quarta-feira, fevereiro 26, 2014

O clima é de tensão no Rio - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 26/02

O governador Sérgio Cabral elevou o tom contra a candidatura do petista Lindbergh Farias à sua sucessão. Quem ouviu foi o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), em almoço anteontem. Na mesa, o brado: "Eles acham que já ganharam a eleição". Cabral relatou que está isolando o PT e deixou claro que o Rio não dará seus votos pela coligação na convenção do PMDB em junho.

O rolezinho socialista
A estudante Yasmin Oliveira, de 15 anos, uma das organizadoras dos rolezinhos em shoppings, foi a grande estrela de encontro PSB/Rede, em São Paulo, segunda-feira. Com mais de 100 mil seguidores no twitter e moradora de Paraisópolis, na periferia da capital paulista, encantou os políticos ao explicar o que leva os jovens a fazerem o rolezinho. Disse que é a dificuldade em ter diversão de qualidade. Ao encerrar sua fala, convidou os socialistas a participarem do próximo rolezinho, dia 5 de março, no Shopping Ibirapuera. Relatou que já são seis mil jovens confirmados. Saiu aplaudidíssima do palco.



“A presidente tem 47% nas pesquisas. É mais que o Lula e o FH. Tirar foto com a Dilma vai ajudar a eleger vocês. Quem vai ter dificuldade serão DEM e PPS”
Aloizio Mercadante
Ministro-chefe da Casa Civil, em reunião com líderes da base do governo na Câmara

O sim de Marina Silva
Será no Rio, em 15 de março, o anúncio oficial de Marina Silva como vice de Eduardo Campos (PSB). O Rio foi escolhido por simbolizar as manifestações de junho de 2013. A cidade virou símbolo da nova política pregada por Marina.

Lançando moda
O senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) aposentou o maço de folhas. Ao discursar da tribuna ontem, ele sacou do bolso o celular e leu seu pronunciamento. Surpresa e sucesso total. A novidade agradou aos senadores, que se dispuseram a aderir à leitura de seus discursos em iPhones e tablets. Na pauta, a economia no uso de papel.

Na casa do vizinho
O ex-presidente Lula está procurando todos os políticos que foram seus aliados em Minas Gerais e em Pernambuco.
Sua intenção é azucrinar os candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos. Quer que eles percam tempo com a província.

Retocando a fotografia
O Plano Real mudou o Brasil, acabando com a inflação. Mas os tucanos, na homenagem ontem, enalteceram o câmbio flutuante como um de seus tripés. Mas o câmbio do Real era fixo.
Ele passou a flutuar em 13 de janeiro de 1999, após a maxi desvalorização diante do dólar. O fato negativo marcou o segundo mandato do governo FH.

O ibope do não
O Planalto ainda tem esperanças, mas o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, comemora ter dito não à sondagem para ser ministro. O time de sua candidatura ao governo do Ceará diz que sua atitude pegou muito bem entre os eleitores.

Cartão de apresentação
O PSDB vai lançar a candidatura Aécio Neves ao Planalto em São Paulo, no fim de março. A ideia é apresentá-lo como herdeiro do ex-presidente Fernando Henrique, do exgovernador José Serra e alinhado ao governador Geraldo Alckmin.

O líder do governo no Senado, Eduardo Braga, conseguiu. A prorrogação da Zona Franca de Manaus deve ser votada na Câmara em 18 de março.

Bloquinho - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 26/02

Após a reunião no Planalto para tentar acalmar os parlamentares da base insatisfeitos com Dilma Rousseff, deputados e senadores do PT se encontraram em jantar anteontem para desferir seus próprios ataques ao governo. Os petistas reclamaram especialmente da falta de informações sobre as alianças nos Estados, o que impacta suas próprias eleições, e, mais uma vez, da liberação de emendas. Os parlamentares do PT dizem que outros partidos receberam mais recursos em 2013.

Tem limite Já os integrantes do "blocão" formado por deputados insatisfeitos com Dilma avisaram ao Planalto que, apesar da pressão que já começaram a exercer, não pretendem armar uma "pauta-bomba" para prejudicar as contas do governo.

Quinta coluna Em conversas reservadas, deputados petistas admitem que parlamentares da sigla incentivam as reuniões do "blocão".

Contramão Em reuniões internas, a cúpula da campanha de Dilma se queixou da falta de lealdade do PMDB em Estados-chave como Pernambuco, onde líderes do partido se aproximaram de Eduardo Campos (PSB).

Santa Ceia O novo apelido de Aloizio Mercadante entre parlamentares é Jesus Cristo. "Mandou os 12 apóstolos para o Congresso", ironiza um deputado, diante da estratégia do Planalto de enviar ministros para acompanhar as ações no Legislativo.

Intercâmbio Senadores do PT -entre eles Humberto Costa (PE) e Gleisi Hoffmann (PR)- estavam juntos na sala da liderança do partido quando Fernando Henrique Cardoso fez críticas aos governos petistas na sessão que comemorou os 20 anos do Plano Real. Ali, decidiram que responderiam no plenário.

RSVP Gleisi telefonou para o Instituto Lula para saber se o ex-presidente havia sido convidado para a celebração. Ouviu de assessores que nenhum convite havia chegado.

Esquenta Eduardo Campos e Marina Silva tiveram uma reunião fora da agenda ontem, no Recife. Em pauta o programa de governo que será lançado em junho e as alianças regionais do PSB.

Cabana 2.0 A Rede em São Paulo começa a articular a criação das "Casas em Rede", uma atualização dos comitês informais que foram usados pela campanha verde em 2010, chamados de Casas de Marina. A tentativa de reativação para coleta de assinaturas em 2013 não prosperou.

Peleja nordestina Ex-aliado de Campos, o dilmista Cid Gomes (Pros-CE) prepara números para minar o discurso do pernambucano de que mantém bom relacionamento com o setor privado. Usará dados das agências de desenvolvimento econômico dos dois Estados para dizer que prevê atrair cinco vezes mais investimentos que o vizinho.

Folião Aécio Neves (PSDB) vai aproveitar o Carnaval para contatos políticos. Na sexta-feira aparecerá ao lado de ACM Neto (DEM) em Salvador e no domingo irá ao camarote da Prefeitura do Rio na Sapucaí a convite de Eduardo Paes (PMDB).

Diplomacia O PSDB deve emplacar hoje o deputado Eduardo Barbosa (MG) na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Os tucanos querem aproveitar o grupo para questionar a política externa do governo Dilma, em especial suas relações com Venezuela e com Cuba.

Segunda instância A contratação de Hélio Silveira para o setorial jurídico da campanha de Paulo Skaf (PMDB) causou desgaste no PT paulista. Ele era o preferido de Alexandre Padilha para a função. Agora, dirigentes nacionais tentam levá-lo para a campanha de Dilma.

tiroteio
"A nova política pregada por Eduardo Campos em Pernambuco é, na verdade, um 'museu de grandes novidades', como diria Cazuza."
DE HUMBERTO COSTA (PT-PE), líder no Senado, sobre a chapa montada por Campos à sua sucessão, apoiada por políticos pernambucanos tradicionais.

contraponto


Resta um


Em sessão da Câmara que discutia, ontem, um requerimento para a criação de uma comissão externa para apurar a existência de superfaturamento e pagamento de propina na Petrobras, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) foi chamado a discursar como líder do governo.
Diante da articulação do "blocão", grupo que reúne parlamentares de sete partidos da base de Dilma Rousseff insatisfeitos com a relação mantida com o governo, o deputado Fernando Francischini (SDD-PR) brincou, antes que o petista assumisse o microfone:
-Chinaglia, nada disso, agora você é líder da minoria!

Dupla desafinada - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 26/02

Na primeira atuação conjunta como articuladores políticos do Planalto, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, mostraram que a presidente Dilma Rousseff precisará de muita oração para manter a base unida.

Durante reunião no Palácio do Jaburu para tentar acalmar os ânimos do bloco rebelde, tudo o que os dois petistas conseguiram foi aumentar a fervura e tocar de vez fogo na crise entre o Congresso e o Planalto.

Mercadante disse aos parlamentares que não adiantava eles quererem mais espaço porque “não dá para criar ministérios”. E Ideli, que tentou ser simpática com o PMDB, perdeu o rumo de casa ao ser lembrada pelo líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que os rebeldes não estavam ali para construir uma recomposição.

Bola fora/ Ideli tentou brincar com Cunha (foto), afirmando que estava feliz ao vê-lo no encontro dos partidos aliados no Jaburu, na última segunda-feira, o que significaria, em tese, que ele estaria presente na reunião da base aliada na terça de manhã.

Eu, não!/ Cunha afirmou que mantinha a disposição de não comparecer às reuniões da base, já que o PMDB da Câmara havia se tornado independente.

Nem aí para você/ “E por que você está aqui hoje?”, questionou Ideli. “Vim a convite do vice-presidente Michel Temer”, retrucou Cunha.

Deadline/ Petistas que defendem o “Volta, Lula” acham que o prazo fatal para a decisão é maio. Acham perigoso iniciar junho, mês destinado às convenções partidárias, sem saber se Dilma concorrerá à reeleição ou se abrirá espaço ao ex-presidente.

Selfie
Os tucanos fizeram questão de aparecer sozinhos na comissão de frente da sessão solene dos 20 anos do Plano Real, realizada ontem, no Senado. O DEM reclamou que nem Marco Maciel (que foi vice de Fernando Henrique durante os oito anos do governo) nem o atual presidente do partido, José Agripino (RN), compuseram a mesa que conduziu a homenagem.

Maresia
Presidente da República na época do lançamento do Real, Itamar Franco encrencou com a imagem de uma garoupa no verso da cédula de R$ 100. Mineiro e supersticioso, reclamou que imagens de peixe trazem azar.

Clubinho
O senador José Sarney (PMDB-AP) cumprimentou Fernando Henrique Cardoso no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas não compareceu à sessão solene em homenagem aos 20 anos do Plano Real para não criar constrangimentos com a presidente Dilma Rousseff.

Vai dar...
Ambientalista histórico, Ricardo Trípoli (PSDB-SP) está cotado para assumir hoje a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Ele é contra a utilização de animais em laboratórios, mesmo que para fins científicos.

