses, para viabilizar-se. Como isso implica melhoria de expectativas econômicas, ajuste, manutenção de apoio entre carniceiros, acenos ao social, liberdade para a Lava Jato e suportar Lula e o PT, falamos de um cenário quase intangível.
Ruim, sim. A alternativa é melhor?

O bom senso interrompido - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 16/04

O Supremo Tribunal Federal (STF) é a instância máxima do Judiciário, mas, malgrado seu nome, não é o poder supremo do País, acima dos demais. Por essa razão – e não é preciso ser constitucionalista para saber disso –, o Supremo não pode discutir decisões soberanas do Legislativo, como o impeachment de um presidente, se estas forem adotadas segundo o mandamento constitucional. Mas não é bem isso o que pensam alguns dos ministros do STF.

Mesmo depois que a Corte concluiu, na sessão extraordinária de quinta-feira, que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff caminha totalmente dentro da legalidade, descartando-se de vez a tese petista do “golpe”, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, informou ao País que, sim, Dilma poderá recorrer àquele tribunal caso queira refutar a decisão do Congresso de destituí-la.

“Não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação dos atos imputados à senhora presidente no momento adequado”, afirmou Lewandowski, ao final de mais de sete horas de sessão, durante as quais os ministros do STF decidiram manter o rito de votação do impeachment estabelecido pela Câmara e também descartaram ter havido cerceamento da defesa, como alegavam os defensores de Dilma.

Ou seja, no mesmo dia em que o Supremo atestou a lisura e a constitucionalidade de todos os procedimentos relativos ao processo de impeachment até aqui, recusando-se a dar guarida às chicanas do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e de parlamentares governistas, o presidente escancarou as portas da Corte para quem quiser usar as faculdades do Judiciário para questionar, tumultuando o País, a decisão do Congresso.

Tal admissão torna-se ainda mais patética quando se observa que o julgamento de Dilma no Senado será presidido pelo próprio Lewandowski, conforme manda o rito constitucional. Ou seja: o ministro considera que mesmo uma decisão do Congresso da qual ele pessoalmente tomará parte pode vir a ser alterada no Supremo. Trata-se de evidente despautério, que reforça, por meio de um falso formalismo, uma tradição de insegurança jurídica que tanto mal causa ao País.

Até aqui, o Supremo vinha se deixando enredar pelo ativismo de alguns de seus ministros, cujas decisões mais confundiam que esclareciam. Anteontem, a Corte resolveu que, nesta hora tão dramática, era fundamental realizar uma sessão plenária para dar caráter institucional e terminativo à sua decisão. O resultado, até a infeliz intervenção do presidente Lewandowski, incentivado pela dissidência do sempre discordante Marco Aurélio Mello, foi o bom senso.

Em primeiro lugar, o Supremo entendeu que não lhe cabe decidir sobre o regimento de outros Poderes. Depois, demonstrou que não procedia a reclamação de cerceamento do direito de defesa de Dilma, porque o processo de impeachment ainda está na fase de admissibilidade.

É claro que não se chegou a esses resultados sem percalços. Dois dos ministros – o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio Mello – tudo fizeram para embaraçar a Corte. Marco Aurélio, por exemplo, sustentou que houve, sim, cerceamento do direito de defesa de Dilma. Foi também de sua lavra o argumento de que a ordem de votação do impeachment poderia desvirtuar a neutralidade do julgamento. Em resposta, teve de ouvir do ministro Gilmar Mendes o óbvio: que não se pode esperar neutralidade dos deputados, partidários por definição, e que cabia ao Supremo apenas observar se estava sendo respeitado o devido processo legal – e, sobre isso, não há até aqui nenhuma dúvida.

Coube a Lewandowski, porém, a mais preocupante intervenção. Ao mandar constar da ata a possibilidade de “reexame” da tipificação dos atos imputados a Dilma, o presidente do Supremo abriu caminho para que eventualmente se tumultue o processo de cassação, permitindo que se questione decisão soberana do Congresso.

