segunda-feira, março 05, 2012

Assim não dá para negociar - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

E-mails revelados pelo WikiLeaks insinuam propinas e conchavos na escolha dos caças da FAB

Duda Teixeira

Fundada em 1996, a Stratfor é a principal agência privada de inteligência do mundo. Respeitada e com uma rede de milhares de informantes, ganhou o apelido de "Sombra da CIA", em referência ao serviço secreto americano. A companhia vende relatórios com análises geopolíticas e previsões. Também realiza investigações por encomenda de empresas e de entidades públicas. Na semana passada, os bastidores da relação da Stratfor com seus informantes e clientes foram expostos pelo sire WikiLeaks, comandado pelo australiano Julian Assange - aquele que espera extradição da Inglaterra para a Suécia por crimes sexuais. Em sua página de internet, Assange começou a publicar 5 milhões de mensagens de e-mail trocadas entre profissionais da Stratfor de julho de 2004 a dezembro de 2011. Os arquivos teriam sido roubados pelo grupo hacker Anonymous, que admitiu ter invadido os computadores da Stratfor no fim do ano passado. Redigidas em linguagem mais informal que a dos telegramas escritos por diplomatas americanos divulgados em 2010 pelo site, as mensagens sugerem táticas ilícitas usadas pela Stratfor, como o suborno de militares e integrantes de serviços de inteligência estatais e o suposto caso de uma atraente analista que teria feito sexo para obter informações. George Friedman, fundador e diretor da Stratfor, disse que alguns e-mails tiveram o conteúdo alterado, mas recusou-se a comentar quais.

A mensagem mais controversa sobre o Brasil é de outubro de 2010 e versa sobre a compra de 36 caças para a Aeronáutica, uma decisão que pode chegar a 10 bilhões de reais e se arrasta desde 1998. O governo brasileiro ainda não se decidiu se opta pelo Rafale, da França, pelo F-18 Super Hornet, dos Estados Unidos, ou pelo Gripen, da Suécia. No e-mail em questão, o analista Marko Papic diz ter conversado com um diplomata americano responsável pela cooperação econômica com o Brasil sediado no Rio de Janeiro, e não identificado. A correspondência começa tratando da compra de submarinos nucleares franceses, anunciada pelo governo brasileiro em 2008, para só então chegar à trama central. "Olhe, a Marinha brasileira é uma m... O desejo de ter submarinos nucleares não faz sentido. O fato de eles quererem o Rafale e o Gripen é uma piada também. O F-18 é a melhor máquina", afirma o funcionário anônimo citado por Papic.

Um ano antes desse e-mail, o presidente Lula havia declarado, durante uma visita do presidente francês Nicolas Sarkozy, que o Brasil compraria os caças Rafale, fabricados pela Dassault. Alguns meses depois, a licitação brasileira referente aos caças ficaria embolada quando um relatório da Força Aérea Brasileira (FAB), feito após testes de voo e análises técnicas, declarou ser o Gripen, da Saab, a melhor escolha. Tanto para Lula quanto para a FAB, portanto, o F-18, da Boeing, seria preterido. O diplomata americano consultado pela Stratfor considerava que o Rafale, o mais caro entre todos os concorrentes, estava com o preço inflacionado. E o Gripen, segundo ele, é um péssimo avião: "Você só compra Gripen se você é a Eslováquia". A escolha dos caças de combate rendeu tanta polêmica que foi adiada para o ano seguinte. A batata quente, então, voou para as mãos de Dilma Rousseff. Na semana passada, a suspensão da compra de aviões Super Tucano, da Embraer, pelos Estados Unidos complicou ainda mais a posição da Boeing na tentativa de vender seus caças ao Brasil.

O mesmo e-mail especula por que os brasileiros insistiam no modelo da França, que na época cogitava fechar a linha de produção do caça por falta de clientes no exterior. "Nossa avaliação, e todos aqui no consulado e na comunidade diplomática mais ampla concordam com esse ponto de vista, é que há muito suborno acontecendo. O Brasil é um país incrivelmente corrupto", teria dito o diplomata americano. Em seguida, ele lamenta não poder corromper os brasileiros: "O Departamento do Tesouro nos proíbe de encher a carreira deles, como fazem os franceses". A frustração do diplomata então se volta para o presidente brasileiro: "Lula está provavelmente procurando dinheiro para se aposentar. Basta ver que a compra está perto do fim de seu mandato".

Ao divulgar e-mails em que um diplomata americano insinua que Lula esperava receber propina em troca da compra dos caças, estaria Assange querendo denegrir a imagem do ex-presidente? Nada disso. O que move Assange em sua cruzada para revelar segredos de estado e privados é o antiamericanismo e o ódio ideológico às grandes corporações. Ao divulgar documentos confidenciais em seu estado bruto, contudo, muitas vezes ele mira em um alvo e acaba acertando outro. As relações entre Lula e Sarkozy já haviam sido discutidas em telegramas da diplomacia dos Estados Unidos revelados pelo WikiLeaks em 2010. Em uma mensagem de novembro de 2009 escrita pela embaixada americana em Paris, por exemplo, os diplomatas falam de um "caso de amor" entre os dois. O francês estaria fazendo "uma ofensiva de charme" para ganhar o coração do brasileiro. Não aparecem, contudo, insinuações de corrupção. Por ironia, Lula já defendeu o WikiLeaks publicamente em algumas ocasiões. No fim de 2010, ele se manifestou contra a prisão de Julian Assange na Inglaterra a pedido da Justiça da Suécia, onde o hacker é acusado de estupro e assédio sexual. Lula viu perseguição política na notícia. Assim ele definiu Assange: "Um rapaz que estava pondo a nu um trabalho menor que alguns embaixadores fizeram".

Evidentemente, o e-mail da Stratfor divulgado na semana passada não serve como prova de nenhuma irregularidade na escolha dos caças da FAB. Pode ser apenas um desabafo de um negociador vencido pela burocracia, por exemplo. O simples fato de que um dos concorrentes suspeita da lisura do negócio, porém, é de lamentar, pois demonstra a baixa credibilidade internacional do estado brasileiro. Não basta ser honesto, é preciso parecer honesto.

Se não compra, não vende

Com elevada capacidade de manobra e velocidade lenta, o avião Super Tucano, fabricado pela Embraer, é considerado o melhor na categoria de ataque leve. Com hélice, perde para os caças, a jato e mais rápidos, em enfrentamentos no ar, mas é ideal para localizar e combater bandos armados no solo. Em anos recentes, o Super Tucano provou sua eficiência ao destruir acampamentos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Nos próximos anos, seria usado para perseguir combatentes do Talibã nos vales do Afeganistão. A expectativa foi frustrada na terça-feira passada, quando o governo americano suspendeu a compra de vinte aeronaves no valor total de 355 milhões de dólares. A alegação é que há problemas na documentação.

A decisão revoltou o Itamaraty, que publicou uma nota dois dias depois. "A medida não contribui para o aprofundamento das relações entre os dois países em matéria de defesa", diz o texto publicado no site. Foi um recado velado para dizer que, se não comprarem os Super Tucano, os americanos poderão ficar sem vender o caça F-18 à FAB. "As aquisições na área de defesa estão todas conectadas e são indissociáveis dos interesses nacionais", diz o engenheiro aeronáutico Richard Lucht, professor de ambiente de negócios em aviação do ITA e da ESPM.

Na Força Aérea dos Estados Unidos, raros são os aviões importados. As poucas exceções são os de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). As compras de aviões no exterior sempre se arrastam por anos. Após perder a licitação para a Embraer, a companhia americana Hawker Beechcraft fez lobby afirmando que a compra dos Super Tucano exportaria empregos para o Brasil (na realidade, eles seriam produzidos na Flórida). A eleição presidencial, marcada para novembro, pode ter contribuído para a suspensão. Membros do governo americano apressaram-se em acalmar os ânimos dos brasileiros, afirmando que a Força Aérea ainda está interessada no Super Tucano. O jogo continua.

A falsa guerra cambial - CARTA AO LEITOR

REVISTA VEJA

Encontrar um inimigo externo e enxergar conspirações internacionais contra o país são, desde tempos imemoriais, manobras clássicas dos governantes para desviar a atenção do povo de seus reais problemas. Guido Mantega, ministro da Fazenda, vem usando esse gasto estratagema com suas ostensivas e frequentes acusações ao que chama de "guerra cambial" contra o Brasil. Não se pode negar o impacto negativo do real forte sobre a indústria brasileira, tampouco que a sobrevalorização da nossa moeda tem um forte componente externo, portanto, fora do raio de ação do governo brasileiro. Mas as distorções que tiram a competitividade da economia brasileira são mais complexas e mais amplas do que aquelas derivadas do câmbio.

A expressão guerra cambial tem um apelo emocional forte, reconheça-se, mas lançar mão dela sempre que surge um problema mais agudo não ajuda em nada o que tem de ser feito com urgência para conduzir a economia brasileira ao trilho do crescimento sustentável. O foco no câmbio é uma cortina de fumaça para esconder do distinto público o alto custo Brasil, a bola de ferro amarrada nos pés da economia como resultado de nossos péssimos índices de produtividade, da infraestrutura caquética, da carga tributária paralisante e da educação, que, mesmo universalizada, tem desempenho de quinto mundo quando sua qualidade é medida em provas internacionais promovidas pela OCDE (que reúne as nações mais ricas).

Uma reportagem desta edição de VEJA dedica-se a explicar as razões do custo Brasil, que os cidadãos veem materializado nos preços altíssimos de produtos e serviços. Um iPhone, o cobiçado celular fabricado na China, por exemplo, tem no Brasil o preço em dólar mais alto do mundo. A desvalorização do dólar em relação ao real explica apenas parte pequena da aberração. O restante da explicação tem de ser buscado nos altos impostos, em especial o de importação, de até 35%, que ainda é acrescido de impostos locais e taxas de desembaraço aduaneiro. Confrontado com esses fatos, o governo recorre sempre à explicação mais fácil e a que mais o isenta de culpa, a guerra cambial. Elevar impostos e impor taxas insanas à entrada de produtos e capitais é uma tentativa tosca de aumentar o custo Mundo. Enquanto isso, as questões estruturais paralisantes permanecem intocadas.

As empresas pagam tributos - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

As empresas não pagam tributos (impostos, taxas e contribuições), ao contrário do que se pensa. São apenas responsáveis pelo recolhimento. Quem paga somos nós, pessoas físicas, quando consumimos bens e serviços, auferimos renda ou possuímos propriedade urbana ou rural. A carga tributária sobre os lucros e a propriedade das empresas representa, em última instância, a antecipação do que seria pago por seus sócios ou acionistas.