A ausência de valores e os seus resultados - CLÁUDIO SLAVIERO

GAZETA DO POVO - PR - 26/02


Estamos no 11º ano da era lulopetista e nunca antes na história deste país vimos uma crise tão generalizada. Crise de valores, de falta de postura cidadã e de respeito, aliada à falta de rumos do governo. A arte de mentir e de negar virou algo corriqueiro e banal, assim como a mania de desrespeitar. O exemplo que “vem de cima” espalhou-se pirâmide social abaixo. A presidente Dilma, que deveria ser o símbolo da moralidade, civilidade e do princípio democrático, perdeu-se no vazio de ideias e no vácuo de direção. Seus ministros e líderes no parlamento seguem-na feito papagaios na maioria das oportunidades e especialmente quando ela, defendendo o seu partido, o PT, chama a oposição de “cara de pau” onde quer que esta pareça existir. Tanto ela quanto seus seguidores manifestam-se grosseiros, onipotentes, desrespeitosos.

Foi assim, recentemente, quando o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, ao comentar o descontentamento do setor empresarial, que deixa claro que o clima de desconfiança é cada vez maior, resultando em taxas de investimentos muito baixas, desdenhou: “Empresário fazendo beicinho não dá”. Ele respondia a Pedro Passos, industrial, fundador da indústria de cosméticos Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), entidade que reúne alguns dos maiores industriais do Brasil.

Não só os empresários estão descontentes, ministro, mas todos que tenham o mínimo de consciência do que esses 11 anos de lulopetismo fizeram ao país e o que representam para o futuro da nação. Vivemos no país do apagão. Mas não só no apagão da ex-ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff, que, com medidas demagógicas, prejudicou as empresas do setor, que deixaram de investir, não aumentando sua capacidade, preparando-se para o aumento de consumo. Pior que o apagão de energia é que vivemos o apagão de ideias, de credibilidade, de transparência, de competência e de honestidade. O próprio Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado na primeira gestão de Lula e que tinha a participação de empresários como Jorge Gerdau, acabou se esfumaçando por falta de confiança do empresariado no governo.

Quando o ministro Paulo Bernardo fala em “beicinho” dos empresários, o faz porque não é dele o capital investido nas empresas, não é ele que recolhe impostos (só em 2014 já foram pagos quase R$ 300 bilhões; em 2013 o total foi de R$ 1,7 trilhão), não é ele que dá empregos, gera e distribui renda, promovendo o desenvolvimento. Sua manifestação (que é própria dos seus chefes Lula e Dilma) é no mínimo desrespeitosa com quem efetivamente está preocupado com a situação das empresas (em 2013, as unidades industriais brasileiras tiveram uma redução de 1,1%, com o mesmo recuo no emprego) e sua importância no perfil de nosso país. As vendas no varejo em 2013, mesmo com alta de 4,3%, segundo o IBGE, foram as menores em dez anos – em 2003, houve queda de 3,67%. Mesmo com a redução do IPI para automóveis, as vendas neste segmento tiveram alta de apenas 1,4% em 2013 ante um aumento de 7,3% em 2012. O setor teve o pior resultado em 2013 desde 2003, quando o volume vendido caiu 7,2%. Com menor geração de postos de trabalho, menor crescimento de renda e menor concessão de crédito, o setor de serviços em 2013 também amargou redução: houve um crescimento nominal de 8,5%, ante uma evolução de 10% em 2012, segundo o mesmo IBGE. São exemplos.

Sim, ministro, os empresários demonstram falta de confiança. E o governo, o que faz para merecê-la, para fomentar o crescimento? Há estímulos para a indústria, além de, ironicamente, aumentos em alíquotas de impostos, substituições tarifárias e outros ônus? Há obras de infraestrutura concretamente realizadas, além das já famosas em discursos? Há estradas e portos equipados para exportamos nossa safra e produtos industrializados? A inflação está sob controle ou é conversa fiada do ministro Mantega? A burocracia diminuiu e a eficiência aumentou? Os monstruosos gastos com a máquina pública foram reduzidos? Nossa política externa evoluiu ou não passamos realmente de uma nação considerada “frágil”, ao lado da Turquia, Índia, Indonésia e África do Sul, que têm fundamentos econômicos tão debilitados quanto os nossos? Temos algum horizonte econômico e social internacional, além da piada do Mercosul e dos hermanos Cuba, Venezuela e outros?

O ambiente de desconfiança e de insegurança não foi criado pelos empresários, ministro, mas sim pelo seu governo, que vive dando “beiçada”, como se diz na linguagem popular, no país. E os resultados são concretos: quando a presidente Dilma se elegeu, a perspectiva era de que houvesse um crescimento do PIB de 5,9% na média anual. Ao fim desses tristes anos, o crescimento do PIB deve ser de 2% ao ano.

O Orçamento e o vento - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 26/02

O governo cortou 'vento', gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do Orçamento federal


Quem acompanhou a divulgação do decreto de programação orçamentária pode ter se impressionado com a seriedade do governo. De acordo com a proposta, haveria redução de R$ 44 bilhões dos gastos federais, elevando o saldo primário (antes do pagamento de juros) em quase R$ 23 bilhões.

A reação positiva do mercado, expressa na queda das taxas futuras de juros e no fortalecimento da moeda, reforçou essa percepção, sugerindo que, desta vez, a racionalidade econômica teria prevalecido.

Já quem acompanhou com cuidado a divulgação do decreto de programação orçamentária não pode ter se impressionado. De acordo com a proposta, haveria aumento de R$ 88 bilhões dos gastos federais, o que não justificaria a reação positiva do mercado.

É menos confuso do que parece, prometo.

Em 2013, o governo federal gastou R$ 920 bilhões (19,1% do PIB). Em 2014, de acordo com o Orçamento aprovado pelo Congresso, esses gastos deveriam atingir R$ 1,052 trilhão (19,9% do PIB). O decreto da semana passada, porém, reduz a previsão de gastos para R$ 1,008 trilhão (19,3% do PIB), ou seja, R$ 44 bilhões a menos do que o projetado pelo Orçamento, mas R$ 88 bilhões a mais do que foi efetivamente gasto em 2013.

Posto dessa forma, os dois parágrafos iniciais se tornam menos contraditórios do que inicialmente sugerido: o governo teria feito uma redução expressiva de gastos relativamente ao nível que alcançariam sem sua intervenção, mas, ainda assim, a despesa federal superaria por larga margem o observado em 2013.

Longe do ideal, mas a intervenção teria prevenido o pior, a saber, a materialização de todos os gastos inclusos no Orçamento. Ambas as afirmações pareceriam, portanto, verdadeiras; todavia, a realidade não é tão equilibrada.

Ocorre que o Orçamento no Brasil é uma obra (ruim) de ficção: ele não obriga que a despesa atinja o valor previsto; segundo a interpretação corrente, apenas autoriza o governo a gastar até o limite proposto. Assim, tipicamente o Orçamento chega inflado ao Congresso, que trata de inchá-lo um pouco mais, seja do lado das despesas, seja do lado da receita. Historicamente, nunca o valor orçado das despesas se concretiza.

Na verdade, como parte do faz de conta orçamentário, todo começo de ano o governo publica um decreto estabelecendo o que, de fato, pretende fazer. Ou seja, todo ano o governo "corta" os gastos na comparação com os números exagerados do Orçamento e apresenta esse "esforço" como prova de seu compromisso fiscal.

Do ponto de vista prático, porém, todo ano o dispêndio federal aumenta na comparação com o ano anterior. Para ficar apenas no período mais recente, equivalia a 17,8% do PIB em 2010; caso o governo cumpra suas promessas, atingirá 19,3% do PIB neste ano, um salto de 1,5% do PIB num mandato presidencial, exatamente a média observada para cada mandato desde 1999!

À luz desses números, pois, deve ficar claro que o anúncio da semana passada nada trouxe do ponto de vista de austeridade fiscal. O governo cortou "vento", gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do Orçamento federal, permi- tindo, porém, que continuem crescendo a uma velocidade superior à do PIB.

Dessa forma, a nova meta fiscal implicaria a geração de um saldo primário equivalente a 1,9% do PIB, justamente o número oficial observado no ano passado, correspondente, segundo minhas estimativas, a um esforço fiscal legítimo ao redor de 0,8% do PIB.

De qualquer forma, ao fixar a nova meta em patamar próximo ao realizado em 2013, o governo permitirá ao BC continuar com suas balelas acerca da "política fiscal se movendo na direção da neutralidade", o que torna mais provável uma redução no ritmo de aperto da taxa de juros, de 0,50 ponto percentual para 0,25 ponto percentual na reunião do Copom.

Como jabuti não sobe em árvore, a programação fiscal para 2014 parece orquestrada para justificar a desaceleração da Selic; não, infelizmente, para reduzir a inflação.

A inflexão de Dilma - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 26/02
Aumento da confiança no governo ainda é marginal

O governo Dilma Rousseff está em meio a uma inflexão da política econômica adotada na segunda metade de 2011. Sem reconhecer publicamente o fracasso do arcabouço adotado, mudou, primeiro, a política monetária, depois, o regime cambial e, agora, a política fiscal. O mercado reagiu positivamente às mudanças, mas com cautela.

Há dúvidas de duas naturezas. A primeira é se o governo cumprirá as promessas feitas na área fiscal. A outra é se está fazendo isso apenas para evitar o rebaixamento da classificação da dívida soberana, fato que poderia provocar uma crise em pleno ano eleitoral. Para os mais céticos, conquistada a reeleição, a presidente redobrará a aposta em seu modelo econômico.

É difícil fazer essa afirmação neste momento. Governos costumam mudar convicções em períodos de crise. A questão é que, a rigor, o Brasil não entrou em crise. Cresce pouco há três anos, entrando pelo quarto ano, com chance de também não crescer em 2015, "o ano do ajuste", como já se diz nas ruas; acumula expressivo déficit nas transações correntes; investe pouco; possui dívida elevada se comparada à de países emergentes, mas não corre, neste momento, risco de insolvência.

O que dá para afirmar é que a presidente Dilma não convive bem com o receituário adotado recentemente. Isso é visível quando se observa a hesitação do governo em assumir compromissos na área fiscal. Quando o Banco Central (BC), com certo atraso, começou a aumentar a taxa básica de juros (Selic) em abril do ano passado, já estava claro que o governo deveria dar uma resposta do lado fiscal para contribuir com aquele esforço.