A judicialização da crise política é um estímulo para que Dilma e os petistas coloquem em execução o único recurso que lhes resta numa disputa perdida: a procrastinação ad infinitum do processo. Essa ignomínia submeteria a Nação a uma angústia e a sofrimentos que acabariam por solapar os fundamentos sobre os quais repousa uma democracia.

Em defesa do Estado - DORA KRAMER

ESTADÃO - 16/04

De alguns dias para cá entrou no radar da oposição a hipótese de a presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros avaliarem a decretação de Estado de Defesa no País se o resultado de amanhã na Câmara for pelo impeachment e isso provocar graves conflitos de rua. A alegação, ameaça à ordem pública, à paz social ou à estabilidade institucional.

O tema foi posto na mesa do presidente do Senado, Renan Calheiros, por um grupo de parlamentares que se reuniu com ele na última quarta-feira. O encontro teve dois momentos: um ampliado, quando se tratou do rito na Casa caso o processo venha a ser aberto; no outro, mais reservado e com compromisso de sigilo, a preocupação foi transmitida a Calheiros e pedido a ele que “prestasse atenção” à possibilidade.

A suspeita se baseia em alguns indícios. O mais forte deles, a informação transmitida por um ministro do Supremo Tribunal Federal com acesso à cúpula do PT. Segundo ele, a edição do decreto estaria sendo cogitada como uma maneira de fortalecer o discurso do “golpe” e estratégia de fazer da presidente e do partido vítimas políticas do processo, com o olhar já voltado para o cenário da deposição.

Outro dado que alimenta a desconfiança é o teor radical do discurso petista, de ameaça de incendiar as ruas, de inviabilizar eventual governo Michel Temer, do aviso do Planalto que não vai parar de lutar (a despeito das derrotas sofridas na Justiça), de montar um “bunker” de resistência no Palácio da Alvorada _ usando a residência presidencial como aparelho partidário. O silêncio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva nos últimos dias é também motivo de estranheza.

Um terceiro sinal passou a ser considerado a partir de recentes impressões dos ministros relatores no STF das ações decorrentes das operações Zelotes e Lava Jato, Carmen Lúcia e Teori Zavaski, a um interlocutor da área militar, segundo as quais o Brasil “não imagina a gravidade” do que está por ser revelado. Gravidade esta que estaria relacionada às circunstâncias penais de Lula e Dilma quando da perda de foro especial de Justiça decorrente da queda do atual governo. Nessa perspectiva, a eles reataria a luta no âmbito político. Não que uma eventual decretação de Estado de Defesa proporcionasse imunidade.

O que é o Estado de Defesa? Instrumento previsto na Constituição por intermédio do qual o presidente da República busca preservar, “em locais restritos e determinados, reestabelecer a ordem pública, a paz social, a iminente instabilidade institucional ou a alcançar áreas atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Ato que obrigatoriamente precisa ter o aval do Congresso.

Se decretado, implica restrições de direitos de reunião, de sigilo de correspondência, de sigilo de comunicação (telegráfica e telefônica). Pela lei, o Executivo deve consultar os conselhos de Defesa e da República, ambos atualmente inativos. Ainda assim, se o ato for de mera propaganda sem a preocupação da aprovação do embasamento jurídico, Dilma pode editar o decreto e mandá-lo diretamente ao Parlamento, onde obviamente seria derrubado.

Mas reforçaria a argumentação de que o governo recorreu a todas às ferramentas legais e, ainda assim, foi “golpeado”. Objetivamente, trata-se de um esperneio. E por que não o Estado de Sítio? Porque não tem vigência imediata e depende de aprovação prévia (não referendo, como no Estado de Defesa) no Parlamento, onde a presidente não está numa situação que se possa considerar confortável.

As três fases de Lula - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de SP - 16/04


Lula informa que, consumado o impeachment, "não sairá das ruas", comandando uma campanha por "Diretas Já!". Desde a inauguração do segundo mandato de Dilma, essa será a terceira fase de Lula. Tanto quanto nas duas anteriores, suas finalidades reais ocultam-se sob as motivações proclamadas.