As empresas, pessoas jurídicas, são uma construção jurídica genial. Sua mais importante e brilhante espécie, a sociedade mercantil de responsabilidade limitada, surgiu no século XV, na Inglaterra. Dela se originou a sociedade anônima. Nessas duas espécies, o risco de quem adquire cotas ou ações se limita ao valor do investimento. A inovação contribuiu decisivamente para financiar a expansão do comércio internacional e das primeiras grandes empresas industriais. A elas se deve parte substancial do êxito do sistema capitalista e, assim, dos inéditos ganhos de bem-estar dos últimos dois séculos.

Em sistemas tributários racionais, as empresas repassam o custo dos impostos sobre os bens e serviços que produzem e comercializam. Não há impostos sobre as exportações. É nulo o custo tributário nas matérias-primas, partes e peças, e nos serviços como energia elétrica. Nada disso ocorre no Brasil, onde os impostos se entranham nos custos e reduzem a competitividade das empresas. Se elas exportam é pior, pois acumulam créditos tributários que não recebem ou demoram muito a receber.

Se fosse possível diminuir a carga tributária de 36% do PIB, as empresas poderiam não ter alivio algum. Sem mudanças estruturais, as regras e o caos atuais permaneceriam. O ganho viria da aplicação mais eficiente dos recursos pelo setor privado. Assim, o problema não é o tamanho da carga tributária, mas sua enorme complexidade, decorrente do cipoal de normas dispersas, confusas, irracionais e instáveis. Para cumpri-las, as empresas gastam 2600 horas anuais, mais do que em qualquer outro país, desenvolvido ou emergente.

A sociedade brasileira já se conscientizou da elevada e excessiva carga tributária. Campanhas como as da Associação Comercial de São Paulo contribuíram para tanto. Isso é bom para criar resistências a aumento de impostos, mas inútil para reduzi-los em horizonte razoável de tempo. Como assinalei aqui, não será o registro do imposto na nota fiscal, de cuja viabilidade continuo a duvidar, que vai criar as condições para reduzir a carga tributária. Isso porque seu tamanho é consequência do nível de despesas obrigatórias com pessoal, Previdência, educação, saúde e encargos da dívida pública, que são de difícil ou impossível redução e representam cerca de 35% do PIB. A quase impossibilidade de diminuir o peso dos tributos recomenda que se mobilizem a opinião pública e a classe política em prol da simplificação do sistema tributário, particularmente do seu mais complexo e ineficiente imposto, o ICMS.

Peter Lindert, professor de economia da Universidade da Califórnia em Davis, realizou interessante estudo comparativo entre o sistema tributário americano e o sueco. Em seu livro Growing Public (2004), ele mostrou que, embora a carga tributária dos Estados Unidos seja menor que a da Suécia, o sistema americano é menos eficiente (dados de 2010 apontam cargas tributárias de 25% e 48% do PIB, respectivamente). Para Lindert, a superioridade do sistema sueco se assenta fundamentalmente na maneira de tributar o consumo, que se baseia no método do valor agregado. O americano tributa o consumo mediante um imposto no varejo, sales tax, que é simples apenas na aparência.

A maior complexidade do nosso sistema tributário reside no ICMS, o principal imposto do país. O Brasil, um dos pioneiros do método da tributação pelo valor agregado, acabou tomando o rumo errado, particularmente na Constituição de 1988. O ICMS, o cerne do manicômio tributário, tende a piorar. É preciso um bom diagnóstico, coragem e liderança política para enfrentar a situação. No próximo artigo, defenderei uma saída para resolver o grave problema do ICMS, que é politicamente difícil, talvez utópica, mas não impossível.

Os labirintos do Enem - CLAUDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA

Todo ministro vive o mesmo dilema: fazer o seu grande projeto, rapidinho, mas com risco de tropeço sério, ou fazer com prudência, mais lentamente, arriscando-se a vê-lo abortado pelo seu sucessor? Apressar o Enem foi uma escolha, diante desses dois riscos. Mas a fragilidade da máquina publica acentuou o perigo de um passo maior do que as pernas, ou seja, um projeto que tenta atingir demasiados objetivos. De fato, apesar dos avanços, o Enem tem falhas técnicas (assunto cuja análise não caberia aqui), de logística e de concepção. Depois que o Enem se propôs a substituir os vestibulares, venceu a licitação um consórcio improvisado e que derrapou para o escândalo do roubo das provas. Só então foi aprovada a escolha, sem licitação, do grupo que incluía o Cesgranrio, a instituição mais experiente no ramo. As aplicações subsequentes tiveram falhas, ainda que bastante limitadas, considerando a magnitude do projeto. Mas os ásperos decibéis das críticas procedentes se mesclaram aos ruídos gerados pela politização do exame, de ambos os lados.

Lamentavelmente, as missões do novo Enem foram ignoradas por quase todos. Ou seja, a discussão erradamente se polarizou em torno do ensino superior, quando a intenção era aliviar o médio da maldição de ser modelado pelo dilúvio curricular dos vestibulares das universidades públicas. Essa é sua função nobre e a justificativa para sua existência. Nas boas universidades, os vestibulares não são mais provas de “decoreba”. De fato, selecionam praticamente os mesmos candidatos que o Enem. Alias, a hipótese de que o Enem seria uma prova socialmente mais justa não resiste a nenhuma análise seria. Então, por que substituir os vestibulares por um Enem gigantesco e caríssimo? E que as universidades são livres para criar seus vestibulares e optam por provas difíceis. Foram feitas para selecionar também os melhores dos melhores candidatos aos cursos mais cobiçados. O excesso de conteúdos envia uma mensagem equivocada para o ensino médio. A 1ógica é simples, embora errada: se cai na prova, e preciso ensinar no ensino médio. Preparando uma prova menos enciclopédica, o MEC poderia conter a corrida do ensino médio, forjado a uma maratona curricular. Cobrindo poucos tópicos, permitiria a ênfase na profundidade.

É por esse critério que o Enem deveria ser julgado. Infelizmente, a análise preliminar das provas sugere que não foi freada a enxurrada de assuntos. A meu ver, essa é a acusação mortal, o resto é detalhe. O Enem tem outras vantagens, como reduzir a correria daqueles que desejam tentar a sorte em varias instituições. Permite também o acesso a instituições em outras cidades. Mas tais aspectos são secundários. Uma decisão imprudente foi optar, prematuramente, por uma prova que permite comparações entre anos diferentes, pois exige que cada questão seja testada com alunos reais. Se houvesse um grande banco de perguntas, a prova seria feita com itens testados há mais tempo. Como o banco é pequeno, obriga a testar as perguntas com os mesmos alunos que vão fazer o Enem, uma opção de alto risco de vazamentos. De fato, isso aconteceu, inflamando a opinião pública. A epopeia de um exame único e gigantesco foi também o preço da decisão de testar perguntas, para obter comparabilidade de um ano para o outro. Sem isso, poderíamos ter várias aplicações, escalonadas no tempo.

Um erro estratégico do Inep foi não sugerir uma ponderação baixa para a redação. Soma-se o caráter subjetivo da correção à logística de lidar manualmente com milhões de provas e a pouca experiência das equipes. Isso gerou uma considerável margem de erro. Se tivesse um peso menor, quando nada, os enganos na sua correção trariam menos dores de cabeça jurídicas para o MEC. Outro equívoco foi trombetear um escore único, no momento em que se fala de diversificação do ensino médio. O correto seria, por exemplo, instruir os cursos de letras para valorizar os pontos em português e os de engenharia, os pontos em matemática. Noves fora? No meu julgamento: (1) as trapalhadas logísticas foram menos importantes do que sugerido pela imprensa; (2) os problemas técnicos com as provas são reais, mas não insolúveis; (3) ainda não foi demonstrada a sua maior contribuição, que seria reduzir distorções no ensino médio. Se falhar nisso, não vejo por que deva existir.

Eleição e cidades - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA


Tal qual descrita na imprensa e nos meios políticos, a próxima eleição para prefeito em São Paulo pode ser representada de duas maneiras: ou bem como uma extensão da última eleição presidencial, ou bem como antecipação da próxima. Azar de São Paulo. Vão se enfrentar, ao que a esta altura se presume, Fernando Haddad (leia-se Lula, ex-presidente e talvez futuro candidato a presidente) e José Serra (ex e talvez futuro candidato a presidente). Dá-se por certo que haverá uma "nacionalização" da eleição paulistana. São Paulo não merecia tal sorte. Claro que o gigantismo, o peso econômico e o resumo da nacionalidade que se condensa em São Paulo já de si apontam para uma "nacionalização" de suas eleições, no sentido de que os vencedores se tornam de imediato protagonistas da cena nacional. Mas, ora, São Paulo é em primeiro lugar São Paulo. Eleição municipal não é hora de olhar para fora, mas para dentro. Se a campanha se desenvolver sob o horizonte da política presidencial, perde-se a oportunidade de pôr na mesa os problemas urbanos. Papel fundamental, nesse sentido, caberá à imprensa. Historicamente a imprensa brasileira desvaloriza mais o jogo político do que as políticas. Por uma vez, poderia atribuir-se a missão de chamar os candidatos para a realidade de questões que, sob o rótulo de "urbanas", dizem respeito aos mais cruciais aspectos do cotidiano dos eleitores.

A cidade é a maior das invenções humanas. Elas estão aí há tanto tempo que até parecem ter nascido por si sós, brotadas na superfície do planeta como acidentes geográficos. Mas são invenções, surgidas no momento da aventura humana em que se concluiu pelas vantagens de viver junto, com relação à vida isolada no campo - mais segurança, mais facilidades de comércio e de aprendizado, mais possibilidades de lazeres e de prazeres. Nas cidades antigas do Ocidente nasceram os fóruns e nas do Oriente os mercados. Diferem em que os primeiros apontam mais para a discussão de assuntos públicos e privados e os segundos mais para as relações econômicas, mas são instituições assentadas no mesmo princípio: os benefícios da troca, seja de ideias, seja de mercadorias. A cidade, sendo o locus por excelência da convivência, é o locus por excelência da troca - a troca afetiva, inclusive. Cidade é artigo precioso demais para, em eleições municipais, suas especificidades serem esquecidas em favor de disputas e assuntos outros.

