segunda-feira, julho 01, 2013

Dissintonia crônica - RUBENS BUENO

GAZETA DO POVO - PR - 01/07

A importação de médicos pretendida pela presidente Dilma é daquelas propostas que aferem a dissintonia crônica entre o governo federal e a “voz das ruas”. Enquanto as pessoas continuam sem acesso à medicina de qualidade e permanecem estacionadas em hospitais e ambulatórios públicos à espera de atendimento, eis que agora prescreve-se a contratação de médicos de Portugal, Espanha e Cuba como solução para a saúde.

Acontece que o diagnóstico da presidente Dilma para um dos mais graves problemas do país, solução já criticada pelos conselhos e associações médicas, não encontra apoio nem sequer no PT. Se por um lado ela e o ministro Alexandre Padilha querem trazer sem restrições médicos estrangeiros, temos na Câmara Federal um projeto, pronto para ser votado, que proíbe a criação de novos cursos de Medicina e a ampliação de vagas naqueles já existentes. A proposta é do líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, do mesmo PT de Dilma e de Padilha, o primeiro a divulgar a ideia em audiência na Câmara no mês passado.

Na justificativa do projeto, aliás, o autor fala ainda em proteger o médico brasileiro “da invasão do mercado de trabalho por diplomados em Medicina sem a adequada condição de exercê-la”. Ocorre que, ao contrário do escopo do projeto de Chinaglia, o governo quer justamente expandir vagas e cursos e franquear a vinda de médicos do exterior sem submetê-los a uma aferição mínima de suas qualidades profissionais. Em resumo, o projeto petista é duplamente incoerente com o discurso do governo.

Ademais, essa proposta de abrir o mercado para médicos estrangeiros é uma ação puramente de mídia. Mesmo que o ingresso de médicos fosse viabilizado sem a necessidade da revalidação de diplomas – numa declaração ao portal Terra, o ministro da Saúde fez alusão a liberar os médicos de fora do exame de revalidação de certificados –, esses profissionais precisariam de tempo para se adaptar ao aprendizado da língua portuguesa. É que, além de saber o português, seria preciso aprender expressões regionais usadas na designação de doenças, sintomas e de órgãos do corpo humano. Em alguns rincões do país, por exemplo, a hipertrofia da glândula tireoide é chamada de “estruma” ou “papeira”. A panturrilha é a “batata da perna” ou “barriga da perna” e por aí em diante.

O PPS propõe a criação de uma carreira federal de profissional de saúde para médicos, enfermeiros e odontólogos com atuação prioritária em áreas de baixa renda no interior do país. Além disso, defende a instituição de um piso nacional de salário para esses profissionais a fim de garantir uma qualidade mínima de remuneração. Essas duas medidas são importantes para algo que devemos almejar: a fixação de médicos fora dos grandes aglomerados urbanos. Além disso, sugerimos a instalação de cursos médicos descentralizados com a implantação de novas escolas em cidades do interior. E, para evitar a “invasão” de maus profissionais, apoiamos o Revalida, uma prova nacional que afere as habilidades do estrangeiro interessado em trabalhar no país, implantada em 2011.

Não é preciso ser contra a vinda de médicos estrangeiros, nem, num outro extremo, recebê-los sem testar seus conhecimentos. Bastam bom senso e propostas seguras e coerentes numa só direção: a de salvaguardar a qualidade da estrutura do atendimento médico ao povo brasileiro, estejam as pessoas onde estiverem.

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