domingo, novembro 04, 2012

A melhor versão de nós mesmos - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA


Alguns relacionamentos são produtivos e felizes. Outros são limitantes e inférteis. Infelizmente, há de ambos os tipos, e de outros que nem cabe aqui exemplificar. O cardápio é farto. Mas o que será que identifica um amor como saudável e outro como doentio? Em tese, todos os amores deveriam ser benéficos, simplesmente por serem amores.

Mas não são. E uma pista para descobrir em qual situação a gente se encontra é se perguntar que espécie de mulher e que espécie de homem a sua relação desperta em você. Qual a versão que prevalece?

A pessoa mais bacana do mundo também tem um lado perverso. E a pessoa mais arrogante pode ter dentro de si um meigo. Escolhemos uma versão oficial para consumo externo, mas os nossos eus secretos também existem e só estão esperando uma provocação para se apresentarem publicamente. A questão é perceber se a pessoa com quem você convive ajuda você a revelar o seu melhor ou o seu pior.

Você convive com uma mulher tão ciumenta que manipula para encarcerar você em casa, longe do contato com amigos e familiares, transformando você num bicho do mato? Ou você descobriu através da sua esposa que as pessoas não mordem e que uma boa rede de relacionamentos alavanca a vida?

Você convive com um homem que a tira do sério e faz você virar a barraqueira que nunca foi? Ou convive com alguém de bem com a vida, fazendo com que você relaxe e seja a melhor parceira para programas divertidos?

Seu marido é tão indecente nas transações financeiras que força você a ser conivente com falcatruas?

Sua esposa é tão grosseira com os outros que você acaba pagando micos pelo simples fato de estar ao lado dela?

Seu noivo é tão calado e misterioso que transforma você numa desconfiada neurótica, do tipo que não para de xeretar o celular e fazer perguntas indiscretas?

Sua namorada é tão exibida e espalhafatosa que faz você agir como um censor, logo você que sempre foi partidário do “cada um vive como quer”?

Que reações imprevistas seu amor desperta em você? Se somos pessoas do bem, queremos estar com alguém que não desvirtue isso, ao contrário, que possibilite que nossas qualidades fiquem ainda mais evidentes. Um amor deve servir de trampolim para nossos saltos ornamentais, não para provocar escorregões e vexames.

O amor danoso é aquele que, mesmo sendo verdadeiro, transforma você em alguém desprezível a seus próprios olhos. Se a relação em que você se encontra não faz você gostar de si mesmo, desperta sua mesquinhez, rabugice, desconfiança e demais perfis vexatórios, alguma coisa está errada. O amor que nos serve e nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.

Infância exilada - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 04\11

A terceira edição da “Zum”, revista de fotografia do Instituto Moreira Salles, que chegará às livrarias dia 10, vai trazer reportagem do coleguinha Plínio Fraga sobre crianças de menos de 10 anos, acredite, fichadas como “subversivas” pelo finado SNI e mandadas ao exílio. Eram filhos, sobrinhos e netos de militantes presos pelo regime militar.

Segue...
Na foto acima, de 1970, pinçada por Plínio entre as mais de 15 mil imagens dos arquivos do SNI, estão, da esquerda para a direita, os irmãos de criação Zuleide (4 anos), Ernesto (2), Luiz Carlos (6) e Samuel (9). Foi captada horas antes de os quatro embarcarem para a Argélia com 40 presos spolíticos, entre os quais Carlos Minc e Fernando Gabeira, trocados pelo embaixador alemão Von Holleben, sequestrado pela guerrilha.

Os quatro...
As crianças estavam sob os cuidados da avó Tercina Dias de Oliveira, ali com 55 anos, militante mais velha presa pela ditadura. Atiradas ao exílio, passaram pela Argélia e cresceram sem pátria em Cuba até a Lei da Anistia, em 1979.

Tango no aço
Argentinos da Techint estão fortes na disputa pela usina CSA, no Rio.

Fã de Obama
Dilma torce por Obama. Mas o governo acredita que a vitória de Romney (toc, toc, toc) não mudaria muito a relação com o Brasil. Afinal, nosso déficit comercial com os EUA é alto. E, como se sabe, vendedor não briga com comprador.

O DOMINGO É...
...de Giovanna Antonelli, a formosa atriz carioca de 36 anos, que vive a delegada Heloísa na novela “Salve Jorge”, de Glória Perez, na TV Globo. A temida e poderosa Helô, compradora compulsiva, não consegue arrumar um... namorado. Namora eu.

Cavalo VIP
O Aeroporto de Viracopos, em Campinas, vai ganhar um novo terminal de carga viva para receber os cavalos que virão competir nos Jogos de 16. A obra começa em 14.

O papel dos índios
Será criada, a partir de uma costela da Comissão Nacional da Verdade, que investiga os crimes da ditadura, um grupo específico para apurar o que ocorreu com os índios suruís na Guerrilha do Araguaia, no início dos 70. Eles teriam sidos forçados a atuar como guias do Exército.

Aliás...
Dias 16, 17 e 18 agora, a CNV vai visitar, pela segunda vez, o sul do Pará, onde ocorreu a guerrilha.

Cem anos de Braga
Para celebrar o centenário do grande cronista (13 de janeiro de 2013), a José Olympio vai reeditar no começo do próximo ano o livro “Na cobertura de Rubem Braga”, fora de catálogo faz tempo, de José Castello. Na forma de verbetes, descreve a múltipla personalidade do nosso cronista capixaba, que adotou o Rio.

País do Tufão
Mano Menezes, o técnico da seleção brasileira, a exemplo do país todo, também adorou... “Avenida Brasil”, a novela-sensação da TV Globo. Especialmente, por causa do personagem Tufão, interpretado por Murilo Benício. O treinador acha que o craque da trama representava, de fato, a média do jogador brasileiro rico e bem-sucedido atual: cercado de gente que vive às custas dele.

Silas eterno
Silas de Oliveira (1916-1972), o genial compositor do Império Serrano, para o qual compôs 16 sambas-enredos, será homenageado no Dia da Consciência Negra (20 de novembro) com um grande show no velho Imperator, no Méier, no Rio. Estrelas do samba como Dona Ivone Lara, Monarco, Dudu Nobre, Ana Costa e outros vão se revezar no palco.

Para dar sorte
A Caprichosos de Pilares, cujo enredo é o fanatismo, vem com uma ala de anões representando amuletos. Os miúdos vão aparecer fantasiados como, entre outros, pé de coelho, galho de arruda e figa.

Maluco-beleza
O bloco “Bagunçando o coreto” vai desfilar no carnaval de 2013 homenageando os... loucos ilustres do Brasil e do mundo. Serão lembrados na folia Bispo do Rosário, profeta Gentileza, Raul Seixas e até André Breton e Salvador Dalí, os mestres do surrealismo.

Mas...
Nessa lista está faltando o nome de pelo menos um conhecido político carioca. Com todo o respeito.

No túnel com Regina - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 04\11
Regina Duarte quase fica presa no elevador, no térreo do prédio em que vive, nos Jardins, em SP. Vira de costas e tenta abrir a porta com o bumbum. Uma pancada, duas... na terceira, ela consegue. "Aaaai!!!", grita, correndo pelo saguão e soltando uma sonora gargalhada.
"Seguraa! Vai cair tudo!", pede, com as mãos lotadas de bolsas e xales que escolheu para compor o figurino da noite, em que tiraria fotos para a coluna. Ri ainda mais.
Entra no carro da Folha, apertada no banco de trás ao lado de uma assessora e da colunista. Na frente, o motorista e a fotógrafa. "Eu agora estou viciada no Instagram [rede social de fotos]. Tinha dias em que tirava várias fotos, agora estou calma, faço umas três, quatro."
Regina está celebrando 50 anos de carreira. E, naquela semana de outubro, estrearia em SP a peça "Raimunda, Raimunda", que fica em cartaz até dezembro.
O carro desce a avenida Nove de Julho em direção ao teatro Raul Cortez. Regina se encanta com as luzes que, à noite, iluminam o túnel sob o Masp. "Vamos! Na volta, vamos tirar uma foto aqui, sim." A hora avançada e a rua vazia, ainda mais tarde, quando a imagem foi feita, não a amedrontariam. Ela já foi assaltada, mas diz não ter medo algum da violência.
Aos 65 anos, 1m57, 55 kg, ela sobe apressada a escada rolante do teatro. Checa o palco, pergunta detalhes à produção. Quer saber se pode ficar mais tempo em cartaz. No bar do Raul Cortez, tenta se concentrar na entrevista.
RAIMUNDA, RAIMUNDA
A peça é uma quadrilogia [de Francisco Pereira da Silva], são quatro Raimundas. E eu escolhi duas [para interpretar]. Uma delas é amante de Lampião. E se ferra quando Maria Bonita passa a fazer parte do harém que ela tinha montado para ele. O texto foi escrito entre 72 e 74, tava bem na moda o teatro... como é que chama? Gente, me socorre aqui... absurdo! Teatro do absurdo [gargalhada]. Que absurdo eu esquecer o teatro do absurdo!
O NOVO
Sempre dá pra fazer algo novo. Sempre dá. Em novela, fiquei bem impressionada com "Avenida Brasil", "Cordel Encantado" e "A Vida da Gente". Tinha um sopro de frescor nesses trabalhos. Não acredito em nada que não sofra influências, desde Shakespeare, Molière, Calderon de la Barca. Mas tem sempre um novo olhar, uma sensibilidade, novas técnicas. Nada é totalmente novo e nada é totalmente "déjà vu". Como na natureza, uma folha nunca é igual à outra.
IMPRENSA
Já me aconteceram coisas muito desagradáveis. Certa vez, eu disse a uma revista que não bebo, não gosto de drogas. Nos anos 60, estava na moda, experimentei, mas detestei, saí. E a manchete foi: "Regina Duarte conta como se livrou do inferno das drogas". A imprensa bacana, construtiva, tem que tomar muito cuidado agora para ver o que é verdadeiro nessa internet, onde as pessoas são anônimas, publicam qualquer coisa. Usam meu nome, assinam por mim. Não tenho Facebook, não tenho site.
BLOQUEIO
Você vai aprendendo a medir o que fala. As pessoas vão ficando armadas, bloqueadas. Não quero perder a espontaneidade. Sou de uma geração que sempre falou, botou a boca no trombone. Mas me policio um pouco. Exatamente por ter passado por edições que não foram muito generosas comigo.
VOTO
Não [declara mais voto em eleições].
LULA
É melhor não relembrar [a declaração que ela deu na campanha de 2002 dizendo ter medo da vitória de Lula]. Não tem mais nada a ver com o que a gente tá vivendo.
DILMA
Nossa, eu tenho encantamento por ela, desde o início, sabe? Na política internacional, me impressionou muito como ela entrou firme defendendo umas coisas legais. Tem uma frase dela de que eu gosto: o controle da mídia é o controle remoto. É uma postura democrática que tem que ser louvada. E dá uma coisa bacana, a gente fica orgulhosa de ter uma mulher ali.
MARTA MINISTRA
Vamos ver [como será Marta Suplicy no Ministério da Cultura]. Ela tem ímpeto. Quando quer, faz coisas extraordinárias. Vamos falar dos CEUs, para deixar ela bem estimulada? Tem que falar "Viva a Marta!". Porque eu rodei os 21 CEUs. Tudo neles é bom, bem feito, descentraliza a cultura. Não é qualquer nota, não. Eu inaugurei neles o teatro com uma turnê. Tive lições de paulistanês. Viajava uma hora e meia para chegar lá. E ia vendo uma SP que não conhecia. Fiquei encantada. Às vezes uma patrulha nos acompanhava. Mas nunca foi necessário. O povo brasileiro é tão bom, é tão amoroso, né? O que tem aí de violência é tão minoritário...
PAI
É uma frase que tá lá, dos meus 13 anos [nesta idade, Regina viu o pai ser humilhado e escreveu que seria famosa para protegê-lo]. Eu acho que consegui fazer uma carreira de sucesso. Mas não fiquei pensando nisso. Aos 14 anos, entrei no teatro amador. E tive uma formação muito santa no sentido de arte pela arte. Eu dei sorte, comecei com gente séria, competente, de boa seiva. Teresinha Aguiar, Antunes Filho, Walter Avancini. E, na Globo, com Daniel Filho. Parou, né?
ANTUNES FILHO
Ele [diretor Antunes Filho] às vezes era agressivo. Mas agora tá um doce, um querido. Me trata como se eu tivesse 17 anos ainda. Acho que não consegue me ver sessentona. "Ô menininha, senta que vai começar o espetáculo." Me dando ordens, sabe?
SESSENTA ANOS
Acho ótimo ter 60 anos, tudo de bom. Tô adorando. Ainda mais hoje em dia, né, que temos reposição hormonal, a gente adora. Aos 38, fiz intervenção plástica, depois não mais. Reduzi o leite da alimentação, por causa de pedras nos rins, e dei uma afinada inesperada. Nesse ano levei um tombo na beira da piscina, no Carnaval. E tive uma fissura no cóccix. Então faço pilates para fortalecer a musculatura. Senão começo a andar igual à velhinha que eu serei daqui a pouco.
A VELHINHA
Eu acho que vou ser bem diferente de dona Benta, né? E da tia Nastácia também, que eram as velhinhas da minha fantasia quando eu era garota. Eu vou ser uma velhinha moderna, eu acho, contemporânea. As gerações anteriores provavelmente vão achar que eu sou louca. Mas a minha neta, eu acho que ela vai achar que eu sou normal [risos]. Espero, né?
ENVELHECER
Vai ser horrível [risos]. Eu não quero viver muito, não. Tô falando sério. Eu quero qualidade de vida, trabalhando, me locomovendo. Não quero ser um estorvo para ninguém. Não quero ser castigada com uma vida longa, não. Pelo amor de Deus!
RELIGIÃO
Tive uma mãe bem católica, fui criada assim. Hoje, quando precisa, eu lanço mão. Mas, em geral, fiquei meio agnóstica. Não dá para ver tudo o que acontece e ficar assim "ó!", né? Fazer para os outros o que você quer que façam com você: isso para mim é uma religião, hoje.
MEDO DA MORTE
Não tenho. Contanto que seja rápido.
ESQUECIMENTO
Eu disse numa entrevista que sou louca pelo que faço e que não estavam me chamando [para papéis]. Depois disso foi uma avalanche de convites [gargalhada] e não consigo nem respirar! Mas quando falei que quero passar por essa fase com dignidade é porque não preciso trabalhar a qualquer preço. Não quero fazer lobby, frequentar ambientes, "Oi, eu existo!". Nem me expor na mídia mais do que seria espontâneo. Eu tô procurando encontrar fascínio na minha vida, no meu prosaico dia a dia cotidiano, entendeu?
NOVELAS ANTIGAS
Fiz fono e daí eu ganhei um domínio do meu grave muito maior do que eu tinha. Então não gosto de me ver no que fiz antes disso. Fico sempre meio aflita, olha lá, pisei na bola. Não fiz a pausa que deveria, atropelei, tá "fake", tá falsa, Regina! Fico querendo corrigir o incorrigível, já foi.
EM CARTAZ
Um teatro como este [Raul Cortez, onde "Raimunda, Raimunda" está em cartaz], grande, me intimida um pouco. É uma coisa meio infantil. Uma regressão. "Vou dar uma festa. E será que as pessoas vêm?" Será que vão gostar, será que, tipo assim, eu sou amada, as pessoas vão se lembrar de vir? Fico um pouco ansiosa porque eu quero muito que elas venham. Quando você quer muito uma coisa, o medo de que não aconteça é meio proporcional. E eu quero essa casa lotada (bate na mesa). Venham. Venham. Eu quero!


"Nossa, eu tenho encantamento por ela [Dilma]"
"Acho ótimo ter 60 anos, tudo de bom. Ainda mais hoje em dia, né, que temos reposição hormonal"
"Você aprende a medir o que fala"
"Não quero viver muito, não. Tô falando sério. Não quero ser estorvo para ninguém"
"Não preciso trabalhar a qualquer preço."
"Não quero fazer lobby, frequentar ambientes, "Oi, eu existo!"

A muralha de Ávila - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 04\11


Não tenho certeza, mas acho que já me queixei aqui de não vivermos mais no tempo de Marco Polo ou, melhor ainda, no tempo do grande Fernão Mendes Pinto, lembrado por portugueses ingratos como "Fernão, Mentes". Os mentirosos ilustres, que empolgavam a Europa com a narração dos perigos e portentos encontrados pelo mundo afora, hoje não poderiam soltar sua imaginação e legar aos contemporâneos tantas histórias empolgantes, narrativas sobre monstros marinhos capazes de engolir caravelas de uma só bocada, árvores falantes, rios de mel ou leite, ilhas de queijo, pássaros encantados que furtavam as almas dos homens que escutassem seu canto e tiranos orientais com haréns de milhares de mulheres.

Perdeu a graça, todo mundo já viu tudo e as coisas se complicaram, a começar pela circunstância de que os maiores mentirosos agora não são os viajantes, mas os políticos, concorrência imbatível. Se eu contar que testemunhei um monstro antropófago circulando e devorando passantes aqui em Madri, não somente ninguém vai acreditar, como poderei ser processado pelas autoridades turísticas espanholas, por espalhar lorotas cuja consequência seria afastar visitantes de outros países. No quarto do hotel em que fiquei antes de ir a Salamanca, havia um retrato de Torquemada, o temível Grande Inquisidor. Em matéria de fantasmas, Madri não tem tanta tradição quanto, por exemplo, Londres, mas contar uma boa historinha sobre aparições de Torquemada bem que podia quebrar o galho. Postei-me diante do retrato, pensando em como faria para puxar conversa, mas acabei decidindo não facilitar. Por algum desses azares do destino, quem sabe se ele não apareceria mesmo, decidido a me transformar em churrasco, depois de cortar minha língua, para que eu não blasfemasse, na hora em que acendessem a fogueira?

Sem monstros e sem fantasmas, nada do que posso contar sobre Madri e a Espanha em geral será novidade, mesmo para quem nunca esteve aqui. E então, como todo repórter que precisa mandar seu relato para a redação, resta-me sair pelas veneráveis ruas e praças do centro de Madri e lá colher observações agudas e judiciosas sobre a Espanha de nossos dias. Tomado de novo brio, preparo-me para sair, resolvido a não voltar antes de ter notado alguma coisa que venha a interessar o leitor. Mas que ouço? Que barulhinho suave é esse, que entra pela janela e noto somente agora?

Si, es la lluvia, como me esclarece, ao ver minha cara desapontada, um funcionário do hotel. É a chuva e, assim, ironicamente, se algum velho conhecedor de Madri me lesse, pensaria que agora, sim, se trata de uma grossa mentira. Em Madri, como sabe quem a conhece bem, quase nunca chove, mas está prevista chuva para os próximos dias. Ligo a televisão e confirmo a previsão, chuva e mais chuva. Bem, neste caso se pode talvez transformar o limão numa limonada. Talvez cole eu alegar que sou o mandachuva de Madri, porque tenho certeza de que essa água toda que despenca na cidade foi desencadeada pela minha presença. Por alguns instantes, fantasio ser contratado pela municipalidade para regular o regime pluvial de Madri, talvez até de toda a Espanha, mas o devaneio passa logo e volto à fria realidade.

E chega finalmente o dia em que devo ir a Salamanca. São pouco mais de 200 quilômetros de Madri até lá, mas a chuva me acompanha. Lembro um personagem das histórias em quadrinhos só conhecido dos mais velhos - Ferdinando, de Al Capp. Na cidade de Brejo Seco, onde morava Ferdinando, havia um sujeito tão azarado que tinha sempre uma nuvenzinha chuvosa, bem em cima de sua cabeça, acompanhando-o aonde quer que ele fosse. O mesmo destino me cabia na Espanha, pois também não chove tanto em Salamanca, mas minha chuva não falhou e assim me instalei resignadamente no hotel, para ver de longe a venerável cidade, que já era um centro universal de cultura uns quatro séculos antes de o Brasil ser achado pelos portugueses.

E, no hotel, os noticiários de tevê só falavam na catástrofe causada por um furacão sem precedentes, nos Estados Unidos. Já estive, algumas vezes, nas regiões mais atingidas pela calamidade e até as conheço relativamente bem. E, mesmo que não conhecesse, não faria muita diferença. Ver toda a devastação causada pela tempestade e sua conjugação mortífera de ventos, chuvas, inundações e nevascas, no país mais poderoso do mundo, onde o homem está acostumado a achar que doma a Natureza e que dispõe da tecnologia necessária para vencer qualquer obstáculo, de repente nos apequena e nos traz de volta à nossa precária condição. Aquela sucessão de acontecimentos contra a qual não havia força humana capaz de fazer qualquer coisa além de rezar, aquele caos na cidade de Nova York, aquelas pessoas assustadas e bestificadas por fatos que aprenderam a ignorar, aquela perplexidade desamparada, tudo isso só pode render uma extraordinária sensação de humildade e impotência, um lembrete ríspido de nossas limitações.

A caminho de Salamanca, tínhamos parado em Ávila, cidade conhecida dos católicos através de Santa Teresa. Uma de suas paisagens mais conhecidas é sua sólida muralha antiga, erguida há séculos, para conter invasores inimigos. Seus construtores acreditavam que ela, como as pedras de que é feita, duraria para sempre. Durou e dura, mas há muito é inútil para qualquer defesa, permanece apenas como monumento. E não um monumento para celebrar a obra humana, mas, se pensarmos bem, para mostrar sua fragilidade. Como os construtores de muralhas invencíveis, erguemos cidades invencíveis, das quais Nova York é símbolo. Mas, num instante, vemos como tudo isso não passa de ilusão voluntarista. Foi bom ver a muralha de Ávila, é sempre uma lição.

Viuvez por alguém vivo - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 04\11


“Tive um relacionamento que começou em 2004 e terminou em 2011. Foram muitas idas e vindas, quase enlouqueci. Terapias, remédios, emagrecimento e distúrbio hormonal fizeram parte da minha vida. No último término, decidi ficar bem, deixar a vida me levar, mas não está sendo fácil. Engordei dez quilos, me sinto cada dia mais infeliz.

No próximo mês, faz um ano que estou solteira. Conheci pessoas que me fizeram balançar e se uma delas quisesse me levar a sério eu não estaria tão mal. Mas o amor esta banalizado, o carinho e o respeito com o próximo não existem mais. Abraços! Jane”

Querida Jane,

Você é fiel ao relacionamento mesmo separada.

Não se permite trair o seu marido. Incorporou a personalidade dele a ponto de não saber mais qual é a própria.

É como viuvez de alguém que está vivo por aí. Não arranja ninguém porque não tolera a ideia de que o outro possa ser melhor e ocupar a majestade da ausência. Não aceita ter sofrido em vão por um sujeito que não merecia, então perdura o sofrimento para glorificar a perda (uma dívida feita somente de juros).

Quando um homem se aproxima, já arruma uma série de desculpas para evitar intimidade.

Ou porque é indiferente ou porque é grosseiro ou porque é apressado ou porque não tem bom hálito ou porque palita os dentes.

Nossa, é exigência em demasia. Não há como ser aprovado no concurso público de seu coração.

Permanece sabotando interessados sem perceber. É um boicote involuntário. Sempre encontra algum defeito no próximo pretendente, sempre acha alguma falha imperdoável que impede a relação, sempre cria restrições para não se apaixonar.

Não sai para valer, cria júris. É capaz de perdoar todos os problemas de personalidade do ex, mas jamais admitir qualquer escorregão de quem se aproxima.

A questão é que não pretende superar o luto. Transforma a ruptura na pior fase de sua vida (nem terapia, remédio, lugares diferentes, nada aplacou a vontade de reatar). Há um exagero emocional em seu depoimento: “quase enlouqueci, engordei dez quilos, quero sumir”.

É como se quisesse provar que tentou tudo e fracassou, que o amor antigo é mais forte do que sua força de vontade.

Mentira! Sequer batalhou um pouco, não começou a se arriscar, não abandonou o altar fúnebre, não largou a data do término. Vem contando os dias do divórcio tal viciado enumerando a abstinência. Desde o princípio, não enxerga a solteirice de forma positiva.

Censura sua felicidade. Prefere sofrer o conhecido a experimentar uma alegria inesperada.

Chutões e nervosismo - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 04\11


Excesso de jogadas aéreas e nervosismo foram as principais razões para o Galo não vencer o Flamengo



Apesar do pênalti não marcado em Ronaldinho, os dois principais motivos de o Atlético-MG não ter ganhado esse e outros jogos no segundo turno foram o excesso de jogadas aéreas e o nervosismo.

Em vez de aproveitar a vantagem numérica, trocar mais passes e envolver o Flamengo, o time jogou demais a bola na área. Para isso, Cuca pôs dois centroavantes.

Por causa do ambiente de revolta em Belo Horizonte contra os árbitros, como se houvesse um grande complô para derrubar o Atlético-MG, torcedores, dirigentes, técnico e jogadores ficaram excessivamente tensos.

No primeiro turno, quando tudo dava certo, o Atlético-MG também fazia muitos gols pelo alto, porém tinha muito mais variações. No segundo turno, aumentaram as jogadas aéreas, a ansiedade e a pressão para ganhar o título.

As jogadas aéreas são necessárias e importantíssimas quando ocorrem por meio de bolas paradas e de passes da linha de fundo, quando o jogador olha e coloca a bola na cabeça do companheiro. Assim saiu o gol do Atlético-MG contra o Flamengo. Deveria ter ocorrido outras vezes.

Quando eu era menino, o técnico do time, Itaíbis, sempre dizia: "É proibido dar chutões". Imagino que a maioria dos técnicos brasileiros da época, de todas as categorias, pedia a mesma coisa. Isso mudou, para pior. Outras coisas melhoraram. Criaram um outro futebol.

Quando escrevo, faço como cidadão e cronista do presente.

Uso meus conhecimentos e experiências do passado para entender o presente.

Cruyff, mestre de Guardiola, dizia que só se forma um grande time com zagueiros que têm bom passe. Por isso, o Barcelona insistiu na contratação de Thiago Silva.

A imprensa divulgou que consta no planejamento financeiro do Barcelona para o próximo ano uma despesa de € 40 milhões para a contratação de um jogador, sendo que € 10 milhões já teriam sido pagos. Seria Neymar? Se eu fosse dono de um clube, por esse preço, só pagaria por dois jogadores, Neymar ou Cristiano Ronaldo.

Paulo Calçade, o comentarista de jogo da TV de que mais gosto, tem falado muito nas mudanças de estratégia do Barcelona, após a entrada do técnico Tito Vilanova, que era auxiliar de Guardiola.

Assisti a todas as partidas e não vi nenhuma alteração na filosofia e na estratégia de jogo. Vou prestar mais atenção.

As mudanças que vi são de preferências individuais. O novo técnico gosta demais de Pedro, um jogador apenas disciplinado e esforçado. Tito Vilanova tem colocado Fàbregas na reserva de Iniesta e Xavi. Guardiola, que não queria deixar um craque fora da equipe, avançava Iniesta pela esquerda e colocava Fábregas no meio-campo. Prefiro também o time com mais craques.

A morte do Nada - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 04\11

Desde o início, a filosofia pergunta se existe espaço vazio no Universo; agora, o Nada bateu as botas 



É com grande pesar que vos informo da morte do Nada. Pois é, caro leitor, após mais de dois milênios de ambiguidades e confusões, parece que desta vez o Nada bateu mesmo as botas. São coisas que temos de aceitar em vista da evidência extremamente convincente vinda tanto da física das partículas elementares -que visa explicar a composição mais fundamental da matéria- como da astronomia. Comecemos com as partículas.

A questão da composição material do mundo é tão velha quanto a filosofia; foi Tales, o primeiro dos filósofos gregos, que perguntou: "Do que o mundo é feito?".

Desde então, a discussão girou em torno da questão do vazio ou, menos precisamente, do Nada: existe o espaço vazio, destituído de qualquer tipo de matéria ou substância? Ou será que algo o preenche, como o ar preenche nossa atmosfera?

Um tremendo vaivém se deu com o passar dos séculos, tema que volta e meia tratamos aqui neste espaço. Os atomistas gregos supuseram que existiam apenas átomos se movendo no vazio, enquanto que Aristóteles considerava a hipótese do vazio absurda: preencheu o Cosmo com uma quinta-essência, o éter que compunha os objetos celestes e, de forma difusa, enchia o espaço, tornando-o pleno.

Depois, veio Descartes com seus vórtices de uma substância fluida que enchia o universo, tese desmentida de forma muito lúcida por Newton no final do século 17. Atomista também ele, o mestre inglês provou claramente que, se alguma substância preenchesse o espaço, causaria fricção nas órbitas planetárias e o Sistema Solar não existiria como o vemos.

Veio, então, a luz como onda eletromagnética, no século 19, necessitando de um meio material para se propagar; o éter retorna, com essa função, até que, em 1905, Einstein demonstra sua inutilidade. Porém, em 1917, ele mesmo sugere que, se o Universo é esférico e estático, deveria ser preenchido por uma substância estranha, cuja função seria atuar como uma espécie de antigravidade, equilibrando a atração de todas as coisas. Mas o Universo não é estático e, em 1929, a tal constante cosmológica é deixada de lado. Provisoriamente.

No meio tempo, físicos de partículas descobriram os componentes básicos da matéria comum. Destes, o bóson de Higgs tem o papel singular de atribuir massa a todas as outras partículas. Para tal, encontra-se por todo o espaço uma espécie de ar que não é ar mas por onde todas as partículas de matéria se movem. E, ao fazê-lo, respondem à presença do Higgs com inércias próprias, como pérolas movendo ora em água ora em mel. O espaço, segundo a física do muito pequeno, não pode ser vazio.

E nem o Cosmo nas suas proporções maiores: em 1998, astrônomos descobriram que as galáxias se afastam de forma acelerada, levadas pela expansão cósmica como objetos numa enchente. A causa dessa aceleração, com efeito idêntico ao termo que Einstein inseriu e depois descartou nas equações de sua teoria da relatividade, é uma espécie de fluido preenchendo todo o espaço, primo do Higgs mas não ele, um outro tipo de éter, chamado provisoriamente de energia escura. Existimos numa natureza plena-plena de essências e mistérios.

Arte sem sombra - FERREIRA GULLAR

FOLHA D SP - 04\11


O que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca

Faz pouco, escrevi aqui acerca da experiência estética de Lygia Clark, a propósito da exposição de sua obra realizada no Itaú Cultural. Fui convidado a dar um depoimento acerca de sua experiência estética no recinto da exposição, ilustrando minhas observações com as obras expostas.
Esse convite naturalmente me levou a voltar a refletir sobre a experiência radical, realizada pela artista ao longo de sua vida. Pois bem, muito embora tenha escrito muito e refletido sobre seus trabalhos em tantas ocasiões, deparei-me agora com uma nova observação que, se não me engano, ainda não foi feita por nenhum dos analistas de sua obra. É isso que me traz de novo a escrever sobre ela.
Para que o leitor entenda o que desejo expor, é necessário retomar algumas das observações feitas na crônica anterior. Como tenho observado, a experiência de Lygia Clark tem afinidade com a arte de Kasimir Malevitch, muito embora ele a tenha realizado nas duas primeiras décadas do século 20, ou seja, 50 anos antes da artista brasileira.
Trata-se, evidentemente, de uma leitura minha, que toma por base a contradição figura-fundo, que levara Malevitch, após o seu célebre quadro "Branco sobre Branco", a abandonar a tela e a passar a construir no espaço real as suas famosas "Construções Suprematistas".
Lygia, por outros caminhos, chegou ao mesmo impasse e, como ele, também abandona a tela para construir no espaço real. Essas construções são os "Bichos", esculturas manuseáveis, que constituem o momento limite de sua experiência.
O fator essencial dos "Bichos" é a participação do espectador na obra de arte, o que a diferencia fundamentalmente de Malevitch. Essa participação é uma inovação da arte neoconcreta que, com Lygia Clark, ganha um significado especial. E aqui começa a nova observação que fiz a propósito de sua experiência estética.
A participação do espectador na obra de arte, possibilitando-lhe manusear a obra, implica uma mudança radical dessa relação obra-espectador: ele deixa de ser mero espectador e sai da relação visual com a obra para estabelecer com ela um relacionamento corporal.
Até aqui nada de novo. Tenho dito que a participação do espectador foi a resposta dos neoconcretistas ao concretismo, que reduzira a experiência estética à exploração das possibilidades do campo visual. Max Bill observou, certa vez, que seu objetivo era explorar as tensões do campo visual, ou seja, estava mais interessado em realizar uma experiência ótica do que criar uma obra de arte.
Noutras palavras, o concretismo elimina da pintura toda e qualquer subjetividade, levando-a a tornar-se apenas uma experiência ótica.
O neoconcretismo, se não buscou reintroduzir o fator subjetivo na expressão pictórica, realizou uma radical subversão ao tornar a experiência estética um corpo a corpo do espectador com a obra. Isso está não apenas nas obras de Lygia e Oiticica, como também nos poemas-objeto.
Essa era a minha compreensão da experiência neoconcreta, entendendo a participação do espectador -o manuseio da obra- como elemento complementar da experiência visual. Por exemplo, um "Bicho" da Lygia é manuseável, mas não deixa de ter também uma estrutura visual que, ao ser manuseada, muda, revela suas potencialidades.
A minha descoberta atual consiste em ter percebido que Lygia abandonou essa forma -ou seja, a obra de arte- para mergulhar numa aventura sem obra, isto é, numa atividade que não visava criar uma obra de arte, manipulável ou não.
A partir daquele momento, ela não pretendia mais, como todo artista, criar um objeto estético. Ela diz então que "o ato é a obra". Noutras palavras, se a pessoa corta a fita de Moebius com uma tesoura, esse ato já é a obra. Sucede que ela vai adiante: cria um túnel de seda onde a pessoa entra. Esse entrar é o que importa. Noutras palavras, o que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca.
No extremo a que chegou, tenta apreender as significações, jamais traduzíveis em formas ou palavras, do que o corpo sente enquanto corpo. Não pretende nem criar uma obra de arte nem conceitualizar a experiência: ela quer experimentar o mistério do corpo, anterior a toda formulação. Isso é, na verdade, desistir da arte. Resta, depois disso, reinventá-la, porque sem ela a vida é mais pobre.

Métodos medievais - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 04\11


Meu pai se chamava Cyrillo Sant’Ana. Era filho de Israel Sant’Ana, por óbvio meu avô.

Meu pai me contava, quando eu era criança, que meu avô tinha cinco filhos, meu pai e quatro irmãos e irmãs.

E que meu avô tinha dependurado na parede da sala da casa deles um relho de couro trançado, que naquele tempo se chamava rabo de tatu.

E que, quando queria surrar um de seus cinco filhos, meu avô o chamava na cozinha, no pátio ou em qualquer parte da casa e pedia ao filho que ia ser surrado que fosse buscar o relho que estava dependurado na parede da sala.

Estou contando que meu avô ordenava ao filho que ia ser surrado dentro de um minuto que fosse buscar o relho que iria usar na surra decidida.

Já pensaram na humilhação e dor moral que continha essa ordem esquisita e cruel do meu avô?

A criança ou adolescente atravessar toda a casa em busca do rebenque que o torturaria dali a instantes!

E dizia meu pai que a surra era sempre demorada e dolorida.

Não posso classificar a tara de meu avô ao mandar seu filho buscar o próprio relho que lhe infligiria a grande surra.

Mas era com castigos desse tipo que muitos pais educavam seus filhos no início do século passado.

Cogito da razão por que meu pai me contava sobre esse sofrimento seu e de seus irmãos.

Calculo que meu pai me contava para justificar as surras tremendas que me dava, como que a me dizer assim: “E tu tens a sorte de que não te mando buscar o relho na sala, como teu avô fazia comigo”.

Conheço todas as nuanças da opinião pública e não desprezo a hipótese de que muita gente ainda hoje aprove esses métodos medievais de educação de crianças e jovens.

A forma despótica a que eram submetidos os filhos antigamente contraria frontalmente os princípios modernos de pedagogia. Mas não me escapa que hoje em dia muita gente aprova aquela maneira terrível com que os filhos eram educados, a pretexto de que crianças e adolescentes criados assim tão drasticamente sempre se tornavam adultos de bem, aplicados, estudiosos e trabalhadores.

O que eu penso desse exemplo trazido a mim pelo meu pai é que se tratava de uma safadeza de meu avô.

Uma inominável judiaria contra meu pai e meus tios. Uma forma anárquica e cruenta de educar os filhos. Para mim, uma canalhice sem desculpa. Uma malvadeza. Um lixo cultural que deveria ter sido jogado ao monturo dos primórdios da chamada civilização.

Muito, e com desprezo, recordo de meu pai pelas dores que me causavam os severíssimos castigos corporais a que me submetia.

E, por isso também, pouco me recordo de meu pai em raras atitudes de carinho que demonstrava comigo, das quais uma só não me sai da lembrança: quando, uma só vez, em cima de sua cama, me envolvia entre suas pernas afetuosamente e pedia que eu tentasse me livrar da “tesoura” que aplicava docemente em meu tórax.

Nunca vi nem ouvi dizer que espancar filho ajuda em alguma coisa.

Sanatório geral (licença, Chico) - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 04\11


O PT se prepara para promover uma grande campanha a favor dos pobres condenados


Sempre ouvi falar que decisão da Justiça não se discute, se acata. Mas não é o que acha o Partido dos Trabalhadores.

Há os que dizem que um passado limpo tem que ser levado em conta na hora da aplicação das penas. Dentro dessa teoria, Marcos Valério não poderia ter sido condenado a 40 anos de prisão, quando o norueguês que matou 77 pessoas foi condenado a 21 anos. E, se o pai de Isabela Nardoni e sua madrasta foram condenados, respectivamente, a 31 e 27 anos de prisão, como então condenar, por crimes que nem foram de sangue, pessoas de "alto valor social", se os crimes destes indivíduos foram apenas de colarinho branco?

Os exemplos se multiplicam, e o PT se prepara para uma grande campanha a favor dos pobres condenados, valorosos combatentes contra a ditadura que lutaram pela volta da democracia. Nesse tempo eles conviveram com o autoritarismo e, pelo visto, aprenderam e gostaram.

Eles lutaram pela democracia? Lutaram, sim. Assaltaram os cofres públicos para poderem se perpetuar no poder? Assaltaram, sim. Quem diz isso não sou eu, são os ministros do Supremo Tribunal Federal. E, entre acreditar no que dizem os réus, seus advogados e o PT ou em ministros do quilate de Celso de Mello, Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, fico com os últimos.

Assisti a todas as sessões do mensalão; no início, com alguma dificuldade para entender o que diziam e, depois, já mais familiarizada com o "juridiquês". Lembrei da CPI, dos depoimentos, fiquei sem entender quem enviou o dinheiro para pagar a Duda Mendonça -Mas não é crime enviar dinheiro para o exterior? E quem mandou, afinal?- e confiei no julgamento dos ministros. Afinal, se não se confia no que dizem os ministros da Suprema Corte -tirando uma ou duas exceções-, confiar em quem?

Ainda vamos ter muito tempo para os acórdãos, os memoriais, o recesso do Judiciário, o Natal, o Carnaval e a Semana Santa, tempo é que não vai faltar. E leio estupefata, na Folha, que José Genoino, condenado por corrupção e formação de quadrilha, tem o apoio do PT para assumir uma vaga na Câmara dos Deputados, já que é suplente de um deputado que foi eleito para a prefeitura de São José dos Campos. O PT apoia, e, segundo o presidente do partido, Genoino vai assumir "sem problema algum". Alguém deve estar louco neste país.

Os deputados já condenados continuam deputados, e os ministros do Supremo ainda vão decidir se eles vão perder os mandatos. Mas, na opinião do presidente da Câmara, Marcos Maia -do PT, é claro-, a cassação deve passar pelo plenário. E se a maioria dos deputados for contra a cassação, como é que fica?

Uma curiosidade: que tipo de solidariedade o ex-presidente Lula vai prestar a seus antigos amigos, companheiros que o ajudaram a fundar o partido, que partilharam com ele do poder e que agora estão na pior? Um churrasco seria o mínimo, pela antiga amizade.

E a pergunta que não quer calar: quem é, afinal, Dilma Rousseff? De quem se trata? Às vezes ela faz um agrado à opinião pública e demite alguns ministros, ministros cujas roubalheiras são chamadas de "malfeitos" e foram denunciadas pela imprensa, pois ela não sabia de nada, claro; seus apagões são chamados de "apaguinhos"; quando Lula chama, ela vai correndo a São Paulo receber suas ordens, tipo nomear Marta Suplicy para um ministério, para em troca ela fazer campanha para o Haddad.

E já se murmura que lá pelo final do ano, quando as coisas tiverem esfriado, pode haver uma anistia geral aos criminosos, basta Lula querer.

Afrouxem os cintos, o PIB subiu! - ANTONIO CORRÊA DE LACERDA


O Estado de S.Paulo - 04\11


Você pode não ter notado, mas a economia brasileira já está rodando num ritmo superior a 4% ao ano neste 2.º semestre. Vários indicadores antecedentes apontam para a retomada: consumo de energia, geração de empregos, confiança empresarial. São indicadores ainda preliminares, mas que junto com outros sinais nos permitem corroborar a visão da retomada, como, aliás, havia antecipado neste espaço (O crescimento vem aí, prepare-se!, 30/7/2012).

Embora haja uma forte tendência de olhar o espelho retrovisor, há uma defasagem entre o que está ocorrendo e a divulgação dos resultados oficiais. O PIB referente ao 3.º trimestre deste ano, por exemplo, cujos dados preliminares apontam para um crescimento de cerca de 1,4%, comparativamente ao trimestre anterior, só será divulgado em dezembro, quando, enfim, ganhará destaque na mídia e a atenção das pessoas.

A questão é que as decisões não podem esperar. Elas têm de ser tomadas com base na percepção, para se antecipar aos fatos. Isso vale tanto para os decisores de política econômica, no âmbito do governo, quanto para os investimentos e demais fatores empresariais, no setor privado. Neste ponto, destaque-se que o Banco Central foi bem-sucedido ao capturar há pouco mais de um ano os impactos do quadro internacional e decidir por uma bem-sucedida queda nos juros básicos. O resultado é que convivemos hoje com uma taxa de juros real abaixo de 2% ao ano, um fato inédito. Isso tem fortes impactos positivos na economia, a começar pela queda no custo de financiamento da dívida pública.

Mas há outros impactos sobre os investimentos. A queda do custo de oportunidade tende a fomentar as decisões de projetos, inclusive as dos gestores de fundos de investimentos, que são mais estimulados a diversificar parte do seu portfólio de aplicações em atividades produtivas e de infraestrutura, com efeitos positivos sobre o mercado de capitais, participações em empresas e projetos de financiamento, envolvendo, entre outros, a construção civil e outros projetos de investimentos.

O fato é que houve outras medidas de política econômica favoráveis ao desempenho do setor produtivo, envolvendo o ajuste cambial, desonerações tributárias e financiamento a juros mais condizentes com os níveis de rentabilidade esperada de projetos. Apesar das incertezas no quadro externo, há grandes chances de o desempenho do Brasil ser bem melhor em 2013. Mesmo porque a base de comparação é baixa, já que o desempenho médio da economia em 2012 - muito em razão do 1.º trimestre, muito fraco - será pífio.

Vencido o primeiro desafio da retomada do crescimento, mesmo em condições internacionais ainda adversas, a próxima etapa é garantir as condições para a sustentabilidade. Isso porque não basta crescermos episodicamente nem tampouco a qualquer custo. É muito importante consolidarmos o quadro de estabilidade macroeconômica com crescimento continuado e melhora na distribuição de renda e qualidade de vida dos cidadãos.

Daí a importância de criar um ambiente favorável aos investimentos em infraestrutura e produção. É a forma mais segura de garantir expansão da oferta acima da demanda, evitando gargalos para o crescimento e pressões inflacionárias. O Brasil, nesse ponto, conta com um grande trunfo, que é o seu mercado interno. Poucas empresas podem se dar ao luxo de não atuar localmente, e os ingressos de novos investimentos externos na produção têm denotado essa preferência. É fundamental acelerar os investimentos públicos, assim como construir um aparato regulatório que possa estimular investimentos privados em infraestrutura e logística.

Outro elemento crucial é a melhora dos fatores de competitividade sistêmica, especialmente nos aspectos tributário, burocracia, custo do capital, etc., de forma a ampliar a capacidade de as empresas brasileiras fazerem frente aos produtos importados e, ao mesmo tempo, ganharem espaços na exportação.

O lobo mau - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 04\11


RIO DE JANEIRO - Um dos motivos do nosso orgulho nacional, que o próprio Lula invocou há tempos, é que não temos vulcões nem terremotos. Nossas relações com o planeta Terra são relativamente boas, temos enchentes que não chegam ao nível de furacões. Os nossos temporais produzem vítimas e estragos, mas a culpa não chega a ser da natureza, mas da legislação e da fiscalização nas áreas de risco. As tragédias que sofremos neste setor po-deriam ser minimizadas.

Com os Estados Unidos a barra é mais pesada. Na Costa Oeste, os terremotos, e, na Costa Leste, os furacões. No meio, entre os dois litorais, os tornados. O país mais rico e poderoso em tecnologia ainda não encontrou um sistema que controlasse os desvarios da natureza. É tão indefeso diante das catástrofes como as ilhas Papuas, que, aliás, sofrem menos neste departamento.

Vimos as cenas provocadas pelo furacão Sandy, que praticamente reduziu Nova York, por algumas horas, a uma cidade que poderia integrar a Baixada Fluminense.

Felizmente, o povo americano sabe se virar em situações iguais.

Em setembro de 1985, enfrentei o furacão Glória, estava em White Plains, as autoridades pediam que se enchessem as banheiras para impedir que elas voassem. É a síndrome do Lobo Mau que destrói a choupana dos Três Porquinhos com seu sopro formidável.

Passei horas grudando fitas gomadas nas janelas, reforçando os vidros que se estraçalhavam. Clima de fim de mundo. Os supermercados foram esvaziados, num deles cheguei a comprar latas de sardinhas feitas em Niterói. Tinha a volta marcada para o dia seguinte, a companhia aérea me localizou e me aconselhou a ir para o JFK enquanto houvesse trânsito regular. Dormi duas noites no aeroporto, em cima das minhas malas. "God bless America".

Mais fins de papo - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 04\11


A fartura de material - como essa gente fala! - me impediu de enterrar na semana passada o assunto das últimas palavras de celebridades. O tema acabou sobrevivendo a Finados e veio render mais conversa neste domingo. Que seja de uma vez por todas.

Chegada a hora, há quem dê a impressão de não compreender o que se passa - caso de Elizabeth, rainha da Áustria, com este suspiro de perplexidade: "O que houve comigo?" Também do czar Nicolau II da Rússia, que ao ouvir a sentença de morte tartamudeou: "O quê? O quê?". Franz Ferdinand, arquiduque da Áustria, minimizou - "Não é nada, não é nada..." - o balaço que além de lhe tirar a vida desencadearia a Primeira Guerra Mundial.

"Apronte a minha fantasia de cisne", pediu a bailarina Anna Pavlova na iminência de cair o pano. Beethoven regeu os que o viam finar-se: "Aplausos, meus amigos, a comédia está encerrada". Mas nem sempre foi possível caprichar no arremate verbal - ainda quando se tratasse de um poeta, como o holandês Gerrit Achterberg, que se despediu em prosa a mais prosaica: "Sim, mas não muitas". A mulher tinha perguntado se deveria assar umas batatas.

Autor de impecáveis decassílabos, Bilac se foi com um verso ruim de nove sílabas: "Dêem-me café, quero escrever". A minutos da tacada coronariana que o encaçaparia no 19.º buraco, Bing Crosby avaliou: "Foi um ótimo jogo, companheiros", referindo-se não à existência prestes a bruxulear, mas à partida de golfe de que acabara de participar.

O jovem ator e dramaturgo Gláucio Gil também não desconfiou do que estava por vir. "Hoje é sexta-feira, 13 de agosto", disse ele ao abrir na Globo o Show da Noite, em 1965. "Dia aziago, mas até agora vai tudo caminhando bem, felizmente" - e então morreu ao vivo, enfartado diante das câmeras.

O humorista Groucho Marx se foi em estado de graça, num sentido ao menos, pois disse à mulher: "Morrer, querida? Isso seria a última coisa que eu faria". Já outro Marx, o barbudo Karl, enfureceu-se quando à beira do leito alguém lhe perguntou quais seriam suas últimas palavras: "Caia fora! Últimas palavras são para tolos que não falaram o bastante!" Não terá sido muito diferente o mood de Winston Churchill, que sem especificar se declarou "de saco cheio de tudo isso". Bem diferente de Oscar Wilde, que perdia a vida mas não a finesse: "Eu e meu papel de parede estamos em um duelo mortal", murmurou. "Um de nós precisa ir." Mais contundente seria o artista plástico Carybé, ao dizer com todas as letras o que aqui precisa limitar-se às iniciais: "P.q.p., me f....!"

No balanço final, Humphrey Bogart viu motivo para lamentar: "Eu nunca deveria ter trocado o scotch pelo martini". Arrependimento semelhante ao de John Maynard Keynes, um dos papas do pensamento capitalista, no instante da inapelável falência: "Eu deveria ter bebido mais champanhe". Já Picasso, aceitando o que em breve pintaria, estimulou os circunstantes: "Bebam a mim, à minha saúde, vocês sabem que já não posso beber".

Alguns, na hora extrema, têm tudo preparado, texto inclusive. "Quando a música acabar, apaguem as luzes", ordenou Hitler a uns gatos-pingados do nazismo antes de suicidar-se. Também habituado a mandar, Mussolini foi capo até o fim, chegando a orientar o carrasco: "Atire no peito!".

Tinha fala pronta o político cubano Eddy Chibás quando em 1951 decidiu matar-se num programa de rádio, por não ter conseguido provar acusações contra um ministro. "Esta é minha última aldravada!", bradou ao microfone, e puxou o gatilho. Referia-se às metafóricas batidas na porta com que buscava despertar a consciência dos concidadãos. Mas suas palavras lapidares não chegaram aos ouvintes: Chibás tendo estourado o tempo antes de estourar as vísceras, a emissora cortou sua fala - e pôs no ar um anúncio de Café Pilón, "saboroso até a última gota".

Quanto a este cronista, nem por sua exemplar modéstia fará por merecer que lhe registrem as últimas palavras. Que poderiam ser estas: "Então era isso?!"

O pacto - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 04\11

Com 2014 na pauta de todos os partidos, muitos se ouvirá daqui para frente em termos de conversas e perspectivas de aliança. Esta é a fase do “ninguém é de ninguém” e todo mundo flerta com todo mundo no sentido de buscar afinidades e, se der certo, uma parceria futura. E todas essas conversas são mais do que naturais, diante dos problemas pelos quais passa a antiga cúpula do PT no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Penal 470, que já vem sendo chamado de o mais doloroso julgamento da história política brasileira.

No cenário político como um todo, não é segredo para ninguém a dificuldade de convivência que os partidos aliados têm com o PT. Dia sim, dia não, os aliados reclamam da falta de espaço de poder, incluída aí a resistência dos petistas em apoiar candidaturas que não sejam da sua própria legenda.

Nesse cenário, a sensação que muitos têm hoje é a de que o PT não apoiará ninguém para presidente da República, nem em 2018 e nem nunca. E todos os partidos, de um jeito ou de outro, sonham em ocupar o Palácio do Planalto. Daí, não será surpresa se, daqui para frente — nessa linha de todo mundo conversa com todo mundo — vierem alguns ensaios de caminhos alternativos já para 2014, de forma a criar algo mais sólido fora do PT, nem que seja para chegar lá em 2018 com algo mais sólido contra os petistas. E aqui destaco a palavra “ensaios” porque nada do que se discute hoje pode ser considerado líquido e certo para 2014. Talvez não o seja para o fim do ano, quando estiver em jogo a Presidência da Câmara e a do Senado.

Esse pacote de ensaios incluirá a partir deste mês a discussão do pacto federativo, citado tanto pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) quanto pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Ambos batem na tecla descentralização dos recursos da União como forma de resolver os problemas nacionais. E assim eles esperam obter não apenas voz, mas angariar apoios pelo país afora. Afinal, são os governadores e os prefeitos que hoje estão mais próximos do contribuinte para resolver o dia a dia do inquilino do Palácio do Planalto, seja ele quem for. Portanto, nada mais natural do que prefeitos e governadores acompanhem os dois na defesa da redistribuição dos recursos.

O problema é que a discussão de um novo pacto federativo, vindo de dois personagens considerados protagonistas para 2014, soará ao PT como uma tentativa de enfraquecer o partido de Lula e Dilma para a próxima disputa. Daí, que ninguém se surpreenda se houver resistência. Aliás, não é a primeira vez — e certamente não será a última — que o pacto federativo entra em pauta. Em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da República, o então coordenador do seu programa de governo, Paulo Renato Souza, já falecido, planejava dar a largada à discussão das reformas estruturais justamente redistribuindo as receitas e as atribuições entre estados e municípios. E, de quebra, reformar também a Previdência Social.

Naquela época, o pacto fracassou. O então PFL e uma parte do PSDB consideraram mais fácil cuidar primeiro de aliviar o tamanho do estado e a pauta que prevaleceu nas reformas estruturantes foi a da privatização da telefonia, de parte da navegação de cabotagem e a quebra do monopólio do petróleo. E assim foi feito. A reforma da Previdência ficou pela metade. O pacto federativo, que havia sido tentado antes no governo Sarney, também “sobrou”. Se vai dar certo agora, ninguém garante, mas certamente será um mote para unir Aécio Neves e Eduardo Campos nesse período em que, conforme já dito aqui, todo mundo vai conversar com todo mundo, mas quem vai decidir mesmo o desenho será a circunstância política lá na frente. E, deste exato momento até onde a vista alcança, essas circunstâncias ainda não estão à mostra. Nem no plano nacional e nem no Distrito Federal. Até rimou!

Por falar em governo…

Enquanto Aécio e Eduardo discutem seus pactos, a equipe da presidente Dilma Rousseff acompanha com uma lupa as pesquisas de avaliação do governo federal, especialmente nesses últimos dias, em que o país sofreu um apagão no Nordeste. Afinal, ela tem claro que se o eleitor continuar aprovando o governo da presidente, não perderá a condição de favorita. E, nesse caso, talvez não perca nem aliados. O problema é que, apesar do otimismo dos dilmistas, há quem diga que se as conversas de todo mundo com todo mundo andarem mais um pouquinho sem a interferência de Dilma, talvez quando ela decidir entrar nesse campo já seja tarde mais para segurar esses aliados. Vamos acompanhar.

Sandy! O Furacão de Trocadilhos! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 04\11

E tem também o Furacão Maluf: faz dólar voar direto de São Paulo pras Ilhas Jersey! Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Festival de Piadas Prontas! "Pastor é indenizado por comprar CD da Mara Maravilha e receber CD do Ary Toledo". Eu indenizaria o Ary Toledo. Diz que na hora do culto o pastor colocou o CD pensando que era da Mara e os fiéis ouviram um monte de palavrões. Rarará!
E esta: "Viúvo esculpe réplica de vagina da esposa falecida em lápide". Cada um chora por onde tem saudade! E ainda bem que ele lembrava como era! E olha a lápide do hipocondríaco: "eu não falei que estava doente?". Rarará!
E mais esta: "Palmeiras contrata perito para analisar leitura labial da arbitragem". Só vão ouvir palavrão! "Perito, o que o juiz disse?" "Que o seu time tá uma merda!". Rarará! O Palmeiras devia ter feito um jogo em homenagem a Finados!
E o babado da semana: Sandy! O Furacão Sandy! Ou como diz o Bonner: Seindi! A Sandy foi um furacão de trocadilhos infames! A Sandy provocou um furacão no mundo sertanejo, isso sim! Wanessa Camargo, chateada, disse: "Pai, como faz pra virar um furacão?". "Toma umas seis Devassas." E esta: "Governador de NY considera Sandy catastrófica". EU TAMBÉM! Isso porque ele não ouviu ela cantando a versão do "Titanic"! E a Dilma acordou gritando: "MAAAANTEGA! Eu também quero um furacão com o meu nome". E precisa? Rarará!
E tem o Furacão Maluf: faz dólar voar direto de São Paulo pras Ilhas Jersey! E tem o Furacão Serra: não levanta nem papel picado do chão! E o Murilo Benício tava em Nova York e não conseguia pegar táxi: Tufão não consegue pegar táxi por causa do furacão!
E o site Futirinhas mostra o Rogério Ceni zoando os corintianos: "Dificuldade com a Universidad é coisa de corintiano".
E o Rogério Ceni é dono do São Paulo? É! Por usucapião. O Rogério Senil defendeu o primeiro arremesso de tijolo na fundação do clube. E diz que agora o Ceni dá pitaco em escalação, figurino e maquiagem! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E pensa que Finados foi um dia triste e desanimado pras viúvas? Eu tenho a foto de três véinhas, todas com uma garrafa no colo, gritando:"Tricô o caraca! Queremos encher a cara". Rarará!
E um predestinado: um amigo estava no aeroporto de Congonhas quando viu um oficial da PM com o crachá: Coronel TIRO! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 04\11

Rio, Brasília e Porto Alegre sustentam o turismo de estrangeiros no Brasil

Com a crise na Europa, que afastou turistas estrangeiros do litoral nordestino, destinos como Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e São Paulo devem apoiar o crescimento do setor neste ano.

A redução na entrada de estrangeiros em 2012 até outubro, ante igual período de 2011, foi significativa em Salvador. Na capital, o volume de visitantes caiu 21,7%, número que representa cerca de 20 mil turistas a menos.

Em Fortaleza, a queda foi de 18,54%, ou 10,3 mil visitantes que deixaram de vir.

Situação semelhante ocorreu em Recife, com um movimento aproximadamente 20% inferior.

"O turismo internacional nessa região é muito ancorado em Portugal, Espanha e Itália. Essa queda nos aeroportos deriva da diminuição de turistas da Europa", afirma o presidente da Embratur, Flavio Dino.

Quem agora sustenta o crescimento, que deve ser de cerca de 6% neste ano, são os países latinos.

"Os bons resultados de Porto Alegre e Rio de Janeiro revelam isso. Estamos diante de um efeito da crise. O crescimento vai ser bom, mas poderia ser melhor", diz.

Outro dado que sinaliza a turbulência por que passa o continente europeu é o ingresso de divisas originárias do turismo.

"Agosto e setembro são meses de férias na Europa. Agosto deste ano registrou uma queda de 7,5% em relação ao mesmo mês do ano passado", afirma.

O Rio de Janeiro teve alta de 19,34% na entrada de estrangeiros neste ano pelo Galeão, com 134,5 mil turistas acima dos registrados até outubro de 2011.

além de residencial

A marca Gafisa, que vem reduzindo o número de seus lançamentos, irá anunciar, no final deste mês, um complexo multiuso em São Caetano do Sul (SP) com dois hotéis, 540 salas comercias e sete lojas.

Nos primeiros nove meses deste ano, a empresa lançou R$ 794,9 milhões em empreendimentos. No mesmo período de 2011, haviam sido R$ 1,8 bilhão.

O volume do aporte que será destinado ao projeto não foi divulgado, mas o VGV (valor geral de vendas) será de R$ 270 milhões.

O complexo ficará no Espaço Cerâmica, bairro desenvolvido pela Sobloco e onde a Gafisa já construiu condomínios residenciais.

A expectativa da empresa é começar a obra dez meses após o lançamento e entregá-la no final de 2015.

No próximo ano, a companhia deverá anunciar uma segunda etapa do empreendimento, com mais salas comerciais. O VGV será semelhante, somando cerca de R$ 500 milhões.

"Esse será um dos grandes lançamentos da marca. O complexo ficará próximo às rodovias que dão acesso ao aeroporto de Cumbica e de uma estação de metrô da linha bronze, que ainda será construída", diz Octávio Flores, da empresa.

Os hotéis do complexo terão as bandeiras Quality e Comfort Suites, ambas da Atlantica Hotels.

PEGADA ITALIANA

O ministro italiano do Ambiente, Corrado Clini, veio a São Paulo nesta semana para tratar da implementação de acordos assinados durante a Rio+20 com o governo estadual e empresas paulistas.

O ministério da Itália tem também projetos com os governos federal e do Rio.

Os acordos vão do setor de energia ao de confecções. Com a Osklen, o ministério já elaborou um levantamento da pegada de carbono e de impactos socioambientais das cadeias de produção de peças da empresa.

"A Gucci e a Benetton também encomendaram um estudo semelhante, depois do trabalho com a Osklen", diz o ministro Clini.

A grife brasileira já está em um segundo levantamento, desta vez sobre o uso e a economia de água durante a produção, segundo Martina Hauser, chefe da área de rastro de carbono, que acompanha Clini.

O ministério tem projetos com a Pirelli no Brasil para reduzir o impacto de produção e uso de pneus.

"Também temos trabalhado na área de bionergia com várias empresas, entre elas a de Gradin [a GraalBio]", afirma.

"As empresas italianas e brasileiras de energia sustentável são as mais avançadas em tecnologia de baixo impacto e podem ajudar a reduzir o uso de fontes custosas e degradantes."

Segmento de venda direta de cosmético investe fora do eixo Rio-SP

A novata Eudora, marca do grupo Boticário que atua no segmento de venda direta, vai se expandir pelo país com a abertura de novas centrais de serviços. As unidades irão comercializar produtos às revendedoras com objetivo de reduzir o tempo de entrega ao consumidor final.

A empresa terá inaugurado 16 centrais no Brasil até o fim de 2012. Para o próximo ano, a previsão é de mais 11 unidades, de acordo com a companhia.

A marca tem centrais de serviços em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Natal.

Alguns dos pontos novos escolhidos pela Eudora são Brasília, Campinas, Uberlândia, Fortaleza e Salvador.

Na Avon, fora do eixo Rio-SP, Norte e Nordeste são regiões de grande potencial a ser explorado. A empresa mantém centros de distribuição na Bahia e no Ceará.

A multinacional afirma que tem produtos criados especificamente para as altas temperaturas da região.

A brasileira Natura avança também em suas operações fora do Brasil.

Em todos os seus mercados, a Natura tem mais de 1,5 milhão de consultoras. Atualmente, as operações internacionais somam 291 mil consultoras, 26,6% a mais que o número registrado no terceiro trimestre de 2011.

As vendas da Mary Kay no Brasil tiveram alta de 40% em 2011, e a expectativa é crescer mais de 50% em 2012, segundo a empresa.

INVESTIMENTO DECORADO

O shopping de decoração CasaShopping, no Rio de Janeiro, vai receber cerca de R$ 140 milhões em sua expansão.

Os atuais 43 mil metros quadrados de área bruta locável passarão para 70 mil metros quadrados.

"Essa é a nossa quinta ou sexta expansão em quase trinta anos. Começamos com 18 mil metros quadrados", afirma Luiz Paulo Marcolini, empreendedor do CasaShopping.

Além do aumento do número de lojas e do estacionamento, estão previstas lajes corporativas, que ocuparão 7.000 metros quadrados da expansão.

A maior parte do recursos injetados são próprios, segundo Marcolini.

A ideia é elevar a participação das lojas principais das marcas de decoração.

"O shopping já tem uma quantidade grande de lojas 'flagship', são 60 das 130. Esse número deve aumentar", diz o sócio.

R$ 140 milhões

é o valor para a expansão

As dívidas e o ICMS - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 04\11

Para evitar que os juros voltem a subir, o Planalto está disposto a ceder e mudar o indexador das dívidas dos estados com a União, de IGP-DI para Selic, desde que os governadores reduzam o ICMS sobre as contas de luz e de telefone para aliviar a inflação. A média é de 32%. O governo quer que caia para 25%. Para mudar o indexador, quer também ICMS na origem, de 4%.

Dilma e os prefeitos
A presidente Dilma irá apresentar no fim deste mês proposta de ajuda financeira a todos os prefeitos como forma de compensar as perdas que tiveram por causa da crise financeira e, principalmente, pelas desonerações promovidas pelo governo para incentivar o consumo, caso da redução do IPI sobre carros, linha branca e móveis. Duas ideias estão sendo discutidas nos ministérios a pedido de Dilma: a renegociação das dívidas das prefeituras com o INSS, reduzindo juros, multas e mantendo vantagens dadas em parcelamentos anteriores, e o aumento do limite de endividamento, como o Ministério da Fazenda fez recentemente com os estados.

Chega de problemas
O ex-presidente Lula não quer que os problemas políticos enfrentados pelo PT com o PSB nestas eleições se repitam daqui a dois anos. Mais do que isso, Lula está pedindo cautela aos petistas porque não quer saber de tensões com o PMDB.

Já era
Os senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Pedro Taques (PDT-MT) passaram por cima de pedido do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e prorrogaram o debate sobre a reforma do Código Penal. Sarney queria fechar o mandato com chave de ouro, aprovando o texto em dezembro, mas as mudanças ficarão para 2013.

Serra vive
Interlocutores do tucano José Serra passaram a alertar o partido de que ele está vivo politicamente, embora recém-derrotado na urna. Acham que Serra não deve ser menosprezado pelo grupo do senador Aécio Neves (MG).

Royalties, briga eterna
Os líderes governistas informaram ao Planalto que não há votos suficientes na Câmara para aprovar a proposta que pretende manter como receita do Rio e do Espírito Santo os 28% da área do pré-sal que já foram licitados. Os demais estados querem receber dinheiro imediatamente, e parte dos blocos que o governo licitou vai gerar receita no próximo ano.

O Iraque é aqui
Petistas que articulam garantia do acordo com o PMDB para eleger o deputado Henrique Alves (PMDB-RN) presidente da Câmara relatam que não está fácil: "A eleição está tão tranquila como um fim de tarde no Iraque", comentou um deles.

Sem sorte
O PR marcou para terça-feira jantar da bancada em apoio oficial à candidatura de Henrique Alves à presidência da Câmara, mas cancelou por causa da reunião que a presidente Dilma fará à noite com PT e PMDB no Palácio da Alvorada.

O CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL do Congresso discute amanhã a proibição de biografias não autorizadas de personalidades.

Recados com puxão de orelha - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 04\11



É natural que os competidores partidários procurem exibir seus troféus após a contenda eleitoral, mesmo quem obteve vitórias em isoladas arenas do nosso vasto território. Afinal, a competitividade interpartidária, em expansão na esteira de um país que se projeta como potente economia global, confere à política alto grau de importância na escala dos interesses nacionais.

Compreende-se, pois, que o PT se arvore em maior vencedor, ao argumento de que governará 27 milhões de eleitores a partir de 2013, aumentando em 15% as prefeituras; que o PSB proclame ser o partido que mais cresceu porcentualmente, por ter pulado de 308 para 443 municípios e passar a governar o maior número de capitais (5); ou, ainda, que o PMDB desfralde a bandeira do maior número de cidades sob sua administração (1.031) e a segunda posição na soma eleitoral (23,1 milhões de votos), mesmo sofrendo queda de 13,5% em relação a 2008. É até razoável a tese de que as oposições ganharam fôlego, com as expressivas vitórias do DEM em Salvador e do PSDB em Maceió, Manaus, Belém e Teresina, além de ficar com a terceira posição no ranking de eleitores (16,5 milhões). Da leitura mais atenta do quadro eleitoral se pinça, porém, um conjunto de recados que partidos e líderes precisam ouvir e ponderar, sob pena de verem fechadas as portas de seu futuro político.

O pleito deste ano, para começo de conversa, se despiu de arabescos que adornavam a liturgia no passado, particularmente os mantos festivos e os salamaleques de militantes dispostos a fazer vigílias cívicas por seus candidatos. Há uma explicação para o fato, a começar pelo redesenho das ruas. As multidões que acorriam aos eventos eleitorais, obedecendo ao sinal dos comandantes, refluíram, passando a se abrigar em grupos reunindo categorias profissionais. Sua participação no cenário político perdeu intensidade. Não se veem mais densos contingentes mobilizados para ouvir a peroração mofada de candidatos e cabos eleitorais. Ante um cenário social menos barulhento e conflituoso, os antigos trombeteiros das massas passaram a ter menos ouvidos para fazer ecoar seus surrados refrãos. A subtração das multidões tem, ainda, conexão com dois fenômenos pouco sensíveis ao faro dos nossos atores políticos: a autonomia decisória dos cidadãos e a emergência da micropolítica. O primeiro se ancora na expansão da racionalidade eleitoral e o segundo se amarra na árvore da pragmática política.

A cada pleito, o voto abandona o espaço emotivo para se refugiar no terreno da razão. Sai do coração e sobe à cabeça. O processo, lento e gradual, acompanha a dinâmica social, cujas alavancas apontam para a expansão educacional e a ascensão das categorias sociais nos andares da pirâmide. Noutra ponta, a cadeia de casos negativos - escândalos, denúncias, tramoias, corrupção - propicia o desencanto dos eleitores com a velha política. Partidos passam a ser substituídos por novos polos de referência, como a constelação de entidades organizadas. Os aglomerados populacionais, dispersos e anônimos, cedem lugar às comunidades regionais. O todo divide-se em partes. Forma-se, assim, uma base sobre a qual se assenta a autonomia cidadã, e esta é a alavanca que abre as opções eleitorais.

Tem diminuído, sensivelmente, a fila de eleitores que ainda obedecem aos comandos de caciques políticos. (É patente que Lula pinçou Fernando Haddad do bolso do colete e o elegeu. Ponto para ele. Mas não se pode negar que perdeu em Salvador, Manaus, Belo Horizonte e Fortaleza, onde abriu o verbo - e promessas de verbas - para os seus candidatos.) A organicidade social volta-se para a defesa do hábitat, o bairro, os distritos, as regiões, onde a micropolítica estabelece um apreciável conjunto de demandas, principalmente as que afetam diretamente a vida comunitária, como saúde, educação, transportes e segurança. Abre-se o tempo do cidadão pragmático.

Exemplos de racionalidade e autonomia ocorreram em muitas frentes no pleito deste ano. Encaixam-se nesses compartimentos, por exemplo, a eleição de Clécio Luís (PSOL), em Macapá, e de Edivaldo Holanda Júnior (PTC), em São Luís. Ambos são de partidos nanicos e, pasmem, encravados em Estados dominados por pesado caciquismo político: Amapá e Maranhão. Trata-se de um bem aplicado puxão de orelhas que o eleitor dá na política embolorada. Outra sinalização da racionalidade é dada na área dos gêneros. As mulheres avançam no campo da administração municipal, conquistando 664 prefeituras, ou 12,03% do total. Em 2008 foram 9,12%. No rol de recados há também o que indica o desejo de renovação. Perfis que encarnam mudança de página, estética e semântica diferentes das que se conhecem no mercado da política passam agora a povoar o mapa municipal.

Por último, distingue-se o eleitor descontente e indignado: ele se abstém, vota nulo ou em branco. E sabe separar alhos de bugalhos, eleição de mensalão ou de "kit gay". Acontece que a descrença social na política nivela todos os atores. O eleitorado não enxerga um partido mais ético ou menos moral que outro. A corrupção na esfera da representação bate em todos os entes partidários. Campanhas de desconstrução de adversários, portanto, não angariaram a simpatia dos cidadãos.

Em São Paulo, por exemplo, há anos o revezamento se dá em torno de Serra e Alckmin. Como se sabe, a ordenação dos ciclos eleitorais, que exige permanente troca de perfis, é pedra fundamental no jogo de poder. Ou, no dizer de Elias Canetti, é um atributo eminente da dominação política. Eis a analogia que o autor de Massa e Poder faz com a figura do rei: "Se o rei começa a envelhecer, sua força mágica está ameaçada. Pode diminuir ou enfraquecer, transformar-se em seu contrário; por isso, tira-se a vida do rei que envelhece para transferir sua força mágica ao sucessor". Qualquer semelhança com nossos "velhos reis" não é mera coincidência.

Foco no problema - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 04\11


Estudo de bancos centrais do G20, no início da década passada, analisou grupo de países de baixo crescimento e padrão de vida, comparando os que haviam elevado substancialmente o crescimento com os que tinham falhado na tentativa. Dado comum aos dois grupos era o fato de terem longa lista de problemas.

O estudo mostrou que os países bem-sucedidos foram os que identificaram os problemas mais prejudiciais ao crescimento e concentraram esforços na sua solução. Identificaram dois, três ou quatro problemas fundamentais e os combateram de forma persistente, até resolvê-los. O que elevou o padrão de crescimento e o nível de vida da população.

Aplicando o modelo ao Brasil, verifica-se que em boa parte das décadas de 80 e 90 o país tinha três problemas críticos impedindo o crescimento: o cambial, o fiscal e o monetário (inflacionário). Em 2003, o país efetuou forte ajuste monetário e fiscal que gerou contração do consumo. A taxa básica de juros foi a 26,5% ao ano, quebrando a dinâmica inflacionária, o superavit primário efetivo ficou acima da meta de 4,25% do PIB e cerca de 15% da produção industrial foi redirecionada à exportação.

A melhora dos fundamentos econômicos deu base à confiança de investidores, empresários e, em seguida, consumidores. E voltamos a crescer.

Esse bônus da estabilização econômica foi obtido por meio da estabilização da inflação, da queda e da melhora do perfil da dívida pública e do acúmulo de reservas internacionais gerada pela melhora da balança externa.

O estudo dos bancos centrais do G20 tem sido aplicado a diversas esferas da administração pública no mundo. Com prefeitos recém-eleitos, é um bom momento para analisar nossos centros urbanos nessa perspectiva.

Tomemos o exemplo mais importante e dos mais dramáticos, São Paulo. A lista de problemas é longa e inclui responsabilidades municipais básicas, como educação, saúde, lixo, manutenção de vias, creches... Porém os que mais limitam o crescimento e a melhora do padrão de vida são transporte e violência. Resolvidos, haverá mais crescimento, que gera mais arrecadação e, assim, recursos para resolver os outros problemas fundamentais.

São Paulo demanda foco absoluto nesses dois problemas. Um mero desdobramento de recursos municipais para enfrentá-los não basta. Será preciso esforço articulado dos governos municipal, estadual e federal.

Quando São Paulo voltar a oferecer transporte que permita às pessoas exercer sua atividade de forma eficiente e confortável e a população recuperar o domínio das ruas da violência, a cidade poderá voltar a ser a grande locomotiva do Brasil.