Prefeito é cargo recente, no ordenamento político-administrativo brasileiro. Salvo por breve hiato, no período regencial, só vai surgir com a República. Durante os quatro séculos anteriores, as cidades eram regidas pela Câmara Municipal. Na colônia, as câmaras eram os únicos organismos cujos integrantes eram eleitos. As eleições eram frequentemente fraudadas, ocasionavam sangrentas disputas e delas participavam poucos eleitores. Mesmo assim, proporcionavam um espaço de democracia. Daí decorre que a figura do vereador pode ostentar nobre origem. É o primeiro político brasileiro, e a ele cabia aquilo que etimologicamente indica a palavra "político": cuidar da "pólis". No entanto, nenhuma instituição sofre hoje maior desprestígio do que as câmaras de vereadores. São locais que a desatenção da imprensa e dos órgãos fiscalizadores toma ideais para a prática da corrupção e da fisiologia. O problema começa no eleitor, que mal sabe em quem está votando e no dia seguinte já esqueceu em quem votou. Recomendação: que o eleitor grude o nome de seu escolhido na geladeira ou no espelho do banheiro. E que conserve grudado até a eleição seguinte.

Vem aí a campanha eleitoral, e com ela o horário político. Fala-se em reforma política, mas nunca se inclui nela a reforma do horário político. E no entanto o horário político é o que há de mais crucial nas campanhas. Como se apresenta, é um espaço de mistificação. Bonitas cenas, embaladas por comovente fundo musical - e por fim o candidato, produzido até a última camada de maquiagem. Sugestão: transformar o programa, de espaço de propaganda, em espaço de informação. A propaganda se limitaria às pequenas inserções ao longo do dia. Já os dois programas de quase uma hora, um no começo da tarde e outro à noite, apresentariam entrevistas, debates e reportagens produzidos por entidades independentes da sociedade civil e supervisionados pela Justiça Eleitoral. Se queremos eleitores conscientes e candidatos responsáveis, seria um avanço. A questão é: queremos? Ou melhor: querem aqueles que hoje tiram proveito, ou imaginam tirar proveito, da mistificação edulcorada do horário político?

Lobby, trambiques e cafezinho - REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA

Um auditor que se diz amigo do secretário da Receita Federal foi demitido por tráfico de influência. Uma de suas ações pode elevar o preço da bebida mais tradicional do Brasil

Leonardo Souza e Hudson Corrêa

O preço do cafezinho deve subir. E logo. Pouco mais de 3%. Não se trata de aumento de demanda, problemas na safra ou pressão inflacionária. A causa pode estar relacionada a uma das mais resistentes pragas que habitam o poder público brasileiro: o tráfico de influência. Onde? Nada menos que na Receita Federal. Documentos obtidos com exclusividade por ÉPOCA descrevem em detalhes as irregularidades cometidas dentro do órgão responsável pela arrecadação de tributos no país. O autor das irregularidades, Pedro dos Santos Anceles, não está mais nos quadros da Receita. Ex-auditor fiscal, ele foi demitido no final de 2011 por ter repassado a empresas privadas informações restritas do Fisco. Sem apoio interno, Anceles talvez não tivesse conseguido agir com tamanha liberdade. Ele vangloriava-se de ser próximo do próprio secretário do Fisco, Carlos Alberto Barreto. "Nós somos amigos", disse ele a ÉPOCA. "Ele é uma pessoa bem acessível."

A ordem para que Anceles fosse demitido por improbidade administrativa partiu do ministro Guido Mantega (Fazenda), em novembro (leia mais sobre o ministro Guido Mantega). A decisão teve por base um relatório da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que recomendou a exclusão de Anceles do serviço público. O documento descreve um festival de trambi-ques. Anceles deu palestras e cursos a seus clientes particulares – e foi remunerado por isso –, faltou ao trabalho para prestar consul-torias a empresas privadas e participou, como julgador da Receita, do julgamento de um recurso movido por um de seus próprios clientes contra multas do Fisco. O processo contra as práticas de Anceles foi aberto em agosto de 2009 pela Corregedoria da Receita. O período investigado compreende os anos de 2006 e 2007. Nessa época, o superior hierárquico de Anceles era Carlos Alberto Barre-to, que ocupava o cargo de secretário adjunto da Receita. Da abertura do processo contra Anceles até o início da gestão de Barreto como o número um do Fisco, em janeiro de 2011, foi coletado vasto material contra o então auditor. Diante desse quadro, era de esperar que Anceles fosse afastado de suas funções enquanto as investigações não fossem concluídas. Mas ocorreu o contrário: ele foi transferido para uma função mais importante.

O trabalho dos investigadores do Fisco começou a partir da denúncia de outro órgão federal, a Controladoria-Geral da União (CGU). Em janeiro de 2008, técnicos da CGU identificaram que Anceles constava como sócio-administrador de uma empresa pri-vada chamada A Ensinante Ltda. Ele usava a empresa como uma espécie de biombo para repassar informações restritas do Fisco a seus clientes particulares, de acordo com a Corregedoria da Receita. Um dos casos mais graves ocorreu em 2007 e envolveu um fabricante de refrigerantes do Rio Grande do Sul, a CVI Refrigerante Ltda. A empresa fora autuada pelo Fisco em três processos distintos por sonegação de tributos, incluindo PIS e Cofins – contribuições sociais pagas por quase todas as empresas de médio e grande porte. Se-gundo a corregedoria, Anceles prestou consultoria para a CVI Refrigerante. "Constata-se que a natureza do trabalho prestado é in-compatível com o cargo de auditor fiscal e de delegado de julgamento, haja vista que foi verdadeira consultoria tributária, atividade que configura patente conflito de interesses", escreveram os procuradores da PGFN. Nessa época, Anceles era delegado de julgamento da Receita no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Num dos processos, em que a CVI Refrigerante recorreu da autuação do Fisco, a raposa foi convocada para cuidar do galinheiro. Na primeira instância administrativa, dentro da própria Receita, o caso foi parar justamente nas mãos de Anceles, como presidente da 1a Turma de Julgamento da Delegacia da Receita em Santa Maria.

Chamado a explicar quem o autorizara a dar cursos e palestras para empresas privadas durante seu expediente, Anceles afirmou que não precisava de autorização. Afirmou apenas que seu superior era o então secretário adjunto Carlos Alberto Barreto. Ele também citou Barreto em sua defesa. "Argumenta o indiciado que a declaração do senhor Carlos Alberto de Freitas Barreto, à época dos fatos secretário adjunto da Receita Federal, no sentido de que a DRJ/SM (delegacia de Santa Maria) sempre foi muito produtiva, seria prova de que suas faltas não prejudicaram o serviço." Barreto negou à Corregedoria ter dado tal declaração ou conhecer as atividades parale-las de Anceles. Mas é fato que Barreto, a partir desse episódio, tomou conhecimento das acusações contra seu subordinado. Barreto foi ouvido pelos integrantes da comissão de inquérito da Corregedoria em 2010 e assumiu como secretário da Receita em janeiro de 2011. Em maio, cinco meses após o início de sua gestão, Anceles foi designado julgador na delegacia da Receita de São Paulo, a mais impor-tante região fiscal do país, responsável por mais de 50% da arrecadação nacional de tributos.

Em São Paulo, a atuação subterrânea de Anceles chegou ao preço do cafezinho. Como? A legislação tributária previa a incidência de PIS e Cofins sobre toda a cadeia produtiva do café, do agricultor à torrefadora. Desde 2010, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), entidade que defende os interesses de exportadores e cooperativas de produtores, fazia pressão para que os tributos recaíssem apenas sobre a indústria (torrefação e moagem), eliminando a cobrança nas fases anteriores. No dia 24 de maio, o Cecafé enviou ao Ministério da Fazenda um ofício com sugestões de alterações na legislação. Quatro meses depois, em setembro, o governo editou a Medida Provisória 545, que estabeleceu a cobrança de PIS e Cofins apenas sobre as indústrias. Exatamente como queria o Cecafé, que para atingir seu objetivo contou com a mãozinha do julgador da Receita. O diretor-geral do Cecafé, Guilherme Braga, disse que Anceles trabalhou dentro do Fisco em favor das mudanças na legislação. "Ele (Anceles) é uma das pessoas da Recei-ta que participaram do estudo desse caso (mudança da legislação). Ele é um especialista nessa matéria tributária. Então, é uma pes-soa que acompanhou pela Receita."
O Artigo 332 do Código Penal define da seguinte maneira o crime de tráfico de influência: "Solicitar, exigir, cobrar ou obter, pa-ra si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exer-cício da função". O Cecafé, beneficiado pela MP, tem laços familiares com Pedro Anceles. A entidade é cliente do escritório de ad-vocacia E&E Consultoria e Soluções Tributárias, registrado no nome das filhas de Anceles, as advogadas Eliana Karsten Anceles e Elisângela Karsten Anceles, que confirmou a informação. Procurado por ÉPOCA,
Anceles negou ter acompanhado pessoalmente o processo de produção da medida provisória. Disse, porém, que o escritório de consultoria de suas filhas poderia falar sobre a elaboração da MP.

E por que o cafezinho deve subir? Um mesmo tributo não pode incidir mais de uma vez sobre um mesmo produto. Quando um dos integrantes da cadeia produtiva recolhe o tributo, o elo subsequente passa a ter direito a um crédito no mesmo valor. Num exemplo hipotético, o produtor do grão pagava R$ 10 de PIS/Cofins. Quando o torrefador comprava o café desse produtor, ele passava a ter um crédito tributário de R$ 10, que poderia ser usado para abater o pagamento de outros impostos com a Receita Federal. Em linhas gerais, antes da edição da MP 545, a indústria acumulava 100% de crédito tributário de PIS/Cofins. Com a me-dida provisória, o produtor deixou de pagar o tributo – e a indústria perdeu esse crédito. Para compensar o setor pela elevação de sua contribuição, o governo criou um crédito de 80% sobre a alíquota do PIS/Cofins, que a indústria pode usar para abater do pa-gamento de impostos. Tomando por base o exemplo anterior, no lugar de acumular R$ 10 de crédito, a indústria agora passa a acumular R$ 8. Segundo um documento interno da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), esses "R$ 2" a mais de PIS/Cofins serão repassados ao consumidor. A Abic calcula que o preço do café nas gôndolas dos supermercados suba até 3,44%. De acordo com a associação, o impacto no preço do café deverá ocorrer tão logo a MP 545 passe no Congresso. A medida foi apro-vada na Câmara dos Deputados em fevereiro e deve ser votada ainda neste mês no Senado. Todo o conteúdo de medidas provisó-rias na área tributária é elaborado pela Receita Federal.

A Receita Federal informou, por intermédio de sua assessoria, que a decisão de mudar a forma de tributação sobre o café seguiu parâmetros essencialmente técnicos, com o propósito de combater a sonegação fiscal. De acordo com a assessoria, a Receita decidiu alterar a legislação tributária devido a um esquema de sonegação de R$ 400 milhões, desmontado pela Polícia Federal em junho de 2010 no Espírito Santo e em Minas Gerais. O Fisco negou também que Anceles tenha participado das discussões internas do órgão sobre o assunto. Não é possível afirmar que a atuação de Anceles tenha relação direta com a alteração na legislação. Mas sua movi-mentação em favor do Cecafé deu-se quando suas ações já justificavam, havia meses, sua saída do Fisco. O secretário da Receita sabia das acusações de tráfico de influência contra Anceles, mas não o afastou. Mais: permitiu que ele fosse transferido para uma posição ainda mais importante, na delegacia de São Paulo.
Interesses diversos circulam no coração da Receita Federal, como ÉPOCA
mostrou em reportagem publicada em outubro do ano passado. Um ex-subsecretário da Receita, Marcus Vinicius Neder, parti-cipou em 2011 de uma reunião na sala da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) do Fisco. Neder não estava lá na condição de auditor fiscal. Ele deixara a Receita nove meses antes e participou do encontro como advogado de grandes empresas que têm amargado derrotas na Justiça contra autuações bilionárias. A reunião fora organizada pela coordenadora de Tributos, a também auditora da Receita Cláudia Lúcia Pimentel da Silva, número dois na hierarquia da Cosit e cunhada de Neder. Participaram do encontro sete auditores da Receita. Para vários deles, a reunião era uma espécie de lobby institucionalizado pelo Fisco. O sindi-cato dos auditores estranhou esse tipo de encontro dentro da Receita e soltou uma nota repudiando a reunião da qual Neder participou. Para a entidade, o conflito de interesses estava claro. Só não se sabe se nesses encontros é servido cafezinho. Se for, eles agora ficarão mais caros.

O jeito Aécio de fazer oposição - ALBERTO CARLOS ALMEIDA

REVISTA ÉPOCA

Não faz sentido bater forte num governo tão bem avaliado quanto o de Dilma – e Aécio sabe disso

A candidatura de Serra à prefeitura de São Paulo, caso confirmada nas prévias do PSDB, abre caminho para Aécio ser candidato à Presidência em 2014. Se Serra perder a eleição paulistana, estará mais do que sepultado politicamente; se ganhar, terá entrado no alçapão da prefeitura de São Paulo e será obrigado a abandonar seu eterno sonho de se tornar presidente. Pensando na corrida ao Palácio do Planalto, cada vez mais a paráfrase de um de nossos maiores escritores, o mineiro Guimarães Rosa, se torna verdadeira para o PSDB: chegou a hora e vez de Aécio Neves.

É interessante notar que muitos intelectuais, vários jornalistas e alguns políticos ligados à oposição têm criticado constantemente a decisão de Aécio de fazer uma oposição moderada ao governo Dilma. Os críticos afirmam que ele tem sido oposicionista de menos, ainda mais quando se comparam suas aparições públicas à de alguns senadores e deputados da oposição, entes muito mais aguerridos do que Aécio.

Há duas regularidades importantes que dizem respeito a tais críticas: a maioria delas se origina na elite de São Paulo e elas têm como principal motivação uma avaliação quase exclusivamente intelectual da conjuntura. Não surpreende a distância que separa os críticos de Aécio: ele não é de São Paulo e não tem vícios intelectuais, Aécio foi formado na boa escola mineira de fazer política.

Os críticos intelectuais dizem que, se Aécio não fizer uma oposição dura a Dilma, ele não terá condições de derrotá-la em 2014. Em geral, recorre-se ao argumento de que Lula e o PT fizeram isso o tempo inteiro antes de vencer o pleito de 2002. Esquecem de dizer, todavia, que, para vencer aquela eleição, Lula contratou Duda Mendonça, passou a se vestir em ternos caros e da moda, aparou a barba, afastou-se do movimento dos sem-terra, reuniu-se com Fernando Henrique para se comprometer a pagar o empréstimo do Fundo Monetário Internacional e divulgou a Carta aos Brasileiros para acalmar o mercado financeiro. A atual moderação de Aécio não é nada diante da vitoriosa inflexão que Lula fez em 2002.

Cabe perguntar onde estavam esses críticos quando Serra fez o mesmo não apenas em 2009, um ano antes da eleição, mas também em 2010, quando colocou Lula de forma elogiosa em seu programa eleitoral de candidato de oposição. Mais moderação do que isso é impossível.

A decisão de não fazer oposição frontal a Dilma não é uma decisão intelectual. É uma decisão política. Analisada sob esse ponto de vista, fica claro o acerto de Aécio. Não faz o menor sentido bater forte num governo tão bem avaliado como o de Dilma. Bater em governo bem avaliado não resulta na piora de sua avaliação. Jamais isso ocorre. Resulta, sim, no isolamento político de quem bate. Aécio não quer isso.

Mais importante ainda: não faz o menor sentido bater duro em Dilma simplesmente para agradar à carência intelectual de quem já é contra o governo e vai votar de qualquer maneira na oposição ao PT em 2014. Isso seria chover no molhado. Aécio age corretamente, porque está se situando mais ao centro. Ele deixa aberta a porta de negociação para aqueles que hoje apoiam o governo, mas eventualmente poderão romper com Dilma quando 2014 se aproximar. Aécio se colocaria no canto do ringue se fizesse agora, mais de dois anos antes da eleição presidencial, uma oposição dura ou contundente ao governo do PT.

Aécio já tem os votos certos da oposição. O que ele quer, e mineiramente precisa conquistar, são os votos daqueles que mudam de voto, daqueles que hoje votariam em Dilma, mas no futuro poderão não fazê-lo. Radicalizar agora afastaria o provável candidato da oposição daquilo que ele mais precisa: cativar o eleitor que ocupa o centro político. Os críticos intelectuais, lamentavelmente, não ocupam esse centro.

Serra é paulista demais, e o eleitorado mineiro não gosta disso. Essa rejeição ficou registrada nas urnas de 2002 e 2010. Aécio é suficientemente oposicionista para conquistar o voto antipetista de São Paulo. Os mapas eleitorais das últimas duas eleições presidenciais revelam a divisão geográfica da força do PT e do PSDB: o Nordeste vota PT, São Paulo vota contra o PT. Minas se divide: quanto mais próximo do Nordeste, maior a força do PT; quanto mais próximo de São Paulo, mais forte é o PSDB. Aécio, em que pese o nariz torcido de segmentos da elite paulista, terá o voto oposicionista de São Paulo à medida que se tornar mais conhecido naquele Estado.

Quando esses mesmos críticos vierem perguntar, em 2014, o que é preciso para o PSDB conquistar mais votos no Nordeste, poderá ser dito que Aécio já fazia isso em 2012, quando escolhera o caminho da oposição moderada. Se o assunto é política, quem vê mais longe é o saber político. Para a maioria dos nordestinos, bater demais num governo petista é o mesmo que bater demais em algo que ele gosta.

Se Serra se tornar o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, ele daria uma enorme prova de compromisso partidário colocando-se claramente a favor da candidatura de Aécio em 2014. A eleição para a prefeitura de São Paulo, a julgar pelo ocorrido em 2010, não tem peso nenhum na eleição presidencial. Em 2008, Kassab, aliado incondicional de Serra, foi reeleito prefeito da capital paulista, mas Serra foi derrotado dois anos mais tarde na eleição presidencial.

O apoio de Serra a Aécio colaboraria, sim, para que o PSDB caminhasse unido rumo a 2014. Imagina-se que essa união seja o desejo de Serra e de qualquer tucano que queira ver seu partido mais competitivo no próximo pleito presidencial.

Tudo culpa deles - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Estado de S. Paulo - 05/03/12

Há um tsunami monetário. Seu tamanho:US$ 4,6trilhões. Esse é o espantoso volume de dinheiro colocado na praça mundial, nos últimos três anos, pelos quatro principais bancos centrais (BCs) do mundo rico (EUA, zona do euro, Inglaterra e Japão). Esse dinheiro foi emprestado para bancos ou utilizado na compra maciça de papéis-muitos podres-que vinham sendo carregados por bancos e grandes empresas. E, ainda por cima, a taxas de juros variando de zero a 1% ao ano. Como a inflação deles tem corrido acima disso, os juros são negativos em várias aplicações. Por que fazem isso?

Se considerarmos o discurso da presidente Dilma, trata-se de uma guerra cambial, hostil especialmente aos países emergentes, entre os quais o Brasil. A lógica: despejando ondas de dinheiro barato pelo mundo, aqueles bancos centrais desvalorizam suas moedas e, assim, valorizam as demais. Bancos, empresas, fundos, especuladores ou não, em busca de boas aplicações e bons negócios na economia real, levam esses dólares para os países emergentes, provocando choques financeiros. Dada a abundância de moeda americana, esta se desvaloriza e, em compensação, leva à valorização excessiva das moedas locais. Comisso, cai a competitividade das produções nacionais dos emergentes e melhora a dos outros, a deles, os ricos. Guerra, pois.

Mas aqueles quatro BCs têm objetivos locais que fazem sentido. Ao emprestar US$ 1,3 trilhão para os bancos europeus, por três anos, a juros ridículos, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, foi globalmente aplaudido. Super-Mario salvou a Europa, diz-se, ao dar liquidez aos bancos e garantir que o sistema financeiro não entrará em colapso.

O Federal Reserve, Fed, o BC dos EUA, sustenta que é preciso irrigar a economia para que os bancos financiem, barato, os investimentos das empresas e o consumo dos americanos, de modo a returbinar a economia. E a economia americana está voltando.

A presidente Dilma acha, porém, que eles deveriam fazer diferente. Deveriam parar de colocar dinheiro barato na praça e, em vez disso,estimular o crescimento via investimentos e subsídios do governo. Como ela diz,fazer política fiscal (de gastos públicos) pró crescimento.

Mas como fariam isso governos que já estão enterrados em dívidas até o pescoço? Como diria "La" Merkel, os europeus precisam antes arrumar a casa, fazer reformas.

Tudo considerado, o discurso da presidente Dilma ganha um contorno político. Seu governo toma medidas para segurar a entrada de dólares e para barrar importações, como objetivo de desvalorizar o real. Mas isso é impopular-por exemplo, o aumento de impostos de carros importados - e, no geral, encarece o consumo local.

E a culpa é deles, dos ricos-pelo que a presidente recupera a linha de política externa de Lula, pelo lado econômico. Emergentes contra ricos imperialistas.

É verdade que todos os emergentes estão se queixando da valorização de suas moedas e todos estão tentando meios de segurar o tsunami. Mas porque a moeda brasileira valoriza mais que as outras? Entre outros motivos, um, essencial, é a nossa taxa de juros, muito mais alta que a dos demais emergentes. Ora, nossa taxa de juros é alta por...culpa nossa. O custo Brasil é caro por culpa nossa.

Como é difícil admitir isso e, mais difícil ainda, resolver, escolhe-se o caminho tortuoso: em vez de baixar os juros locais, elevar lá fora. Em vez de reduzir o custo Brasil, elevar o custo mundo.

Vamos acabar perdendo essa guerra.

Pescarias. Há duas grandes questões em debate no mundo:1) a pesca tem sido excessiva e não controlada em diversos lugares, o que leva a uma severa queda dos estoques; e 2) o desenvolvimento dos processos de criação de peixes, especialmente os de alto mar. Grandes empresas de pesca estão entrando no negócio de criação - e isso é um sinal claro, pois elas sabem mais do que ninguém o que fazem pelos mares e rios.

Se, quando pensou em suas novas funções, o ministro Marcelo Crivella lembrou-se de vara e anzol, então, mesmo de brincadeira, ele está mais por fora do que parece.

Por exemplo, há uma corrida tecnológica, neste momento, envolvendo universidades e empresas privadas, mundo afora, para ver quem consegue produzir comercialmente o atum, em jaulas instaladas em alto-mar. O Brasil, de novo por fora. Na verdade,nem temos uma boa pesca nem sequer cogitamos da criação.

Já o Ministério da Pesca vai bem. Criado em 1999, depois de seis anos como Secretaria Especial, já tem cerca de 600 funcionários, com um orçamento para este ano de R$ 160 milhões. Os cargos de direção - chefe de gabinete, assessores, diretores e coordenadores - são nada menos que 57, todos de livre nomeação do senhor ministro.

Reportagem de O Globo de sexta-feira mostrou que, de 2003 a 2009,a produção brasileira de pescado cresceu apenas 25%. As exportações, já pequenas, caíram para menos da metade. Pessoal do setor diz que faltam políticas públicas para o setor. Depois de dez anos de secretaria e ministério.

Merkel. Pode-se não gostar da política comandada pela chanceler alemã, Angela Merkel, na crise europeia. Mas é preciso admitir que age com extrema coerência e coragem.

Na semana passada, um dia antes de o Parlamento alemão votar o novo pacote de ajuda à Grécia (em que a Alemanha coloca a maior parte do dinheiro), saiu uma pesquisa mostrando que 62%dos eleitores eram contra esse projeto. 62%!

Pois Merkel foi ao Parlamento, disse que entendia a oposição e a desconfiança dos cidadãos alemães, mas defendeu a ajuda como essencial para a Europa, mesmo que isso não fosse imediatamente percebido.Ganhou a votação com ampla maioria, agregando inclusive parte da oposição.

Com atitudes assim, Merkel inclui-se entre os políticos de alto nível, os estadistas, aqueles que apontam a direção e tocam o barco. Bem diferente dos que morrem de medo de dizer algo que as pessoas possam não gostar. Ela não fica apenas lendo pesquisa, procura persuadir e convencer.

Como é difícil admitir que o custo Brasil é caro por culpa nossa e, mais difícil ainda, resolvê-lo

O óbvio é apenas o óbvio - ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O Estado de S. Paulo - 05/03/12

A mudança das regras do resseguro foram feitas no meio do jogo. Agora, as empresas estão dando a volta na limitação imposta pelas resoluções do CNSP

No começo de 2011 o governo brasileiro mudou as regras do resseguro, então recentemente implantadas com a entrada em vigor da Lei Complementar 126/07 e sua posterior regulamentação. 

Foi um banho de água fria no mercado, mas, mais do que isto, foi uma desnecessária mudança das regras em pleno jogo, quando empresas de todos os setores afetados pelo resseguro já haviam feito seus planejamentos e iniciado seus movimentos.

Desde o começo eu fui contra as mudanças. Em primeiro lugar, pela forma como foram feitas, já que feriam a segurança jurídica dos negócios feitos no País, abrindo espaço para forte desconfiança dos agentes econômicos internacionais. Mas minhas razões iam além. E amais pragmática é que as mudanças seriam neutralizadas no médio prazo, mas acabariam por encarecer o seguro brasileiro, contribuindo de forma negativa para a manutenção de uma praga chamada custo Brasil.

No primeiro momento, o que se viu foi a falta de sincronia entre os diversos agentes que compõem o segmento segurador se refletir no que poderia ser interpretado como uma retumbante vitória do governo.

Aliás, dependendo do ângulo que se analise o problema, é possível dizer que o governo, de forma inesperada, porque não era este o seu objetivo,conseguiu rachar a representatividade das seguradoras, criando nitidamente dois grupos antagônicos, que só agora vão harmonizando suas posições.

É verdade que, num segundo momento, vários grandes grupos internacionais, que operavam no País com resseguradoras admitidas, decidiram criar resseguradoras locais, trazendo capital novo para poderem operar.

Mas em nenhum momento os grandes compradores de seguros, as grandes empresas, principalmente industriais, instaladas no País apoiaram as medidas baixadas pelo governo. E não o fizeram por uma razão simples: sempre esteve claro para elas que o final da história passava forçosamente pelo aumento do custo de contratação e gestão de seus seguros.

Não foi por outra razão que a ABGR (Associação Brasileira de Gerência de Riscos), tão logo o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) baixou as Resoluções, se manifestou com um duro documento a respeito do tema, criticando as novas disposições e alertando para o risco concreto do aumento do preço dos seguros.

Agora, o óbvio se materializa. Não num passe de mágica, mas com a constatação de que o que as pessoas, que desde o começo do ano passado acompanham o caso, diziam, aconteceu.

Como não poderia deixar de ser, inclusive pela impossibilidade das autoridades brasileiras terem qualquer controle sobre os negócios envolvendo eventuais resseguros brasileiros no exterior, as empresas interessadas estão dando a volta na limitação imposta a elas pelas Resoluções do CNSP no que tange a cessão de resseguros para as matrizes sediadas em outros países.

Nada mais fácil do que fazer uma triangulação. Antes das medidas baixadasem2011, as resseguradoras pertencentes a grupos internacionais instaladas no Brasil podiam transferir o excesso de sua capacidade de retenção para suas matrizes. Com as Resoluções do CNSP este repasse ficou reduzido a 20%. O que fazer? Simples. Combina-se com outras resseguradoras e a cessão, em vez de ser feita diretamente para empresa do grupo, é feita para esta outra companhia,que, depois, repassa a maior parte do negócio para a matriz da resseguradora instalada no Brasil.

As implicações disso são as que foram levantadas pela ABGR. O seguro das grandes empresas instaladas no Brasil está mais caro. Em primeiro lugar, porque a resseguradora que recebe o excedente da cedente brasileira cobra por isso e para fazer a transferência do negócio de volta para o grupo. E, em segundo lugar, porque com isto surgem uma série de complicadores administrativos que também custam e necessitam ser precificados.

Finalmente, mas não menos importante, com a triangulação, aumentam em muito as chances de surgirem problemas durante os processos de regulação de sinistros. Quer dizer, no final perdem todos.

Janelão - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 05/03/12

A inflação recuou em fevereiro mais do que os prognósticos apontavam e com isso abriu um janelão de oportunidade para o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzir as taxas básicas de juros, esta semana. E o superávit nominal das finanças públicas em janeiro melhorou a credibilidade do governo no mercado, pois no início do ano havia sérias dúvidas sobre se as metas fiscais seriam cumpridas em 2012.

Outro ponto a favor, mais de longo prazo, foi a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que regulamenta os fundos de previdência complementar dos futuros servidores da União. O efeito prático dessa mudança sobre as finanças públicas pode ser antecipado se o mercado entender que os fundos ajudarão o país a ter um sistema previdenciário mais equilibrado, mesmo que os desembolsos do Tesouro só venham a diminuir dentro de dezoito anos. Se o "prêmio de risco" embutido nos rendimentos dos títulos da dívida interna do Tesouro se reduzir - como aconteceu com os papéis da dívida externa -, a conta de encargos financeiros poderá encolher significativamente nos próximos anos. E se nesse processo, o déficit público, que hoje está na casa de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) desaparecer, os juros cairão naturalmente, sem mesmo precisar de um empurrão do Banco Central.

Mas hoje esse empurrão para baixo é ainda necessário. Para a maioria dos analistas financeiros, juros muito elevados são um mal menor, um preço a se pagar para que a inflação seja dominada, como se não houvesse outra saída. Poucos têm intimidade com a dia a dia da produção e não conseguem enxergar o efeito colateral venenoso - ou não acreditam nele - dos juros altos. Por isso, o ajuste leva tempo, pois além dos fatores conjunturais e estruturais da economia, precisa superar o obstáculo que está enfurnado dentro da cabeça das pessoas. A inflação galopante causou muitos estragos aos brasileiros, um deles é a desconfiança no futuro da própria moeda.

Entregue às traças, o histórico Hotel das Paineiras será finalmente recuperado por um consórcio que envolve operadores de turismo, organizadores de eventos e a empresa que explora a linha de trem do Corcovado. O hotel deve reabrir em condições de abrigar um centro de convenções para 400 pessoas. Tem a vantagem de ficar próximo o suficiente do centro da cidade, para o caso da necessidade de um rápido deslocamento eventual de algum participante, ao mesmo tempo que oferece o necessário isolamento para reuniões do tipo que "escapadas" acabam prejudicando o bom andamento dos trabalhos.

Tomara que nessa recuperação também seja recuperada a antiga casa de verão dos primeiros presidentes da Light, pioneira entre os concessionários de serviços de utilidade pública no Brasil (energia elétrica, gás canalizado, telefone, bondes). O célebre Alexandre Mackenzie, um dos empresários mais poderosos no país no início do século XX, chegou a morar ali. Outros diretores que o sucederam, geralmente canadenses, também a ocuparam. A casa foi repassada ao patrimônio da União, nas negociações que envolveram a Light nos anos 1960 e 70. Tive o prazer de almoçar, recentemente, em Petrópolis, em volta da grande mesa redonda que pertenceu a essa casa. O móvel foi adquirido pelo advogado Roberto Paulo Cezar de Andrade, que também morou por vários anos na casa das Paineiras, já como alto executivo do grupo Brascan. A família somente decidiu se mudar daquele então paraíso, ao meio de uma floresta tropical, porque os filhos precisavam de mais facilidade para ir e vir da escola e as Paineiras são um lugar isolado encravado na Floresta da Tijuca.

As escolas de samba que desfilam no grupo especial do Rio tinham muita dificuldade para conseguir patrocinadores. Algumas empresas até ajudavam, mas preferiam não ter suas marcas associadas às escolas por conta da imagem pública de várias delas, cujos presidentes de honra eram notórios bicheiros. Mas o desfile está ficando cada vez mais caro e sem profissionalização as escolas já não conseguem financiar suas despesas. A subvenção recebida da prefeitura e os eventos internos (receita com os ensaios) não cobrem mais que a metade do orçamento. Os demais 50% precisam vir de patrocinadores.

A Unidos da Tijuca, escola campeã, organizou um departamento de marketing e os resultados começaram a aparecer com a realização de eventos corporativos. Os patrocinadores estão agora mais satisfeitos e vão perdendo o receio de associar suas marcas ou nomes ao da escola campeã. A União da Ilha está seguindo a mesma trilha, assim como outras escolas até mesmo do grupo de acesso.

Esse tipo de organização do carnaval vai se estendendo também aos camarotes da Passarela do Samba na Marquês de Sapucaí. Muitas empresas de varejo têm o costume de montar grandes camarotes e promover até festas durante o desfile, convidando atrizes e atores de televisão, celebridades do mundo da moda e outros colunáveis, capazes de atrair os holofotes da mídia. Companhias que não precisam de tanta exposição também alugavam camarotes mais discretos, para convidar clientes selecionados, até vindos do exterior. Este ano ganharam vulto os camarotes corporativos, compartilhados por várias empresas simultaneamente. Um dos maiores foi o que teve apoio da Câmara de Comércio França Brasil, com uma média de 320 convidados por noite de desfile. E o que mais chamou a atenção lá foram executivos franceses radicados no Brasil. Há um grupo que frequenta aulas de "samba no pé" e se sai melhor do que muitos brasileiros natos.

Esforços imoderados por efeitos moderados - PAULO GUEDES

O GLOBO - 05/03/12

O que dirão os futuros historiadores quando examinarem retrospectivamente as duas últimas décadas, desembocando na grande crise contemporânea? Dirão, como boa parte dos economistas, que se tratou de um período de "Grande Moderação"? Que foi interrompido por um raro e imprevisível evento, um "cisne negro", um "crash" imobiliário que ameaçou depois engolir todo o sistema bancário? Ou na verdade dirão que essa foi a "Era dos Excessos", cuja característica marcante foi exatamente a enorme falta de moderação?

Falta de moderação nos financiamentos imobiliários. Falta de moderação no grau de alavancagem do sistema financeiro. Falta de moderação na concessão de créditos a governos nacionais, após a criação do euro, sem a devida avaliação quanto aos fundamentos fiscais. Falta de moderação nos déficits fiscais e no endividamento público como resultado de promessas demagógicas e irrealistas da obsoleta plataforma social-democrata. Falta de moderação também no uso dos instrumentos de política econômica para a consecução das metas estabelecidas.

Aqui se torna compreensível o paradoxo de os economistas chamarem de "Grande Moderação" justamente essas duas décadas em que perdiam o juízo políticos, financistas, famílias, embriagando-se todos com o endividamento excessivo. Os economistas celebravam como "Grande Moderação" seu sucesso no uso dos instrumentos de política monetária e fiscal em obter taxas altas e estáveis de crescimento em meio a taxas baixas e estáveis de inflação. Um mundo livre das grandes flutuações cíclicas, dos booms e das recessões.

Mas poucos perceberam que a redução na amplitude dos ciclos estava sendo obtida por doses cada vez mais elevadas de liquidez. Dinheiro barato para créditos temerários. Aumentavam a frequência e a amplitude das oscilações registradas nos instrumentos monetários e creditícios a cada tentativa de abafar as flutuações nas metas de crescimento e inflação. Tornavam-se cada vez mais instáveis os fundamentos quanto mais garantias anticíclicas ofereciam os governos. A percepção de risco era anestesiada enquanto subia exponencialmente o risco sistêmico. Os bancos centrais injetaram nas veias bancárias mais de dois trilhões de dólares (uma selvagem oscilação nos instrumentos), na desesperada tentativa de manter algum crescimento ("moderando" o ritmo de desaceleração econômica). Cada vez mais drogas, e as dores continuam.

São Paulo, a última fronteira - GUILHERME FIUZA


REVISTA ÉPOCA

A capital paulista é o último reduto que falta para os companheiros. Desta vez, Lula resolveu não brincar 


As eleições na capital paulista não serão municipais. A política nacional está se mudando de malas e bagagens para a cidade de São Paulo. O debate dos problemas locais será o pretexto para o próximo capítulo da disputa pelo poder no Brasil - se é que ainda se pode chamá-la de disputa, com o arrastão dos oprimidos profissionais aproximando-se da hegemonia.

São Paulo é o último reduto a ser conquistado pelos companheiros. Minas Gerais ainda está sob governo inimigo, mas não chega a ser um problema tático: Belo Horizonte já é dos amigos do consultor Fernando Pimentel, que mata o tempo no ministério de sua comadre enquanto näo vira governador. O Rio de Janeiro já estava anexado, o Rio Grande do Sul com Tarso Genro é praticamente a nossa Cuba e o Nordeste é todo do filho do Brasil. Falta São Paulo.

E, desta vez, Lula resolveu não brincar. Pediu licença a Martas e Mercadantes, consultou o oráculo (Dirceu) e preparou a bomba: Dilma. Não aquela que está no Palácio do Planalto, claro. O expresidente arranjou outra Dilma. Esta se chama Fernando Haddad, mas o nome não ímporta. Ou melhor, importa: tem de ser inexpressivo. Assim, o padrinho poderá dar vida a seu Pinóquio, embalá10 para presente, e os súditos acreditarão no que vier escrito na caixa.

Se a alquimia funcionou com Dilma, não pode ter erro. Na semana passada mesmo o país assistiu a mais um showroom do produto. Após o incêndio na base brasileira da Antártica, a presidente saiu de trás dos discursos escritos e dos teleprompters e alçou voo com suas próprias palavras. Foi comovente. Dilma tentava completar cada frase com bravura, fazia pausas olhando para o nada, persistia em sua obsessão de fazer sentido e, mesmo não tendo completado um raciocínio, embaralhada em sua própria mensagem sobre prejuízos materiais e humanos, mostrou que é brasileira e não desiste nunca.

As pesquisas não mentem (ou não mentem muito): essa brasileira tenaz, que ainda há de brindar o país com uma ideia própria, tem índice recorde de aprovação como estadista. E quem tira uma presidente da cartola haverá de tirar um prefeito.

Na largada de sua campanha, Fernando Haddad já mostrou que também é bom de improviso. Com a debandada do prefeito Gilberto Kassab - o curinga de aluguel da política brasileira - para a candidatura recém-anunciada de José Serra, o ex-ministro da Educação disse o seguinte: "Fico mais tranquilo, porque vou representar melhor as ideias em que acredito. Está mais adequado o candidato ao discurso". Tradução: eu ia fazer um discurso favorável à situação, mas, como o atual prefeito deixou de ser meu aliado eleitoral, vou poder fazer um discurso de mudança.

Depois dessa declaração, podem acusar Haddad de qualquer coisa, menos de inibição. Nunca se viu um político assumir com tanta franqueza: eu quero o poder, o discurso eu vejo na hora.

Desinibido e coerente. Da mesma maneira que é secundário o que Haddad pretende fazer em São Paulo, também era secundário o que ele fazia no MEC. Todos viram o Enem infernizando os estudantes brasileiros com vazamentos e erros primários de impressão, enquanto o ministro Haddad pulava de palanque em palanque para eleger Dilma Rousseff. Um missionário.

Depois sobreveio o tricampeonato do caos no Enem, refletindo a profunda dedicação do ministro Haddad a seu trabalho: montar a candidatura a prefeito de São Paulo. Cuidar direito do Enem não dá notoriedade a ninguém. Haddad foi à luta do eleitorado gay,lançando uma cartilha escolar sobre homossexualismo. Infelizmente, essa revolução pedagógica não resistiu à patrulha evangélica, que também é filha de Deus (e como adversária eleitoral é o diabo).

Se educar não dá ibope, Haddad teve uma sacada genial no MEC: deseducar. Foi a público defender livros didáticos com erros de português, dizendo ao povo que não aceitasse a discriminação linguística. Viva a revolução.

Mas tudo isso é detalhe diante de um momento verdadeiramente histórico, Na despedida de Haddad do ministério,

Lula aparece de chapéu, para tirá-lo em seguida, exibindo o visual trannsformado pela quimioterapia. Abraça seu candidato, enquanto Dilma chora. E a perfeição.

Que outro candidato terá uma plataforma dessas para administrar São Paulo?

Controvérsias sobre o Estado - EVERARDO MACIEL


O Estado de S. Paulo - 05/03/12


Dois fatos abalaram profundamente os fundamentos dos diferentes modelos do Estado moderno: a globalização, gerando uma notável mobilidade de capitais e de mão de obra, e as novas tecnologias de comunicação e informação.

O denominado socialismo real resultou em rotundo fracasso, em virtude da ineficiência econômica e da corrupção. Hoje, só remanesce em suas caricatas variantes populistas na América Latina, matizadas por parvoíces e rompantes autoritários. Estão também fadadas ao fracasso.

As diversas espécies de Estado mínimo, glamourizadas pelo virtual sucesso dos governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, estão na raiz das espetaculares e recentes crises econômicas internacionais, que evidenciaram o enorme equívoco da deificação do mercado.

Já o Estado de bem-estar social mostrou-se incompatível com as cargas tributárias decrescentes exigidas pela vigorosa competição internacional. A expansão dos programas sociais impõe custos para a sociedade, somente suportados por cargas tributárias elevadas. Financiá-los com dívida pública é desastre certo. Foi nesse contexto que explodiram crises em vários países da Europa, das quais resultaram ondas de indignação. A propósito, já observava o pensador norte-americano Upton Sinclair: "É difícil conseguir que um homem perceba alguma coisa quando seu salário depende de não percebê-la".

Sobre o modelo chinês de Estado pouco se sabe. Em boa parte, pelo caráter introspectivo de sua cultura secular. Falar, no caso, em capitalismo de Estado corresponde a uma grosseira simplificação dessa realidade. A única e reconhecida evidência é o impressionante sucesso de suas políticas econômicas recentes. Decifrar o enigma chinês, por conseguinte, vai requerer muito mais do que os modelos analíticos ocidentais ensinam.

O fracasso dessas soluções, ressalvado o indecifrável caso da China, aponta para a construção de novos modelos de Estado. Por ora, as dúvidas prevalecem sobre as certezas.

No Brasil, como se sabe, a racionalidade e a coerência não constituem virtudes suficientemente cultuadas. A despeito disso, existem problemas no Estado que não mais comportam adiamentos, antes que sejamos condenados a resolvê-los em tempos de crise.

A questão mais grave é a previdenciária. Os colossais déficits só tendem a crescer com o aumento da expectativa de vida da população e redução dos índices de natalidade. As gerações futuras não devem ser oneradas pela nossa incapacidade de resolver os problemas presentes.

Nesse sentido, foi alvissareira a aprovação, pela Câmara dos Deputados, das regras de aposentadoria aplicáveis aos entrantes no serviço público federal. É verdade que a matéria ainda está pendente de aprovação no Senado e de sanção presidencial. De mais a mais, os Estados e os municípios precisam tomar decisões do mesmo gênero, sob pena de criar distorções no setor público.

Ainda em termos de política previdência, malgrado os custos políticos, já passou da hora de eliminar injustificados privilégios de gênero e profissão e de rever os limites de idade para aposentadoria, fixados na Constituição, como se fosse possível constitucionalizar expectativa de vida.

A política de pessoal é caótica, sobretudo em virtude de um desgovernado torneio salarial entre distintas carreiras e assemelhadas carreiras dos diferentes Poderes. As vantagens da função pública são tão evidentes que, não raro, pessoas passam a se dedicar exclusivamente à preparação para concursos públicos, assumindo a curiosa qualificação de "concurseiros".

A prodigalidade dos cargos comissionados de livre nomeação abre espaços para o fisiologismo e o aparelhamento, cujo enfrentamento exige a fixação de critérios técnicos para seu provimento.

Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha suprido a lacuna legal no disciplinamento das greves do serviço público, acolhendo em parte regras próprias da iniciativa privada, é lamentável a mora legislativa no tratamento da matéria. Esse estado de coisas cria condições para que sejam deflagradas as selvagens greves de policiais, em completo desrespeito à Constituição. Greve de pessoas armadas é motim. Não pode, portanto, haver condescendência nas punições. De resto, greve no serviço público - não se pode esquecer - tem como alvo a própria população, daí porque requer uma legislação bastante restritiva.

A privatização de atividades não tipicamente estatais, iniciada no governo Fernando Henrique, só agora foi retomada, removendo-se preconceitos ideológicos que satanizavam tudo que significasse redução no tamanho do Estado.

A privatização dos aeroportos, a despeito de falhas nos editais de licitação que resultaram em concessões para empresas sem experiência na administração de grandes aeroportos, somente deve ser comemorada se significar maior disposição para privatizar portos, estradas e outros aeroportos.

Superar esses problemas, entretanto, significa disposição para enfrentar fortes resistências. A experiência me oferece boas razões para ser cético quanto ao sucesso da tarefa.

Até quando? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 05/03/12

O país fica a cada dia menos federalista e mais concentrador. Trata-se de crônica doença do Estado brasileiro, que se adensou perigosamente como nunca antes na nossa história.
Pouco importa a natureza do problema. O poder central contrapõe-se a qualquer iniciativa, por menor que seja, que possa lhe ameaçar ínfima fatia de um falso protagonismo salvacionista.
O governo que tudo pode, e só ouve o que lhe interessa. Simplesmente dá de ombros diante de prefeitos já incorporados à paisagem dos protestos inúteis sobre a Esplanada dos Ministérios, mobilizados por migalhas de recursos.
Agora, outro capítulo da anemia do pacto federativo se desenrola no campo dos Estados -governados por partidos diversos- engolfados por dívidas impagáveis com a União.
A aritmética é simples: mesmo depois de mais de uma década de pagamentos substantivos, o valor nominal dessa dívida é maior hoje do que era no início do financiamento.
E antes que me digam que aumentou em função do teto fixado para pagamento pelos Estados, respondo que a qualidade dos serviços públicos a que a população tem direito não pode ser regida pela lógica da matemática financeira.
A fórmula, do fim dos anos 90 e importante naquele momento, não nos serve mais.
Ofende o bom senso a diferença entre as generosas taxas praticadas para empréstimos subsidiados à iniciativa privada pelo BNDES -com claro prejuízo do poder público, que toma recursos no mercado a taxas muito mais altas para satisfazer a poucos escolhidos-, e aquelas que corrigem as dívidas dos Estados.
Se é importante que o desenvolvimento seja estimulado por financiamentos mais baratos para todos, como justificar que os Estados, responsáveis por investimentos em saúde, educação e segurança, sejam penalizados pelo governo com encargos financeiros nas alturas? Como a União, ao mesmo tempo, incentiva o investimento privado e penaliza o investimento público?
Por que o governo federal não usa, na correção das dívidas dos Estados com a União, o mesmo indexador que usa para corrigir as suas?
O que não pode continuar prevalecendo é a lógica perversa que vem pautando o Planalto, de autorizar e estimular todas as demandas -ainda que justas- que geram ônus financeiro exclusivo para os entes federados, enquanto se exime de partilhar responsabilidades, optando por alternativas que fragilizam a federação e reforçam a concentração de recursos na União.
Este é o momento de perguntar até quando apenas o governo federal -e não o país- vai se beneficiar dos sucessivos recordes de arrecadação. Ao fechar os olhos para essa realidade, o Planalto dilapida o que ainda nos resta de federação.

Marx e o Facebook - VINICIUS MOTA


FOLHA DE SP - 05/02/12

Não conheço texto político que supere "O Manifesto Comunista", de 1848, em fluência e capacidade de arrebatar o leitor.
"Todas as relações fixas são varridas; todas as recém-formadas tornam-se antiquadas antes que possam ossificar-se. Tudo o que é sólido se dissolve no ar; tudo o que é sagrado se profana". O trecho do memorável panfleto de Marx e Engels estiliza, em marcha prestíssima, o mundo revolucionado pela burguesia.
É tentador aplicar essa coleção de alegorias a respeito da velocidade e da profundidade das mudanças econômicas e sociais ao novo mundo das comunicações.
Alguém se lembra da proliferação das LAN houses pelos bairros populares do Brasil? Foi aclamada como um dos efeitos da emergência da "nova classe média", cheia de promessas de inovações na sociabilidade e diminuição da desigualdade.
Quantas teses de doutorado sobre o tema ainda estarão frescas, se é que concluídas. Pois a onda das LAN houses está em franco declínio, como mostrou a Folha ontem.
O acesso à internet residencial e pelos celulares está drenando a demanda pelos serviços dessas pequenas lojas de conveniência cibernética. Quase uma em cada quatro fechou as portas de 2010 para 2011.
O "individualismo possessivo", para invocar o politólogo canadense Crawford Macpherson, parece ter derrubado a "nova sociabilidade". Mais uma vez.
E o que dizer das transações bilionárias que envolvem o futuro das empresas imersas nesse mundo em transe?
No final do ano, o Facebook pretende tomar dinheiro pela primeira vez na Bolsa. A companhia da rede social, que faturou menos de US$ 4 bilhões em 2011, dificilmente será avaliada abaixo de US$ 75 bilhões.
Vale o risco?
Há dez anos a empresa nem sequer existia. Sobreviverá a esta década revolucionária?

Protecionismo e uvas verdes - MARCELO DE PAIVA ABREU


O Estado de S.Paulo - 05/03/12


A iniciativa brasileira de rediscutir as bases do acordo automotivo Mercosul-México, vigente desde 2003, suscita avaliar os equivocados rumos da política comercial brasileira e tem impacto importante nas relações diplomáticas entre Brasil e México.

Embora haja espaço para reforma do acordo, o objetivo de equilibrar o comércio é mais um passo atrás na política comercial brasileira. O primeiro ano em que foi registrado déficit bilateral significativo do País com o México no passado recente foi 2011: US$ 1,2 bilhão. Desde 2003 o superávit médio do Brasil com o México foi de US$ 2 bilhões por ano, sem que houvesse iniciativa mexicana para denunciar o acordo. A ideia de que os fluxos de comércio são determinados por vantagens comparativas não tem trânsito fácil em Brasília. A presidente da República estaria contrariada com o atual déficit do Brasil com o México no comércio de veículos. Além disso, haveria insatisfação com a baixa exigência de conteúdo nacional (30%) para caracterizar os veículos mexicanos, ante os 65% estabelecidos pela estapafúrdia legislação brasileira que discrimina as importações na cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos.

O Brasil é exportador eficiente de produtos agrícolas e minerais. E será exportador importante de petróleo no futuro. Déficits no comércio de manufaturados não são surpreendentes. O que não se justifica é o uso de um arsenal protecionista "em defesa da indústria nacional" que não está pautado por visão estratégica quanto a custos, prazos de proteção e definição dos setores industriais afetados por falhas de mercado que mereceriam subsídios temporários.

As relações Brasil-México têm sido atribuladas, com fricções frequentes entre seus diplomatas nos foros internacionais. No início dos anos 90 do século passado, a absorção do México no bloco econômico formado por EUA e Canadá tendeu a agravar as dificuldades bilaterais. Ao México, após a negociação do Nafta, era fácil se apresentar como campeão do liberalismo em vista da concentração do seu comércio com os EUA. A ineficiência de sua agricultura, além disso, impedia o endosso da ênfase do Mercosul na liberalização do comércio agrícola mundial. Essas diferenças foram dolorosamente explicitadas em Cancún em 2003. O endosso mexicano à posição das economias desenvolvidas empenhadas na defesa de seu protecionismo agrícola contribuiu para que surgisse, como reação, o G-20 da Organização Mundial do Comércio.

Durante muito tempo, o modelo mexicano foi apresentado, por policy makers e acadêmicos nas economias desenvolvidas, como algo a ser emulado. A crise mexicana de 1994 atenuou tais ilusões, mas as negociações da Alca revigoraram as comparações entre o México liberal e cooperativo e o Brasil protecionista e criador de obstáculos. Isso despertou ressentimentos no Brasil quanto à postura mexicana. E o que se vê hoje são avaliações que certamente exageram no otimismo sobre o Brasil e, talvez, também no pessimismo sobre o México.

Os ressentimentos mexicanos agora são simétricos e exacerbados. Especialmente quanto à participação do Brasil no Brics e à postulação brasileira na reforma do Conselho de Segurança da ONU. Sucessivos artigos de Jorge Castañeda, ex-chanceler mexicano, bem ilustram a intensidade desses ressentimentos. Configurando o que poderia ser qualificada como a estratégia das "uvas verdes", Castañeda, em dificuldades para expor as possíveis excelências mexicanas, se tem dedicado a sublinhar as deficiências das atitudes adotadas pelos Brics e, em especial, pelo Brasil. O raciocínio, diria um cínico, parece ser: se todos são deficientes, o México tem chance de ser proeminente. A vontade de depreciar o Brasil é tão grande (ou será incompetência?) que, em artigo recente, listou o Brasil como tendo se abstido no voto crucial de 1947, na ONU, sobre a partição da Palestina e a criação de Israel. Em contraste com o México, que se absteve, o Brasil votou a favor, em votação presidida por Oswaldo Aranha.

