domingo, junho 03, 2012

Brancos e pretos - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 03/06

Dois dados da desigualdade racial brasileira, tirados do último Censo pelo economista Marcelo Paixão, estudioso do tema. Só 0,8% dos trabalhadores brasileiros ganhava mais de 20 salários mínimos em 2010. Destes, 82,7% eram brancos — e 63,6%, homens brancos.

Segue...

No outro extremo, 9% dos ocupados recebiam até 1/4 do salário mínimo. Destes, 63,1% eram pretos e pardos.

Banho da fortuna

A 3ª Turma do TST condenou a Goodyear a pagar horas extras a um ex-empregado que gastava 30 minutos além da jornada para... tirar graxa do corpo. Ajudante de produção de pneus por 23 anos, o rapaz terá de receber por 540 horas gastas no banho, mais 50% e reflexos nas demais verbas rescisórias.

Caetano na rede

Caetano Veloso lança dia 12 seu novo site (caetanoveloso. com.br), como parte das comemorações de seus 70 anos. Até 7 de agosto, seu aniversário, serão disponibilizadas entrevistas em que o baiano fala dos principais fatos de sua vida. Além de videobiofrafia, o site terá fotos pessoais e todos os seus discos para ouvir e comprar.

À la Zózimo

E a Dilma, hein?! É impressão minha ou cresce o cordão dos que a santificam e satanizam Lula?

Zé Lins, 111

A obra de José Lins do Rego (1901-1957), que hoje faria 111 anos, está em alta. Maria Amélia Mello, da José Olympio, negocia o lançamento de três livros do autor na França, e na Turquia saiu uma edição de “Menino de engenho”.

O DOMINGO É de Cléo Pires, 29 anos, aqui em seus últimos minutos de morenice (como se sabe, a bela filha de Glória Pires pintou os cabelos de louro). A formosa aparecerá ainda com os cabelos pretos como Ana no episódio “O anjo de Alagoas “, que vai ao ar em “As brasileiras”, quinta. O episódio, dirigido por Tizuka Yamasaki, contará a história de uma matadora de aluguel que cavalga pelo sertão alagoano, mas, ao se livrar de suas roupas masculinas, revela uma aparência feminina e sedutora. Seduz eu

Ilha de Caras histórica

Depois de cinco anos de trabalho, o escritor Flávio Moreira da Costa pôs o ponto final na antologia “Intimidades célebres/O livro dos diários” (Nova Fronteira). São relatos de 30 celebridades, como Kafka, Stendhal, André Gide, Virginia Woolf, Sartre, Charles Darwin, Isaac Babel e outros, sobre sua própria intimidade.

Segue...

O russo Tolstoi (1828-1910) conta que largou a universidade para... estudar melhor, e que, entre um livro e outro, “corria atrás das cossacas (chechênias)”. O filósofo Kierkegaard (1813- 1855) revela a “tática” para conquistar e abandonar uma moça.

‘Io e Te’, o livro

A Bertrand Brasil lança em novembro o livro “Io e Te”, do italiano Niccolò Ammaniti. Inspirou filme de Bernardo Bertolucci, exibido em Cannes.v

Sustentabilidade
A Rio+20 inspirou uma obra de Mazeredo, a artista plástica carioca que criou, por exemplo, a série da Via Sacra, na Catedral Metropolitana do Rio. Amanhã, ela apresenta o monumento “Chamas da Sustentabilidade”, veja na foto, que ficará exposto no Planetário da Gávea.

Celebridades

“Fama” é o nome do enredo do Salgueiro para 2013. Desenvolvido por Renato Lage, contará a busca do homem por beleza e notoriedade. O tema é patrocinado pela revista “Caras”.

Transparência

Em tempo de transparência, Eduardo Paes vai disponibilizar no site da Empresa Olímpica Municipal (empresaolimpica.com) uma seção em que o cidadão terá acesso a informações financeiras detalhadas e ao cronograma de obras de projetos para os Jogos de 16, como a Transoeste.

Corredor do Fórum

A 13ª Câmara Cível do Rio negou indenização pedida por um homem vítima de fratura... peniana numa relação extraconjugal. O saliente procurou o hospital, réu na ação, e pediu sigilo, pois é casado e... pastor evangélico. Mas a pulada de cerca veio à tona numa carta anônima enviada à sua igreja — segundo ele, por um funcionário da clínica.

Hora da vigília - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 03/06

Com uma semana de feriadão à frente, os integrantes da CPI e os líderes partidários prometem passar esses três dias de trabalho mergulhados nos bastidores para tentar buscar meios de sair do imbróglio da CPI de Carlos Cachoeira sem chamuscar muita gente. O problema para esses líderes é que movimentos de contenção das investigações estão cada vez mais difíceis, porque, mal surgem, já estão estampados nos jornais com uma força em contrário, apesar do silêncio dos personagens chamados a depor.

Primeiro, tentou-se segurar o sigilo da matriz da Delta Construções e evitar a convocação de governadores — manobras que não tiveram a validade de um iogurte. Eis que, hoje, os governadores Marconi Perillo e Agnelo Queiroz estão convocados e o sigilo da Delta, quebrado. Agora, tenta-se segurar as informações sobre as empresas que receberam dinheiro e a quem repassam. Outra manobra que promete dar em nada.

Basta ver a reportagem de hoje do Correio Braziliense sobre os R$ 300 mil que o ex-funcionário da Delta Cláudio Abreu tirou de sua conta em espécie em plena corrida eleitoral de 2010. É, no mínimo, muita coincidência alguém com tantos laços políticos retirar R$ 300 mil em dinheiro vivo, justamente na reta final de campanha, momento em que os políticos ficam ávidos por recursos. Ou seja, dia menos dia, a CPI chegará às eleições, como chegou aos depósitos feitos na conta de Bruna Bordoni, filha do jornalista Luiz Carlos Bordoni, que diz ter sido parte do pagamento das despesas de campanha do governador Perillo, o que ele nega. Mas o caso está aí e uma investigação mostrará a verdade dessa história. Afinal, Perillo se prontificou a comparecer à CPI.

Por falar em comparecimento…
Outra manobra em curso, talvez um pouco adiantada, é de ausências programadas de senadores simpáticos a Demóstentes Torres no dia do julgamento no plenário da Casa. Ora, esse movimento não tem a menor chance de prosperar. Primeiro, embora a votação seja secreta, essa história de faltar para não dar quórum ou reduzir a margem contra Demóstenes nos leva ao seguinte raciocínio: quem não estiver na sessão, estará praticamente declarando o voto em favor do senador goiano. Se os senadores mal o cumprimentam quando passa para não serem fotografados ao lado dele, quero ver quem vai querer ser carimbado como o ausente que o protegeu.

Por falar em votação secreta…
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) deflagrou esses dias na Casa um movimento para permitir a declaração de voto por parte dos senadores, antes da votação. Só tem um probleminha aí: se as declarações de voto contra Demóstenes forem superiores ao número real apresentado no painel eletrônico, estará caracterizada a mentira de alguns. E mentir no plenário é considerado quebra de decoro.

No caso de Luiz Estevão, cassado há 12 anos, a curiosidade nesse campo foi tal que o então senador José Roberto Arruda promoveu a quebra de sigilo do painel eletrônico, aproveitando-se uma “janela” do sistema. A melhor forma de evitar que os senadores caiam nas tentações de declarar um voto e proceder de outra maneira — ou recorrer a métodos ilegais para saciar a curiosidade é acabar com o voto secreto nesses casos. No Conselho de Ética da Casa, o voto é aberto. Nada mais salutar. Assim, quem quiser votar a favor de Demóstenes ou contra ele, que apresente seus argumentos e fique em paz com a própria consciência. Certamente, reduziria bastante a política rasteira que tenta blindar daqui, esconder dali, proteger de lá. Dessas manobras, a população se cansou há tempos.

O voto aberto é mais saudável para casos de quebra de decoro. Assim, quem quiser defender ou acusar um senador teria que apresentar argumentos bem fundamentados, de forma a ficar em paz com a própria consciência, sem subterfúgios

É um circo ou não é? - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 03/06

Parece que a corrupção tomou conta do Estado brasileiro, que não há mais em quem confiar



Ultimamente, faço um esforço enorme para não perder a esperança em nosso país, em nossa capacidade de nos comportarmos com um mínimo de respeito pelo interesse público, pelos valores éticos, enfim, por construirmos uma nação digna deste nome.

É que, a cada dia, como você, fico sabendo de coisas que me desanimam. Parece que a corrupção tomou conta do Estado brasileiro, que não há mais em quem confiar. O que desanima não são apenas as falcatruas praticadas por parlamentares, ministros, governadores, prefeitos, juízes... O pior é que esses dados refletem uma espécie de norma generalizada que dita o comportamento das pessoas e o próprio funcionamento da máquina pública.

Um pequeno exemplo: o precatório. Se ganhas na Justiça uma ação que obriga o governo a te indenizar, ele está obrigado a te pagar, não? Só que ele não paga, não cumpre a decisão judicial, e fica por isso mesmo. A Justiça sabe que sua decisão não foi obedecida e nada faz.

Pior, às vezes esse dinheiro é apropriado por altos funcionários da própria Justiça. Enquanto isso, as pessoas que deveriam ser indenizadas esperam 20, 30 anos, sem nada receber. É como um assalto em via pública. Este é um fato corriqueiro num país dominado por uma casta corrupta.

E eu, burro velho, embora sabendo disso tudo, não paro de me surpreender. Acontece de tudo, até CPI criada pelo governo. Nunca se viu isto, já que CPI é um recurso da oposição; quer dizer, era, porque a de Cachoeira foi invenção do Lula e seu partido, e conta com o apoio da presidente Dilma. Isso porque, no primeiro momento, os implicados pareciam ser apenas adversários deles, a turma do mensalão.

Eis, porém, que novas revelações envolveram gente do PT e aliados do governo, sem falar numa empresa corrupta que é responsável por grande parte das obras do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal.

Mas o que fazer, agora, se a CPI já estava criada? Voltar atrás seria impossível, e nem era preciso, uma vez que, dos 30 membros da CPI, apenas sete são da oposição, quer dizer, não decidirão nada.

Mas essas revelações punham em risco um dos principais objetivos de Lula, que era usar a CPI para desqualificar o processo do mensalão, prestes a ser julgado pelo STF. Essa intenção foi favorecida por um fato que envolve o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem caberá fazer a denúncia da quadrilha chefiada por José Dirceu.

O PT tentou desqualificá-lo, apresentando-o como ligado a Demóstenes Torres e, portanto, a Cachoeira. A jogada não deu certo e, além do mais, está aí a maldita imprensa, que insiste em criar problemas, por levar à opinião pública informações inconvenientes.

De qualquer modo, a CPI teria que ouvir Carlinhos Cachoeira, e só Deus sabe o que ele poderia revelar. Deus e nós também: nada, como se viu.

É que ele se valeu do direito, que a Constituição lhe concede, de permanecer calado para não produzir provas contra si mesmo. Quem quer que tenha inventado isso -sempre em defesa dos inocentes, claro- com frequência favorece aos culpados, uma vez que o inocente, por nada temer, faz questão de contar toda a verdade. Calar, portanto, é confissão de culpa.

De qualquer modo, Carlos Cachoeira, a conselho de seu advogado, não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram feitas, deixando os parlamentares, que inutilmente o interrogavam, em situação constrangedora. Aquela sessão da CPI, em Brasília, só pode ser comparada a um espetáculo circense.
E quem é o advogado de Cachoeira? Nada menos que o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, que, sentado a seu lado, como um segurança jurídico, ouvia os deputados e senadores se referirem a seu constituinte como "bandido, chefe de uma quadrilha de ladrões". Estava ali por vontade própria ou por imposição do cliente? Não se sabe, mantinha-se indiferente, como se nada ouvisse.

Foi por saber Cachoeira culpado de todas aquelas falcatruas que o aconselhou a nada responder. Resta à CPI recorrer às provas documentais. Por isso mesmo, Thomaz Bastos já pediu a anulação delas. Cachoeira pode não ter razão, mas dinheiro não lhe falta. E o espetáculo continua...

Marco - CAETANO VELOSO


O GLOBO - 03/06

Meu filho de 20 anos estava me perguntando sobre coisas dos anos 60. Queria entender o que significava eu ter dito a ele que os Beatles, quando surgiram, não nos pareciam algo muito diferente daquilo que Justin Bieber parece a ele e a seus amigos hoje. Essa conversa veio porque ele tinha visto umas fotos em que achou o cabelo de Paul McCartney semelhante ao de Bieber, observação que indignou seu irmão, meu filho de 15 anos. Para este, tudo o que se refere aos Beatles é sagrado e não pode se aproximar da vulgaridade do garoto canadense. Expliquei aos dois que os Beatles de "I wanna hold your hand" tinham para o grupo de pessoas que eu conhecia - tanto na Bahia quanto no Rio - mais ou menos o mesmo significado que Bieber tem para eles agora.

O mais velho, interessado em música eletrônica mas conhecedor do pop e do rock dos países de língua inglesa, quis entender como diferençávamos os Beatles dos Rolling Stones. Estes seriam desde sempre vistos como mais rock"n"roll do que os quatro de Liverpool? Respondi que, ao menos aqui no Brasil (mas estou certo de que, em considerável medida, também nos Estados Unidos, se não na Inglaterra), os Stones foram como que Beatles de segunda categoria. Mas que isso não demorou muito. Logo "Satisfaction" era um hit forte e, pouco depois, os Stones começavam a ser olhados como roqueiros mais descolados, longe dos terninhos e franjinhas dos seus rivais. Mas não sem que antes tivessem tentado algo psicodélico, "Satanic Majesty" sendo o "Sgt. Pepper´s" deles. Mostrei "Lady Jane", anterior àquele álbum, e ele riu. Foi aí que mencionei que os Stones, que não tinham repertório próprio no começo, gravaram uma música de Lennon e McCartney. "I wanna be your man" era o título. E meu filho, cheio de curiosidade (e descrença), achou na internet, em alguns segundos, a gravação com os Stones. Ficou chocado: "Isso é punk!", disse. "Isso parece muito com o punk e é mais espontâneo." Contei que muitos dos estilos que se definiram em gêneros depois (metal, prog, punk, glam, whatever), assim como muitas das ideias sobre política e comportamento (movimento feminista, gay, ecológico, negro e o que mais), estavam como que amalgamados nas bandas e nos ânimos da segunda metade dos anos 60.

Ouvirmos juntos a gravação de "I wanna be your man" com os próprios Beatles nos fez rir. Eu via que ele entendia minhas palavras sobre Bieber e eu lembrei que Nelson Motta tinha acabado de dizer, num texto, que achara os Beatles meio ridículos quando os ouviu pela primeira vez. A produção do "I wanna be your man" deles era polida e os vocais afinados e seguros, contrastando com o som tosco dos Stones e o vocal amador de Jagger. Ficou claro que, mais tarde, esse som tosco garantiria aos Stones a respeitabilidade rock que os Beatles por um tempo perderam. Mas também explicava por que achávamos o grupo de Keith Richards e Brian Jones algo simplesmente inferior ao de Ringo e George Harrison.

Este mundo é um pandeiro. Contei a Zeca que os punks, no entanto, quando surgiram nos anos 70, prefeririam dizer que gostavam mais dos Beatles do que dos Rolling Stones. Acho que a "angústia da influência" é mais forte no mundo anglófilo.

Observar essas movimentações em companhia dos meus filhos traz muito forte o gosto da História e mesmo da vida. Nesta semana em que o Marco Civil da Internet está sendo analisado por uma comissão da Câmara dos Deputados, fica ainda mais excitante - tanto no sentido de estimulante quanto de assustador - sentir como se movem as questões relativas à cultura popular de massas, aos significados do repertório simbólico que se reconfigura à nossa vista - e ao sentido da originalidade no fenômeno da criação. O Marco vem do governo Lula, isto é, do período Gil/Juca do ministério da cultura. É sabido quão simpática à liberalização do mundo virtual - e quão relativizadora do valor do direito de autor e da propriedade intelectual - foi essa gestão. O episódio da ministra Ana de Hollanda retirando o logo do Creative Commons  do site do ministério é emblemático da diferença, quanto a esses problemas, entre seu grupo e o que o antecedeu. De minha parte, além de reconhecer a irreversibilidade da situação criada pelo surgimento da internet, considero que essa subida da concessão de direito sobre criação intelectual até 70 anos após a morte do autor é coisa mesmo da Disney para segurar o Mickey. Uma ideia ou uma forma estética não são propriedade real de quem as inventa. São, em princípio, de todo mundo. Mas um escritor tem de ser estimulado a escrever: deve poder viver dessa atividade. Um cineasta, um músico, um pintor, também. E eu não me animo a assinar manifestos que defendem a liberdade de Google ou Facebook, alegando que qualquer responsabilização por danos morais ou patrimoniais ocorridos em seus domínios equivalha à censura à internet na China "comunista" ou no Irã islâmico. A advogada Simone Kamenetz diz que a regulação da internet traz o desafio de resolver as equações "liberdade de expressão x proteção à honra; liberdade de acesso x direitos autorais". E que o Marco Civil não o faz.

Não vejo Google nem Facebook como pobres rebeldes. Se algum desses gigantes leva a grana que deveria chegar ao bolso do Antonio Cicero, protesto.

Gosto que meu filho acesse uma gravação em segundos. Não quero que ele dependa de herdar meus direitos de autor. Mas tampouco que ele venha a ter de brigar por eles.

Sou mais a flunfa - HUMBERTO WERNECK


O ESTADÃO - 03/06


Com tanta palavra no dicionário, será que existe uma para cada coisa?

Claro que existe, disse eu de bate-pronto, e saquei um exemplo:

– Sabem o nome desses pelos dentro do nariz?

Segundos de silêncio eivado de inveja lexicográfica, antes que viesse eu iluminar a ignorância dos presentes:

– Vibrissas.

Arrasei! Só não contava com a volta por cima de um desmancha-prazeres:

– E aquele algodãozinho no umbigo no final do dia?

Algodãozinho? Umbigo? Apanhado no contrapé, o sabichão coçou o imaginário cavanhaque, rosnando para dentro: ah, isso não vai ficar assim! E não ficou mesmo. Tanta coisa urgente me esperando, mas parei tudo – e por muitas horas nada fiz senão escarafunchar o umbigo da língua portuguesa, até estar em condições de anunciar: aquilo tem nome, sim.

Chama-se flunfa.

Não perca tempo folheando o Houaiss ou qualquer outro dicionário, pois nenhum deles sabe o que é a flunfa. Em vez disso, refaça meus passos no Google, onde fui informado de que a palavra não só existe como comparece numa crônica do Verissimo, e já faz tempo, num livro de 1997, A mãe de Freud.

Fui encontrá-la também no Urban Dictionnary, igualmente consultável na internet. Pode ter sido posta ali por algum brasileirinho, mas a raiz do neologismo é a palavra inglesa fluff – “macia massa de fibras de lã e outros materiais, acumulada em lugares onde não é desejada”. No umbigo, por exemplo. Mas disso não sabiam vocês aí, os 206 membros da comunidade “Bolinhas de algodão no umbigo”, criada no Orkut para cultuar semelhante insignificância.

Insignificância? Pois fique sabendo que a flunfa desfruta do status de objeto da ciência, estudada que foi pelo químico austríaco Georg Steinhauser. Durante três anos ele se dedicou à análise de 503 amostras coletadas em seu próprio umbigo, daí resultando um artigo na Medical Hypothesis. Sem usar a palavra flunfa, ou mesmo fluff, o Steinhauser revelou que o depósito umbilical é uma porcarieira em cuja composição entram fiapos de roupa, como já sabíamos, mas também fragmentos de pele morta, gordura corporal, suor e poeira. Coisa demais para nossos despretensiosos umbigos, convenhamos.

Três anos foram pouco, no entanto, para que esse abnegado da ciência elucidasse todas as transcendentais questões postas pela flunfa. Cansado de contemplar sua barriga, o dr. Steinhauser jogou a toalha, legando-nos um desafiador enigma: “Por que certos umbigos coletam mais fiapos do que outros?”

A resposta poderia vir de outro apaixonado pelo relevante assunto, o australiano Graham Baker, que em 17 de janeiro de 1984 (tudo criteriosamente registrado) se pôs a colecionar o conteúdo de seu umbigo, tendo por isso merecido ingresso no Guinness Book.

O problema é que o Baker não chega a ser um cientista, ao contrário do Steinhauser, que antes de ocupar da flunfa já se notabilizara por um estudo sobre a corrosão de sua aliança de ouro durante o primeiro ano de casamento. Como para deixar claro que nem tudo se corrói, dedicou à mulher, Veronika, o trabalho publicado no Gold Bulletin, no qual aprendemos que o principal fator de desgaste, mais do que a jardinagem e a prática do ski, é a areia da praia.

Nenhuma referência ao hábito de pular cercas. Em um ano o anel havia perdido 6,15 mg de ouro – constatação que descortina excitante disputa para saber o que vai acabar primeiro, o casamento ou a aliança.

Não é justo que nenhuma das pesquisas do Steinhauser tenha recebido o prêmio IgNobel, atribuído a trabalhos científicos que se destacam pela bizarria. Nada ficam a dever a estudos premiados que esmiuçaram os momentosos temas da massagem retal usada pela curar soluços, da capacidade que têm os pinguins de defecar a 40 cm de distância, dos suicídios relacionados com o hábito de ouvir música country no rádio ou das dançarinas eróticas que ganham gorjetas mais alentadas quando estão ovulando.

Olha, sou mais a flunfa. E você?

A perda de dinamismo - AFFONSO CELSO PASTORE


O Estado de S.Paulo - 03/06


Em 2012, o Brasil deverá crescer abaixo de 3%, e as perspectivas nos anos seguintes são de crescimentos inferiores às metas do governo. Primeiro, porque não poderemos mais contar com a forte expansão do consumo que foi o motor de ampliação da demanda nos últimos anos. Segundo, porque há uma perda de competitividade da indústria, que vem mantendo a produção estagnada desde o início de 2010. Terceiro, porque somando o desestímulo da menor expansão do consumo às incertezas da crise internacional, as perspectivas são de uma fraca formação bruta de capital fixo.

Nos últimos anos, o consumo das famílias beneficiou-se da ampliação do crédito pessoal, mas isso levou a um endividamento excessivo. Em 2005, o endividamento das famílias estava em torno de 20% da renda disponível, escalando para mais de 42% da renda disponível em 2012. Nos EUA, o endividamento das famílias atualmente supera 110% da renda disponível. Mas, se excluirmos as dívidas com hipotecas, ele chega apenas a 20%, sendo menor do que no Brasil.

A diferença mais importante, contudo, não se refere ao estoque da dívida, e sim ao comprometimento de renda na amortização do principal e no pagamento de juros. No Brasil, o comprometimento de renda situa-se atualmente em 22% da renda disponível, e nos EUA, incluindo automóveis e hipotecas, chega a 16%, menor do que no Brasil.

Dizer que o endividamento é excessivo é equivalente a afirmar que uma parcela muito grande da renda futura foi gasta no presente, o que obviamente reduz o crescimento do consumo no futuro. Há, por outro lado, claros limites ao aumento do endividamento nos próximos anos. Se, para acelerar as novas concessões de crédito, os bancos insistissem em financiar as compras de automóveis sem entrada e a prazos longos, como ocorreu até o final de 2010, a inadimplência continuaria a crescer, superando os níveis atuais já elevados.

O governo pode pressionar os bancos privados a emprestarem mais, mas, diante dos elevados níveis de inadimplência, estes não podem acelerar as novas concessões de crédito. Ao contrário, em casos extremos, como é o dos automóveis, estas terão de ser reduzidas até trazer a inadimplência a níveis toleráveis. Murchou, dessa forma, uma fonte de crescimento da demanda que foi muito importante nos últimos anos.

Ao lado da perda de dinamismo do consumo, o governo enfrenta o problema da estagnação da produção industrial. A baixa taxa real de juros não consegue estimular a indústria, mas estimula o setor de serviços, que é muito maior do que a indústria e emprega três vezes mais mão de obra. Isso sustenta a taxa de desemprego no mínimo nível histórico, e eleva os salários reais. A indústria fica apertada entre dois polos. Sofre, de um lado, o empurrão de custos gerado pela elevação dos salários, que poderia ser menor caso a produtividade média do trabalhador na indústria estivesse se elevando. Mas, infelizmente, essa produtividade não cresce, e como a indústria é um setor muito aberto ao comércio internacional, enfrenta a competição das importações, que limitam a sua capacidade de repassar os aumentos de custos para preços. Presa entre o aumento do custo unitário da mão de obra e a competição das importações, a indústria vê suas margens se estreitarem, desestimulando a produção, que persiste estagnada mesmo diante das baixas taxas reais de juros.

Câmbio. A solução encontrada pelo governo para enfrentar este problema foi enfraquecer o real. Para que essa ação tenha eficácia, contudo, é preciso que ocorra a depreciação do câmbio real - o preço relativo entre bens comercializáveis e não comercializáveis -, o que significa, em última instância, elevar a relação câmbio/salários. Todas as ações do governo têm sido na direção de gerar aumento dos salários, e não dá indicações de que deseje abandonar essa conduta, porque vê nela uma forma de estimular o consumo.

Ao produzir ao mesmo tempo a depreciação cambial e a elevação de salários, provoca a limitação do crescimento da relação câmbio/salários. Com isso, obtém-se uma depreciação menor do câmbio real, impedindo que haja o ganho pleno de competitividade pretendido, mas colhe-se, em contrapartida, o aumento do risco inflacionário, que é potencializado pela combinação do câmbio nominal mais depreciado com a elevação dos salários. Se insistisse em depreciar ainda mais o real, geraria o crescimento maior da inflação, que somente não ocorre, no curto prazo, devido ao crescimento econômico medíocre.

O terceiro problema é a desaceleração da formação bruta de capital fixo. Para estimular os investimentos, os juros reais vêm sendo reduzidos. Ocorre que os investimentos em capital fixo não dependem apenas da taxa real de juros, mas também, e principalmente, das expectativas de ampliação da demanda futura, da qual depende a taxa de retorno sobre as adições ao estoque de capital fixo. Para estimular os investimentos, é preciso que os empresários visualizem a oportunidade de elevar de forma segura os retornos sobre as máquinas que estão comprando. Significa que têm de estar razoavelmente seguros sobre a ampliação da demanda.

Infelizmente, há três forças reduzindo as expectativas de ampliação de demanda futura. No plano interno, cresceu a percepção de que, por algum tempo, não se poderá atingir a velocidade de crescimento do consumo que ocorreu até recentemente, ao que se soma o desânimo derivado da perda de competitividade da indústria. No plano externo, as incertezas da economia internacional tornam muito arriscadas as apostas na ampliação de capacidade produtiva. Na presença da incerteza e do baixo crescimento do consumo, a redução da taxa real de juros perde eficácia em ampliar a demanda de investimentos.

Em um caso como este, o instrumento para estimular a demanda é a política fiscal. Não nos referimos a essa política fiscal atabalhoada, que reduz um imposto aqui e cria um estímulo acolá, movendo-se ao sabor das pressões que recebe do setor privado, e sim a uma mudança na composição dos gastos públicos. O governo optou por minimizar os investimentos em infraestrutura, dando prioridade às transferências de renda e às ampliações dos gastos correntes, e teria de alterar radicalmente esse padrão de gastos, elevando os investimentos em infraestrutura em proporção aos gastos correntes.

Além de diretamente ampliar a demanda e a capacidade produtiva, geraria externalidades que estimulariam os investimentos privados. Para elevar a potência desse instrumento, deveria atrair maior participação do setor privado nos investimentos em infraestrutura, o que requer ações para a remoção de riscos regulatórios, voltando ao modelo de agências reguladoras que havia sido implantado no governo FHC, e que foi desmontado nos últimos anos. Mais capital privado se somaria ao esforço do governo, e colheríamos uma ampliação dos investimentos em infraestrutura.



O mais provável, no entanto, é que, ao reconhecer que a política monetária perdeu eficácia, o governo seja tentado a pura e simplesmente reduzir o superávit primário. O cuidado que tem de ser tomado, neste caso, é que o Brasil ainda tem uma dívida pública muito elevada, que saiu das manchetes dos jornais nos últimos anos, mas da mesma forma como voltou às manchetes na Europa, pode retornar no Brasil. Por isso, é recomendável que não se abandonem as metas para o superávit primário. Mas em vez de mantê-la rígida, o que faz com que acentue as oscilações cíclicas da economia, deveríamos defini-la no ponto médio do ciclo econômico, reduzindo os superávits em períodos de queda do crescimento, e ampliando-o nas fases de aceleração, transformando-o em um instrumento contra cíclico. O Chile é um exemplo. Antes de qualquer mudança na magnitude dos superávits atuais, o governo teria de estabelecer as regras sobre como fixaria as oscilações cíclicas dos superávits, de forma a evitar a volta da percepção de riscos sobre o crescimento da dívida.

Sobre o abuso sexual - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP -03/06

Coisas ruins acontecem, mas devem e podem ser também superadas, e o estupro é uma delas

Ninguém sabe o que se passa na cabeça das pessoas, mas existem -homens, principalmente- as que têm fantasias sexuais com meninas (ou meninos) muito jovens, sobretudo quando são meninas (ou meninos) bonitas; isso desde que o mundo é mundo, e acontece até no seio da Santa Madre Igreja. Esses, ou procuram pensar em outra coisa, ou cometem abusos, o que é crime hediondo.
Mas qual a diferença entre uma menina e uma moça? Já era assim quando as adolescentes usavam saia pregueada e meia curta. Hoje elas imitam, desde bem novinhas, o que veem na televisão: usam sapatos de saltinho, minissaia, batom e pintam as unhas.
Pedófilos sempre existiram, existem e existirão, mais do que se imagina, mais do que se sabe. São pessoas com desordem mental, e quem não ouviu falar que em regiões mais atrasadas pais tiveram relações com uma ou mais filhas, tendo até engravidado algumas, que se tornaram mães de suas próprias irmãs. Isso acontece no Brasil profundo e também em países altamente civilizados; na Espanha, houve um bando de pedófilos que abusava sexualmente de crianças, até mesmo de bebês. A miséria humana não tem limites.
A sexualidade das pessoas é um mistério; existem muitos homens, mais do que se imagina, que se alteram quando veem uma criança bonita. Acariciam uma perna, dizem que ela é linda, mas não vão adiante por saberem que esse desejo é pecado, é crime, é contra as leis da natureza, como preferirem chamar; alguns não passam disso, pois não chegam nem mesmo a terem consciência desse desejo.
Mas as crianças percebem; não sabem o que está acontecendo, mas quando fogem do abraço de algum amigo do pai ou de um tio, é porque perceberam. Até pelo olhar elas sentem, criança não é boba. Intuem que alguma coisa está errada, mas como não compreendem o que está acontecendo, não falam. Só se fala do que se entende, e acusar uma pessoa próxima da família de algo que elas mesmas não sabem o que é está fora de questão. Têm pudor e sabem que podem ser castigadas, por terem a cabeça "suja".
Cabe às mães e aos pais ficarem atentos, não deixarem suas filhas/filhos em situações de risco, olhar atentamente o que se passa, e desconfiar sempre, sem medo de estar pensando em "maldades", sabendo que essas coisas acontecem nas melhores famílias. Não vivemos em um mundo ideal.
O abuso sexual causa efeito devastador nos que o sofrem, e precisam de apoio profissional, apoio esse que deve ser forte e positivo; só o amor de mãe e pai não é suficiente.
Elas devem aprender a levantar a cabeça e olhar a vida de frente, deixando esse triste momento para trás, no lugar de sofrer por toda a existência; passaram por um péssimo momento, como poderiam ter sido atropeladas ou levado uma facada de um assaltante.
Houve gente que perdeu a família inteira na guerra, ou durante o tsunami, ou nas torres gêmeas de Nova York, ou no terremoto de Tóquio, mas conseguiu superar. Coisas ruins acontecem, mas devem e podem ser também superadas, e o estupro é uma delas.
A condição humana é uma miséria.

Efeito colateral - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 03/06

Mesmo entre os inicialmente mais entusiasmados no PT com o plano do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, já começa a subir às gargantas o gosto amargo do arrependimento e a tomar conta dos espíritos a certeza de que amigo foi quem avisou.

O PMDB alertou, os senadores petistas Delcídio Amaral e Jorge Viana ponderaram: uma comissão parlamentar de inquérito não é arma que se manipule impunemente nem instrumento de maioria, muito menos de governo bem avaliado sem grandes problemas políticos no horizonte, apesar do acúmulo de contenciosos a serem resolvidos na base de sustentação.

Em vez de dar ouvidos aos prudentes, Lula deu corda e o PT embarcou numa aventura que por ora tem rendido mais possibilidades de malefícios que a produção de benefícios ao partido.

Na CPMI criada com objetivo primeiro implícito e depois tornado explícito de "desmascarar" os autores "da farsa do mensalão", o inesperado vem proporcionando reiteradas surpresas ao partido.

Nada tem saído de acordo com o roteiro original.

A previsão era desqualificar o trabalho investigativo da imprensa (revista Veja em particular), embaraçar o Supremo Tribunal Federal à proximidade do julgamento do processo qualificado como farsesco, levar ao patíbulo o procurador-geral da República, que em suas alegações finais acrescentou veemência à denúncia feita pelo antecessor.

Pretendia-se também potencializar a repercussão do envolvimento do senador Demóstenes Torres com a máfia Cachoeira e promover um revide ao governador Marconi Perillo (GO) por ter tornado público o aviso dado ao então presidente Lula sobre a existência de um esquema de cooptação de parlamentares em troca de dinheiro.

A ideia era manter as investigações sobre os negócios da construtora Delta restritas a governos da Região Centro-Oeste de forma que a CPMI assumisse um caráter "periférico".

A "garantia" de sucesso seria a fidelidade dos aliados, cujos interesses avaliavam-se convergentes, e no limite, se tudo o mais desse errado, um acordo com a oposição a fim de que a soma dos fatores resultasse em zero.

E o que PT conseguiu até agora? Da meta, só a convocação do governador de Goiás, mas ao preço de ver um governador do partido (Agnelo Queiroz, do DF) também chamado à CPMI para dar explicações.

O procurador saiu do foco por força do impedimento legal de conjugar o papel de testemunha à função de investigador. A imprensa deixou de ser alvo quando os delegados responsáveis pelos inquéritos que originaram a comissão atestaram a natureza estritamente profissional das conversas entre a Veja e Carlos Augusto Ramos, o Cachoeira.

O intuito de constranger o Judiciário, se de um lado feriu a imagem do Supremo, de outro levou os magistrados a se manifestarem em defesa da máxima celeridade possível ao julgamento do mensalão.

Anomalia estatística - HÉLIO SCHWARZTSMAN

FOLHA DE SP - 03/06


SÃO PAULO - Minha amiga Cláudia Collucci foi ao Rio para o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia e voltou com uma bela reportagem sobre a fórmula para chegar bem aos cem anos de idade.
Não tenho planos de ir tão longe, mas acho que há uma questão anterior sobre a qual médicos raramente se debruçam. Por que precisamos envelhecer, antes de mais nada?
Em princípio, uma vez que as células do corpo se renovam continuamente, não seria impossível em termos bioquímicos manter a mesma performance corporal para sempre. Por que, então, isso não acontece?
Os biólogos Peter Medawar e George Williams oferecem uma explicação. A culpada é a evolução
darwiniana: características que beneficiem o indivíduo mais velho às expensas de fases anteriores tendem a ser extirpadas pela seleção natural.
A razão é muito simples e tem bases aritméticas: uma vez que a morte pode chegar a qualquer instante, seja na forma de uma moléstia infecciosa, seja na de um meteorito desgovernado, são muito maiores as chances de alguém ser jovem do que de ser velho (é mais provável uma pessoa completar um ano de idade do que dez, ou 20 ou cem).
Mesmo que fôssemos imunes a doenças e ao envelhecimento, dificilmente viveríamos para sempre. Com o passar dos milênios, acabaríamos vítimas de algum acidente bizarro que nos decepasse ou esmagasse.
E, na economia evolutiva, seria um erro "enfraquecer" alguém de, digamos, 20 anos, com vistas a facilitar-lhe a vida aos 40. Bastaria essa pessoa dar de cara com um mamute raivoso para que o investimento se perdesse. Assim, genes que fortalecem organismos jovens à custa dos mais velhos são favorecidos pela matemática e tendem a acumular-se no transcurso do tempo.
É esse mecanismo que nos leva a envelhecer e morrer. O que nos afasta da imortalidade, portanto, é uma simples anomalia estatística.

Os amigos da Síria - MAC MARGOLIS


O Estado de S.Paulo - 03/06


Hugo Chávez pode estar debilitado e sua reeleição duvidosa, mas jamais se esquece dos amigos. Presenteia com petróleo governos aliados de Cuba a Argentina, sem se preocupar em receber. Calcula-se que quatro em cada dez barris de petróleo venezuelano já são trocados a base de favores, financiamentos futuros, ou solidariedade com nações irmãs que penduram a conta. Pior para PDVSA, a empresa petrolífera nacional, cuja dívida subiu 40% em um ano, para $35 bilhões.

É o preço da diplomacia chavista que beneficia os aliados mesmo quando compromete os compatriotas. Mas a bondade com a Síria é notável. A estatal venezuelana acaba de enviar seu terceiro carregamento de óleo diesel ao país árabe. A Síria tem bastante petróleo cru, mas carece de combustível refinado para queimar em suas termoelétricas. Os 300 mil barris do aliado latino chegaram ao porto sírio de Banias em boa hora.

Não foi de graça, é bom esclarecer. O ditador Bashar Assad pagou bem e em dinheiro vivo pela energia bolivariana. O mimo de Caracas foi de outra ordem. Ao cumprir o contrato de fornecimento com o governo Assad, Chávez tratou de parceiro legítimo e civilizado um pária internacional. Enquanto o cargueiro Negra Hipólita chegava às águas sírias, milícias ligadas ao ditador Bashar Assad soltaram o terror na cidade de Hula, matando 108 pessoas, 49 delas crianças, segundo as Nações Unidas.A chacina provocou revolta pelo mundo que reagiu com medidas duras. Só esta semana, mais de dez países expulsaram os embaixadores da Síria em inusitada ação combinada da diplomacia global. A repulsa foi geral , menos na Venezuela, onde o comandante Chávez nunca viu um tirano que não chamasse de companheiro. "Estamos dispostos a ajudar", afirma o ministro de Petróleo e Minas, Rafael Ramirez.

Não se pode dizer que Chávez é responsável pela matança de Hula. A quantidade de óleo enviado aos sírios - 600 mil barris até agora - é modesta, mas emblemática. Cada litro de combustível é um aditivo à máquina letal de Assad, ajudando a mover tanques e tropas. O que pensam os sírios do fato de que o óleo que amamenta o terror de Assad chegou abordo do Negra Hipólita, petroleiro batizado em homenagem à ama querida de Simón Bolívar, o libertador latino-americano?

Há dúvidas importantes e divergências honestas sobre o que se deve fazer para estancar a sangria nas ruas da Síria, até mesmo na América Latina. Muitos se preocupam com um desfecho à Líbia, onde a deposição de Muamar Kadafi livrou o povo do jugo de um tirano, mas ameaça levar o país a uma guerra civil.

Impasse. Mas tampouco prospera a solução negociada da Liga Árabe e das Nações Unidas, liderada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e apoiado pelo Itamaraty. O ataque a Hula foi deflagrado enquanto Annan negociava com Damasco um acordo de paz monitorado.

A escalada da violência sacudiu o consenso entre emergentes. Até o ano passado diversos países - liderados por Brasil, Índia e Rússia - insistiam, salomônicos, em denunciar a violência de todos os lados, como se o terror das tropas de Assad se igualasse à reação dos rebeldes maltrapilhos. Ainda alertavam contra os possíveis abusos de uma intervenção intempestiva, que poderia atropelar justamente os inocentes que os intervencionistas pretendem proteger.

Mas os massacres desafiam a diplomacia do deixa-disso. O Conselho de Segurança da ONU, em rara declaração unânime, condenou sem meias palavras a "violência ultrajante" sírio, ainda que hesite em abraçar sanções mais severas. Entre os receosos estão China, Rússia e Brasil. Convém lembrar as palavras de Edward Luck, assessor especial da ONU: "Quando milhares de vidas estão em jogo, precisamos de ação pronta e decisiva", disse. "Postergar a resposta não a torna mais responsável."

Os países latinos resistem a uma ação militar na Síria. Mas silenciar sobre um vizinho que vende petróleo a Assad é jogar às chamas as parcas chances de paz que ainda existam.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 03/06

Holding da JBS compra parte de sócio na Eldorado
A J&F, holding que controla a JBS e que anunciou na sexta-feira sua desistência da compra da construtora Delta, adquiriu a parte do empresário Mário Celso Lopes na Eldorado, empresa de papel e celulose. O negócio foi fechado no dia 15 de maio.

"Mario Celso saiu da sociedade. Compramos a parte dele, de 25%", diz Joesley Batista, presidente da J&F.

"Ele estava minoritário e o histórico dele é investir numa coisa e sair."

Os fundos de pensão Funcef e Petros permanecem na sociedade, segundo Joesley.

Mário Celso confirma a venda, apesar de dizer que "só se vende quando se recebe. E ainda não recebi nada".

Pelo acordo selado entre as partes, conforme forem feitos pagamentos mensais, ações serão transferidas.

"Se eles me derem dez, vou abater mil ações", exemplifica. O empresário diz que um acordo de confidencialidade o impede de informar o valor da transação. Os pagamentos mensais, que começam no próximo dia 15, deverão se estender por dois anos. Mário Celso afirma ainda que sua saída está relacionada a planos da empresa.

"Para abrir capital, ou uma venda, fica mais fácil [com menos sócios]."

A Eldorado já pediu registro de companhia aberta à CVM, o primeiro passo para uma empresa ter suas ações negociadas na BM&FBovespa.

Mário Celso, que se tornou membro do conselho desde a reestruturação ocorrida em novembro, em razão da entrada dos fundos de pensão, diz que tem 16,72% de ações "diretas", além dos 8,28% "que cada um dos quatro sócios possui".

"Combinei tudo com o pai, José [Batista]. Joesley não estava na reunião."

Segundo Joesley, a fábrica de celulose que está sendo construída em Três Lagoas (MS) será inaugurada no dia 13 de dezembro.

Centro de remédio
O grupo Sigla, de distribuição de medicamentos, investirá cerca de R$ 30 milhões para a construção de um centro de distribuição em Contagem (MG).

A unidade, que terá 20 mil metros quadrados de área construída, deve ser inaugurada em setembro para que o grupo comece a operar em Minas Gerais um mês depois.

"Entraremos no Estado primeiramente com a RV Logística, voltada para laboratórios públicos. Em 2013, será a vez da Ímola, que atua com o setor privado", explica o proprietário do grupo, Roberto Vilela.

A partir de julho, a Ímola também iniciará o transporte aéreo de medicamentos para todo o país. "Até o final de 2012, pretendemos faturar R$ 20 milhões com essa iniciativa", afirma Vilela.

Os principais concorrentes do grupo Sigla, que faturou R$ 120 milhões no ano passado, são a Atlas Transporte e a Ativa Logística.

Peixe chileno A ProChile e a indústria de salmão chilena escolheram o Brasil para lançar a marca mundial do produto, na terça. Em 2011, as importações brasileiras do "Salmón de Chile" representaram US$ 282 milhões, valor inferior apenas aos de EUA e Japão.

Móvel novo A Giroflex investirá R$ 8 milhões até o final deste ano para renovar o port-fólio de produtos.

Obra A irlandesa Mantis Cranes fornecerá 11 gruas à construtora Rossi. O preço de cada máquina vai até R$ 300 mil.

Transporte parado
A utilização dos trechos da BR-101 e da BR-116 entre São Paulo e Curitiba supera em 245% a capacidade, segundo estudo elaborado pelas federações industriais dos Estados da região Sul.

A projeção para 2020 é de que a capacidade da BR-116 seja excedida em 470%.

O levantamento faz parte do projeto Sul Competitivo, que mapeia os gargalos de logística da região.

No modal ferroviário, o principal ponto de estrangulamento identificado é o da serra de Paranaguá (PR). O trecho utiliza 90% de sua capacidade na época de safra.

O porto da cidade também enfrenta problemas. A ocupação do berço do terminal de contêineres está em 90%. O tempo de espera para atracação chega a ser de 16 dias.

O gargalo do setor aéreo é mais acentuado em Santa Catarina. "Não temos aeroporto que faça carga internacional", diz Mario Cezar de Aguiar, da Fiesc.

Pequenos na cozinha
A Bunge Brasil abriu em São Paulo um centro de capacitação para clientes do mercado de alimentação.

O espaço, que pode atender cem pessoas por dia, tem 800 m² e quatro cozinhas profissionais para panificação, confeitaria e outros.

A meta é levar os centros a mais oito capitais até 2015. Já há uma unidade no Rio.

"O setor é grande. Só restaurantes e pizzarias são mais de 1,3 milhão", afirma Gilberto Tomazoni, vice-presidente da companhia.

A venda de máquinas de salgados, como coxinha, reflete a alta de pequenos e médios empresários, segundo Gilberto Poleto, da Abimaq. "As classes B e C fazem mais festas, em bufê ou em casa."

"Cerca de 53% dos meus clientes são pequenos fabricantes, salgadeiras e doceiras", diz Poleto, que é também presidente da Bralyx, de máquinas para alimentos.

Mulheres... Em até seis anos, o número de corretores de imóveis será dividido igualmente entre os sexos, segundo o Sistema Cofeci-Creci (conselho do setor). Em 1995, a presença feminina era de 8,3%. Em 2011 passou para 33%.

...em ação Até o momento, todas as regiões brasileiras ainda refletem a maioria masculina. Somente Norte e Nordeste apresentam participação feminina acima do percentual nacional, com cerca de 40% do total da categoria.

A crise muda de patamar - CELSO MING


O ESTADÃO - 03/06


A crise do euro está mudando de qualidade. Já não se trata apenas do sufoco provocado pelo endividamento excessivo dos Estados soberanos, do desemprego recorde e da paradeira geral que asfixia o setor produtivo. Passou a ser a crise dos bancos. O incêndio se aproxima dos paióis de dinamite.
A corrida aos depósitos e às aplicações financeiras ainda é relativamente pequena. Na Espanha, que perdeu quase 100 bilhões de euros em capitais estrangeiros só no primeiro trimestre deste ano (veja o gráfico), não chega a 2% dos saldos. Mas já é suficientemente relevante para preocupar. Mostra que o processo de contágio está avançando para as economias grandes.
Há turbulência, mas não há pânico. Essa ausência, no entanto, não tranquiliza. A aceleração dos saques mostra que o nível de desconfiança subiu a ponto de colocar em risco a saúde de algumas instituições financeiras.
Os administradores de patrimônio não temem apenas o desemprego que, na Espanha, alcança uma em cada quatro pessoas que integram a força de trabalho e um em cada dois jovens com até 25 anos. Tem medo da insolvência dos bancos e do derretimento do seu patrimônio financeiro, caso algum país abandone o euro e volte à moeda nacional.
O que mais importa já não retomar o crescimento econômico - bandeira eleitoral do recém-empossado presidente da França, François Hollande. Tampouco criar um mecanismo firme e automático de socorro a economias subitamente incapacitadas de honrar seus compromissos. O mais urgente é tomar decisões que garantam a sustentação do sistema financeiro. Se um único grande banco afundar, será muito difícil evitar a desestruturação desordenada de toda a área do euro.
Foi esse quadro que levou o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, a advertir na quinta-feira que a estrutura do euro está ficando insustentável. Essa é, por si só, uma declaração grave demais, feita pelo principal guardião da moeda. E ele fez também a mais contundente crítica à letargia das autoridades do euro desde sua posse em novembro. Afirmou que as meias medidas e os adiamentos sucessivos de decisões por parte dos chefes de governo vêm agravando a situação.
Sexta-feira, os bancos da Alemanha rejeitaram todas as propostas na direção de uma centralização da atividade financeira e da criação de esquemas conjuntos de garantias bancárias, destinadas a evitar a corrida aos depósitos e o colapso do sistema financeiro da área.
Mas parece inevitável que sejam tomadas atitudes que acelerem a recapitalização dos bancos mais expostos, que protejam os correntistas e que garantam supervisão bancária centralizada que se sobreponha à dos organismos nacionais encarregados dessa função.
Os bancos são instituições frágeis. Tomam emprestado a curto prazo e reemprestam os mesmos recursos a longo prazo. Uma forte anomalia, como a quebra de um elo do sistema, pode provocar uma catástrofe. Se esse início de corrida aos bancos não for imediatamente estancado, pouco adiantarão providências destinadas somente a tirar a economia da recessão.

Avôs - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 03/06

Fila de banco. Dois senhores com ar distinto, um atrás do outro. Os dois engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota um desenho colorido nas costas da mão do senhor da frente e pergunta:

– Neto?

– Neta – diz o outro.

– Eu também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão.

– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela?

– A minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário.

– Não aceitam críticas.

– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo?

– Elas ficam bravas.

– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta?

– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte.

– A sua pinta, o seu rosto também?

– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela.

– A minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto.

– Não é formidável?

– É fantástico.

– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui...

– Elas são maravilhosas...

– Mas depois crescem.

– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato...

– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?”

– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”.

– Vamos ter que pedir por favor.

– E elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas...

– A verdade é que ser avô dura muito pouco.

– Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que desbote.

– Como uma pintura na mão.

– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre.

– Vou lá. Muito prazer, viu?

– Prazer.

GOSTOSA


PIB recua e governo se atrasa - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 03/06


Esperava-se um PIB no trimestre de 0,5% sobre o anterior e veio 0,2% . Em 12 meses, apenas 1,9%. E nada indica que tenha havido sinais de recuperação em maio. Não há dúvida de que as medidas adotadas até agora para estimular a economia foram tímidas, não deram ainda resultados sensíveis e as que se anunciam estão atrasadas. Fala-se nelas em Brasília há quase um mês.

O ministro da Fazenda afirma que o segundo semestre vai ser melhor. O primeiro foi ruim porque a agricultura e a área de minérios recuaram, principalmente, por questões climáticas. O presidente do Bando Central admite que a recuperação do PIB foi "bastante gradual".

Mas esse ritmo lento de 0,2% indica uma recessão técnica, dois trimestres negativos. Tudo indica que o segundo trimestre já está perdido, mesmo porque o Ministério da Agricultura informou que a safra agrícola que havia recuado 8,5% nos três primeiros meses do ano, vai ser ainda menor. O resultado negativo do trimestre não incorporou a queda da safra de grãos provocada pela seca no Nordeste. Feijão, menos 42%; o milho, menos 59%, só no Ceará.

Mais um trimestre perdido. Maio se foi, junho está aí e mesmo que não se contem apenas os meses, temos um ano ruim, muito ruim, que, se atente para isso, pode piorar com o inevitável agravamento da crise financeira na zona do euro, onde a fuga de capitais chega a níveis assustadores.

Uma leitura atenta dos dados do IBGE mostra o caminho a seguir a partir de agora pelo governo. Só três setores impediram que o PIB fosse ainda pior: gastos do governo, indústria e, principalmente, consumo das famílias, que continua crescendo 1%. O setor mais negativo continua sendo o de investimentos, que caiu 1,8% . É o pior resultado desde a recessão de 2009.

Demônios revisitados. Isso mostra que é hora de chamar os "demônios" dos investimentos externos de volta. Como o setor privado não reage, como o governo não investe - não por falta de recursos, mas porque a máquina parou -, resta atrair de novo os capitais que antes foram rejeitados porque estavam valorizando excessivamente o real. O tsunami foi contido com mais imposto sobre aplicações de curto e médio prazos. Funcionou, mas esses investimentos em carteira, voláteis por natureza, caíram de US$ 17,4 bilhões no primeiro quadrimestre de 2011 para apenas US$ 3,2 bilhões neste ano, segundo dados do Banco Central.

E viva os demônios. Outro demônio a ser chamado de volta são os gastos do governo, que impediram um PIB negativo no primeiro trimestre. Antes, era cortar tudo para aumentar o superávit primário e dar espaço ao corte dos juros. Pois os juros caíram a níveis reais históricos, e a economia não reagiu. O governo cortou R$ 50 bilhões, reinjetou R$10 bilhões, o superávit primário chegou a 3,3% do PIB e nada. Agora, pede-se não mais gastos, mais liberações urgentes em investimentos e mais injeção de dinheiro na economia.

O que os números desanimadores do PIB do primeiro trimestre revelam é que falta injetar mais liquidez, mais recursos na economia para evitar um PIB negativo no segundo trimestre, que se apresenta igualmente recessivo. Mais gastos das famílias, mais desembolsos imediatos do governo, menos impostos e mais facilidades para atrair investimentos externos, abrindo os mares para tsunamis bem-vindos.

Lá fora só se afunda. São medidas cada vez mais urgentes porque o cenário externo aponta para o pior. Os EUA recuam no tímido crescimento de apenas alguns pontos porcentuais, a China desacelera rapidamente e a da zona do euro chegou à implosão. O presidente do BCE, Mario Draghi, afirmou dramaticamente no Parlamento Europeu que " a situação é insustentável ". E isso, um dia depois de a Espanha ter admitido uma fuga nos bancos do país de 100 bilhões em três meses. Em um ano, 200 bilhões. Vai precisar de 500 bilhões para não quebrar.

Que venham. Nesse cenário, os investimentos que hoje rejeitamos estão deixando de vir. Não é só uma consequência do quadro internacional altamente negativo. O desafio é interno. Ou se estimulam gastos, investimentos e demanda interna, ou podemos ter um PIB negativo no segundo trimestre, mesmo porque não se poderá de novo contar com a agricultura. Ela sofre os efeitos da seca e da retração dos preços no mercado internacional.

Será que devemos ir ao espaço? -MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 03/06

Impedir a exploração humana do espaço é ir contra a história; somos exploradores por natureza 


Já que na semana passada escrevi sobre como alienígenas ultra-avançados seriam indistinguíveis de deuses, hoje queria ir na direção oposta e explorar o nosso papel como exploradores cósmicos. O assunto foi inspirado pela missão sensacional do módulo Dragon, da empresa SpaceX, o grupo privado que na semana passada acoplou pela primeira vez uma cápsula à Estação Espacial Internacional, inaugurando uma nova era na corrida espacial.
Existem duas escolas de pensamento no que tange a nosso papel na exploração espacial. Membros da primeira argumentam que, do ponto de vista de custos e rapidez de resultados, missões robóticas são de longe melhores. Os sucessos até aqui são mesmo notáveis: por exemplo, a exploração dos planetas gigantes do Sistema Solar (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) pelas missões Voyager 1 e 2 e, mais recentemente, as missões Galileu e Cassini; os veículos de exploração de Marte, guiados por controle remoto daqui da Terra, e a nova missão que deve chegar lá no dia 6 de agosto, com um veículo de exploração bem maior do que seus antecessores. Exemplos não faltam, provando que podemos aprender enviando máquinas ao espaço. É bem mais barato do que enviar humanos e ninguém corre risco de morte.
A segunda escola defende que humanos precisam ir ao espaço. É nossa prerrogativa enquanto espécie inteligente, nosso mandato cósmico. As crianças adoram a ideia de explorar o espaço e muitos se interessam por ciência por causa disso.
Na prática, ter humanos in situ é muito eficiente, pois não só improvisamos como não somos bloqueados por pedras ou sofremos dano em painéis solares e antenas. (Se bem que nosso equipamento pode sofrer esses e outros danos.)
Existem muitas razões para enviar humanos ao espaço, algumas científicas e outras mais românticas. Devemos agora adicionar "dinheiro" entre elas, já que se pode ganhar muito com a exploração privada do espaço -mineração, pesquisa, projetos governamentais, turismo e outros. O grupo SpaceX, por exemplo, tem um contrato de US$ 1,6 bilhão com a Nasa para entregar equipamentos à Estação Espacial Internacional.
Idealmente, a resposta deveria combinar as duas posições: robôs são necessários, pois podem ir aonde não podemos, realizar tarefas para nós impossíveis e nos poupar de riscos desnecessários. Por outro lado, impedir a exploração humana do espaço é ir contra a história da nossa espécie. Somos exploradores por natureza, muitas vezes sem nos importar com os riscos.
Tenho certeza que, se um programa desenvolvesse uma viagem apenas de ida a Marte, não faltariam voluntários dispostos a chegar lá para serem imortalizados pela história da humanidade e para manter nosso expansionismo vivo.
Difícil imaginar que nosso futuro não será no espaço e que, dentro de alguns milhões de anos, não seremos nós os colonizadores de boa parte da galáxia. Pode até ser que encontremos "outros" pelo caminho -se bem que seu silêncio até aqui parece indicar sua raridade ou sua ausência (ou falta de interesse na nossa espécie). Já que, com tecnologias atuais, a viagem até a estrela mais próxima demora uns 100 mil anos, é bom começarmos logo.

Força estranha - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 03/06

Especialista em legislação eleitoral, o ministro José Antonio Dias Toffoli (STF) pediu vista há 40 dias do processo em que o PSD reivindica, no TSE, direito a recursos do Fundo Partidário. O partido calcula que, se vencer a causa, terá perdido R$ 4 milhões com a demora. Sem essa questão decidida, o PSD também está fragilizado nas negociações para a composição de chapas e alianças nas eleições municipais, pois o seu direito a tempo de propaganda na TV está no limbo.

Energia mais barata
Depois de comprar briga com os bancos pela queda dos juros, a presidente Dilma está decidida a baratear a conta de luz dos consumidores. Ela pediu aos ministérios de Minas e Energia, Fazenda e Desenvolvimento que reduzam os 42% de impostos que incidem sobre o preço da energia elétrica. Os estudos feitos mostram que os impostos em países que competem com o Brasil, como China e Argentina, são bem mais baixos. Ao baratear a conta de luz, o governo quer garantir mais produção e folga no orçamento doméstico. A redução do custo ao consumidor será o critério prioritário nos leilões de renovação das concessões.

Será que o Lula sabia que o Duda Mendonça recebeu pagamento numa conta no exterior?” — Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais, em defesa do governador Marconi Perillo (GO)

ROMPER A INÉRCIA. 
Atento à evolução da crise econômica internacional, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ex-ministro da Fazenda, avalia que está na hora de a presidente Dilma estabelecer uma meta de crescimento realista. Para isso, defende a adoção de um choque de desburocratização que seja capaz de aumentar o nível do investimento público, pois “há setores do governo que têm dinheiro em caixa e não conseguem investir”.

Confiança
A cúpula do PSDB continua firme ao lado do governador Marconi Perillo (GO). A despeito das recentes revelações, de que empresas- fantasmas pagaram despesas de sua campanha, dizem que Perillo continua muito seguro e sereno.

Preparação
O governador petista Agnelo Queiroz (DF) pediu toda a documentação em poder da CPI para se preparar para seu depoimento, no dia 13. Solicitou ainda que seu advogado acompanhe todas as sessões da comissão, inclusive as secretas.

Novo ministro do STJ
A presidente Dilma define nos próximos dias o novo ministro do STJ. Os nomes mais fortes da lista são: o acriano Sammy Barbosa, que tem o apoio do advogado do contraventor Carlinhos Cachoeira, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, do governador do Acre Tião Viana (PT) e do senador Jorge Viana (PT); e o paranaense Sérgio Luiz Kukina, candidato do futuro presidente do STJ, ministro Felix Fischer. O terceiro nome é José Eduardo Sabo, do Ministério Público (DF).

O foco
Nem o imbróglio entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes (STF) nem a CPI do Cachoeira tiram o sono da presidente Dilma. Sua única preocupação é com a evolução da crise internacional e seu impacto no Brasil.

Apoio militar

O ministro da Defesa, Celso Amorim, irá à Comissão da Verdade nesta segundafeira. Foi convidado pelo coordenador, ministro Gilson Dipp (STJ), para tratar da colaboração das Forças Armadas e reafirmar que não haverá revanche.

OS GOVERNISTAS começam a reclamar da atuação do presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), e do relator, deputado Odair Cunha (PT-MG). Dizem que Vital não tem pulso e que Odair lavou as mãos.

NA OPOSIÇÃO,
 surgem críticas à atuação do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Alegam que ele não age de forma coletiva e que só se preocupa com sua imagem.

A CÂMARA
 dos Deputados divulgará só os vencimentos brutos dos servidores, evitando expor contracheques com pagamentos de pensão alimentícia e crédito consignado.

Novas leis antigas - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 03/06


Mais do que um episódio melancólico de desencontro sobre orientações relativas ao meio ambiente, o conflito sobre o novo Código Florestal esconde as consequências do que foi uma decisão política do passado. Refiro-me à Lei de Terras, de setembro de 1850, que configurou o moderno direito de propriedade no Brasil. Tinha por objetivo criar dificuldade ao livre acesso à terra, no mesmo momento em que a cessação do tráfico negreiro e a substituição dos escravos por trabalhadores livres punha em risco a agricultura de exportação por falta de mão de obra. Forçava uma escassez artificial de terra, que só poderia ser obtida mediante compra, mesmo ao Estado. Ao impedir trabalhadores livres e escravos libertos de terem acesso livre à terra, forçava-os a trabalhar antes na grande lavoura alheia para formar pecúlio e, só então, ter condições de se tornarem proprietários. A lei criou, desnecessariamente, um direito absoluto de propriedade ao transferir para os particulares, além da posse útil e econômica, o domínio sobre a terra, que até então era do Estado. O debate sobre o Código Florestal é um desdobramento remoto dessa lei.

Na tradição portuguesa, que passou ao Brasil, o domínio da terra era do rei, isto é, do Estado, o que lhe permitia regular e administrar a distribuição de terras, mas também sua arrecadação em caso de que o beneficiário não lhe desse uso econômico. A terra concedida, unicamente a quem fosse livre, podia cair em comisso e retornar ao domínio do Estado, para ser novamente distribuída a quem dela fizesse efetivo uso. Essas concepções foram formalizadas na Lei de Sesmarias, em 1375, que teve vigência no Brasil até julho de 1822, pouco antes da Independência, até que nova legislação definisse um novo regime de propriedade, o que só ocorreria em 1850.

A Lei de Sesmarias era também uma legislação ambiental no sentido em que se pode aplicar essa palavra ao Brasil Colônia. O concessionário de terra não era o dono, o dono era o rei, o Estado. Determinadas árvores nela existentes, de especial interesse econômico, permaneciam sob domínio do rei, as chamadas, justamente por isso, madeiras de lei, que só podiam ser cortadas para uso determinado, mediante autorização oficial. O capitão do mato era, originalmente, fiscal florestal, que também caçava escravos fugidos que encontrasse nas matas.

Os efeitos da Lei de Terras foram agravados com a proclamação da República e a transferência das terras devolutas aos Estados, o que acelerou sua distribuição e mesmo a grilagem com base em títulos falsificados de propriedade, disseminando-se uma delinquência fundiária que perdura até hoje. Nesse desregramento, em pouco mais de 50 anos o Estado de São Paulo perdeu a maior parte de suas florestas, supostamente para ampliar a produção do café, então nosso mais importante produto agrícola de exportação. A loucura se refletiu rapidamente na superprodução de café e no declínio dos preços, o que, associado a outras crises econômicas, levou à devastadora crise de 1929, que vitimou aqui fazendeiros e trabalhadores.

Lentamente, medidas foram sendo acrescentadas à legislação brasileira para atenuar o caráter absoluto do direito de propriedade inaugurado em 1850 e agravado com a Constituição republicana de 1891. Nas leis, aos poucos vinga o pressuposto da utilidade pública e do interesse social. Medidas começaram a ser tomadas para devolver ao Estado o domínio sobre o território, seja para cumprir funções econômicas, seja para cumprir funções sociais.

A primeira delas foi a do Código de Águas, de 1934, que limitou o direito de propriedade da terra em relação às águas nela existentes, no solo e no subsolo. O Código de Minas, de 1940, acrescentou restrições ao direito de propriedade e restituiu ao domínio do Estado a parte do solo e do subsolo que contivesse minerais. Na Constituição de 1946 foi instituído o pressuposto do interesse social na desapropriação para cumprimento do princípio da função social da propriedade, embora os constituintes tivessem estabelecido o freio da indenização prévia e em dinheiro, o que inviabilizava a reforma agrária. Em 1964, com a aprovação do Estatuto da Terra e a reforma agrária baseada na desapropriação para esse fim específico, mediante indenização com títulos da dívida pública, o Estado mais uma vez sobrepôs o bem comum ao interesse privado. Novas restrições ao direito de propriedade foram adotadas pelo Código Florestal de 1965. E, nestes dias, a aprovação da PEC que institui o perdimento da propriedade em que for descoberto o uso de trabalho escravo acrescentou um pressuposto moral explícito ao instituto da função social da propriedade.



A adoção de um novo e permissivo Código Florestal, baseado no primado dos interesses privados, é esforço para conter e restringir a tendência histórica de ampliação tanto dos direitos e responsabilidades do Estado, na tutela do chamado bem comum, quanto dos direitos sociais, no marco da função social da propriedade.

Vai ter acareação? - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 03/06


Ainda não entendi tudo do noticiário sobre o suposto encontro do ex-presidente Lula com o ministro Gilmar Mendes, em que eles teriam tido uma suposta conversa em que Lula supostamente teria pedido a interferência do ministro para um suposto adiamento do julgamento do suposto mensalão e, para supostamente evidenciar que tinha argumentos persuasivos, supostamente lembrou uma suposta viagem do ministro a Berlim, supostamente custeada por um contraventor, alegação supostamente desmentida de pronto pelo ministro. Nenhuma cautela é dispensável nestas matérias delicadas, pois se sabe que, entre nós, quando os implicados num ilícito qualquer são graúdos, quem costuma arrostar as penas da lei são os boys que carregaram a papelada delinquente e a estagiária da assessoria de comunicação. De repente resolvem pegar um escritor, melhor precatar-me. Manda a prudência supor tudo, pois nada foi provado e bem pode ser que continuemos supondo pelo resto da existência.

Essas questões de verdade ou mentira, como tudo mais, são muito relativas. Diz-se que o tempo é o senhor da verdade e que, com o passar dos anos, ela aparece, mas tenho minhas dúvidas. Por exemplo, Tiradentes, que viveu no século 18, ou seja, faz um bom tempinho, está sendo bastante desancado na internet, denunciado como impostor. Outro homem (imagino que, nesse caso, deve ter sido o varredor da rua onde os conspiradores se reuniam, o qual, sem querer, teria ouvido conversas subversivas) teria sido enforcado em seu lugar e ele teria ido morar em Paris. Bem verdade que na internet se desanca todo mundo e o estilo de crítica costuma ser truculento, mas até Tiradentes levar cacete eu sinceramente não esperava mais. De alguma forma, por exemplo, Tiradentes arriscou a vida porque o governo metia a mão num tal quinto, imposto que, pelo nome, devia ser bem menor do que o Half&Half que hoje pagamos, e do qual tão desmesurada proporção vai para o bolso de ladrões e aproveitadores, ou desce pelo ralo da incompetência e da incúria. Diferentemente dele, não arriscamos nada, vamos pagando, sem tugir ou sequer mugir.

Sou do tempo do latim no curso médio e do regime decoreba, de maneira que às vezes lembro frases latinas sentenciosas que, mais tarde, a gente usava na faculdade, para tentar enrolar o professor de Direito Romano. "Nimium altercando veritas amittitur", dizia uma delas. Acho dá para traduzi-la como "Muita discussão acaba por afastar a verdade". Posso ter saído um pouquinho do original, mas o sentido é este (cartas de latinistas indignados para o editor, por caridade). Pois é, acaba havendo tanta discussão, tantos argumentos incidentais, tantas alegações, interpretações e distorções deliberadas, que ninguém, talvez nem os próprios personagens, sabe mais qual é a verdade.

A própria verdade "pública", a verdade, digamos oficial, varia bastante. Para isso contribuem estatísticas fajutas, que, com a maior cara de pau apresentam fatos meramente concomitantes como se tivessem uma relação de causa e efeito, maquilam porcentuais e gráficos e fazem afirmações equivalentes a "100% das pessoas que morreram de câncer no ano passado beberam água". E contribuem também as conclusões "científicas", baseadas em ciência tão multifacetada que se desdiz a cada instante.

A verdade oficial, pelo menos para as inteligências, digamos, comuns, é um pouco difícil de apreender. Os exemplos estão em toda parte. Como essa conversa do dólar, por exemplo. Passamos meses ouvindo os apresentadores de telejornais explicando, quase todo dia, que o Banco Central comprou zilhões de dólares, para conter a alta da moeda americana. Um economista sombrio assevera que o ideal para o País seria o dólar em torno de dois reais. Os exportadores, bastião da economia, dizem que não suportam mais a pungente situação. Aí o dólar baixa praticamente no dia seguinte e, com a mesma entonação neutra, o apresentador lê a notícia de que o Banco Central vendeu zilhões de dólares para conter a alta. A indústria, importadora de máquinas e equipamentos, também bastião da economia, diz que não aguenta mais a sufocante conjuntura. E outro economista soturno diz que assim não dá. Que diabo, é pra baixar ou pra subir? Ou é para o Banco Central bulir no sintonizador, como nos rádios de antigamente, e sintonizar micrometricamente o dólar? A suspeita clara é de que o problema não está propriamente na cotação do dólar, mas na estranha circunstância de que, aqui, aparentemente, o que é bom para a economia é ruim para a economia e o que é ruim para a economia é excelente para a economia. Tenho certeza de que acabo de manifestar deplorável ignorância em matéria econômica, mas, que se há de fazer, não tive a mesma formação do pessoal do Lehman Brothers e de tantas instituições financeiras que foram à bancarrota - eles erraram, claro, mas com renomada competência.

Como disse, ainda não sei direito a quantas anda o problema de Lula com o ministro. Mas sei o suficiente para ver que as nossas instituições foram agredidas por um evento indecoroso e desprimoroso. Ou seja, escândalo compondo escândalo. Estarrecedor e mesmo inacreditável em qualquer democracia, é gravíssimo e denuncia vícios intoleráveis, no funcionamento das instituições. Contudo, os dois são inocentes, até que seja provada sua culpa, conforme gostava de dizer o então presidente Lula. Mas a solução é fácil. A seriedade do problema e o respeito de que é credora a nação, pelos que foram, são e pretendem continuar ou voltar a ser seus governantes, deveriam impor que os personagens principais fossem acareados diante do Congresso, ou em cadeia nacional de televisão - afinal têm a inarredável obrigação de merecer a confiança da sociedade. Realizar a acareação devia ser um direito nosso. Pode-se argumentar que é recurso para pegar mentirosos. Bem, não é isso mesmo?

'Noite em claro' - MARTHA MEDEIROS


O GLOBO - 03/06

A maioria das pessoas admite ter alguma dificuldade para dormir. Ou elas custam a pegar no sono, ou então dormem assim que desligam o abajur, porém, acordam no meio da madrugada, por nada. Fazemos parte de uma confraria que preza suas cinco a sete horas de descanso (oito é para afortunados), mas que não apaga profundamente como deveria, a não ser com a ajudinha de um Rivotril ou similar. Se é ansiedade, excesso de preocupação ou herança genética, problema para os especialistas ajudarem a resolver. Eu não posso me queixar, durmo cedo e rápido. Mas como se viram os insones clássicos?

Abraham Lincoln realizava caminhadas noturnas, Groucho Marx ligava para estranhos e os insultava, Cary Grant recorria à hipnose, Charles Dickens tinha que posicionar a cabeça para o Norte e Marilyn Monroe se entupia de comprimidos - exagerou, como se sabe.

Já os reles mortais leem enquanto o sono não vem.

No entanto, sei de uma mulher que, em vez de ler, resolveu escrever um livro durante uma noite chuvosa. Nunca havia escrito nada antes. Fez um pacto consigo mesma: enquanto a chuva não parasse, ela não pararia de escrever - e como choveu a madrugada inteira, a cântaros, ela passou a noite em claro, com tempo mais que suficiente para fazer um inventário de sua vida amorosa e sexual, que não tinha nada de vitoriana, como a obra de Dickens, nem de engraçada, como a de Groucho Marx. Era a história de alguém que raramente conseguiu conciliar amor e sexo numa mesma relação, e resolveu por bem escolher entre um e outro. Escolheu o sexo.

O nome dela? Não sei. Não tem. É uma personagem que inventei. Escrevi essa história em 2003 ou 2004. Uma ficção curtíssima que nunca foi publicada, nem teria onde, sendo tão enxuta. Pois bem: depois de eu fazer essa personagem povoar uma madrugada inteira com suas lembranças de amores imperfeitos (todos são), calei-a. Coloquei o ponto final na obra e deixei essa mulher descansar. Ela ficou dormindo dentro do meu computador por cerca de nove anos. Esqueci dela. Até que o Ivan Pinheiro Machado, meu editor, comentou que a L&PM estava lançando uma coleção de bolso chamada "64 Páginas", só para textos breves. Era a chance que eu tinha de deixá-la sair do seu quarto escuro. Acordei-a, dei uma revisada em suas confissões ora melancólicas, ora picantes, e agora ela vai pra rua.

"Noite em claro" já deve estar nas livrarias, supermercados e farmácias, a um preço megapopular: cinco reais. Ideal para deixar na mesinha de cabeceira, ao lado da cama, para o caso de o sono não vir. Mas espero que a leitura seja tão dinâmica que não permita que você pregue os olhos antes do fim.

Inflamável - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 03/06
Mapeamento de contas eleitorais de personagens investigados pela CPI do Cachoeira aumenta a suspeita de caixa dois irrigado pela Delta para favorecer políticos. Durante a campanha de 2010, Demóstenes Torres (GO) pagou R$ 165 mil ao Auto Posto T-10, que recebeu no mesmo período R$ 98,7 mil da Alberto e Pantoja, apontada como laranja da construtora pela PF.

A Pantoja também abasteceu outras empresas e repassou dinheiro a pessoas físicas ligadas a campanhas, entre elas a de Edna Alves dos Santos (PMN), que não se elegeu deputada estadual. Em 2011, Edna virou secretária do governo do tucano Marconi Perillo.

Outro lado A defesa do senador afirma que não vê irregularidades no pagamento da campanha ao posto. A assessoria do governador goiano informou que Edna deixou o governo em abril e hoje é vereadora em Luiziânia (GO).

Linha... A CPI do Cachoeira se dedicará a 20 pessoas com foro privilegiado, já divulgadas na lista de 82 nomes apresentados pelo delegado Matheus Mela, responsável pela Operação Monte Carlo.

...de corte A comissão identificou a existência da "bancada do Cachoeira", que tenta ampliar as investigações para o âmbito nacional. Congressistas foram informados ainda de que o material de busca e apreensão da Monte Carlo comprometeria Agnelo Queiroz (DF).

Alerta As novas revelações sobre a conexão Perillo-Delta-Cachoeira alarmaram a cúpula do PSDB, que até então defendia o governador incondicionalmente. "Acendeu a luz amarela", admite um dirigente nacional da sigla.

Assepsia A rotina do presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), chama a atenção dos colegas. Alheio à efervescência dos trabalhos, ele se ausenta do Congresso no horário do almoço. Em casa, toma banho e troca de roupa. O senador pensou até em instalar chuveiro no gabinete, mas desistiu.

Na área O ministro Gilmar Mendes tem viagem prevista ao exterior este mês para agenda da Comissão de Veneza. Mas avisou a interlocutores que, caso o relatório do mensalão seja entregue a tempo de o julgamento ocorrer neste semestre no STF, cancelará o compromisso.

Doação Daniel Dantas engordou a conta de R$ 51 milhões amealhada pelo PT em 2011. Uma agropecuária de sua propriedade doou duas parcelas de R$ 500 mil, a primeira delas três semanas depois de o STJ ter anulado as provas contra o banqueiro.

Tipo O negativo Ana Maria Gontijo, mulher do empresário José Celso Gontijo, repassou R$ 600 mil ao PT no ano passado. Ele foi implicado no mensalão do DEM. Em 2010, Ana Maria já havia doado R$ 8 milhões ao PSDB.

Redução... Após o escândalo que derrubou a cúpula do setor de aprovação de empreendimentos da prefeitura paulistana, Gilberto Kassab planeja aumentar o controle sobre alvarás, reduzindo o poder de servidores.

...de danos Uma das propostas à mesa do prefeito prevê ampliação do licenciamento eletrônico condicionado, hoje vigente para terrenos de até 1.500 metros quadrados. Substituto de Hussain Aref Saab no cargo, Alfonso Orlandi implantou o modelo nas subprefeituras.

Centralizado Geraldo Alckmin anunciará amanhã a transferência da Defensoria Pública, do Comitê da Copa, do Poupatempo e da Agência de Habitação para prédio recém-adquirido na rua Boa Vista, centro de São Paulo.

Tiroteio

Guido Mantega acertou ao dizer que o 'Pibinho' é apenas imagem no retrovisor. Só se esqueceu de complementar que a política econômica engatou marcha a ré.

DO DEPUTADO FEDERAL RONALDO CAIADO (DEM-GO), sobre o crescimento de 0,2% do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre ante o último quarto de 2011, patamar inferior às projeções do governo.

Contraponto

Mundo animal


Em solenidade na qual Gilberto Kassab sancionou, anteontem, a doação de área ao Instituto Lula, o vereador paulistano Dalton Silvano (PSD) discursava, relembrando que um tio trabalhara com o ex-presidente na fábrica da Villares, em São Bernardo do Campo. -Inclusive, presidente, ele me dizia que seu apelido naquela época era tartaruga!

Lula prontamente interrompeu:

-Você está enganado. O meu apelido era taturana. Tartaruga, na verdade, era o Suplicy...