A primeira fase, que se estendeu ao longo do ano passado, foi a da ruptura informal com o governo. Dilma 1 –de fato, o terceiro mandato de Lula– consagrou a "matriz econômica" do PT, destruindo o equilíbrio fiscal e as finanças da Petrobras e da Eletrobras. Dilma 2 tinha que consertar o estrago –ou rumar em linha reta para um "abismo argentino". O giro ortodoxo, expresso pela nomeação de Joaquim Levy, contou com o respaldo de Lula, que não divergia sobre política, mas apenas sobre nomes, preferindo Henrique Meirelles. Contudo, a ruptura nasceu ali: o capo di tutti capi seguia o impulso de se preservar das consequências do estelionato eleitoral e da política de ajuste das contas públicas.

Na saída "pela esquerda", Lula restaurou seu controle sobre a área de influência de sindicatos e "movimentos sociais", extinguindo a chama de uma oposição de esquerda ao lulopetismo. À luz do dia, o capo fustigou a casamata da Fazenda, até a queda de Levy. Na calada da noite, orientou a rebelião da bancada petista contra as medidas do ajuste fiscal. A hipótese do impedimento de Dilma foi inscrita na equação lulista como uma solução positiva da crise –desde que pudesse ser narrada como um "golpe das elites" contra o "governo popular". No fim das contas, um impeachment amparado na justificativa arcana das pedaladas fiscais transferiria para o novo governo o fardo da limpeza das estrebarias econômicas legadas por Dilma 1.

A segunda fase, que chega ao epílogo, é a da ruptura da ruptura. Do ponto de vista de Lula, o impeachment converteu-se de solução positiva em perspectiva assustadora desde que a Lava Jato avançou sobre o cipoal de suas nebulosas relações com as empreiteiras e o BNDES. A brusca correção de rota obedeceu ao impulso de buscar no Planalto um escudo de proteção contra as investigações judiciais. Sem abdicar do ataque aos andrajos da política de ajuste fiscal, o capo reatou com Dilma, tramando sua elevação ao posto de ministro plenipotenciário do governo agonizante.

Nessa fase, a fábula do "golpe" tornou-se a ferramenta vital para a subordinação das correntes de esquerda recalcitrantes à liderança lulista. A operação ilusionista alcançou o sucesso possível, disciplinando o PSOL e o MTST, que aceitaram perfilar-se ao lado do declinante "exército de Stédile". Lula dificilmente triunfará na batalha do impeachment, mas recuperou uma hegemonia ameaçada: a melancólica esquerda brasileira reunificou-se em torno do lobista das empreiteiras.

A terceira fase inicia-se amanhã e ganha tração na hora da posse de Temer. De volta à oposição, liberto da necessidade de encenar um engajamento com a governabilidade, Lula extrairá as implicações da narrativa do "golpe", clamando pela derrubada do "governo ilegítimo". À frente do cortejo das esquerdas, empunhará a bandeira das "Diretas Já!", tomando cuidado para que sua exigência não seja vitoriosa. O capo não deseja, realmente, submeter-se ao tribunal das urnas antes de colher os frutos do desgaste de um governo de "salvação nacional" enredado na dupla teia do desastre econômico e das investigações da Lava Jato.

A razão política de Lula é ditada pelo imperativo categórico do interesse pessoal.

Na primeira fase, cortejou veladamente a hipótese de um impeachment carente de fundamento político sólido. Na segunda, combate um impeachment indispensável para preservar a autonomia do sistema de justiça. Na terceira, simulará reivindicar eleições imediatas. A democracia triunfará se o TSE entregar o que, de fato, ele não quer.