Um reforço crível das contas públicas em meados de 2013 teria ajudado a melhorar as expectativas, facilitando a tarefa do BC. No limite, poderia ter diminuído a necessidade de elevação da taxa Selic. O que se viu desde abril foi a autoridade monetária aumentar os juros sem evitar que a inflação deixasse o incômodo patamar de 6% ao ano.

O curioso é que, no passado recente, o Brasil enfrentou uma inflação de 6% em condições completamente distintas. Em 2008, o IPCA foi a 5,9%, um índice elevado para o padrão da época - em 2007 variou 4,4% e em 2006 caiu ao segundo menor patamar da história do Plano Real (3,1%), ambos abaixo da meta de 4,5%. Apesar disso, no início de 2009, a mediana das expectativas do mercado projetava inflação de 5% naquele ano e de 4,5% em 2010. Os agentes econômicos acreditaram, portanto, que, apesar do aumento da inflação corrente, o BC, com a ajuda do governo, reduziria o IPCA à meta.

Hoje, a inflação corrente (nos 12 meses até janeiro) está em 5,59%, mas a mediana das expectativas do mercado prevê 6% para 2014 e 5,7% para 2015. Vê-se que, diferentemente de 2009, os agentes não acreditam na queda do IPCA. Um aspecto incompreendido por integrantes do governo é que expectativas fora do lugar contribuem para a carestia. Significam também que, do ponto de vista monetário, o custo de levar a inflação à meta é maior.

Tendo liberado o BC para promover um aperto monetário e deixar a taxa de câmbio flutuar, o governo julgou que não precisava fazer mais nada. Mexer na área fiscal seria curvar-se à agenda do setor financeiro, dos rentistas - não importa se, do ponto de vista econômico, isso não faça o menor sentido, afinal, mais fiscal significa menos juros.

O risco que o Brasil corria nos últimos meses era o de deparar-se com a "tempestade perfeita", a combinação dos efeitos da redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos com os do rebaixamento do rating da dívida soberana. Ambos estimulariam investidores a tirar seus caraminguás do país, provocando uma desvalorização desordenada da taxa de câmbio, o que por sua vez elevaria a inflação, que já se encontra num patamar sem margem para absorção de choques negativos.

Tudo isso criaria uma inexpugnável sensação de mal-estar na sociedade, como sempre ocorre em períodos de perda abrupta de valor da moeda nacional.

A redução dos estímulos nos EUA surpreendeu positivamente porque está se dando sem ruptura, de forma bastante previsível. O governo brasileiro ganhou, na prática, mais tempo para tratar de seus problemas. Mas foi a ameaça das agências de rebaixar a dívida que moveu Brasília em direção ao anúncio de medidas fiscais realistas.

A reação de duas das três agências de rating - mais a Fitch do que a Moody"s - foi, de fato, positiva. Elas disseram que o ajuste fiscal anunciado é compatível com a atual classificação e perspectiva da nota brasileira. Não melhora, mas também não piora o rating. Falta a opinião da Standard & Poor"s. "Precisamos convencer mais a S&P", reconheceu, em conversa com economistas na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

"Uma questão central que estamos tentando restaurar é a confiança. E confiança é um sentimento subjetivo que tem afetado o lado real da economia", admite um economista do governo, acrescentando que, diante das incertezas locais e externas, cabe ao Brasil "normalizar" sua política econômica, retirando os estímulos tributários e assumindo um compromisso fiscal crível.

O governo tem um longo caminho pela frente. Nos últimos dias, dois preços da economia - juros futuros e câmbio - melhoraram um pouco. No primeiro caso, os dados mostram que, apesar da recente queda, eles ainda se encontram bem acima de onde estavam em janeiro do ano passado e mesmo do estresse de junho, quando os EUA anunciaram que começariam a cortar os estímulos monetários 

Novo aperto nos juros - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 26/02

As apostas do mercado para a decisão de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom) se dividem entre uma nova alta dos juros básicos (Selic) de 0,25 ou de 0,50 ponto porcentual ao ano. Levantamentos preliminares são de que a maioria dos analistas prevê reajuste de apenas 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano.

Não dá para cravar a confirmação prévia de nenhuma das duas hipóteses. A dose mais alta de aumento, de 0,50 ponto porcentual ao ano, pode ser reforçada por um forte conjunto de fatores.

A inflação ainda não deu moleza, continua espalhada demais e existe muita alta de preços na bandeja, pronta para ir ao forno. Há, também, os efeitos altistas da seca, o impacto dos reajustes do início do ano e a perspectiva de maior avanço dos preços administrados (tarifas) pelo governo em relação ao que houve no ano passado.

Nova correção dos preços dos combustíveis também não estaria fora do alcance dos radares. Seria um jeito de dar maior credibilidade à economia, de aumentar a arrecadação do governo federal (especialmente com dividendos) e dos Estados (em ICMS sobre gasolina e óleo diesel) e reforçar o caixa da Petrobrás. Se acontecesse essa recomposição, haveria motivo adicional para combater com mais juros o efeito colateral inflacionário que viria em seguida.

Vale também lembrar que, apesar dos cortes de R$ 44 bilhões no Orçamento da União, o aumento de despesas previsto para este ano é o dobro disso, ou R$ 88 bilhões. E há a escassez de mão de obra que segue pressionando os custos de produção. Isso significa que continua forte a pressão sobre a demanda da economia acionada pelo aumento das despesas públicas. Até agora, a política monetária não conseguiu neutralizar a maior parte dos efeitos inflacionários da política fiscal.

Além disso, os resultados da Pesquisa Focus mostram que o Banco Central ainda não conseguiu controlar as expectativas, como dele é exigido. O mercado continua trabalhando com números crescentes de inflação em 2014. O dado mais recente (divulgado na segunda-feira, 24) apontou para 6,0%. O último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) do Banco Central fala em 5,6% e o Orçamento da União cravou 5,3%.

Mas o Banco Central pode entender que já é hora de reduzir a dose do aumento dos juros para 0,25 ponto porcentual. Essa hipótese é consistente com as projeções médias do mercado de uma Selic máxima de 11,25% ao final deste ano, como aponta a Pesquisa Focus. Nesse caso, como hoje os juros básicos estão a 10,50% ao ano, só estaria faltando 0,75 ponto porcentual, ou seja, mais três reuniões do Copom (fevereiro, abril e maio). Também se espera novo desempenho medíocre da atividade econômica em 2014, fator que, por si só, se encarregaria de ajudar a combater a inflação.

Há quem argumente que a nova onda de má vontade no mundo em relação ao Brasil mais a ameaça de rebaixamento da dívida brasileira pelas agências de classificação de risco recomendariam que o Banco Central não baixasse a guarda contra a inflação. Mas aí já seria levar em consideração fatores demais.

Aumento de imposto? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 26/02

Sem aumento extra da receita, governo terá dificuldade de cumprir meta de superavit


DE ONDE VAI sair o dinheiro para o governo cumprir a meta de poupança que anunciou na semana passada?

Talvez seja necessário aumentar ou recriar algum imposto ou, por exemplo, aumentar a receita com a Petrobras (o que implicaria um reajuste do preço dos combustíveis).

Dá para fazer, mas: 1) A inflação vai ficar mais alta, talvez roçando o teto da meta; 2) O povo não vai gostar de pagar mais; 3) Qual a disposição do governo de encarar os itens " 1" e "2" em ano de eleição?

Anteontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seu secretário de Política Econômica, Márcio Holland, juraram de pés juntos para economistas do setor privado que a meta de poupança deste ano é para valer, como relataram os jornais.

Mantega fez uma aparição inusual nessas reuniões com o "mercado" a fim de reafirmar o compromisso do governo de poupar o equivalente a 1,9% do PIB (desconside- radas as despesas com juros, poupança chamada de "superavit primário").

Segundo os relatos publicados, a maioria dos economistas, de instituições financeiras e consultorias, ficou bem impressionada com a declaração de boa vontade do minis- tro. Além do mais, desde o anúncio da meta de superavit, os donos do dinheiro pararam de vandalizar as taxas de juros e o preço do dólar, o que tem sido chamado de "voto de confiança".

No entanto, na ponta do lápis, pouca gente acredita que o governo seja capaz de entregar o que prometeu, a meta de 1,9% do PIB (as estimativas mais ponderadas vão de 1,3% do PIB a 1,7% do PIB). Talvez o "voto de confiança" seja apenas um reconhecimento de que o governo jogou a toalha, que vai desistir da política econômica equivocada do último triênio.

Isto é, nessa hipótese, todo mundo saberia que o superavit de 1,9% do PIB não vai dar pé, mas seria aceito o compromisso do governo de fazer o melhor possível, o que é pouco. Dados a perspectiva de pequeno aumento de receita (dado o baixo crescimento da economia) e o efeito das reduções de impostos dos anos passados, não haveria como fazer milagre.

Noutra hipótese, o pessoal "do mercado" teria ficado satisfeito com a "meta crível" de 1,9% do PIB, mesmo admitindo que, por ora, ela não é nada crível. O "voto de confiança" significaria, então, dar um tempo para ver de onde o governo vai arrumar mundos e fundos para cumprir sua meta. Dado que a possibilidade de comprimir despesas é muito pequena, o pessoal estaria à espera, pois, de aumento de receita.

A hipótese de a receita crescer sem um empurrão ficou arranhada. Ontem, saiu a arrecadação federal de janeiro. Aumentou menos de 1% sobre janeiro de 2013. O governo espera que, no ano, a receita cresça 3,5%.

Decerto, trata-se apenas do primeiro de 12 meses. Mas, repita-se, as estimativas de crescimento da economia vêm sendo revisadas para baixo; por tabela, a receita de impostos deve ir na mesma direção.

Logo, restam mágicas, milagres e aumentos de impostos. Mágicas e milagres, tais como arrumar re- ceitas extraordinárias de fontes esquisitas, jogariam no brejo as promessas de bom comportamento do governo.

Se não acontecer um "espetáculo do crescimento" da receita, vai ser preciso aumentar imposto.

Os planos econômicos e o STF - ARMANDO CASTELAR

CORREIO BRAZILIENSE - 26/02

Como observa o desembargador José Renato Nalini, o Judiciário trabalha basicamente com o passado: "Diante de uma ocorrência temporalmente situada aciona-se o Judiciário. Mediante o processo, ciência reconstrutiva, busca-se reconstituir o passado e suas circunstâncias. A melhor decisão seria aquela voltada à ressurreição do passado". 

Esse é o desafio ora enfrentado pelo Supremo tribunal Federal (STF) no julgamento dos planos econômicos. Esses planos, para quem não lembra, foram adotados de 1986 a 1991 para controlar uma inflação cada vez mais alta. Como recorriam a congelamentos de preços, precisavam ter regras de transição entre o período pré-plano, quando a inflação era alta, e o pós-plano, quando caía, pelo menos no início. Essas regras eram necessárias para alinhar os preços relativos, já que eles não mudam todos juntos, e corrigir o valor de ativos financeiros.

O objeto da disputa no STF são as regras de transição adotadas nos llanos Bresser (1987), Verão (1989), e Collor I (1990) e II (1991). A ação judicial foi iniciada pelos detentores de depósitos de poupança, que argumentam que as regras de transição adotadas transferiram parte de seu patrimônio para os bancos. A reconstituição do passado que os poupadores defendem ser correta envolve, portanto, pagamento a receber dos bancos para desfazer a alegada transferência patrimonial.

A "ressurreição do passado" exige, nesse caso, responder a duas questões: houve perda para os poupadores? A perda, se ocorreu, beneficiou os bancos? Ainda que sejam necessárias, as respostas não são, no meu entender, suficientes. Assim, há que considerar também, de um lado, as circunstâncias, como lembra o desembador Nalini, e, de outro, a factibilidade de ressuscitar o passado na realidade presente.

Em relação às duas primeiras questões, devem-se separar os planos. Em especial, nos Planos Collor I e II, o dinheiro dos poupadores estava quase integralmente depositado no Banco Central (valores acima de 50 mil cruzeiros novos, algo como R$ 13 mil em valores de hoje). Nesse sentido, os bancos não podem ter se beneficiado. De fato, o banco JP Morgan nota que eles ganharam 84% dos casos em que se julgou o mérito da questão.

Nos Planos Bresser e Verão, a regra de transição envolveu mudança no cálculo do IPC, o índice que corrigia os depósitos de poupança: a inflação do período pré-plano foi calculada usando não a média de preços no mês mais recente, mas os preços no último dia. Isso aumentou a inflação pré-plano e reduziu a pós-plano, mas não alterou a inflação acumulada nos dois meses. Nesse sentido, os bancos argumentam não ter havido perda para os poupadores, pois a menor correção de um mês teria sido compensada pela inflação mais alta do outro.

Nesse caso, portanto, teria havido perda apenas em casos excepcionais. Isso não significa, porém, que os bancos necessariamente ganharam, pois, por força de dispositivo legal, no mínimo 80% dos recursos da poupança são usados para financiamento imobiliário ou depositados no Banco Central. Como a correção do valor dos ativos obedeceu à mesma regra de transição aplicada à poupança, a perda, caso tenha ocorrido, terá beneficiado majoritariamente os clientes das instituições financeiras.

Há também circunstâncias a considerar. Nos quatro planos, a regra de transição foi instituída por lei de iniciativa do Executivo e aprovada pelo Congresso Nacional. Ou seja, os bancos apenas seguiram a lei. Se o STF decidir contrariamente aos bancos, portanto, estará criando difícil precedente, de punir um agente por ter seguido a lei em assunto de caráter puramente econômico. Isso coloca problemas do ponto de vista da segurança jurídica.

Por fim, devem pesar na balança as consequências da decisão para a sociedade como um todo. Se os bancos perderem, terão de retirar os recursos do próprio patrimônio, o que diminuirá a capacidade de emprestar. As estimativas dos valores envolvidos variam muito, pois dependem da abrangência da decisão (nacional ou estadual, todos os planos ou só alguns) das regras de atualização monetária e se e como incidirão juros de mora. Mesmo assim, são valores substanciais, que vão de R$ 25 bilhões a mais de R$ 300 bilhões - um terço do custo recairá sobre a Caixa.

De tudo isso, vê-se quão importante é ter deixado essa época para trás. Mais uma razão para celebrar este ano o aniversário de 20 anos do Plano Real, que não recorreu a esse tipo de medida.

Velhos vícios - FABIO GIAMBIAGI

O Estado de S.Paulo - 26/02

Ano passado, passei 15 dias em alguns dos países da antiga Iugoslávia. Aprendi mais em duas semanas sobre a região do que em toda a minha vida prévia. Além de ter pernoitado na Croácia e na Eslovênia, visitei Montenegro e Bósnia. Tive oportunidade de ver prédios crivados de balas, com pessoas morando, com a infraestrutura estampando as marcas da guerra de 20 anos atrás. Depois de conversar e ler bastante sobre a região, convenci-me de que daqui a 20 anos os sete países em que se dividiu a Iugoslávia formarão parte da União Europeia e a maioria terá adotado o euro.

O lugar que mais me impressionou, pelo contraste com o drama do começo dos anos 90, foi a Croácia. Em 1991, esse país declarou a independência e desde então entrou em guerra, passou quatro anos mergulhado no conflito, lambeu as feridas, acertou a paz com seus vizinhos, aderiu ao capitalismo, adaptou completamente a sua economia, abriu-se para o exterior, negociou a entrada na União Europeia, ingressou nela e, provavelmente, não demorará a discutir sua adesão ao euro. Ou seja, em 22 anos, o país passou por uma verdadeira revolução. O resultado é que um país fechado, socialista, mergulhado no ostracismo, cinza, hostil e opaco até o final dos anos 80 é hoje uma economia plenamente integrada, igual a qualquer país avançado da Europa Ocidental, porém mais barato e - o que é impressionante - com todos os jovens falando um inglês perfeito. O desemprego é elevado, mas o espírito com o qual a integração é encarada é de "bola pra frente": é assim e pronto.

A comparação com o Brasil é deprimente. Enquanto os países da antiga Iugoslávia passavam, em maior ou menor medida, por esse percurso, no Brasil em meados da segunda década do século 21 ainda estamos discutindo pontos que constavam das propostas de Collor em... 1991! Nosso ritmo é exasperante.

O problema não é apenas a lentidão. Tão preocupante quanto isso é constatar que, ao contrário do que se nota nos países que estão evoluindo mais rapidamente - boa parte da Ásia, parte da antiga Europa Oriental ou alguns países da América Latina - e também ao contrário do que se observa nos campeões do desenvolvimento, como a Alemanha ou a Coreia, persiste no Brasil, fortemente enraizado em alguns círculos, um profundo preconceito contra o capitalismo.

Naqueles países, o capitalismo é tema pacificado. O operário alemão, o tecelão de Taiwan, o atacadista polonês, o empresário chileno, o ministro colombiano não ficam discutindo acerca dos malefícios do capitalismo e as injustiças que gera. Pelo contrário: de um modo geral, todos - governo, empresários, trabalhadores, intelectuais, etc. - entendem que as regras do jogo estão definidas, concordam com elas e procuram se posicionar diante disso da melhor forma possível.

Já aqui, por contraste, há muitas formas de colocar areia no desenvolvimento. É uma questão de atitude. A postura negativa permeia as mais diversas instâncias. Vai das autoridades que falam contra os "lucros excessivos" até os sindicatos que pleiteiam aumentos salariais despropositados, passando por intelectuais intoxicados por graus diferenciados de marxismo tropicalizado, por leis aprovadas que oneram pesadamente a produção e por decisões judiciais que, muitas vezes, ignoram os efeitos desses atos sobre os incentivos a produzir - isso sem falar de uma mídia com graus variados de simpatia pelas causas mais estapafúrdias em matéria de lógica econômica.

Os acontecimentos de 2013 são uma expressão desse pano de fundo. Independentemente da existência de razões para que o cidadão comum se indigne com o mau uso dos recursos públicos, aqueles atos trouxeram suspensão de contratos de concessão, defasagem tarifária, depredação do patrimônio público, destruição de propriedade privada, etc. com boa dose de beneplácito generalizado. O Brasil tem de avançar muito, mas a principal mudança pela qual o País deve passar é cultural: precisamos aceitar o funcionamento de uma economia capitalista.

Retrato dos números - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 26/02

A grande expectativa da semana não é nem com a reunião do Copom que termina hoje. A maioria prevê uma alta de 0,25% na taxa Selic. A dúvida é o que o IBGE divulgará amanhã sobre o PIB de 2013. No ano, há consenso em torno de 2%. Mas a pergunta que se faz é: o que aconteceu no último trimestre? A FGV acha que não se pode descartar um número negativo.

O Banco Central registrou um trimestre negativo no IBC-Br e, como era o segundo consecutivo, foi uma indicação de recessão técnica. Pelo IBGE, o terceiro trimestre foi de queda: -0,5%. No entanto, a maioria do mercado acha que o instituto não confirmará outra retração no quarto trimestre. A FGV está prevendo um resultado positivo, mas bem pequeno: 0,1%.

- Há uma margem de erro que pode levar esse resultado ao negativo e isso caracterizaria uma recessão técnica, mas o IBGE faz uma pesquisa muito mais ampla e por isso ninguém sabe exatamente o resultado. O fato é que este final de ano foi de estagnação e nós estávamos muito mais otimistas tempos atrás - diz a economista Silvia Matos.

Na segunda-feira, o Instituto Brasileiro de Economia, o Ibre da FGV, revisou para baixo, de 0,3% para 0,1%, sua projeção para o desempenho do último trimestre de 2013. Mas, meses atrás, a estimativa era de alta de 0,8%:

- Fomos nos decepcionando porque a indústria extrativa teve um resultado fortemente negativo, entre outras razões, pela queda de produção da Petrobras. A indústria de transformação, apesar da ajuda do governo, teve um resultado positivo, mas pequeno. Os serviços devem ficar mais fracos do que o previsto. A agropecuária teve um crescimento de mais de 7%, mas tem pequeno impacto no PIB. Ainda assim, sabemos que, indiretamente, uma boa safra aumenta o transporte de grãos, movimenta mais caminhões, ajuda na exportação. Em resumo, estamos prevendo que o crescimento de 2013 foi de 2,1% e, desse resultado, 0,6 ponto percentual é da agricultura.

Para 2014, a FGV está na banda otimista do mercado: prevendo um crescimento de 1,8%. A mediana divulgada pelo Focus esta semana foi de 1,67%. Há muita gente no mercado falando em 1,5% e há até pessimistas projetando números abaixo de 1%. Silvia Matos acha que o mais provável é um número acima de 1,5%.

A indústria extrativa deve melhorar, segundo ela, apesar de não acreditar muito na promessa de aumento forte da produção de petróleo:

- Há muito tempo a Petrobras tem essa conversa de que as novas plataformas vão aumentar a produção. O problema são os poços antigos que estão produzindo menos. Mesmo assim, depois de uma queda de 3,2%, a indústria extrativa mineral deve ter alta de 1% em 2014. A indústria de transformação, com todo o incentivo, ficou em 1,7% em 2013. Em 2014, terá menos incentivo. A agricultura continua com boas perspectivas apesar da falta de chuvas. Não há notícia de quebra de safra.

Pelos cálculos da FGV, o carregamento estatístico é positivo, em torno de 1%, ao contrário das contas de muita gente do mercado. O que todos esses números contam é que 2013 ficará ligeiramente acima de 2%, mas, em 2014, quem está otimista está prevendo 1,8% e, mesmo assim, com as barbas de molho.

- Fizemos todas as contas e chegamos nesse número para 2014, mas há muito risco para baixo. Já a inflação acho que há muito risco de alta - diz Silvia Matos.

Diante desse quadro é que os integrantes do Copom vão se reunir hoje para definir a taxa de juros. O crescimento do ano passado foi minguando no final, e 2014 começou fraco. Há vários riscos de alta de inflação e de PIB fraco. Os juros já estão altos. É por isso que o mercado prevê que o BC suba os juros, sim, mas reduzindo o ritmo do aperto monetário. Uma alta de 0,25%, levando a taxa para 10,75%.

Coisas estranhas pairam no céu do país - MARCUS PESTANA

O TEMPO - MG - 26/02

Não é comum um cinegrafista morrer em praça pública exercendo a profissão que tanto amava fruto de um ataque selvagem, difuso e por motivos que não lhe diziam respeito. Não é normal o fusca de um serralheiro, evangélico e pobre, ser queimado em plena avenida pela mesma explosão irracional de um movimento sem bandeiras e objetivos claros. Não é aceitável a sociedade ficar refém de uma minoria barulhenta e raivosa, em plena democracia, que quebra lojas, bancos e agências de automóveis por não querer a Copa no Brasil ou reajustes nas tarifas do transporte coletivo. Não é usual a população do Rio de Janeiro ficar sem o direito de trafegar por uma das principais vias da cidade porque a guerra do tráfico incendiou as entradas de um túnel.

Não é normal o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal ficarem sitiados por uma ruidosa manifestação do MST. Não são confortáveis cenas dramáticas como as do presídio do Maranhão e as declarações prostradas de autoridades, prisioneiras de uma situação lamentável do sistema penitenciário brasileiro. É estranho um país como o Brasil, com enorme potencial energético, conviver com apagões. Não é compreensível uma poderosa empresa como a Petrobras, diante da descoberta do pré-sal, conviver com queda contínua de produção, aperto de caixa e ações despencando.

Não é confortável conviver com níveis alarmantes de corrupção contaminando as instituições em todos os níveis. Não é edificante ver o aparelhamento e o fatiamento político rasteiro da máquina pública, com inaceitáveis e inexplicáveis 39 ministérios. Não é desejável ver o Brasil no segundo lugar da lista de emergentes mais vulneráveis, no relatório do banco central dos Estados Unidos, e um país dinâmico como o nosso como fruto de contabilidades criativas e intervencionismos atabalhoados. Não é possível compreender as baixas taxas de investimento e crescimento, que sacrificam a renda e o emprego de qualidade, em um Brasil cheio de potencialidades. Não é possível aceitar a desmoralização do discurso oficial, que anuncia por 11 anos conquistas que não saem nunca do papel. Não é normal uma federação estraçalhada, com a maioria dos municípios à míngua e a arrecadação federal batendo recordes.

Às vezes, a gente se acostuma, mas não devia.

A qualidade de uma nação se mede pela qualidade de suas instituições. O futuro depende visceralmente da confiança que a sociedade tem em seus líderes e no ambiente institucional reinante. O valor do governo, dos políticos e dos partidos se mede não por suas intenções ou por sua retórica, mas por seus resultados.

Alguma coisa está fora da ordem. Os ventos da mudança começam a soprar. O contraponto dos defensores do atual estado das coisas é poderoso. Mas a mudança é inexorável.

A morada da mudança é a consciência e a atitude de cada um. Cada um faz a sua parte. Mas a mudança só nascerá a partir da vontade coletiva.

O futuro do país é uma obra em construção.

Vendendo a alma a Deus por um punhado de votos - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S.Paulo - 26/02

Entre os entrevistados da última pesquisa do instituto MDA para a Confederação Nacional de Transportes (CNT), divulgada na semana passada, a maior parte dos eleitores questionados sobre o estilo administrativo da atual presidente - 37,2% - disse acreditar que ela precisa "mudar tudo" na forma de governar. Os idiotas da objetividade, definição cruel e exata de Nelson Rodrigues, dirão que a oposição pode botar o bloco na rua uma semana antes do carnaval porque, depois de 12 anos de reinado petelulista, tucanos e socialistas teriam, enfim, sua vez. Certo? Completamente errado: a mesma pesquisa informou que, com 43,7% da preferência do eleitorado, Dilma Rousseff seria reeleita no primeiro turno, superando a soma dos votos dos oponentes.

"Com mil e seiscentos diabos!", exclamaria meu avô Chico Ferreira, alisando o maxilar e espiando o céu de estio à espera de chuva. E maior seria seu susto no domingo quando soubesse de outra pesquisa, do Datafolha, que dava informação ainda mais aziaga aos netos de Tancredo Neves e de Miguel Arraes. Não, não seria tanto o índice maior dela (47% a 43,7%), porque, afinal de contas, como se aprendia antigamente no primário, não se somam (e, portanto, não se comparam) alhos com bugalhos nem laranjas com mamões. Não dá para avaliar somas de pesquisas diferentes - cada coisa é uma coisa. Mas, sim, por um dado mais perturbador para os adversários da aliança governista: a soma de futuros votos nulos, em branco ou dos que não sufragariam agora nenhum dos candidatos de outubro, que já andava seguindo como uma sombra o mineiro, agora o ultrapassa: 18% a 17%. E o pernambucano mal conseguiu entrar no reino dos dois dígitos ao alcançar meros 12%, apesar das notícias de que, enfim, a sustentável Marina Silva está para subir na garupa de sua montaria, que ainda se mostra bem claudicante. Pelo visto, o eleitor não aprecia a gestão de Dilma (conforme mostram outros indicadores da pesquisa MDA-CNT), mas prefere que ela, e não ele próprio, mude tudo.

A pergunta, também da categoria rodriguiana do "óbvio ululante", que não quer calar é: e por que ele o faria? O que de sensato, concreto e inteligente o senador tucano Aécio Neves trouxe de novo em seus três anos de atividade no Congresso? Que projeto espetacular tem seu sobrenome herdado do avô materno? A falta de propostas do PSDB é de tal obviedade ululante que o presidenciável do principal partido da oposição se propõe a "ouvir" o eleitor. A plataforma de sua candidatura é tão pobre que não inclui nem promessa. Se é fato que o cidadão se cansou de políticos que não cumprem promessas, que fique logo claro que ninguém parece disposto a investir em quem nem se dá ao trabalho de prometer.

Se Geraldo Alckmin conseguiu a proeza de ter no segundo turno de 2006 menos votos do que no primeiro e Aécio hoje perde até para ninguém, ingente também é o desafio de Eduardo Campos à química, segundo a qual água e óleo não se misturam, ao compor a chapa com Marina, não é? Como Aécio teve em seu Estado, Campos tem desempenho mais do que satisfatório no governo de Pernambuco. Ambos gozam de muito prestígio entre seus governados, mas se Minas, tido como a síntese do Brasil e com um enorme colégio eleitoral, não basta para eleger seu ex-governador, o que dizer de um pobre Estado nordestino? Apesar de desaforos trocados com os petistas no poder federal, ele não conseguiu apagar de sua imagem de realizador os benefícios de verbas federais para fazer uma boa administração estadual. Não dá para esquecer que a quase totalidade das verbas do Ministério da Integração, comandado por um cabo eleitoral dele, foi destinada a seus rincões. Tampouco dá para digerir a retórica antioportunista de sua oportuna chapa com Marina Silva. Rebentos dos Neves de São João Del Rey e dos Alencar de Crato liderarem uma "nova política" parece tão falso como uma moeda de R$ 4.

Se tudo isso é verdade, por que, então, a presidente, em vez de surfar na onda positiva, resolveu adotar a estratégia de "fazer o diabo" no pleito deste ano, vendendo a alma logo a Deus? Karl Marx e Friedrich Engels, que decretaram a condição de "ópio do povo" à fé religiosa, devem dar voltas no túmulo ao saberem que sua velha discípula de guerra tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida no gabinete presidencial. E, pior, já beijou a mão do representante de Jesus Cristo na Terra três vezes em menos de um ano. Em março do ano passado foi a Roma para acompanhar a missa de inauguração do papado de Francisco levando uma comitiva de provocar repulsa pelo exagero de dispêndio e ostentação ao padroeiro do bispo de Roma, São Francisco de Assis. Em agosto fez discurso palanqueiro ao receber Sua Santidade no Rio. E agora voltou a Roma para ver o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, ser introduzido no Colégio dos Cardeais. Para dizer o mínimo, que exagero!

Devota do marketing político, Dilma fantasia-se de peregrina de ocasião para conquistar o voto católico em outubro. Mas por que o faz, se entre seus índices de preferência e os de seus adversários há 30 pontos porcentuais e a crescente opção do eleitorado pelo direito de não ter de escolher? A julgar pelo noticiário dos últimos dias, há, de fato, um fantasma que passou a persegui-la: o padim Lula de Caetés. Mais do que os índices das pesquisas que desnudam sua má gestão, assusta-a o fato de companheiros, empresários e outros ex-bajuladores irem a São Bernardo do Campo buscar consolo contra o estilo truculento dela no profeta que só precisou do próprio carisma para fazê-la sucessora. Se nem sequer pode usar o maior peso do poder da República, o chumbo do Diário Oficial (até porque este não é mais impresso a quente), para extinguir a onipresença do patrono no Planalto na pessoa de seu abusado secretário Gilberto Carvalho, ela tem é de rezar e de beijar muito o anel do sucessor de São Pedro para expulsar de seu sono inquieto essa assombração.

Entre o Natal e o Carnaval - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 26/02

Lula a amigos: entregar o poder a esses... jamais

É sutil, mas existe, uma mudança de conteúdo do movimento Volta, Lula, ocorrida entre o passado Natal e este presente Carnaval. Até o fim do ano passado, a candidatura Lula a presidente em 2014 era uma possibilidade sempre considerada a partir da configuração de determinados cenários. O ex-presidente faria campanha da reeleição para a presidente Dilma e, assim, manteria acesa a chama que ilumina seu nome para o caso de precisar entrar na chapa de última hora, o que seria determinado pelas pesquisas, pela derrocada da economia, pela contaminação de crise internacional. Aos empresários e políticos que o procuravam pedindo para ser o candidato, o ex-presidente prometia "melhorar" Dilma, pedia paciência e dizia que ela ia mudar. Aos mais próximos dizia, e pedia que esse fosse o discurso oficial, que deveriam todos trabalhar pela reeleição contando com ele só em 2018.

A partir do Congresso do PT começou uma mudança de cenário. Piorou a avaliação da presidente por seus pares, houve fissura na relação de Dilma com partidos aliados, com empresários e, notadamente, com o seu partido, o PT. A presidente foi à sessão plenária de abertura do Congresso depois de determinar que não fosse feita na sua presença nenhuma alusão ou homenagem aos petistas presos no rastro do mensalão. Pronunciou um discurso avaliado no PT como tecnocrático, enfadonho, sem conteúdo político-partidário, para delegados a um Congresso do partido acostumados a serem incendiados por Lula. A comparação foi acachapante.

No dia seguinte, quando o partido agendou a homenagem aos presos e suas famílias, para descoincidir com sua presença, a seu pedido, o auditório já estava esvaziado. A situação atingiu em cheio o humor do PT que, por intermédio de vários de seus principais líderes e ex-líderes de bancada, entrou forte no grupo de pressão sobre o ex-presidente para que seja ele e não ela o candidato na chapa do partido, em 2014, tomando a decisão já, agora, sem esperar outras condicionantes anteriormente prenunciadas.

Em seguida, o MST fez um Congresso em Brasília e João Pedro Stédile disse que o governo Dilma fez menos na reforma agrária do que o governo Fernando Henrique Cardoso e muito menos que Lula, alimentando a fogueira de que tempo bom era o passado.

Os empresários também intensificaram as críticas e chegaram a relacionar, em conversa com o ex-presidente, tudo o que de ruim está acontecendo hoje e não estaria se fosse ele no cargo, saudosos da aurora de suas vidas. Aqui, no personagem principal, reside a diferença mais substantiva registrada entre o Natal e o Carnaval: o ex-presidente perdeu a veemência a favor de Dilma, cansou de tentar convencer que vai conseguir mudar a presidente e fazê-la seguir seus conselhos. Passou a ter iniciativas na tentativa de não deixar o governo degringolar de vez e perder o apoio tanto dos empresários como de agentes internacionais, de aliados e do PT. O artigo publicado ontem, no Valor, é um exemplo da estratégia, bem como os contatos que tem feito com chefes e ex-chefes de Estado ainda influentes em seus países.

Lula passou a fazer uma campanha mais direta para livrar o Brasil das más avaliações de risco e saiu do mutismo. Quando alguém critica, ele concorda e se diz cansado de pelejar. Não se ouviu uma palavra sua, agora, para desmentir que teria falado mal do governo com os empresários ou que tenha jogado a toalha com relação a Dilma. Quem comentou os mais recentes episódios foi Dilma, em Bruxelas, mesmo assim evitando a essência dos problemas ou das soluções. Apenas disse uma frase ouvida no Brasil através de seus numerosos sentidos: "Não temos divergência, a não ser as normais".

Para consolidar o quadro que deixou o PT à vontade para aderir à campanha do Volta, Lula, a última rodada de pesquisas mostrou que a intensa campanha eleitoral que a presidente Dilma fez entre o Natal e o Carnaval não teve bom resultado: onde não caiu, ficou estacionada, acendendo as luzes de alerta, ao mesmo tempo que da esperança, ao PT e ao Instituto Lula. Agora é Lula quem recebe conselhos para não demorar a decidir pois teme-se a contaminação à sua imagem se atrasar o corte do cordão umbilical com sua criatura

Não há lorota maior do que o registro de que o PT até topa perder a eleição em 2014, para vencê-la em 2018, como se tem dito na estratégia oficial traçada ao redor de Lula. Deputados, senadores, prefeitos, governadores, vereadores, não há um petista que não queira se reeleger, eleger seu escolhido e manter funcionando a máquina eleitoral em que se transformou o partido. Sem contar que Lula, de seu lado, tratou de declarar com todas as expressões peculiares da língua portuguesa, em conversa com aliado amigo, que não entrega o poder a esses... nem amarrado.

O governo agora partiu para o escárnio com o público eleitor que gostava das iniciativas de saneamento dos cargos federais, a chamada faxina ética. Pegou um ministro flechado quase mortalmente por denúncia contundente e publicou, no Diário Oficial, sua demissão. Quando já se começava a admirar a iniciativa, a assessoria do atingido divulgou uma nota dizendo que Arthur Chioro continuava firme na condução do Ministério da Saúde. Foi uma demissão fantasiosa, por algumas horas, para que pudesse assumir outro emprego que não poderia acumular com o cargo de ministro.

Transpôs os limites do Palácio do Planalto a notícia de que, finalmente, antes que os sinos badalassem um mês, o ministro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, criou seu primeiro atrito com um colega de governo.

E, ao contrário do que todos esperavam, não foi com o ministro Guido Mantega. O chefe da Casa Civil tem a missão de coordenar o governo e, para isso, busca informações em todas as áreas. Fala com os ministros da Pasta em questão antes de passar relatos à presidente.

Mercadante já criou sua marca: o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, soube pela própria Fifa que Mercadante ligou diretamente à entidade para fazer completo questionário sobre a Copa no Brasil.

Não é força. É jeito - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 26/02

Há um caso acontecendo na troca de ministros e no engasgo das relações do governo com o PMDB em que vale a pena prestar atenção.

Envolve o senador Eunício Oliveira e é emblemático de como o temperamento da presidente Dilma Rousseff e o comportamento do PT em relação aos aliados criam dificuldades para o governo.

Há coisas que Dilma não sabe fazer. Não tem familiaridade alguma com a política, por exemplo. Não ouve quem tem esse atributo e toca o barco como acha que deve, insistindo no erro e na ilusão de que uma hora ele leve ao acerto.

O caso é o seguinte: a presidente quer porque quer entregar a Eunício Oliveira, líder do PMDB no Senado, o Ministério da Integração Nacional. Ela já ofereceu de tudo, inclusive a pasta de "porteiras abertas", com liberdade para ocupação de cima abaixo.

Ele não quer, prefere disputar o governo do Ceará, onde está em primeiro lugar nas pesquisas. Isso foi dito diretamente a Dilma umas duas ou três vezes. Em uma delas, a conversa durou seis horas em Palácio e resultou em recusa.

Não se tem notícia de presidente da República que tenha levado tantos "não" repetidos e diretos. Em geral convites são precedidos de sondagens por intermédio de interlocutores abalizados. Há mediação, tentativa de convencimento, tudo para evitar que a autoridade maior passe pelo constrangimento de ouvir uma negativa assim frente a frente.

Pois Dilma Rousseff ouviu e ao que consta ainda não desistiu de oferecer o Ministério da Integração a Eunício. Não ao PMDB, que aceitaria o cargo de bom grado para o senador Vital do Rego, mas para Eunício Oliveira.

E por que essa obsessão da presidente pelo nome do líder do partido no Senado? Por que ele é um especialista na área? Por que nos dez meses que teria à frente da pasta o Rio São Francisco teriam finalmente suas águas transpostas?

Nada disso. Dilma quer resolver um problema dela no Ceará. Eleitoral, evidentemente. O PT local está fechado com os irmãos Cid e Ciro Gomes. Tirando o PMDB da disputa e entregando o ministério a Eunício, Dilma forçaria o partido a entrar na aliança e montar um palanque governista único para ela no Estado.

Se o senador cearense, ao contrário, insistir na candidatura a governador, para se viabilizar necessariamente terá de fazer alianças com a oposição. Vale dizer, PSDB e PSB. A hipótese do palanque duplo está fora de cogitação.

O PMDB está vacinado com o que ocorreu na Bahia em 2010. Foi feito um acordo redigido pelo hoje ministro Moreira Franco e assinado pelos então coordenadores da campanha de Dilma, José Eduardo Cardozo, José Eduardo Dutra e Antonio Palocci, pelo qual o governo federal daria apoio às candidaturas de Jaques Wagner, do PT, e Geddel Vieira Lima, do PMDB.

A candidata inclusive esteve na convenção que lançou Vieira Lima ao governo do Estado. No meio do caminho mudou de ideia. Deixou o aliado a ver navios e anunciou que na Bahia o candidato do Planalto era o petista Wagner. Com esse exemplo em tela o PMDB não confia mais em promessas de apoio compartilhado.

Esse tipo de comportamento tem dificultado alianças regionais entre os dois partidos. O esforço em relação ao Ceará em boa medida se deve ao fato de que o PT sabe que não dá para brincar com o Nordeste, onde a dianteira não será a mesma. As coisas não andam bem no Maranhão, em Pernambuco há Eduardo Campos para tirar votos e na Bahia o PMDB será oposição.

Do lado do senador Eunício, o ministério não seria o melhor negócio. Primeiro, nesta altura ficaria mal no eleitorado cearense, pois trocaria a chance de governar o Estado por um cargo de ministro. Posição que já ocupou no governo Lula.

Em segundo lugar, a disputa eleitoral não representa risco para ele, cujo mandato de senador vai até 2018. Ou seja, se for derrotado tem margem de segurança.

Se Dilma fizer o convite de novo, no PMDB a aposta é que ouvirá um não mais uma vez. E fica a dúvida: se o risco é grande de perder, o que ganha em insistir? Coisa de quem não é do ramo.

Do Valongo ao Deutsche Bank - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 26/02

O banco alemão e a Siemens fazem pelos brasileiros do século 21 o que fizeram os ingleses do 19


A Portela vai para a avenida cantando o Cais do Valongo. Até 1831 passaram por ele um milhão de escravos, vindos "de Angola, Benin e do Congo". O tráfico de escravos só foi proibido em 1850, mas anos depois um dos magnatas do Império foi apanhado contrabandeando negros que eram levados para um viveiro na Restinga da Marambaia. No século 21 o presidente da República passava feriadões nessa propriedade como se ela fosse apenas um ponto aprazível do litoral do Rio.

A Inglaterra aboliu a escravidão em 1833 e inaugurou a primeira rua com luz elétrica em 1878. O avanço tecnológico levou cinco anos para chegar ao Brasil, em Campos. Já o avanço social, a abolição, levou 55 anos. Tendo sido o primeiro país da América do Sul com iluminação elétrica na rua, foi o último a acabar com a escravidão. A pressão veio de fora para dentro.

De fora para dentro vem outro benfazejo progresso social. O Deutsche Bank acaba de aceitar um acordo pelo qual indenizará em US$ 20 milhões a Prefeitura de São Paulo por ter sido o conduto pelo qual o ex-prefeito Paulo Maluf expatriou US$ 200 milhões da Viúva. Esse dinheiro foi achado em 2001 pela polícia da Ilha de Jersey, um pequeno território autônomo do canal da Mancha. (Ganha uma viagem à Coreia do Norte quem achar que operações desse tipo nunca passaram pela banca nacional.)

Some-se a esse ato de contrição a conduta da Siemens ao colaborar com o Ministério Público nas investigações do cartel dos fornecedores de equipamentos para os governos tucanos de São Paulo. Nessa rede operava a francesa Alstom. Trata-se de uma ladroeira denunciada pela primeira vez em 1995, que se arrastava na burocracia nacional, mas ganhou um novo (e letal) alento com a decisão da Siemens.

O Deutsche Bank e a Siemens não foram convertidos à causa da moralidade pelas lições do papa Francisco. Fizeram o que fizeram porque temeram as leis de seu país e as normas de organizações internacionais. Como ocorreu no século 19 com o tráfico, tornou-se melhor negócio sair dele. Durante as farras da ditadura, o presidente do Deutsche Bank foi um queridinho do Milagre. Já a Siemens fartou-se no ruinoso acordo nuclear dos anos 70.

É comum que empresas americanas mobilizem suas embaixadas para sinalizar que estão sendo prejudicadas por transações misteriosas na burocracia nacional. Há alguns anos, uma licitação da Infraero foi posta nos trilhos depois de uma palavrinha da diplomacia americana. Em outros casos, há diretores que acham que podem dançar pela melodia nativa. Assim fez o grupo Brookfield, que opera no mercado de shoppings. Em 2012, uma ex-diretora da empresa denunciou que ela pagara R$ 1,6 milhão em propinas à rede de Hussain Aref Saab, o encarregado da liberação de obras na Prefeitura de São Paulo. O doutor amealhara um patrimônio de 106 imóveis. A Brookfield informou que não sabia de "supostos atos de suborno". Ficaria tudo na mesma, mas entrou no caso a Securities and Exchange Commission, que vigia o comportamento das empresas americanas. Bingo. Quando a prefeitura detonou a quadrilha dos fiscais, a Brookfield mudou suas regras e confirmou ao Ministério Público um capilé de R$ 4,1 milhões. Podiam ter feito isso em 2012.

A quadrilha do mensalão - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 26/02

SÃO PAULO - O STF retoma hoje o julgamento do mensalão. Os ministros vão voltar a discutir se alguns réus cometeram o crime de formação de quadrilha, o que, para José Dirceu, pode fazer a diferença entre o regime semiaberto e o fechado.

Não é, porém, o destino do ex-ministro que eu quero discutir aqui, mas algumas das implicações filosóficas da formação de quadrilha. Ela entra na categoria dos delitos de perigo abstrato. Para alguém ser condenado por formação de quadrilha, basta que tenha se reunido com mais três indivíduos para conceber um crime; não é necessário que tenha tentado pôr o plano em prática nem que tenha havido lesão a direito.

Aqui, o simples comportamento se torna punível independentemente de ter produzido algum resultado. Fazem parte dessa classe de ilícitos atitudes como dirigir embriagado, vender drogas, lavar dinheiro. Compreende-se a vontade do legislador de apostar na prevenção, mas é complicado colocar sob o tacão do direito penal, com suas penas de privação da liberdade, condutas que não provocaram nenhuma vítima concreta.

A proliferação desse gênero de tipificação, mesmo que não crie um Estado policial, nos torna reféns de percepções de risco que nunca são medidas objetivamente. O que sai muito nos jornais acaba ganhando uma lei, não aquilo que de fato mata.

E as coisas não se resolvem se centrarmos o direito nos resultados das ações. Todos concordamos que o motorista bêbado que atropela e mata alguém merece uma punição mais pesada, senão por homicídio doloso, ao menos culposo. Só que, em termos de intenções, que constituem a alma do direito penal, sua atitude não é diferente da do condutor que cruzou a cidade embriagado, mas teve a sorte de não atingir ninguém. Aí o direito adquire um caráter meio lotérico que nos repugna. O problema de fundo, suspeito, é que não é possível conciliar a ênfase em resultados com a exigência de intencionalidade.

Ideologia cega - RODRIGO CRAVEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 26/02
Convicções ou simpatias ideológicas jamais poderiam se sobrepor à defesa inconteste dos direitos humanos, valores universais talhados na Constituição de qualquer nação democrática. E isso vale tanto em relação a cortejar o líder cubano Fidel Castro como se fosse um semideus, quanto a imiscuir-se de condenar violações às liberdades individuais cometidas por um regime que construiu a reputação sobre o "socialismo do século 21", modelo fadado à falência socioeconômica. Preferir o silêncio significa, de certa forma, aquiescer ante prisões arbitrárias, repressões a protestos e implantação de política do terror. No afã desesperado de garantir a manutenção do poder ou resguardar a soberania em uma diplomacia de meias-palavras, governantes endurecem, perdem a ternura e a razão.
O governo brasileiro deixou claro que o que acontece na Venezuela é da conta dos venezuelanos. Apesar do assassinato de 15 manifestantes, da expulsão de jornalistas, da invasão a partidos políticos e do uso de armas de fogo contra estudantes. O que acontece na Venezuela remete, em parte, aos anos de chumbo do Brasil. A revolução bolivariana de Hugo Chávez - adotada por força do destino por Nicolás Maduro - foi moldada sobre a base do militarismo. Qualquer semelhança com o que a presidente Dilma Rousseff enfrentou nos porões da ditadura pode não ser simples coincidência. A experiência na masmorra da intolerância deveria cobrar de nossa presidente postura mais incisiva sobre o que ocorre no vizinho do norte.

Ao negar a repressão na Venezuela, o Brasil põe em xeque sua posição de liderança na América do Sul. Um verdadeiro líder regional não pode fazer vista grossa para o que ocorre ao seu redor. Precisa, no mínimo, manter posição sobre princípios que lhe são condenáveis ou abusivos. Ter atitude. O problema é que nosso governo não desfruta de reserva moral suficiente para fazer a cobrança. Quando nossos estudantes foram às ruas, também acabaram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes. A presidente ameaçou acionar o Exército para impor a ordem - ou calar os ativistas - durante a Copa do Mundo. Irmãos em posição ideológica, Brasil e Venezuela também parecem concordar que, sob a ameaça de contestação política, o melhor a fazer é descer o sarrafo.

A terceira via - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 26/02
Mesmo que as pesquisas de opinião mostrem um claro favoritismo da presidente Dilma, e também coloquem o candidato tucano Aécio Neves como o oposicionista mais forte, o governador de Pernambuco está convencido de que Dilma não se reelegerá e que é ele, e não Aécio, quem a derrotará num segundo turno.
Mesmo que, mais do que nunca, a eleição presidencial deste ano caminhe para a polarização entre PT e PSDB - o primeiro tentando continuar mais quatro anos no poder, e os tucanos retornando à origem no combate à corrupção e à defesa do Plano Real, que este ano comemora 20 anos -, Eduardo Campos acha que na hora em que o contraditório tomar conta do debate eleitoral, com a propaganda de rádio e televisão, o caos em que ele vê o país mergulhado tomará o lugar da propaganda governamental, e os brasileiros verão que há alternativa aos governos petistas.

Ele teme, no entanto, que a crise política ganhe proporções incontornáveis antes que as alternativas sejam colocadas na mesa, e a frustração popular saia do controle precário que ainda a contém. No momento em que o projeto petista para a economia brasileira dá mostras de ter chegado ao esgotamento, com seu modelo de fomentar o consumo interno por meio do aumento do salário mínimo e da distribuição de bolsas sociais, Campos acha que é preciso antecipar programas de governo dando alternativas para a superação dos problemas, e conversou sobre isso com o candidato do PSDB Aécio Neves.

Ele incluiu no grupo que organiza seu plano de governo os conselheiros de Marina Silva, entre eles Gianetti da Fonseca e André Lara Resende. Idealmente, os programas de governo dele e de Aécio deveriam ser complementares, mas dando espaço para que o de Campos assuma mais posições no campo da esquerda política, no qual tem tradição pelo trabalho com o avô Miguel Arraes desde cedo.

O pleno emprego, mesmo com um salário médio baixo, é um trunfo do PT nesta eleição, e não é à toa que o ex-presidente Lula centra seus elogios na capacidade de enfrentar a crise econômica internacional com crescimento dos empregos. Tudo indica que Lula e Fernando Henrique voltarão a se defrontar durante a campanha eleitoral, cada qual defendendo seu legado.

O governador de Pernambuco, embora montando com o candidato tucano Aécio Neves estratégias de campanha de oposição, pretende trilhar uma terceira via, buscando votos também no eleitorado de esquerda desgostoso com o governo Dilma, e almejando os votos tucanos num eventual segundo turno.

O candidato do PSOL, senador Randolfe Rodrigues, planeja ser o candidato das ruas, e já tem um mote eleitoral que pode fazer sucesso com os eleitores descontentes com a prática política atual: quer colocar o PMDB fora da disputa política, identificando o partido com os males de nosso presidencialismo de coalizão. Vou dar a chance ao PMDB de ficar na oposição , ironiza Randolfe - na mesma linha, aliás, de Campos, que já dissera que era tempo de dar um descanso ao PMDB.

O sonho do PSOL é ter o papel que coube a Marina na eleição de 2010: capitalizar o descontentamento da esquerda e da classe média, e ser o representante dos jovens que estão nas ruas. Mas Marina e Campos também almejam esse lugar. Eles devem anunciar ainda em março a chapa com Marina de vice, e estão acertando os palanques regionais.

No Rio e em São Paulo, Campos terá o apoio de candidatos próprios, e garante que essa estratégia foi feita de comum acordo, e não por imposição da companheira de chapa. Em São Paulo, onde a tendência do PSB seria apoiar o governador tucano Geraldo Alckmin, Campos trabalha com a possibilidade de ter o advogado Pedro Dallari, do PSB, ou Eduardo Jorge, do Partido Verde.

Já no Rio, Campos e Marina não têm dúvidas de que o melhor candidato é o deputado federal Miro Teixeira, da Rede, mas abrigado provisoriamente no PROS. Existe ainda a possibilidade de o ministro Joaquim Barbosa sair candidato ao Senado pelo Partido Verde. As últimas informações são as de que ele está preparando sua saída do STF para o dia 2 de abril, pouco antes do prazo final para magistrados se filiarem a partidos políticos a tempo de concorrer às eleições deste ano.

E assim se passaram 20 anos - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 26/02

BRASÍLIA - O pré-candidato a presidente pelo maior partido de oposição, o tucano Aécio Neves, participou ontem de uma cerimônia pelos 20 anos do Plano Real, dentro do Senado, ao lado de Fernando Henrique Cardoso e sob o comando de Renan Calheiros.

Hoje, a presidente e pré-candidata à reeleição, Dilma Rousseff, deve estar em Minas Gerais. Entregará máquinas a prefeitos de 209 municípios.

Comparados os eventos, quem ganha mais votos? Dilma ou Aécio? A resposta pode ser encontrada numa frase do ponderado discurso de FHC: "Minha geração já passou".

País sem muita memória, o Brasil certamente deve celebrar um feito tão relevante como foi a estabilização da sua moeda. Ainda assim, é fascinante como o PSDB sempre tenha escolhido uma narrativa truncada para enaltecer o Plano Real.

Entre os políticos tucanos presentes à cerimônia de ontem, coube a FHC, aos 82 anos, dar o tom mais moderno: "O Brasil é um país novo, precisa sentir ventos novos".

O ex-presidente fez um relato detalhado de como foram aqueles dias turbulentos no final de 1993 e início de 1994. Não só por causa do Plano Real em gestação, mas porque a dívida externa brasileira estava em renegociação, outra história épica e que poucos hoje conhecem.

Quis a política, a arrogância do PSDB e sua incapacidade de articulação que tudo ficasse num escaninho da história, sem uso eleitoral. FHC foi rebarbado nas campanhas de 2002, 2006 e 2010. Está sendo resgatado agora. Mas já se passaram 20 anos do lançamento do Plano Real.

Quando o ex-presidente saía do Senado, falamos brevemente. Quis saber se ele estava assistindo ao seriado "House of Cards", uma aula intensiva de política. Sim, e está gostando. "A trama é muito boa", disse. Mais tucanos talvez devessem gastar um tempo para assistir a esse programa. Até porque o PT já aprendeu muito bem como chegar ao poder.

O crime de quadrilha no mensalão - COSMO FERREIRA

O GLOBO - 26/02

Alguns réus se juntaram, conjugaram esforços para prática de determinados crimes e outros tantos que fossem necessários, para a realização de um objetivo em comum



Farei uma breve exposição, destinada aos leigos, para que a sociedade saiba exatamente do que cuida o recurso de embargos infringentes, pertinente ao mensalão, que será julgado pelo STF. O Ministério Público Federal, pela voz do procurador-geral da República, acusou determinados réus da prática do crime de quadrilha. A maioria dos ministros condenou os acusados, a minoria, entendendo que o caso não era de crime de quadrilha, e sim de coautoria, os absolveu.

Uma vez que os réus obtiveram quatro votos favoráveis, eles exercitaram o direito ao manejo do recurso de embargos infringentes, em consequência, a questão pertinente ao crime de quadrilha terá um novo julgamento. A coautoria se dá, numa explicação singela, quando duas ou mais pessoas se juntam, de forma momentânea, passageira, para a prática do crime X. Fulano e Beltrano combinaram a morte de Sicrano e efetuaram diversos disparos contra ele, culminando com a morte de Sicrano. Fulano e Beltrano são coautores do crime de homicídio. De outra banda, o crime de quadrilha ocorre quando quatro ou mais pessoas se associam, de forma estável e permanente, isto é, não momentânea, para a prática de crimes.

No caso do mensalão, alguns réus se juntaram, conjugaram seus esforços para a prática de determinados crimes e outros tantos que fossem necessários, para a realização de um objetivo em comum. Neste caso, estão presentes as características da permanência e estabilidade, exigíveis, na esteira da doutrina e jurisprudência, para a ocorrência do crime de quadrilha. Qualquer manual de algibeira deslinda a diferença entre coautoria e crime de quadrilha. O caso mensalão é um exemplo de cátedra do crime de quadrilha. Desafortunadamente, veremos alguns ministros do STF desenharem um quadrado redondo.

1964, meio século depois - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ

O Estado de S.Paulo - 26/02

Há 50 anos eclodia a intervenção militar de 1964. Embora cogitada inicialmente como uma correção de rumo na desastrada ladeira por onde havia enveredado o populismo janguista, o regime castrense terminou durando mais do que se imaginara inicialmente e acabou por desgastar as Forças Armadas, em governos de força que se estenderam ao longo de duas décadas. Esse é um período suficientemente longo como para imprimir num país diretrizes novas e, também, para cometer erros conjunturais e estratégicos. Ora, ambas as coisas precisam ser analisadas, notadamente no ambiente universitário, que deve ser, nas sociedades hodiernas, o celeiro de ideias novas, bem como o filtro por onde passam os acontecimentos à luz crítica da razão, a fim de que, com esse patrimônio de ilustração, se beneficiem as gerações futuras.

No caso da avaliação do regime militar, não foi isso exatamente o que ocorreu no Brasil. As universidades brasileiras, em especial as públicas, controladas a partir da abertura democrática pela esquerda raivosa, acabaram fazendo da memória de 1964 ato indiscriminado de repúdio aos militares e às diretrizes por eles traçadas, fazendo com que uma cortina de fumaça terminasse pairando sobre essa importante etapa da nossa vida republicana.

As coisas não mudaram com a chegada dos esquerdistas ao poder, notadamente no ciclo do lulopetismo. A criação, pelo atual governo, da "Comissão da Verdade" visando a uma "omissão da verdade" e que coloca sob os holofotes a repressão praticada pelo Estado sem, no entanto, relembrar nada do terrorismo praticado pela esquerda radical, está a revelar que pouco se progrediu nesse terreno. A finalidade prevista com a tal comissão é clara: torpedear a Lei de Anistia, que abriu as portas para a volta dos exilados e firmou o início da abertura democrática.

Falemos, inicialmente, dos desacertos de 1964. A grande falha consistiu, a meu ver, no viés autoritário do regime militar, decorrente do fato de que os profissionais das armas não estão habilitados para a chefia do Estado, toda vez que são preparados - como lembrou com propriedade o saudoso amigo Paulo Mercadante (1923-2013) em Militares e Civis: a Ética e o Compromisso (Rio de Janeiro: Zahar, 1978) - para defender com coragem e eficiência os interesses soberanos da Nação, à luz da ética de convicção weberiana, que se caracteriza pela fidelidade aos princípios, sem que haja preocupação com o resultado da ação. Falta aos nossos homens de armas a sensibilidade da ética de responsabilidade, que exige que o governante calcule, nas decisões tomadas, as consequências que decorrerão para a comunidade, sendo esta, segundo Weber, a ética dos políticos.

Em segundo lugar, anotaria mais este ponto: por formação, os militares estão preparados para gerir a unanimidade decorrente da hierarquia e da obediência do profissional das armas. Afinal, ninguém realiza assembleias no front, quando as balas silvam sobre a cabeça dos soldados. Eles cumprem as ordens dadas por seus comandantes, sem discussão. Ora, a política é o reino do dissenso, em decorrência da nossa natureza racional essencialmente dialética, condição já apontada por Aristóteles (384-322 a. C.) na sua Política. A organização da comunidade politicamente estruturada deve ser pensada como construção de consensos a partir do dissenso, não como eliminação pura e simples deste. Esse é o difícil trabalho dos homens públicos, que precisam armar-se de dose infinita de paciência a fim de conciliar os interesses dos seus representados, os cidadãos que votaram neles.

Anotemos sumariamente os aspectos positivos do regime de 1964: a intervenção militar evitou que os comunistas tomassem o poder, instaurando uma ditadura do proletariado, com o banho de sangue que isso provocaria num país de dimensões continentais como o Brasil. A opinião pública sabe que o que a extrema esquerda buscava era isso. O Brasil não teve a sua "República das Farc", com que se debate até os dias de hoje o governo colombiano, depois de meio século de guerra, graças à corajosa intervenção das Forças Armadas, notadamente do Exército, que aniquilou a possibilidade de um território controlado pelos terroristas, sendo essa a finalidade perseguida pela guerrilha do Araguaia.

No que tange à economia, o Brasil transformou-se num país industrializado. Consolidou-se a indústria petroleira e desenvolveu-se a petroquímica, bem como a siderurgia e a fabricação de maquinaria pesada. A engenharia deu um grande salto para a frente, com as obras públicas que pipocaram pelos quatro cantos do território nacional.

Acelerou-se, por outro lado, a indústria bélica - em que pese o fato da falta de continuidade de uma política para o setor, como tem sido analisado oportunamente por Expedito Bastos, do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Efetivou-se, com o fantástico desenvolvimento das telecomunicações e com a política de abertura de estradas, a denominada - por Oliveira Vianna (1883-1951) - "circulação nacional", unindo ao centro nevrálgico do poder as regiões mais afastadas e ligando estas às mais importantes áreas metropolitanas do País.

O regime militar tinha um propósito, em que pese o viés autoritário evidentemente criticável. Mas hoje, 30 anos após os governos militares, carecemos de um projeto estratégico que nos indique para onde irá o País nas próximas décadas.

Este é o grande desafio: costurarmos uma proposta estratégica, no contexto da democracia que conquistamos, superando o vezo tutorial que empanou o regime de 1964.