sábado, dezembro 21, 2013

Surge um ingrediente da ‘tempestade perfeita’ - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 21/12

O início da redução dos estímulos monetários nos EUA é um dos componentes do cenário que levaria a fortes pressões para uma desvalorização ainda maior do real



No mesmo dia, quarta-feira, em que o presidente do Banco Central americano (Fed), Ben Bernanke, anunciava em Washington que afinal o programa de afrouxamento monetário (Quantitative Easing) começaria a ser reduzido, no Brasil conheciam-se as mais recentes estatísticas sobre as contas externas do país, referentes ao período de janeiro a novembro. Há relação entre as duas coisas.

Em onze meses, o Brasil jamais teve um déficit tão grande: US$ 72,7 bilhões, cifra que representa o saldo resultante do confronto entre entradas e saídas de divisas no comércio de mercadorias e serviços. A nova projeção do BC para o ano é um déficit de US$ 79 bilhões. Tudo está, até agora, sob controle. O déficit chega a 3,57% do PIB, nível administrável, se for considerada a entrada de dólares por meio de investimentos diretos e aplicações financeiras. Mas, como se costuma dizer, a foto não é preocupante, porém o filme, em movimento, não aponta em boa direção. A tendência de degradação nas contas externas deve colocar em estado de alerta os responsáveis pela política econômica.

Neste quadro, coloca-se o início da redução do estímulo monetário americano: em vez de US$ 85 bilhões mensais, serão gastos US$ 75 bilhões na compra de títulos, para injetar liquidez na economia, enquanto os juros básicos são mantidos entre zero e 0,25%. O gradualismo deve presidir esta operação. Mas é inexorável o efeito colateral de valorização do dólar e, consequentemente, desvalorização de outras moedas. Quanto menos confiáveis os fundamentos de um país, maior será a fuga de divisas de volta a Wall Street, diante da perspectiva de elevação dos juros americanos. O Brasil se enquadra neste caso. A desvalorização do real, de cerca de 15% a 20%, ocorrida desde a primeira menção de Bernanke, em junho, de que chegaria o momento da redução do "afrouxamento monetário", parece ter sido a precificação antecipada deste movimento. Tanto que, agora, o câmbio não não oscilou muito.

Mas é só o início. Um real desvalorizado ajuda a reanimar as exportações de manufaturados, ao compensar parte das debilidades competitivas do país, mas aumenta a temperatura na fornalha já bastante aquecida da inflação. Começa a aparecer um dos componentes da "tempestade perfeita" de que teme o ex-ministro Delfim Netto. Se a nota de risco do país deixar de ser de "grau de investimento", como temem Delfim e analistas, surgirão mais pressões para desvalorizar o real. Pois, não bastasse a tendência de fuga de divisas de volta a Wall Street, a elevação da nota de risco brasileira terá o mesmo efeito. Não se deve esquecer que muitos fundos de investimentos globais só podem atuar em economias com "grau de investimento".

Brasília não deve se enganar com a ausência de grandes turbulências no momento. A possibilidade da "tempestade perfeita” existe, e por isso a questão da transparência e credibilidade das contas públicas, insiste-se, deve ser prioridade absoluta no Planalto.


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