Manobras - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/04

O Supremo Tribunal Federal (STF), na reunião extraordinária que entrou pela madrugada de ontem, assumiu uma postura classificada pelo ministro Luis Roberto Barroso como “deferente” às decisões do Congresso, tendo negado todos os recursos apresentados pela Advocacia-Geral da União e por membros de partidos governistas.
Mas dois ministros destacaram-se na tentativa de defender teses favoráveis ao governo: o presidente do Tribunal, Ricardo Lewandowski, e Marco Aurélio Mello. A tal ponto que Leandowski induziu, já na madrugada, a inclusão na ata de uma decisão que não fora votada, já que não estava em julgamento: “O Tribunal firmou entendimento no sentido de que a autorização advinda da votação havida na comissão especial é para o prosseguimento sob o teor da denúncia, na forma recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, escoimando-se, para o efeito de apreciação ulterior em plenário da Câmara dos Deputados, o que for estranho à referida denúncia recebida”.
Ao fim da sessão, mesmo o ministro Fachin deixando claro que não cabe ao Supremo analisar a tipificação das condutas imputadas à presidente Dilma “neste momento”, Lewandowski ainda chamou atenção para a possibilidade de que a Corte volte a analisar o tema no momento adequado.
"Então isso fica proclamado o resultado, com essa explicitação, de maneira que não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação dos atos imputados à senhora presidente no momento adequado". Essas manobras de Lewandowski dificilmente terão conseqüência, mas certamente abriram espaço para novas contestações do governo.
Se um deputado votar pelo impeachment se referindo no microfone à Operação Lava-Jato, por exemplo, poderá servir de pretexto para uma ação da AGU. Embora ontem, no julgamento, essa tese do Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo já tenha sido derrotada, pois os ministros consideraram que os comentários do relator além dos pontos acatados no pedido de impeachment – pedaladas fiscais e decretos sem autorização do Congresso – foram palavras “in obiter dicta”, comentários laterais para efeito de retórica.
O momento mais extravagante da sessão foi quando o ministro Marco Aurélio detectou um empate que não houvera, e pediu que o presidente Lewandowski exercesse seu direito ao “voto de qualidade”, já que havia apenas 10 ministros no plenário, pois o ministro Dias Toffoli está no exterior em missão do TSE.
As liminares em discussão foram indeferidas sob a argumentação de que a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, determinando a alternância da chamada nominal dos deputados por bancadas de estados, começando pelo Norte, estava de acordo com o Regimento Interno da Câmara.
Mas cinco dos ministros acataram em parte, maior ou menor, detalhes da liminar, e Marco Aurélio viu aí um “empate”, cinco a favor e cinco contra a liminar. O que provocou uma reação do ministro Teori Zavascki, que ponderou: “Primeiro temos que ver se houve mesmo empate”. A seguir o ministro Celso de Mello lembrou que não há voto de minerva em mandado de segurança, pois o empate é a favor da presunção de legalidade do ato impugnado. O ministro Marco Aurélio abespinhou-se e perguntou: quando haverá o voto de minerva então?
O presidente Lewandowski declarou-se pronto a usar a prerrogativa que julgava ter, e declarou: “Tenho coragem de usá-lo”. Mas a intervenção do ministro Luis Roberto Barroso foi decisiva: “Deixa eu dizer com franqueza. Embora seja contrário o meu ponto de vista, acho que em mandado de segurança, o empate significará a preservação do ato”.
Ao que a ministra Carmem Lucia aditou: “Até pela presunção da validade dos atos administrativos”. Barroso complementou: “Acho que tecnicamente, enfim. (...) eu não quero ganhar, eu quero fazer o que é certo”.

Correção
Na coluna do dia 14 escrevi que “Lula, além disso, terá que se dividir entre Dilma e a sua própria sobrevivência nos processos a que responde”. Há nessa frase um erro factual, pois Lula não responde a nenhuma ação penal.
Os Procuradores de São Paulo denunciaram Lula no processo do triplex do Guarujá, pedindo inclusive sua prisão preventiva, mas o juiz Sérgio Moro, a quem o caso foi transferido, não se pronunciou. No momento, todos os processos relativos a Lula estão com o ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal.