quinta-feira, dezembro 27, 2012

O mercado de petróleo em 2012 - ADRIANO PIRES

BRASIL ECONÔMICO - 27/12


O setor de petróleo no Brasil já completa cinco anos de instabilidade regulatória e intervenção governamental na Petrobras. Essa era começou com o anúncio da descoberta do pré-sal e se consolidou com a aprovação do novo marco regulatório em 2010.

A nomeação de Graça Foster para a presidência da empresa em substituição a Sérgio Gabrielli, trouxe um alento, dado que o discurso da nova presidente, bem como a nomeação da nova diretoria executiva, parecia que ia colocar a gestão da Petrobras no rumo da eficiência e da lucratividade. No entanto, o governo, como acionista majoritário, continuou sua política de intervenção na administração da estatal.

A produção de petróleo da Petrobras no país, até outubro de 2012, cerca de 92% da nacional, registrou uma queda de 1,8% em relação a igual período do ano anterior, com risco de não alcançar sua meta estabelecida, de estabilidade de produção (+/-2%).

A estagnação se deve à constante paralisação para manutenção e atrasos na entrada em operação de novas unidades de produção; espera-se que a produção da Petrobras cresça somente a partir de 2015.

A falta de licitações de blocos exploratórios desde 2008 tem reduzido drasticamente a área de exploração doméstica. Segundo a ANP, no final de 2011 o país contava com 320 mil km² de área exploratória concedida e em 2012 a área está sendo reduzida para 105 mil km²; caso não ocorra nenhuma rodada de licitação, ao final de 2013, a área sob exploração será de 98 mil km².

A falta de licitação afasta os investimentos das principais empresas petrolíferas do país e prejudica, principalmente, as empresas privadas nacionais que ficam impedidas de diversificar e aumentar seu portfólio.

Para as grandes empresas estrangeiras, a ausência de leilões fez com que os investimentos tomassem a direção dos EUA e da África. Em 2012 estima-se que as chamadas majors do petróleo vão investir algo em torno de US$ 100 bilhões, desse montante, praticamente, nada no Brasil.

O governo anunciou, para maio de 2013, a 11ª Rodada de Concessão e, para novembro de 2013, a primeira rodada de licitação no pré-sal sob o regime de partilha. No entanto, a falta de consenso para a distribuição dos royalties, ainda, é um risco para a realização das rodadas em 2013.

Em novembro, o Congresso aprovou novas regras de distribuição dos royalties do petróleo. Porém, a presidente Dilma Rousseff vetou parcialmente o projeto e introduziu novas regras, por meio de uma medida provisória, abrindo espaço para nova disputa no Legislativo, seja por apreciação do veto, ou alteração da MP.

Além dos leilões, o mercado aguarda se haverá a possibilidade de se alterar a exigência da Petrobras possuir 30% de todos os blocos do pré-sal e o monopólio na operação. Se o governo quiser recolocar o país na rota dos investimentos petrolíferos, será necessário rever a atual política de conteúdo local, bem como o congelamento dos preços da gasolina e do diesel.

Com a forte intervenção do governo na Petrobras, o Brasil vem perdendo a oportunidade de se consolidar como um importante player mundial, ao mesmo tempo em que adia a apropriação pelo povo brasileiro dos benefícios do pré-sal.

A inflação de 6% e as eleições de 2014 - RICARDO GALUPPO

BRASIL ECONÔMICO - 27/12


Dilma Rousseff alcançará na próxima semana a metade do mandato para o qual foi eleita em 2010. Com a popularidade nas alturas — muito acima do que seria razoável esperar diante das condições atuais da economia — ela deverá chegar a 2014 na condição de franca favorita a mais quatro anos no poder.

As chances, no entanto, cairão drasticamente diante de dois indicadores que costumam ser letais para as pretensões de qualquer político em qualquer democracia do mundo. O primeiro índice é o crescimento do PIB, que tem insistido em não subir na velocidade que o governo diz que subirá. O segundo é a taxa de inflação, que insiste em não baixar.

Dias atrás, o Banco Central divulgou seu relatório trimestral em que antecipa para o ano de 2012 uma inflação de 5,8%. Pode parecer um número nanico para um país que duas décadas atrás convivia com taxas mensais muito superiores a essa. Mas não é.

Para um país de moeda estável, quase 6% de inflação num ano é um índice é preocupante - e o governo já deveria ter acendido a luz amarela diante dele. Se não por outro motivo, pelo menos pela ameaça que ele traz para as possibilidades eleitorais de Dilma Rousseff.

Nos últimos anos, a inflação tem andado pouco acima ou pouco abaixo de 6% e pouca gente vê nisso um problema grave. Aliás, percebe-se entre as autoridades econômicas do governo a ideia de que se o preço do crescimento da economia for o aumento da taxa de inflação, tudo bem. Mesmo porque o país dispõe de um arsenal de medidas destinadas a mitigar o efeito corrosivo do desarranjo de preços.

Todo contrato contém uma cláusula de reajuste com base na taxa de inflação. Além disso, existe uma série de indexadores que volta e meia são acionados e provocam uma alta generalizada nos preços dos serviços e das tarifas públicas. Acontece que esses mecanismos de defesa, em lugar de proteger, acabam ajudando a agravar a situação.

O problema de uma inflação nesse nível não são suas consequências imediatas sobre o bolso das pessoas. São, pelo contrário, os efeitos de longo prazo no ânimo dos investidores.

O dia em que o governo parar para pensar a respeito notará que boa parte da falta de disposição para o investimento produtivo que o braço privado da economia tem demonstrado - e do qual a presidente frequentemente se queixa - deve-se à falta de controle sobre a inflação. Ao contrário da tese que vem prevalecendo no governo, um pouco de inflação não ajuda o crescimento.

Ao longo de 2012, o governo deu uma contribuição às chances de crescimento da economia com a redução dos juros. Se Dilma não perder o controle sobre os preços, ela terá fôlego para mais quatro anos. Mas se a inflação deixar o estado de hibernação em que se encontra e voltar a assustar, a história muda. Completamente.

Aécio Neves 2014 - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 27/12

O senador Aécio Neves se reuniu ontem, durante quatro horas, em seu apartamento no Rio, com FH e os supereconomistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan.
O tucano vai colocar o bloco de sua candidatura na rua.

Disputa na ABL
Incentivado por alguns acadêmicos, o poeta e filósofo Antonio Cicero revelou a membros da ABL a intenção de se candidatar a vaga de Lêdo Ivo, o escritor alagoano que faleceu dia 23.

Aliás...
Outro nome forte é o da escritora e ensaísta Rosiska Darcy de Oliveira. Também se fala no pernambucano Marcus Accioly.

Em tempo...
Lêdo Ivo deu longo depoimento para o filme “O Universo Graciliano”, de Sylvio Back.
A obra é sobre Graciliano Ramos (1892-1953), amigo e conterrâneo de Ivo. O longa estreia em março.

Murphy brasileiro
De um garçom, ao ver o ator Lázaro Ramos na área VIP do show de Stevie Wonder, na Praia de Copacabana, domingo à noite:
— Sou fã. Ele é o Eddie Murphy brasileiro.
Faz sentido.

Giane, o filme
Reynaldo Gianecchini, o galã da TV Globo, foi sondado para transformar a sua biografia em filme.

Bar contra a lei
Em dias de Lei Seca ainda mais rigorosa, o Botequim Chega Mais, em Copacabana, exibiu aos seus clientes, dia destes, numa TV, as informações de um perfil no Twitter que informa o local das blitzes.

Varig, Varig, Varig
A pedido da ministra Cármen Lúcia, relatora no STF daquela ação bilionária de defasagem tarifária da Varig, o ministro Joaquim Barbosa se prepara para colocar o assunto na pauta do Supremo.
O caso se arrasta há muito tempo e as tentativas de um acordo antes do julgamento fracassaram.

No mais...
Vamos torcer, vamos cobrar.

O que falta?
Sarney nomeou a primeira mulher ministra de um tribunal superior: Cinéa Moreira para o TST. FH nomeou o primeiro ministro negro para um tribunal superior: Carlos Alberto Reis de Paula para o TST. O mesmo FH nomeou a primeira mulher para o STF: Ellen Gracie.
Já Lula nomeou o primeiro ministro negro para o STF: Joaquim Barbosa.

Assim...
Neste raciocínio, falta Dilma nomear uma ministra negra para a vaga de Carlos Ayres Britto no STF ou em outro tribunal superior.

Autista sem vez
A jornalista Andréa Oliveira, mãe de um adolescente com autismo, faz no seu carro, todos os dias, um... protesto ambulante, veja na foto. Circula pela cidade cobrando a criação de uma instituição capacitada para atender autistas. “Resolvi fazer o cartaz para tentar ser ouvida pelo Eduardo Paes”, explica.

Caso médico
Sexta-feira passada, a coleguinha Lucia Hippolito, que se recupera dos efeitos da Síndrome de Guillain-Barré (SGB), visitou seus colegas da Rádio CBN, no Rio.
Foi recebida com aplausos.

Vinte anos depois
Os fãs-clubes de Daniella Perez, a atriz e filha da novelista Glória Perez, vão prestar uma homenagem à atriz nos 20 anos de sua morte. Haverá uma missa dia 28, sexta, na Igreja da Ressurreição, em Copacabana.
Como se sabe, Daniella foi assassinada pelo ex-ator Guilherme de Pádua e sua ex-mulher, Paula Thomaz.

O outro terreno
O terreno que a construtora Zayd comprou de Zico foi o de Vargem Pequena, e não o do Recreio.
No que foi vendido, há dois campos e estrutura para a concentração da equipe da CFZ.

Ai, que calor
Não é só este calorzão que avisa que o verão chegou à Cidade Maravilhosa. Mas também o... preço do coco, que anda lá em cima também.
Em duas semanas, o valor passou de R$ 3,50 para R$ 5,00 em uns quiosques da Zona Sul carioca.

O NOVO PASSO DE ANTONIA
Mariana Ximenes, a linda atriz, recebe Antonia Morais, a filha de Glória Pires que entra, segunda, na novela “Guerra dos Sexos ”, da TV Globo. Ela será Isadora, uma executiva linha dura. Este ano, lembra?, Antonia fez sua estreia na TV ao participar da série “As brasileiras”. Que seja feliz!

ANTES DO SHOW
Stevie Wonder, o americano que animou o Natal carioca, recebe em seu camarim o empresário Luiz Oscar Niemeyer e seu filho Luiz Guilherme

Ponto Final
O advogado Márcio Thomaz Bastos no “Consultor Jurídico” reclamou, com razão, da confusão que se faz da relação advogado e cliente. Diz que sofreu uma “odiosa discriminação” ao defender Carlinhos Cachoeira. Não é o seu caso. Mas a confusão existe também por parte de alguns advogados, como foi o caso do petista Luiz Eduardo Greenhalgh, que fez gestões a favor de Daniel Dantas junto ao Palácio do Planalto. Este não é o papel do advogado. Com todo respeito.

O mundo não acabou - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 27/12


Depois do fim do mundo, a gente se encarará sem mediação, com uma mão pronta em cima do coldre


PODE SER que o mundo acabe entre hoje (segunda, dia em que escrevo) e quinta, 27, dia em que seria publicada esta coluna. Em tese, eu não devo me preocupar: meu título não será desmentido -pois, se o mundo acabar, não haverá mais ninguém para verificar que eu me enganei.

Tudo isso, em termos, pois o fim do mundo esperado (mais ou menos ansiosamente) por alguns (ou por muitos) não é o sumiço definitivo e completo da espécie. Ao contrário: em geral, quem fantasia com o fim do mundo se vê como um dos sobreviventes e, imaginando as dificuldades no mundo destruído, aparelha-se para isso.

Na cultura dos EUA, os "survivalists" são também "preppers": ou seja, quem planeja sobreviver se prepara. A catástrofe iminente pode ser mais uma "merecida" vingança divina contra Sodoma e Gomorra, a realização de uma antiga profecia, a consequência de uma guerra (nuclear, química ou biológica), o efeito do aquecimento global ou, enfim (última moda), o resultado de uma crise financeira que levaria todos à ruina e à fome.

A preparação dos sobreviventes pode incluir ou não o deslocamento para lugares mais seguros (abrigos debaixo da terra, picos de montanhas que, por alguma razão, serão poupados, lugares "místicos" com proteção divina, plataformas de encontro com extraterrestres etc.), mas dificilmente dispensa a acumulação de bens básicos de subsistência (alimentos, água, remédios, combustíveis, geradores, baterias) e (pelo seu bem, não se esqueça disso) de armas de todo tipo (caça e defesa) com uma quantidade descomunal de munições -sem contar coletes a prova de balas e explosivos.

Imaginemos que você esteja a fim de perguntar "armas para o quê?". Afinal, você diria, talvez a gente precise de armas de caça, pois o supermercado da esquina estará fechado. Mas por que as armas para defesa? Se houver mesmo uma catástrofe, ela não poderia nos levar a descobrir novas formas de solidariedade entre os que sobraram? Pois bem, se você coloca esse tipo de perguntas, é que você não fantasia com o fim do mundo.

Para entender no que consiste a fantasia do fim do mundo, não é preciso comparar os diferentes futuros pós-catastróficos possíveis. Assim como não é preciso considerar se, por exemplo, nos vários cenários desolados do dia depois, há ou não o encontro com um Adão ou uma Eva com quem recomeçar a espécie. Pois essas são apenas variações, enquanto a necessidade das armas (e não só para caçar os últimos coelhos e faisões) é uma constante, que revela qual é o sonho central na expectativa do fim do mundo.

Em todos os fins do mundo que povoam os devaneios modernos, alguns ou muitos sobrevivem (entre eles, obviamente, o sonhador), mas o que sempre sucumbe é a ordem social. A catástrofe, seja ela qual for, serve para garantir que não haverá mais Estado, condado, município, lei, polícia, nação ou condomínio. Nenhum tipo de coletividade instituída sobreviverá ao fim do mundo. Nele (e graças a ele) perderá sua força e seu valor qualquer obrigação que emane da coletividade e, em geral, dos outros: seremos, como nunca fomos, indivíduos, dependendo unicamente de nós mesmos.

Esse é o desejo dos sonhos do fim do mundo: o fim de qualquer primazia da vida coletiva sobre nossas escolhas particulares. O que nos parece justo, no nosso foro íntimo, sempre tentará prevalecer sobre o que, em outros tempos, teria sido ou não conforme à lei.

Por isso, depois do fim do mundo, a gente se relacionará sem mediações -sem juízes, sem padres, sem sábios, sem pais, sem autoridade reconhecida: nós nos encararemos, no amor e no ódio, com uma mão sempre pronta em cima do coldre.

E não é preciso desejar explicitamente o fim do mundo para sentir seu charme. A confrontação direta entre indivíduos talvez seja a situação dramática preferida pelas narrativas que nos fazem sonhar: a dura história do pioneiro, do soldado, do policial ou do criminoso, vagando num território em que nada (além de sua consciência) pode lhes servir de guia e onde nada se impõe a não ser pela força.

Na coluna passada, comentei o caso do jovem que matou a mãe e massacrou 20 crianças e seis adultos numa escola primária de Newtown, Connecticut. Pois bem, a mãe era uma "survivalist"; ela se preparava para o fim do mundo. Talvez, junto com as armas e as munições acumuladas, ela tenha transmitido ao filho alguma versão de seu devaneio de fim do mundo.

O que você deseja? - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA


Uma pergunta difícil antes que 2013 comece



Adoro finais de ano. Presentes, planos, festas, tudo me cai bem. Mesmo a correria e as aglomerações que incomodam tanta gente, a mim agradam. Fico com a sensação de estar vivendo um período extraordinário. É como se o ano todo se condensasse em meia dúzia de dias, carregados de urgência e de expectativa. Uma parte de mim volta a viver sentimentos de criança. Talvez seja isso, na verdade, que explique o meu contentamento: ele deve ser uma manifestação secreta de nostalgia.

Ao lado desse sentimento familiar, tem aparecido, nos últimos finais de ano, uma sensação inteiramente nova – a de que é preciso fazer planos. Com a corrida final para o Ano Novo, começo a ser invadido pelo sentimento de que é imperativo, de alguma forma, planejar o ano seguinte, mesmo que seja em linhas gerais. Uma pergunta complexa – o que eu quero para mim? – se esgueira sob a porta nesses dias e se instala no meio da minha sala. Exige que eu lide com ela.

Até recentemente eu não sentia isso. Sempre tive a sensação de que a vida era um grande improviso e que planejar era uma forma de trapaça. Não gostava, e ainda tendo a não gostar, de artificialidades, e o planejamento me parecia uma delas. Meu lema no amor e na vida era que as coisas tinham de acontecer com naturalidade. Olhava com uma ponta de desdém para as pessoas minuciosas que se obstinavam em arquitetar a conquista de coisas, posições e pessoas. Sentia que elas não tinham entendido a essência espontânea da vida, que eu já captara.

Como eu disse, essa sensação mudou.

Embora eu continue acreditando que as coisas que nos dizem respeito acontecem com naturalidade – não por uma questão de destino, mas sim por afinidade e talento – fui obrigado a admitir que a vida às vezes requer um empurrãozinho. Mesmo as coisas que nos cabem requerem esforço e planejamento.

Antes de fazer planos, porém, é preciso responder àquela pergunta difícil: o que eu desejo para mim? Quando a gente tem 20 anos não sente que precisa respondê-la. Há tanta coisa acontecendo, são tantas as novidades que escolher parece quase uma estupidez. A gente quer tudo e pronto. Aos 40 anos não é mais assim. Aos 50, escolher torna-se inevitável, mas, ainda então, muitos não conseguiram responder à pergunta essencial: o que eu desejo para mim?

Outro dia eu fui ver um show de fado, o primeiro da minha vida. A cantora era uma jovem portuguesa chamada Carminho. Ela era linda, cantava com tamanha intensidade, eu me emocionei como não acontecia há muito tempo. Fiquei lá, sentado no escuro, cheio de sentimentos exaltados, enquanto ela falava de saudades, lágrimas, amor. Saí do espetáculo amolecido e feliz. Por alguns momentos, enquanto eu guiava de volta para casa, tive a sensação de que quase tudo estava em seu lugar – e que eu sabia, perfeitamente, o que era necessário mudar, e como fazê-lo.

Com essa historieta pessoal, tento dizer que as emoções fazem parte do nosso processo de escolha. Descobrir o que fazer da vida, ou o que se deseja dela, não é o mesmo que resolver um problema matemático. Precisamos da luz dos nossos sentimentos para nos guiar. Vendo e ouvindo a cantora de fado eu consegui, por momentos fugazes, mas essenciais, refazer a ligação com o adolescente que eu era. Ele decidiu quem o homem adulto seria. Essa trilha de emoção que voltou para trás é a mesma que levará para frente. No meu caso, uma trilha essencial de identidade que tem a ver com personalidade, família, geração, classe, bairro... Para descobrir o que eu desejo, foi preciso me lembrar do que eu queria quando tudo começou. A cantora de fado me pôs no caminho.

Quando 2013 começar, portanto, pretendo estar pronto, ou quase. Com alguns planos, pelo menos. Sabendo mais ou menos em que direção eu quero ir. Feliz pela possibilidade de começar de novo. Contente com o fato de que o caminho à frente responde aos anseios do garoto que eu já fui. Disposto a fazer força e empurrar para que as coisas aconteçam. Sabendo que não é mais possível fazer tudo. Tendo a certeza, sobretudo, de que não adianta ficar parado, esperando. A vida não nos espera
.

A angústia - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 27/12


Os médicos que limpam periodicamente os meus ouvidos são os mais competentes da cidade.

Mas, quando eles aspiram meus ouvidos, fico tomado de angústia. Isto é, ansiedade e aflição.

Nunca tive dor alguma enquanto aspiram meus ouvidos ou mexem nas profundezas deles com algodão e remédios levados até lá por um bastonete de aço.

Repito, nunca tive dor. Mas angústia é equivalente a dor.

Eu até traduzo a palavra angústia como “medo da dor”.

A dor é uma sensação desagradável, leve ou intensa, produzida pelas terminações nervosas.

Quando é muito grande a dor, sempre se junta a essa sensação a palavra “insuportável”.

A dor é por vezes insuportável, mas a angústia a gente suporta.

Eu até acho que, se a angústia está se tornando insuportável por muitos dias, ela se transforma em depressão, que é o grau máximo de ansiedade.

Penso também que a felicidade nada mais é do que a ausência mais completa de angústia e dor.

Existe também o que se chama de “dor moral”.

Deve ser algo como uma grande preocupação ou lástima.

Quando morre um filho ou uma mãe, quem os perde sente profunda dor moral.

Com o tempo, esta perda diminui um pouco em sua intensidade, mas então ela se transforma numa espécie de cicatriz, que vez por outra lateja desagradavelmente.

Existe também uma tal de “dor reflexa”, que é quando se tem um ferimento ou desconforto em uma parte do corpo, e a dor se manifesta noutra.

Eu a chamo de “dor quero-quero”, que é a ave que põe ovos num lugar e canta noutro, certamente para enganar os possíveis inimigos.

Tudo o que os humanos buscam, em síntese, é não ter dor, nem física nem espiritual.

Por incrível que pareça, há dores espirituais mais cruciantes do que dores físicas.

A mais completa ausência de dor se manifesta no prazer.

O prazer é o contrário absoluto da dor.

Vou tirar uns 15 dias de férias. Estarei morrendo de saudade desta coluna, que será escrita pelo sensibilíssimo Moisés Mendes.

Enfim, 15 dias de férias. Enfim, ingresso no meu regime semiaberto.

Desejo um feliz ano novo aos leitores e leitoras desta coluna, estarei ansioso por reatar este contato de 41 anos sublimes e consecutivos.

As árvores e o canudinho - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 27/12



Tomar suco com canudinho tem mais a ver com o risco de desaparecimento das florestas do que eu imaginava. Com o aquecimento global, a distribuição e a quantidade de chuvas está mudando. Chove menos nas florestas e de maneira menos regular. Um estudo feito em florestas localizadas em 81 locais, distribuídos por todo o planeta, demonstrou que as árvores não estão preparadas para suportar essa mudança.

Quando tomamos suco com um canudinho, chupamos o líquido, que sobe pelo canudo e cai na nossa boca. O que as bochechas fazem é provocar uma pressão negativa (menor que a pressão atmosférica) no interior do canudo, o que faz o líquido subir.

As árvores usam um processo parecido para levar água do solo até a copa. Milhares de minúsculos canudos, chamados de dutos do xilema, transportam água e nutrientes tronco acima. Esses pequenos dutos podem ser observados em qualquer pedaço de madeira: são os veios que correm ao longo do comprimento do tronco. Nas plantas, o papel da bochecha, de criar a pressão negativa que faz a água subir, é exercido pelas folhas, onde os dutos do xilema se ramificam e terminam. No interior das folhas, a água evapora, e é o processo de evaporação que cria a pressão negativa que chupa a água das raízes até a copa das árvores. Se falta água, as folhas podem fechar pequenas aberturas que existem em sua superfície (os estômatos), diminuindo a evaporação e economizando água. Quando a água é abundante, os estômatos se abrem, chupando mais água e transportando mais nutrientes, o que permite que a fotossíntese funcione a toda velocidade.

O problema é quando entra ar no canudo. Se você ainda não viveu a experiência de tomar suco com um canudo furado, vale a pena tentar. O ar que entra pelo furo desfaz a coluna de líquido dentro do canudo, destruindo a pressão negativa. Você chupa muito e pouco suco chega na boca. Exatamente a mesma coisa ocorre com as árvores quando falta água por muito tempo. As folhas, com sede, criam uma pressão negativa enorme, o que faz com que se formem bolhas de ar nos dutos do xilema, paralisando o transporte de água - é a chamada embolia do xilema. Se esse processo ocorre em poucos dutos, a árvore se recupera, mas se mais da metade dos dutos sofre embolia a árvore seca e pode morrer.

Ao longo dos últimos anos, os cientistas vêm medindo, em centenas de tipos de árvores, a pressão negativa máxima no interior dos dutos do xilema. Como era de se esperar, em climas em que existe pouca água no solo, como nas plantações de oliveiras na Espanha, as árvores estão adaptadas para manter uma pressão negativa muito grande de modo a chupar a pouca água que existe no fundo da terra. Já nas florestas tropicais, as árvores funcionam bem com uma pressão muito mais baixa, pois a água é abundante. A pressão em que uma árvore opera é uma característica da espécie.

Mais recentemente, outro tipo de medida também tem sido feita. É a medida da pressão negativa em que 50% dos dutos do xilema de uma dada árvore se enche de ar. Esse é o ponto a partir do qual a possibilidade de recuperação da árvore é muito pequena. Para fazer isso é necessário deixar de molhar o solo e ir medindo a pressão no interior do xilema à medida que as folhas vão aumentando a pressão desesperadas por água. Se a pressão aumenta muito, começa a ocorrer o acúmulo de ar nos canudinhos do xilema. Quando 50% deles estão com ar, a pressão é registrada. Essa é a pressão em que ocorre a embolia irreversível dos dutos do xilema, também uma característica de cada espécie.

Agora os cientistas compilaram os dados para 226 espécies de árvores, localizadas em 81 regiões, espalhadas por todos os ecossistemas do planeta. Foi comparada a pressão negativa em que cada árvore opera no seu cotidiano e a pressão negativa máxima suportada pela espécie, aquela em que 50% do sistema colapsa (embolia irreversível).

Quando esses dados foram analisados, o resultado deixou os cientistas impressionados e assustados.

Os dados demonstram que em praticamente todas as espécies de árvores, qualquer que seja seu habitat - seja na floresta amazônica, seja nos semidesertos -, a diferença entre a pressão que as árvores usam para obter água nas condições normais é muito próxima da pressão em que elas sofrem embolia irreversível. Em outras palavras, todas as árvores, de todas as florestas, operam sempre muito perto do limite tolerado por cada espécie. Isso quer dizer que mesmo uma árvore localizada na Amazônia, onde chove muito e a terra está sempre úmida, vive no limite de sua capacidade de capturar água. Se a quantidade de água for um pouco reduzida, ela corre o risco de embolia irreversível. E o mesmo ocorre com uma árvore do Cerrado. Ela opera com uma pressão mais alta, mas também próxima ao limite em que ocorre a embolia irreversível.

Esse resultado inesperado assustou os cientistas, pois demonstra de maneira cabal que as florestas de todo o globo são extremamente suscetíveis a pequenas diminuições de água. Basta o aquecimento global diminuir um pouco a quantidade de água e as árvores de todos os ecossistemas podem colapsar vítimas de embolia em seu xilema. O resultado também explica porque em diferentes regiões do planeta, onde o aquecimento global já reduziu as chuvas, muitas florestas estão morrendo rapidamente.

A conclusão é que as árvores vivem perigosamente. Em todas as florestas, elas vivem próximo do limite de sobrevivência. Ao alterarmos o regime de chuvas estamos colocando em risco a sobrevivência de todas as florestas. E sem árvores não haverá suco para ser tomado com canudinho.

Rumo a um acordo EUA-Europa - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 27/12


Americanos e europeus podem começar em breve a negociação de um acordo comercial entre os dois mais importantes mercados do mundo. Representantes dos Estados Unidos e da União Europeia reuniram-se várias vezes neste ano para discussões preliminares. As trocas de bens e serviços entre os dois parceiros são estimadas em cerca de 700 bilhões (US$ 927 bilhões) e já são facilitadas por tarifas em geral muito baixas, com média inferior a 2%. Mas há espaço para um aumento considerável do comércio e para a ampliação de investimentos entre as duas maiores potências do Atlântico Norte. Enquanto isso, brasileiros e seus sócios do Mercosul ficam limitados a assistir de longe a mais um capítulo importante da integração econômica internacional.

Preferências comerciais entre Estados Unidos e União Europeia tornarão mais difícil o acesso de outros parceiros a esses mercados. Para os muito competitivos, como a China e outros exportadores dinâmicos, o prejuízo poderá ser limitado, mas o custo será provavelmente considerável para os demais. Além disso, alguns países pobres e alguns emergentes já têm acesso facilitado aos mercados europeus e esse benefício será quase certamente mantido.

Nos últimos dez anos a integração avançou em todo o mundo, com dezenas de acordos bilaterais, regionais e inter-regionais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O grande objetivo foi geralmente a expansão das oportunidades de comércio e de investimento, sem restrições ideológicas. O Mercosul foi uma exceção, sem pactos comerciais com as economias mais avançadas. Seus acordos de livre comércio foram celebrados com países da região e com uns poucos parceiros de fora, todos em desenvolvimento. Os entendimentos foram sempre liderados pelos dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina, governados há mais de uma década por líderes populistas e com tendências terceiro-mundistas.

A primeira grande façanha desse terceiro-mundismo requentado e intelectualmente subdesenvolvido foi o abandono do projeto de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A façanha foi comandada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. O governo dos Estados Unidos contribuiu, no final da história, para a liquidação do plano, mas a dupla sul-americana já havia feito o suficiente para enterrar a Alca. Outros governos da América do Sul acabaram negociando regras de livre comércio com Washington. O Brasil, naturalmente, ficou fora das preferências concedidas nesses acordos.

A negociação entre Mercosul e União Europeia, iniciada em 1999, permanece emperrada. As discussões foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010, mas sem sucesso, apesar das renovadas declarações de interesse das duas partes. Os negociadores brasileiros e argentinos concentraram a atenção na abertura dos mercados agrícolas europeus, como se pouca ou nenhuma vantagem se pudesse obter para a exportação de bens manufaturados. Ao mesmo tempo, foram sempre muito tímidos na liberalização dos mercados do bloco para produtos industriais.

A tendência protecionista sempre foi mais forte do lado argentino, mas o governo brasileiro sempre cedeu a pressões desse tipo. Indústrias da Turquia e do Norte da África têm acesso facilitado ao mercado da União Europeia, mas os negociadores do Mercosul parecem ter desprezado, sempre, detalhes como esses. Comportaram-se, em geral, como se representassem economias exclusivamente agrícolas.

A presidente Dilma Rousseff tem mantido as linhas principais da diplomacia inaugurada por seu antecessor. Além de insistir na orientação terceiro-mundista, mantém a tolerância ao protecionismo argentino, altamente prejudicial à indústria brasileira, e aceita a liderança da presidente Cristina Kirchner na fixação de rumos para o Mercosul. A suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela bolivariana, num evidente golpe contra as regras do bloco, foram novas demonstrações, em 2012, do compromisso do lulismo-kirchnerismo com o atraso. No resto do mundo, governos mais adultos, como os da Europa e dos Estados Unidos, tentam multiplicar as oportunidades comerciais.

"Financial Times" chama Dilma de rena do nariz vermelho do Natal - FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/12


Blog satiriza as previsões sempre otimistas do ministro Mantega


Brasil estrela conto de Natal do blog beyondbrics, do "Financial Times", sobre emergentes



O desempenho da economia brasileira foi satirizado no conto de Natal do blog beyondbrics, do jornal britânico "Financial Times", sobre os países emergentes.

Estrelando o bate-boca com o próprio Papai Noel, apareciam a presidente Dilma Rousseff, caracterizada como a rena do nariz vermelho, e o ministro Guido Mantega (Fazenda), como "Guido, o elfo vidente".

No conto, o Papai Noel afirma que os personagens deste Natal são os mesmos de 2011, exceto pela mudança do representante da América Latina -sai Dilma e entra Enrique Peña Nieto, novo presidente do México- e pelo novo líder chinês Xi Jinping.

"Você não pode me rebaixar!", protestou Dilma. "O que me diz sobre meu maravilhoso nariz vermelho?"

"É o seu nariz vermelho o problema. As crianças pensam que você é socialista. Quem confia em um socialista para trazer brinquedos?", responde o Papai Noel.

Indignada, Dilma lembra que o líder chinês é ainda pior por ser comunista.

"Mas ele diz as coisas certas", retrucou Papai Noel, ao lado do chinês que clamava a "luta contra a corrupção".

Dilma retruca dizendo que seus "chifres" são os "sextos maiores" do mundo, quando é interrompida pelo premiê britânico David Cameron reivindicando a posição -o Brasil perderá o posto de sexta economia para a Inglaterra.

Então, a presidente brasileira explode: "Por que motivo meus chifres não crescem mais rapidamente?"

Nesse momento, entra o ministro Guido Mantega, caracterizado como o "elfo vidente", garantindo que os chifres da presidente crescerão um metro em 2013.

Dilma cobra explicação sobre como chegou à previsão.

"Tive um estalo. Perguntei as previsões de todos os outros elfos e multipliquei por dois", respondeu Mantega.

"Oh, Guido, por que será que eu não te demito?"

"Não seria porque a revista 'Economist' pediu isso?", responde o ministro.

Dez anos, êxitos e autocrítica - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 27/12


BRASÍLIA - O PT completa, neste final de 2012, dez anos no poder -oito de Lula e dois de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto.

Período de avanços inegáveis, especialmente na área social, com redução das desigualdades e emersão de nova classe média. Além da manutenção da estabilidade econômica, que muita gente achava que o PT jogaria pelos ares.

Mas também foi um período em que o partido revelou-se mais do que igual aos demais, loteando o governo entre amigos e aliados e com filiados flagrados em casos de corrupção.

Para que os petistas não digam que somos injustos, fiquemos com as palavras de um deles. Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, o ministro Gilberto Carvalho listou êxitos sociais e econômicos do petismo, mas não deixou de fazer uma sincera autocrítica sobre o PT no poder.

"É muito doloroso para nós vermos companheiros nossos que foram se enriquecendo ao longo desses anos", disse o ministro de Dilma e amigo de Lula. Declaração grave vinda de assessor tão próximo do poder. Só faltou citar os nomes dos companheiros -o que, convenhamos, seria sinceridade demais.

Para ele, petistas foram tomados pela "vaidade" e pela "arrogância". Reconheceu ainda que houve, de fato, casos de corrupção. A diferença, diz, é que houve punição.

Gilberto foi além. Admitiu falhas na ocupação de cargos públicos no período petista. Citou o caso das agências reguladoras. "Houve um critério de baixa exigência [nas indicações], falhou o filtro."

A despeito dos erros e falhas do PT nesta década, que não foram poucos, o governo Dilma segue muito bem avaliado. E as pesquisas apontam a própria Dilma e o ex-presidente Lula como os dois candidatos mais fortes para a sucessão de 2014.

Sinal de que, no balanço de perdas e ganhos, a população ainda enxerga mais pontos positivos do que negativos no PT. E de profunda incompetência da oposição.

No Egito, nenhuma surpresa - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 27/12


Sem surpresas no Egito: a Irmandade Muçulmana devia ganhar o referendo. E ganhou. A Constituição manca, mas talhada sob medida para seu inspirador, o presidente Mohamed Morsi, deve proporcionar à Irmandade Muçulmana - essa confraria de islamistas que se pretendem moderados - a ferramenta ideológica e política que lhe permitirá dirigir o Egito.

O campo vencido, isto é, a oposição, que abriga confusamente pessoas de esquerda, liberais, revolucionários e antigos partidários do ditador deposto, Hosni Mubarak, vai espernear que houve fraude. De fato, todo o mundo sabe que os partidários de Morsi fraudaram, mas os protestos feitos pelo principal partido da oposição, a Frente de Salvação Nacional, têm pouca chance de serem levados em conta pelos islamistas triunfantes. De resto, era bem provável que, mesmo sem as fraudes, a Irmandade Muçulmana venceria.

O presidente Morsi controlará, portanto, todos os poderes. Ele poderá varrer das instituições as sobras do antigo regime e já começou a fazê-lo: na Justiça, o procurador-geral Abdel Meguid Mahmoud, rebento do antigo regime, foi substituído por um juiz mais maleável, Talaat Abdullah.

O espetáculo da rua atesta que uma página foi virada: as mulheres sob véu estão se tornando mais numerosas. Na televisão, o jornal é apresentado por mulheres usando véu.

Um diplomata ocidental se diz estarrecido: "Até nos corredores do Ministério das Relações Exteriores circulam secretárias veladas". A Irmandade ainda não invadiu tudo, mas pôs a mão sobre cinco ministérios estratégicos. O delicado Ministério da Informação foi para Salah Abdel Maqsoud, que não é nenhum amante da liberdade de expressão.

Mais grave ainda: o Senado designará os novos diretores dos meios de comunicação estatais. Ora, o Senado foi conquistado pelos islamistas e é presidido pelo cunhado do presidente Morsi. No entanto, persistem no governo resistências à empreitada islamista.

O cientista político Clément Steuer explica que, depois de 20 anos, os tecnocratas se apossaram dos postos de alto escalão e aponta para o peso exercido pelos financiadores de fundos internacionais que pregam uma governança sadia.

Assim, entre os contrapesos do poder absoluto da Irmandade Muçulmana, conta-se agora a liberalização econômica. Esta liberalização nunca foi colocada em questão, até agora, pela Irmandade. Ela deveria limitar os transtornos revolucionários na política egípcia.

Um outro fator é invocado pelos opositores.

A Irmandade Muçulmana não conta com pessoal qualificado. Ela será obrigada a aplicar seus projetos recorrendo a pessoas competentes e, em geral, pouco fanáticas.

Mesmo na polícia, ela não poderá prescindir de funcionários não islâmicos.

E o Exército? A Irmandade havia destituído o antigo chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas, general Hussein Tantawi, que tinha tentado confiscar, em proveito do Exército, as revoltas da Primavera Árabe, mas até aqui, o cerne do "business militar" não foi realmente atingido.

Segundo especialistas, este é um dos desafios que se apresentam a Mohamed Morsi na sua tentativa de impor um regime islamista moderado: que no interior das grandes administrações produzem-se clivagens que podem colocar em risco a estabilidade constitucional que o referendo do fim de semana deveria teoricamente garantir. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Pedi e não recebereis - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 27/12


Nos seus contatos mantidos ao longo deste ano com os empresários brasileiros, o governo Dilma alardeou não ter feito outra coisa senão atender às reclamações deles: derrubou os juros, desde agosto de 2011, em 5,25 pontos porcentuais, para 7,25% ao ano; puxou a cotação da moeda estrangeira da altura de R$ 1,60 por dólar para R$ 2,10; desonerou a folha de pagamentos para 42 setores; e aumentou a disponibilidade de crédito subsidiado fornecido pelo BNDES.

Os empresários vêm mantendo em relação a essa política uma reação ambígua. De um lado, não podem deixar de elogiar os esforços do governo. De outro, acham tudo muito insuficiente e sempre querem mais. A atitude prevalecente é de descontentamento, que transparece da pouca disposição de investir.

Foi o que se viu na entrevista coletiva à imprensa que o presidente da Fiesp, Paulo Skaf (foto), concedeu dia 18 para fazer um balanço de 2012. Ele pediu um câmbio "de equilíbrio, na faixa de R$ 2,30 a R$ 2,40 por dólar", o que implicaria uma desvalorização adicional do real de 15%. Advertiu, também, que não há razão para a Selic (juros básicos) não cair para a altura dos 5,0% ao ano.

Há uma semelhança de comportamento entre os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e os empresários. Ambos seguem dizendo que querem uma coisa, mas, na realidade, querem outra. Depois de certa observação, dá para concluir que os sem-terra não querem terra. Quando a recebem, não sabem o que fazer com ela e, logo em seguida, procuram vendê-la. O que pretendem, na verdade, é emprego.

Os empresários, por sua vez, sempre que podem, repetem que desejam mais desvalorização cambial e mais redução dos juros. No entanto, o que de fato querem é mais competitividade da indústria e mais resultados em lucros, que somente em parte têm a ver com mais câmbio e menos juros. Estão mais ligados à redução de impostos, à infraestrutura melhor e mais barata, à Justiça mais confiável e mais rápida, à mão de obra mais treinada e mais eficiente. E têm mais a ver com regras do jogo bem definidas e mais firmes, com controle da inflação e com uma economia mais previsível.

Se estivessem satisfeitos como o desempenho da política econômica do governo Dilma, como tantas vezes reafirmam nos discursos, os empresários estariam desengavetando seus projetos de expansão de capacidade de produção. Mas seguem na defensiva. Temem os desequilíbrios da economia que corroem o retorno esperado.

De um lado, o empresário quer mais câmbio e menos juros, como se viu: de outro, o governo não pode mais concedê-los, porque tenderia a desequilibrar ainda mais a economia.

O empresário também reivindica menos imposto e nisso tem toda razão, porque a carga tributária está exorbitante. As mexidas que o governo vem fazendo no sistema tributário não passam de puxadinhos construídos com renúncias fiscais. Em 2013, serão mais R$ 40 bilhões. Mas o governo já esticou demais essa corda. Conta com um crescimento do PIB de pelo menos 4% em 2013. Caso venha mais baixo, a arrecadação não dará conta e o desequilíbrio aumentará.

Ou seja, a relação governo-empresários tende a continuar delicada e muito insatisfatória.

TUDO AZUL - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP  - 27/12

A confiança do consumidor paulistano em relação à economia do país aumentou no mês de dezembro. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela FecomercioSP, passou de 159,7 pontos em novembro para 161,8 neste mês. Ele varia numa escala de zero a 200.

CARTEIRA ASSINADA
Dentro dessa aferição, o Índice de Condições Econômicas Atuais, que compõe o ICC, apresentou alta de 6,6% na confiança por parte das mulheres. Segundo a assessoria técnica da entidade, o mercado de trabalho é o fator preponderante para esse cenário otimista.

NUVEM NO CÉU
Já a perspectiva em relação ao futuro teve queda num público importante: o dos consumidores com renda superior a dez salários mínimos. O índice caiu 3,4% neste segmento, de 174,9 pontos para 168,9. Entre os que ganham menos a confiança subiu 0,3, mantendo-se praticamente estável.

VACAS MAGRAS
A equipe do prefeito eleito Fernando Haddad (PT-SP) já trabalha com a possibilidade de queda nas receitas do município. Efeito da retração na economia.

CANÇÃO
O atual secretário municipal da Educação e candidato a vice-prefeito na chapa de José Serra, Alexandre Schneider, voltará a se dedicar mais à música. Ele está aprendendo clarinete. Há tempos Schneider estabeleceu uma meta: aprender um instrumento a cada dez anos. Já toca violão e saxofone.

ANO-NOVO, CLUBE NOVO
O dono da Space, balada eleita 11 vezes a melhor do planeta pela "DJ Mag", desembarca hoje em Balneário Camboriú (SC). Pepe Rosselo vem ao Brasil para a inauguração da filial brasileira do clube, no sábado, em que toca o DJ Carl Cox.

A MELHOR DO MUNDO
A devoção de Maria Bethânia pela mãe, Dona Canô, que morreu anteontem, era expressada diariamente. As duas se falavam pelo menos duas vezes por dia. "Ela é capaz de gastar todo o dinheiro que tem, mas não passa um dia sem telefonar. É a melhor filha do mundo", revelou Dona Canô numa entrevista à coluna, em 2007. Naquela ocasião, no meio de uma turnê, a filha ligou de Lisboa só para avisar que estava indo para a Suíça.

DE PERTO
Bethânia também cuidava dos detalhes da rotina da mãe e, na ocasião, queria comprar um carro de cabine dupla para Dona Canô. Mas ela preferiu continuar com o veículo que já usava.

DEIXA PRA LÁ
Amiga e admiradora de Lula -tinha fotos abraçada com ele em casa e chegou a se desculpar quando o filho Caetano Veloso o chamou de "analfabeto" -, Dona Canô dizia que ele deveria se afastar do dia a dia do poder. "Pelo meu gosto, Lula não seria mais o presidente. Se eu pudesse dar conselho a ele, diria: 'deixe esta porcaria aí!'", afirmava ela.

DÁ UM DESCONTO
Um projeto de lei aprovado pelos deputados de SP prevê redução de até 90% no valor da escritura de um imóvel no Estado. A proposta do deputado Carlos Cezar (PSB-SP) só serve à população de baixa renda que reside em área de interesse social (como terreno para regularização fundiária), em imóveis de até R$ 112,8 mil. Para ele, o valor pago para fazer o registro no cartório, hoje entre R$ 1.500 a R$ 3.000, pode cair para R$ 200.

STEVIE EM COPACABANA
Gilberto Gil recebeu Stevie Wonder para show na praia de Copacabana anteontem. Pela área VIP da apresentação circularam atores como Lázaro Ramos, Taís Araújo, Tiago Abravanel, Patrícia Pillar, Mariana Ximenes e Fernanda Paes Leme. Também viram a apresentação Preta, filha de Gil, e Flora, mulher do cantor baiano, que homenageou Dona Canô no palco. A socialite Narcisa Tamborindeguy esteve no evento, assim como o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e sua mulher, Cristine.

CURTO-CIRCUITO

O D-Edge realiza a festa Moving, com Gil Rodrigues Vs Kitty e Simple Jack. À meia-noite. 18 anos.

Thiaguinho faz hoje show no Morocco, em Maresias (São Sebastião). 18 anos.

Começa às 16h de sábado a Sunset Party, que acontece em praias de São Miguel dos Milagres (AL) e de Punta del Este (Uruguai).

FLÁVIA OLIVEIRA - NEGÓCIOS & CIA

O GLOBO - 27/12


Sem recesso
Graça Foster, da Petrobras, chamou diretores da estatal e presidentes de subsidiárias para reunião, no Rio, dia 2 de janeiro. Frustrou planos de viagens no réveillon.

Ano novo
Está em 85,82% a média de ocupação dos hotéis do Rio para o réveillon. A ABIH-RJ fechou a pesquisa ontem. A taxa ficou dez pontos abaixo de 2011 (96,57%). A crise na Europa e nos EUA pesou, diz Alfredo Lopes, presidente da entidade. E o Rio ganhou mil novos quartos este ano.

Aos milhões 1
Mais de dois milhões de clientes passaram pelo BarraShopping na semana anterior ao Natal. O total de notas fiscais trocadas na promoção passou de R$ 100 milhões. É alta de 48% sobre 2011.O shopping vai sortear seis automóveis BMW 320i.

Aos milhões 2
O São Gonçalo Shopping somou R$ 5,5 milhões em cupons fiscais trocados na ação de Natal. São 38% mais que em 2011. No dia 24, o tíquete médio dos participantes subiu 9%, para R$ 338,03.O mall sorteou um carro J6, da Jac Motors.

Nem tanto
Daniel Plá, professor da FGV, duvida dos números do Natal dos shoppings e das entidades do comércio. Na Saara, diz ele, só metade das lojas conseguiu bater a inflação. No varejo de luxo, ninguém teve ganho real.

NO RIO, CORTE DE EMISSÕES ENTRARÁ EM LICENCIAMENTO
Secretaria do Ambiente exigiu redução na liberação de CO2 para renovar licença de operação de fábrica em Santa Cruz


O governo do Rio experimenta nova regra no licenciamento ambiental de projetos empresariais. Antes do Natal, a Secretaria do Ambiente e o Inea renovaram a licença de operação de uma fábrica da Votorantim Cimentos, em Santa Cruz, na capital fluminense, e exigiram como contrapartida o corte nas emissões de CO2. Foi a primeira vez que a regra entrou num processo de licenciamento, diz o secretário Carlos Minc. A licença de operação é renovada a cada cinco anos. A unidade da Votorantim terá de reduzir em 5% o total de emissões até 2017. As 30 mil toneladas de CO2 equivalentes de 2011 serviram de parâmetro para a meta. A empresa, além de não poder aumentar a liberação de poluentes, terá de reduzi-la a 28.500 toneladas, mesmo que eleve a produção nos próximos anos. “A intenção é fazer as empresas investirem em processos de produção mais limpos”, explica Minc. O licenciamento da Votorantim Cimento é o piloto do novo modelo. A partir de 2013, é provável que todas licenças, de novos projetos ou renovações, venham com a exigência. É um jeito de antecipar a vigência da Lei do Clima, que prevê cortes nas emissões de CO2 pelo setor produtivo.
5% DE REDUÇÃO NAS EMISSÕES 
Foi a exigência do Inea para renovar a licença da Votorantim Cimentos. Outras cimenteiras terão metas, bem como as siderúrgicas. Percentual de corte vai variar com tecnologia usada e CO2 liberado.

TEM QUE SUAR
A Coca-Cola põe no ar dia 31 sua campanha de ano novo. O filme lista uma série de atividades saudáveis e prazerosas (dançar, por exemplo), que ajudam a queimar as 129 calorias de uma garrafa de 290 ml do refrigerante. É a 1ª vez que a marca trata do assunto na propaganda.
A criação é da WMcCann. Vai circular em TV, cinema, mídia digital e pontos de venda.

Otimismo 1
O CDL-Rio estima alta de 6,9% nas vendas do varejo carioca de janeiro até o carnaval sobre um ano antes. Aldo Gonçalves, presidente da entidade, diz que lojas de moda praia, roupas feminina e infantil, acessórios para fantasias e material escolar serão as mais procuradas.

Otimismo 2
Subiu 0,3% em dezembro o índice de confiança do comércio. Passou a 129 pontos, contra 128,6 no mês passado. Foi a quinta alta seguida, informa a CNC.
O otimismo com o presente impulsionou o indicador. No Nordeste, o Icec chega a 137,1 pontos, o maior do país.

FESTA DE LUZES
A Light estreia campanha, no fim de semana, para anunciar seu patrocínio ao réveillon de Copacabana. É a primeira vez que a distribuidora apoia a festa. Haverá projeções de luzes durante a queima de fogos e tecnologia LED no palco principal. Foi o mesmo recurso usado nos Jogos Londres 2012. As peças vão circular em impressos e internet. A Havas Rio assina.

NA SOMBRA
É da Fibra Design o projeto do Sombrero, acessório para ajudar a aplacar o calor do verão carioca, que teve temperatura recorde ontem. Acomplada ao guarda-sol, a peça aumenta a área de sombra na areia. Parceria com a Faperj garantiu o investimento, de R$ 77 mil.

Mercado de visão
O faturamento do mercado óptico brasileiro deve dobrar até 2017. As receitas anuais devem passar dos atuais R$ 19,5 bilhões para R$ 39,2 bi, segundo estudo da consultoria GS&MD, encomendado pela Abióptica, que reúne empresas da área. Desde 2007, o segmento já cresceu 90%. “O setor tem crescido em projeção geométrica, mesmo com a crise”, diz Bento Alcoforado, diretor-presidente da associação. Ele atribui a dois fatores o salto: a ascensão de renda das classes mais baixas (87% dos consumidores são de níveis BeC) e o envelhecimento da população. O volume de investimentos, tanto interno quanto externo, também é crescente. Segundo Alcoforado, ainda existem 60 milhões de brasileiros que têm problemas de visão e não sabem. Para a pesquisa, a GS&MD ouviu 1.409 consumidores, oftalmologistas e donos de óticas e laboratórios em Rio, São Paulo, Porto Alegre, Goiânia e Fortaleza.

Livre Mercado
A Nova Pontocom fechou parceria com editoras. Livros didáticos vendidos nos sites das redes Casas Bahia, Extra e Ponto Frio terão até 20% de desconto.

A meta é dobrar as vendas.

A Ampla dará cinco bicicletas elétricas a clientes e turistas de Búzios (RJ) em concurso cultural. A ação será lançada no sábado e vai até 17 de fevereiro.

O restaurante Catavento abre dia 15 de janeiro no Shopping Piratas, em Angra. É aporte de R$ 750 mil.

A Loja de Inverno, de roupas de frio, vai lançar e-commerce mês que vem. Investiu R$100 mil. Quer aumentar as vendas em 20%.

Os pedidos processados on-line no Portal do Cliente, loja virtual da Lafarge (cimentos), já somam 30% do total. Há dois anos, quando foi criado, eram 12%. São 2.500 vendas semanais.

A Aevo Studio, de apresentações em 3D, fecha o ano com aumento 20% no portfólio de clientes. Criou braço voltado a sistemas para o setor energético, a Aevo Tech. Prevê crescer 50% em 2013.

Os bandidos agradecem - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 27/12



A cada Campanha Nacional do Desarmamento, como a que está sendo veiculada, a sociedade fica mais vulnerável, e os bandidos, mais à vontade. Os argumentos das autoridades permanecem mais ou menos os mesmos desde 2004, quando essas campanhas começaram: a defesa dos cidadãos cabe exclusivamente à polícia e disparos acidentais de armas de fogo provocam tragédias familiares. Não se discute que é preciso treinamento para manejar armas, como, de resto, é preciso treinamento para dirigir um carro, cujo mau uso o torna tão letal quanto um revólver. Já o argumento de que não cabe ao cidadão ter instrumentos adequados para se defender da ameaça de bandidos armados é ominoso.

O mote da campanha atual é: "Proteja sua família. Desarme-se". Trata-se de uma série de depoimentos de pais cujos filhos foram vítimas de disparos acidentais de armas de fogo. A intenção, segundo o Ministério da Justiça, é mostrar que não vale a pena correr os riscos que ter uma arma em casa implicam. "A arma é um excelente instrumento de ataque e um péssimo instrumento de defesa, principalmente para as pessoas que não têm habilidade em usá-la", disse a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki. Segundo ela, "a sociedade tem o direito de exigir do Estado que qualifique e equipe muito bem os policiais para defendê-la", pois "essa é competência do policial, e não do cidadão".

Trata-se de um raciocínio primário. É óbvio que cabe ao Estado proteger seus cidadãos, pois é o Estado que detém o monopólio do uso legítimo da força. No entanto, como sabe qualquer cidadão letrado, esse monopólio tem sido diuturnamente desafiado pelo crime organizado e pela bandidagem em geral, que mesmo de dentro das penitenciárias conseguem fazer valer a lei da barbárie. Há cidadãos que desejam ter meios para enfrentar os criminosos caso os agentes do Estado não estejam por perto para fazê-lo, situação que é rotineira nas grandes cidades. A lei faculta a esses indivíduos o direito de proteger a si e a sua família da melhor maneira possível - é a chamada legítima defesa. Trata-se de uma questão pessoal, sobre a qual o Estado não pode jamais interferir, pois a lei não determina que os cidadãos devam ficar inertes ante a violência que eventualmente sofram.

Mas o discurso das campanhas de desarmamento transformou o ato de se defender em uma violência equivalente à cometida pelos bandidos - se não pior, porque os criminosos, de acordo com o sociologuês acadêmico que pauta esse debate, agem porque são vítimas do "sistema", enquanto os indivíduos que se defendem usando armas de fogo são, estes sim, elementos violentos. Somente neste ano, três inocentes que reagiram a assaltantes armados foram processados por crime de homicídio doloso triplamente qualificado. Em um dos casos, uma senhora de 86 anos cuja casa estava sendo assaltada, em Caxias do Sul (RS), pegou um velho revólver calibre 32 e conseguiu matar o ladrão a tiros. Como a arma não tinha registro, ela foi indiciada e se tornou ré, apesar de ter somente tentado proteger sua vida e seu patrimônio. Trata-se de um episódio exemplar dessa "equalização moral" entre bandidos e vítimas.

Ademais, de que valem campanhas de desarmamento se os bandidos têm enorme facilidade para obter seu arsenal, até mesmo sob as barbas da Justiça? Têm sido frequentes os assaltos a fóruns, onde ficam guardadas as armas e a munição apreendidas e que serão usadas como prova nos processos. Sem segurança adequada, esses locais são de "fácil acesso" para os criminosos. O caso mais recente ocorreu em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, em 2 de dezembro. Havia apenas um vigia no local, facilmente rendido.

O fato é que as campanhas de desarmamento não são a panaceia contra a violência, e a interpretação que se faz da legislação vigente trata o cidadão possuidor de armas como um delinquente. Isso só é possível num país em que as autoridades, para escamotear sua incompetência na área de segurança pública, atribuem a responsabilidade por parte da violência à própria vítima. Os bandidos agradecem.

Chapa quente - CRISTINA GRILLO

FOLHA DE SP - 27/12


RIO DE JANEIRO - Amigos que moram fora do país ligam para desejar feliz Natal e aproveitam para queixar-se da dureza que é passar as festas com temperaturas de quase 0ºC.

Para nós, moradores do Rio, que ontem enfrentamos 43,2ºC -com sensação térmica de 47ºC, de acordo com especialistas em meteorologia­-, dá uma pontinha de inveja.

Turistas encantam-se com as altas temperaturas. Praias, hotéis e restaurantes ficam lotados. A estimativa da prefeitura é de que 752 mil pessoas desembarquem na cidade nesta semana para comemorar o Réveillon.

Cálculos municipais indicam que, até o fim da temporada, serão cerca de três milhões de visitantes, que deixarão na cidade valores em torno de R$ 2 bilhões. Fantástico, sem dúvida. Mas, para aqueles que precisam continuar na rotina, a vida fica difícil.

Dá pena ver homens engravatados nas ruas do centro da cidade. O asfalto queima. O salto do sapato cola na rua, que parece derreter.

A chapa está quente, de verdade.

Usar o transporte público para chegar ao trabalho pode ser um martírio. Só 10% da frota de ônibus da cidade têm ar-condicionado. O prefeito Eduardo Paes promete que até 2016, ano olímpico, 100% dos veículos terão o equipamento, mas ainda faltam quatro anos. Os vagões do metrô têm refrigeração. A superlotação em alguns momentos do dia, no entanto, faz com que pareça que ela não existe.

No caso dos trens, segundo a concessionária SuperVia, metade da frota é equipada com os aparelhos. Porém, queixam-se os usuários, os "frescões" só circulam nos horários de menor movimento. Nas horas de rush, o jeito é ir de "quentão".

Em uma cidade onde, no verão, é rotina a sensação térmica bater os 40ºC, ter um sistema de transporte público totalmente equipado com ar-condicionado não é luxo, é uma necessidade básica.

Mais até: é uma questão de saúde pública.

Burocratas, carrascos da inovação - ALEXANDRE BARROS


O Estado de S.Paulo - 27/12


O governo quer inovação, mas encarrega burocratas desse mister. Inovação não é mais uma excentricidade, é um negócio complexo, que exige agregação de cérebros. O Vale do Silício e a área de Boston, nos EUA, são grandes centros de inovação porque muitas mentes juntas se fertilizam mutuamente. Não é soma, é multiplicação.

Por que as pessoas inovam? Para resolver um problema delas ou para ganhar dinheiro, ou ambos. Nisso o sistema de registro de patentes e proteção de propriedade intelectual brasileiro está ultrapassado.

Currículos de escolas brasileiras tentam ensinar muitas matérias, quase todas irrelevantes para as escolhas que os estudantes já fizeram da estrada que vão seguir. Educação universal pode ser elegante, mas é improdutiva.

O carro mais inovador da atualidade, o Tesla (homenagem ao gênio da eletricidade) não está sendo desenvolvido em Detroit porque os cérebros dessa cidade americana só sabem fazer mudanças incrementais nos carros existentes. Foi criado no Vale do Silício. Elon Musk e seus cientistas pensaram "do zero" num carro completamente novo: sem caixa de mudanças, sem eixo de transmissão e totalmente elétrico. Lá isso foi possível porque as cabeças estavam abertas para criar coisas novas.

As primeiras ideias de carros sem motorista eram de que eles funcionassem em estradas, não em ruas urbanas. Mas isso demandava enorme despesa em infraestrutura: instalar tiras magnéticas por baixo do pavimento para "puxar" os carros na direção certa. Era incremental. Não vingou.

Os carros sem motorista hoje não fazem nada por baixo, tudo é por cima, comunicando-se com satélites e com outros carros. Tudo sem fio. Onde? No Vale do Silício, financiado pela Google, que nós conhecemos das buscas na internet.

Esses veículos já são legais no Estado de Nevada e em breve o serão na Flórida e na Califórnia. Por lei, ainda precisam de um motorista "de plantão" atrás do volante "para emergências". Como os contadores que refaziam à mão todas as contas das calculadoras eletrônicas para terem certeza que as máquinas as haviam feito certo.

Inovações enfrentam resistências. E ninguém é mais resistente que os burocratas. Os governamentais são piores, mas os privados não ficam atrás.

Um ex-diretor da IBM, pouco antes da crise que quase a levou à falência, dizia que a empresa era "uma estatal privada que deu certo". Aí... parou de dar. Chamaram um presidente "de fora". Sua tarefa: jogar no lixo o entulho burocrático que não tinha mais função (Louis V. Gerstner, Quem Disse que os Elefantes não Dançam?, Editora Campus). Mas a IBM também tinha boas ideias. Jean Paul Jacob era um "olheiro" científico. Passava a vida fuçando pesquisas que estavam sendo feitas em inúmeras universidades para identificar o que era promissor e podia virar produto lucrativo de sucesso. Se passassem no teste, os pesquisadores receberiam auxílio da IBM. Em troca, uma fatia da renda das patentes resultantes.

Aqui começam pela burocracia. O governo faz convênios para mandar estudantes brasileiros para o que chamam de "bolsas-sanduíche". É o protecionismo na produção intelectual: o aluno tem de fazer tudo do seu mestrado ou doutorado no Brasil. Depois vai passar um ano numa universidade estrangeira para "ganhar uma bênção", do tipo folheada a ouro: por fora brilha, por dentro foi educado com todos os vícios da universidade brasileira anti-inovadora.

Um ano não dá para formar a cabeça de ninguém. Como o(a) aluno(a) vai ficar só um ano, não é tratado como alguém que está sendo formado naquela instituição, e sim como quem está ali para receber uns enfeites de retoque. Esse ano custa caro e rende pouco. Além disso, muitas universidades estrangeiras enxergam esses estudantes estrangeiros "para a bênção" como uma chuva de ouro: rendem muito (nosso dinheiro paga) e não implicam nenhum compromisso. Depois sumirão no mundo e não haverá ninguém para cobrar. E como não terão um diploma dessas instituições, elas "não se queimam".

Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos principais financiadores do Facebook, milionário várias vezes, olha as universidades americanas com desconfiança. Criou uma fundação que financia universitários que se pretendem criativos, com menos de 20 anos de idade, para largarem a universidade e passarem dois anos desenvolvendo suas inovações sob a supervisão não de professores, mas de empresários bem-sucedidos. Thiel sabe que as universidades americanas também podem ser matadoras de talentos. Acredita no "quem sabe faz, quem não sabe ensina".

Essa é a encruzilhada. Precisamos inovar. A presidenta apela para o instinto animal dos empresários, mas encarrega de descobrir e criar talentos animais burocráticos governamentais, que do instinto animal só têm um pedaço: o da sobrevivência.

Tive um amigo nomeado ministro há muitos anos. Antes de assumir o cargo ele fez uma reunião com os burocratas seniores do ministério e convidou-me para assistir a um pedaço dela. Entrei e presenciei: em 15 minutos, 17 ideias inovadoras do ministro (não importa se sensatas ou não) foram demolidas pelos burocratas profissionais. Nada podia. Tudo contrariava alguma regra. O ministro, ainda não empossado, assumiu o cargo já destroçado. Os burocratas sabiam que ele iria embora do ministério antes de aprender o caminho para o banheiro. Os burocratas ficariam.

A campeã de Prêmios Nobel de Economia é a Universidade de Chicago. Como ela seleciona seus professores? Pelo potencial de ganhar um Prêmio Nobel, ainda que em 20 ou 30 anos.

Neste artigo não pretendi ensinar como fazer inovação, mas apenas chamar a atenção para alguns dos pontos que a impedem. Que sirvam de alerta a quem quer inovar, de verdade.

Inflação, pecado e virtude - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 27/12


Privatização do Galeão, prevista pelo menos desde 2006, saiu agora, mas com o leilão previsto para setembro de 2013. Sabem como é complicado preparar a papelada!



Em 2011, a inflação oficial, medida pelo IPCA, índice do IBGE, bateu em exatos 6,5%, no teto da margem de tolerância. Neste ano, deve ficar um pouco abaixo de 6%, com alguma desinflação, diz o governo.

Certo?

Errado, nota o economista Alexandre Schwartsman. Acontece que, a partir de janeiro deste ano, o IBGE introduziu modificações nas ponderações do índice. Essas mudanças empurraram o número para baixo.

Sem as mudanças, a inflação deste ano cravaria nos mesmos 6,5% do ano passado. Os economistas não estão contestando as mudanças técnicas feitas pelo IBGE. Mas, nota Schwartsman, a análise mostra que, a rigor, não houve desaceleração da inflação neste ano.

A inflação como virtude

O novo primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, fixou como prioridade: elevar a meta de inflação.

Isso mesmo. Verdade que ele quer chegar a 2% de inflação neste ano, número que é uma mixaria para padrões brasileiros. Aqui, seria o mesmo que zero.

Já no Japão, o problema é o inverso, a deflação, uma queda generalizada no nível de preços, que ocorre há anos. Se na inflação a moeda perde valor a cada dia, na deflação, o dinheiro se valoriza. Amanhã se compra mais.

Isso inibe consumo e investimentos e o país simplesmente para de crescer. Logo, a saída é a volta da inflação – fazer o dinheiro desvalorizar para estimular consumo e investimento.

O Banco Central do Japão não gostou da meta. Disse ser “irrealista”. Quer dizer, eles acham que não conseguem os 2% de alta de preços.

Sugestão: eles poderiam importar técnicos do BC e do Ministério da Fazenda brasileiros. O pessoal aqui faz 2% num trimestre, brincando.

Em troca, os japoneses nos mandam os técnicos para ensinar como se joga a inflação no chão.

De estatal para estatal

A presidente Dilma convenceu-se de que não há como melhorar os aeroportos sem entregá-los à gestão privada. Tenta dar sequência a essa conclusão com as concessões dos principais aeroportos, mas as ideias estatizantes estão tão enraizadas que ela não consegue evitar. Toda vez que privatiza, cria uma estatal.

A última é a Infraero Serviços, criada com o programa de privatização dos aeroportos do Galeão, Rio, e de Confins, Belo Horizonte. Essa estatal nova, subsidiária da velha Infraero, vai prestar serviços não se sabe quais e a aeroportos também não se sabe quais. Vai aqui uma sugestão: a velha Infraero poderia contratar a Infraero Serviços para cuidar do ar-condicionado do Santos Dumont, quebrado por semanas, em pleno verão carioca.

Cobrança.

No mesmo anúncio de privatização, o governo anunciou que vai investir R$ 7,3 bilhões em 270 aeroportos regionais pelo país afora. Foi uma decepção. Dias antes, em Paris, a presidente Dilma havia falado em criar e/ou melhorar nada menos que 800 aeroportos regionais. Não se explicou a redução. É hábito do governo anunciar grandes projetos, sem dar maiores detalhes. Como os investimentos não são especificados, muitos menos os prazos, não há como cobrar. De todo modo, considere a eficiência. O orçamento federal deste ano previa investimentos de R$ 90 bilhões. Até o início de dezembro, tinham conseguido gastar algo como R$ 40 bilhões. Atrasos da Copa. E por falar em cobrança: em 4 de fevereiro de 2009, o então ministro dos Esportes, Orlando Silva, garantia que todos os 12 estádios da Copa estariam prontos e funcionando em dezembro de 2012.

Estão inaugurados dois, o Mineirão e o de Fortaleza. Ainda sem jogos de futebol.

Ainda nesse capítulo: em janeiro de 2010, os governos federal, estaduais e municipais assinaram um documento chamado “matriz de responsabilidade”. Previa que as obras de mobilidade urbana, que seriam o principal legado da Copa, estariam prontas em dezembro de 2012 ou, no mais tardar, no primeiro semestre de 2013.

Sem chance. Muitas foram simplesmente descartadas, as que começaram, estão atrasadas. Diversas estão prometidas para... depois da Copa.

Atrasos 2

E por falar nisso: o governo federal estuda a privatização do Galeão pelo menos desde 2006, quando o então recém-eleito governador Sérgio Cabral reivindicou a medida. Em 2011, Dilma disse que a decisão estava tomada pela concessão. Saiu agora, mas com o leilão previsto para setembro de 2013.

Sabem como é: complicado preparar a papelada.

Sem luz

Faltou energia em vários bairros de São Paulo e em cidades do interior paulista na noite de Natal. No dia 26, faltava energia em Santa Teresa, no Rio, além de outros bairros. As companhias distribuidoras simplesmente não explicaram.

Também, especulamos nós, com essa mania de iluminar fachadas, árvores, ruas... Culpa do espírito natalino, não é mesmo?

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 27/12


Grupo do PR passará a atuar com seguradora no exterior
O grupo paranaense JMalucelli entrará no mercado da América Latina de seguros para grandes obras (seguro garantia) no próximo ano.

"Hoje trabalhamos em outros países de forma pontual. Quando uma construtora brasileira faz uma obra fora, prestamos o serviço daqui", diz Alexandre Malucelli, que assume a presidência da companhia na próxima semana.

"Agora vamos montar uma seguradora no exterior."

Os países onde o grupo abrirá escritórios estão em fase de estudos, mas República Dominicana, Panamá e Colômbia estão recebendo atenção especial.

"Só estão descartadas regiões que não são muito estáveis política e economicamente, como Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina."

No primeiro ano à frente da companhia, Malucelli deve aprimorar os planos de parques eólicos e hidrelétricas.

"Não temos muita oportunidade com os preços baixos [praticados nos leilões]. Temos 45 projetos em carteira, mas precisamos torná-los mais competitivos."

Do total de R$ 1,3 bilhão investido pela empresa neste ano, 85% foram para o segmento eólico. Mas, segundo Malucelli, 2012 foi atípico.

Em 2013, os investimentos não passarão de R$ 400 milhões -que serão destinados à melhoria de equipamentos.

Sobre a possibilidade de abertura de capital, Malucelli diz que "é algo natural, mas sem previsão. Hoje nossas empresas não estão preparadas".

ATAQUE AO BOLSO
O impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) alcançará, amanhã, o montante de R$ 1,5 trilhão em impostos federais, estaduais e municipais pagos pelos cidadãos brasileiros desde janeiro deste ano.

A associação calcula que o total de tributos arrecadados até o próximo dia 31 será de aproximadamente R$ 1,556 trilhão ante R$ 1,512 trilhão registrado em 2011.

Ao fim de 2012, o impostômetro registrará mais que o dobro de impostos pagos desde sua criação, em 2005.

Rota... 
Mais de 65% dos diretores financeiros de empresas de médio porte no mundo pretendem ampliar investimentos em Brics, EUA, Reino Unido e Alemanha, segundo a BDO International. O Brasil é o terceiro principal destino.

...de investimento 
O levantamento apontou ainda que 62% admitem otimismo com uma possível expansão internacional, mas adotam métodos mais avessos ao risco. Os Brics passaram a ser mercados prioritários para 45%.

Certeza da dúvida - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/12


A Venezuela vive uma situação dramática. Hugo Chávez luta pela vida em Cuba, depois de quatro cirurgias. Há dúvidas sobre quem toma posse e quando, e sobre quem vai governar nos próximos seis anos. Mas não há dúvidas sobre a divisão profunda do país, a crise econômica, a fragilidade da maior empresa venezuelana usada durante anos como arma política por Chávez.

Nos últimos 14 anos, Chávez governou alterando a Constituição quando interessava aos objetivos do seu governo, convocando plebiscito quando estava com alta popularidade para fazer as mudanças que queria, não cumprindo a vontade popular quando perdia os referendos, eliminando ou ameaçando a imprensa que não seguia o seu comando e usando o caixa da PDVSA para seus programas.

Foi tão personalista em seu projeto de poder que não criou lideranças alternativas. Mesmo agora, não há um sucessor óbvio. Nicolás Maduro é considerado pelo próprio chavismo como um político sem a capacidade do chefe de hipnotizar as massas. Virou candidato a vice-presidente porque Elías Jaua, o último vice-presidente, foi indicado por Chávez para candidato ao governo de Miranda e perdeu a eleição. O homem mais forte do chavismo é o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello Rondón, companheiro de Chávez na tentativa de golpe em 1992.

Com a oposição enfraquecida pela última eleição de governadores, a Constituição está sendo interpretada da forma mais conveniente ao chavismo: a posse deve ser adiada. Henrique Capriles, lider da oposição e governador eleito de Miranda, já disse que concorda com essa solução.

Nas eleições recentes para os governos estaduais, o Partido Socialista Unido da Venezuela, o partido chavista, tomou quatro estados da oposição e agora governará 20 dos 23 estados do país. Miranda é o único importante, o segundo maior colégio eleitoral e economicamente forte. Os outros dois estados foram Amazonas e Lara.

O governo, em 2012, abusou de novo do seu poder durante as campanhas e usou a comoção em torno da doença do presidente. O chavismo mostrou enorme força ao conseguir nas urnas um mandato para Chávez, que vai até 2019, e 20 governos estaduais.

O chavismo controla o legislativo, a Suprema Corte e o Conselho Nacional Eleitoral. As Forças Armadas também estão hoje sob controle. Logo que assumiu o poder, há 14 anos, Chávez colocou na reserva seus adversários e promoveu o então jovem oficialato que havia estado do lado dele na tentativa de golpe de 1992.

Na economia, é a crise de sempre. A inflação é a mais alta da América Latina, em torno de 30%, apesar dos preços controlados. O país cresce este ano por força do aumento dos gastos públicos para sedimentar a campanha presidencial. A PDVSA, ordenhada ao longo dos anos, tem pouca capacidade de investimento. A Venezuela vive unicamente do petróleo abundante em seu território.

Chávez pode tomar posse, ainda que doente, e pedir licenças sucessivas para se tratar. Maduro governaria como representante. Mas se Chávez não vencer o câncer, e for decretada sua "ausência absoluta", terão que ser convocadas eleições em 30 dias. O mais forte herdeiro é Cabello. Sobre ele pairam indícios de envolvimento com o narcotráfico, mas é o homem mais poderoso no chavismo, depois do insubstituível líder. Controla o partido, uma facção importante das Forças Armadas e a Assembleia Legislativa. O chavismo sem Chávez passará primeiro pela disputa interna pelo espólio. Nela, o movimento se enfraquecerá. Qualquer que seja o cenário, a Venezuela viverá dias de incerteza e anos de instabilidade política.

Feliz 2015 - EDUARDO GRAEFF

FOLHA DE SP - 27/12


Difícil fazer um trabalho bom quando a base governista ocupa sem limite a máquina estatal. O clientelismo imediatista é ruim à própria coalizão hoje no poder


Se Papai Noel aceitar um pedido atrasado, eu queria um novo pacto político para o Brasil.

A ideia é velha, mas viria bem neste ano novo. O povo não sabe, mas a sensação de bem-estar dos últimos anos está a perigo.

Como evitar que a economia em 2013 seja uma reprise de 2011-2012? O realinhamento de juros e câmbio ajuda, mas não resolve. Mais estímulos ao consumo não vão transformar o "pibinho" num "pibão".

Melhor tentar outra coisa, antes que a retração do investimento bata forte no emprego e na renda. Senão, quando a maioria dos trabalhadores/consumidores acordar, pode faltar tempo e capital político ao atual governo para organizar uma reação.

Não vou chorar se isso custar a reeleição de Dilma Rousseff. Mas me aflige pensar nas oportunidades perdidas do país hoje e nos sacrifícios do povo amanhã se o intervencionismo atabalhoado levar a um desarranjo econômico mais grave.

A inquietação da presidente indica que ela sabe dos riscos. Suponho que também saiba, em linhas gerais, o que precisaria ser feito para o Brasil não empacar na posição de menos emergente dos emergentes. Se não faz, não é porque não sabe ou não quer, mas porque não pode. E não pode não por causa de limites da economia, mas por restrições da política.

Controlar o gasto e reforçar a capacidade de investimento público; racionalizar a carga tributária; impor padrões decentes de gestão dos órgãos e empresas federais; engajar a iniciativa privada na recuperação da infraestrutura; estimular a inovação em empresas e centros de pesquisa; qualificar os jovens para a nova economia. Tudo isso figura nas declarações de intenção do governo.

Mas como trabalhar consistentemente por isso com uma base governista que aposta sua sobrevivência na ocupação sem limites da máquina estatal?

Como equilibrar as contas e profissionalizar a gestão pública sem alvoroçar os companheiros e aliados empregados no governo e a clientela pendurada em suas tetas?

Como convencer investidores privados a se arriscar com um sistema de poder sofregamente clientelista na ação e vagamente anticapitalista em pensamento? Só com dinheiro do próprio governo emprestado pelo BNDES...

As hesitações sem fim do governo sobre privatizações de infraestrutura são uma consequência econômica visível desse impasse, e a desmoralização do Congresso Nacional é um efeito dramático desse modo de governar sobre as instituições políticas.

Gostaria de acreditar que nem a presidente, nem o Brasil estão condenados a passar os próximos dois anos presos nessa armadilha. O governo ainda tem aliados capazes de discutir, por exemplo, regras mais transparentes de preenchimento dos famigerados cargos de confiança -desde que as regras também se apliquem ao PT, naturalmente. É pouco? Seria um alento para projetos de investimento público e privado encalhados nos ministérios, agências e empresas estatais.

Não precisa ser um gênio político para entender que passou da hora de trocar vantagens imediatas por perspectivas de médio prazo mais favoráveis ao país e à própria coalizão governista. A oposição, sem abrir mão do seu papel fiscalizador, não deixaria de encorajar isso.

Pacto político é como pênalti no futebol: tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube pessoalmente. Dilma, talvez porque se conheça, pediu direto um "pibão" de presente, poupando-se das horas e dias de negociação para reorganizar sua base política e melhorar suas chances de sucesso na gestão da economia. Papai Noel, eu acredito, fará o melhor possível.