Castañeda precisa entender que o México incorreu em custos políticos significativos ao manter relações tão íntimas com os EUA a partir do início da década de 90. A frustração mexicana com a mediocridade dos benefícios da integração com o Canadá e os EUA, em relação às expectativas, não atenua essa percepção, que enfraquece a posição do México entre os países em desenvolvimento.

Saudades dos tempos em que a remoção de Alfonso Reyes, estimado embaixador do México no Brasil, ensejava famoso rondó de Manuel Bandeira, celebrando o almoço oficial de despedidas no Hipódromo da Gávea: Os cavalinhos correndo / E nós, cavalões, comendo... / Alfonso Reyes partindo / E tanta gente ficando... / Os cavalinhos correndo / E nós, cavalões, comendo... / O Brasil politicando / Nossa! A poesia morrendo... / O sol tão claro lá fora / O sol tão claro, Esmeralda / E em minhalma - anoitecendo!

Mais Reyes, menos Castañeda. A diplomacia dos dois países deve tratar de desarmar os espíritos. O reexame do pacto automotivo Mercosul-México não contribui para desanuviar o ambiente de rivalidade. Mas rivalidade não deve significar necessariamente mala leche.

ONDE ESTÁ O VERBETE "BOM-SENSO"? - REVISTA VEJA


REVISTA VEJA

O dicionário Houaiss, o maior do país, está na mira da patrulha politicamente correta, que acredita lutar contra o preconceito apagando palavras e definições

Luís GUILHERME BARRUCHO 

Dicionário, diz o Aurélio, é o "conjunto de vocábulos duma língua ou de termos próprios duma ciência ou arte, dispos­tos, em geral, alfabeticamente, e com o respectivo significado". Dicionário é o celeiro do idioma, o banco central da linguagem formado por palavras com­piladas segundo um único critério, o de estarem em uso ou terem sido usa­das no passado. Censurar ou podar pa­lavras dos dicionários é uma estupidez que se equipara à loucura de rasgar di­nheiro por ser contra o capitalismo ou ao desatino de queimar florestas nati­vas para matar serpentes venenosas. Pois foi exatamente isso que o procu­rador da República Cleber Eustáquio Neves, do Ministério Público Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, ten­tou ao ajuizar uma ação civil pública pedindo a remoção das livrarias do di­cionário Houaiss, o mais completo do país, com 228500 verbetes, publicado pela editora Objetiva.

Neves deu guarida a um pedido bi­zarro feito em 2009 por uma pessoa que sustentava que duas definições da pala­vra "cigano", mesmo que devidamente registradas no dicionário como sendo de uso pejorativo, são ofensivas à etnia e de­vem ser banidas. Enquanto isso não fos­se feito e novas edições devidamente "higienizadas" do dicionário não fossem produzidas, o Houaiss deveria ser retirado das livrarias, e sua venda, proibida. O Houaiss registra que, pejorativamente. cigano é "aquele que trapaceia; velhaco. burlador" e "aquele que faz barganha que é apegado ao dinheiro; agiota, sovi­na". Pode incorrer em preconceito quem utiliza a palavra cigano nas acepções aci­ma, mas incorre em um desvio muito pior quem propõe censurar esses regis­tros por seu potencial ofensivo. Empo­brecer o idioma é um dos instintos auto­máticos das mentes totalitárias. No livro 1984, de George Orwell, um Ministério da Verdade se dedica justamente à su­pressão das palavras consideradas inade­quadas pelos ditadores e à sua substitui­ção por termos novos criados justamente para suprimir a verdade.

"Quem pede a suspensão de uma obra por ela conter um termo considera­do discriminatório está assassinando a cultura brasileira, que a cada dia é torpe­deada por novas empreitadas da patrulha do politicamente correto", diz o imortal Evanildo Bechara, membro da comissão de lexicógrafos - como são chamados os fazedores de dicionários - da Acade­mia Brasileira de Letras. Os dicionários de outras editoras, a Melhoramentos e a Globo, há dez anos suprimiram a infor­mação de que a palavra "cigano" foi usa­da no passado com sentido pejorativo. Diz Breno Lemer, superintendente da Melhoramentos, responsável pelo dicio­nário Michaelis, que é contra a interven­ção do procurador: "À medida que a so­ciedade se toma mais politicamente cor­reta, cabe ao dicionário retratar isso com o maior rigor possível. É como a fotogra­fia de uma paisagem - se a paisagem muda, é nosso dever fazer um novo re­trato, com a maior exatidão".

Nos tempos da KGB, polícia política da ditadura soviética, quando um políti­co ou uma celebridade caía em desgraça com a liderança do partido comunista, sua figura era simplesmente apagada das fotografias antigas, uma flagrante falsifi­cação da história. A hierarquia católica, em momentos de puritanismo exacerba­do, mandou cobrir as partes pudendas dos anjos e de outras figuras mostradas em majestosa nudez por mestres da pin­tura. Entre os censurados pelos prelados em guerra com os pelados esteve o gran­de Michelangelo. É saudável, portanto, reprimir a tentação de servir ao gosto presente simplesmente suprimindo e es- . condendo imagens, palavras ou dados que foram aceitáveis no passado a ponto de serem registrados para o desfrute das gerações vindouras.

O diretor-geral da Objetiva, que edi­ta o Houaiss, Roberto Feith, não con­corda com a tese de que a maneira de se alUaliz:lr passe pelu higlt;nlzaçao do conteúdo dos dicionários e de outras obras literárias ou culturais. Os diciona­ristas do Houaiss merendem refllHir 119 mudanças na paisagem mencionadas pur Breno Lemer, n:ão ~uprimindo dé1­dos do passado, mas acrescentandu in­formações relevantes para o presente. No caso de "cigano", as próximas edi­ções vão informar que as definições ofensivas "resultam de antiga tradição europeia, pejorativa e xenófoba". A ten­tação de reescrever o passado é resis­tente. Há mais de dez anos, outra ação contra o Houaiss tentou apagar a defini­ção pejorativa de judeu como "pessoa usurária, avarenta". Sem sucesso. Em 2010, o Conselho Nacional de Educa­ção condenou a obra de Monteiro Loba­to, o maior autor infantil brasileiro, por ela dar vazão ao racismo.

Concebido para facilitar a comuni­cação entre pessoas que falavam línguas diferentes, o primeiro dicionário de que se tem notícia é o Elya, do século III a.c., com 2094 palavras. No Brasil, o pioneiro foi o do carioca Antonio de Moraes Silva, em 1789, o Diccionario da Lingua POrlugueza, baseado em uma obra publicada em Portugal pelo padre inglês Rafael Blureau. Os dicio­nários costumam ser revistos por equi­pes de lexicógrafos a cada cinco ou dez anoS, quando se montam novas edições que incluem palavras incorporadas ao idioma (exemplos no novo Houaiss: "blogosfera", "tubaína", "blogar", "pi­taco", "empoderamento"). Resume o acadêmico Bechara: "O dicionário tem a função de ser o espelho vivo da lín­gua, o repertório da memória cultural e histórica do idioma". 

O jornalismo e a academia - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 05/03/12


Olhei no espelho e vi, refletida ao meu lado, a imagem suarenta de David Remnick, que levantava pesos. A iluminação fluorescente, nada lisonjeira, não poupa nem o empertigado editor chefe da New Yorker e prêmio Pulitzer por O Túmulo de Lenin.

Numa outra manhã, à minha esquerda, o editor chefe da Time, Richard Stengel, e coautor de biografia de Nelson Mandela (com o próprio), cantarolava na esteira ao som do seu iPod. Em outra ocasião, esperei, paciente, o antigo editor da Newsweek, Fareed Zakharia, hoje colunista da Time e âncora da CNN, vagar a máquina de extensão dos músculos da perna.

Já notei que um robusto colunista da revista Vanity Fair demonstra preferência pelos músculos dos ombros. Uma romancista favorita tenta, em vão, baixar seu considerável ganho de peso na mesma academia. Faço questão de não usar o chuveiro ao mesmo tempo que ela, para não provocar constrangimento, no caso de a escritora me reconhecer de uma antiga gravação de TV. Quem gostaria de dar de cara, pelada, com sua entrevistadora? Eu desviava os olhos quando me deparava, na porta do vestiário, com o estimado ator e roteirista de cinema discutindo pelo celular - seu casamento estava em crise, dizia um tabloide local.

A não ser pelo alto nível da escrita de seus frequentadores, o que a coloca num patamar literário acima de certas academias fundadas para celebrar a musculatura cerebral, esta nos oferece o mesmo baticum eletrônico insuportável e o sorriso insincero de seus funcionários. Para ser aceito na minha academia, não é preciso fingir ser literato ou contar com a complacência de seus futuros pares, mas é preciso pagar R$ 260 por mês.

Suando e bufando para justificar minha retórica sobre a vida saudável, às vezes, imagino detectar um novo vigor na minha profissão, por testemunhar, no anonimato, tantos corpos de mentes letradas a fazer flexões e escaladas no Stair Master. Mas, não, deve ser a euforia fugaz das endorfinas. A amostra demográfica da minha academia é fruto de pura coincidência geográfica.

Aqui na costa central da Califórnia, de onde escrevo, um jornalista local influente é quase um oximoro. O magro diário da cidade é parte da Tribune Company, dona do decadente Los Angeles Times e do Chicago Tribune. Na semana passada, ficamos sabendo que, depois de declarar falência sob o comando do controvertido bilionário Sam Zell, a Tribune gastou mais dinheiro com advogados e assessores - US$ 233 milhões - do que reorganizando seus jornais e estações de TV, cenários de incontáveis demissões, nos últimos cinco anos.

Apesar de ser vizinha a um renomado campus do sistema universitário estadual da Califórnia, sediar uma orquestra sinfônica e um festival de cinema decente, a pitoresca San Luis Obispo, batizada por Oprah Winfrey como "O lugar mais feliz dos Estados Unidos", não tem o que celebrar em matéria de mídia jornalística. Aproveitei uns ingressos de cortesia para frequentar a maior academia de ginástica da cidade e vi outra amostra demográfica - a que representa a famosa preocupação dos californianos com o corpo e a juventude. Todas as esteiras eram voltadas para o espelho, de costas para a vista espetacular das montanhas.

Minha anfitriã em San Luis Obispo faz 9 anos no mês que vem. Ela lê ficção com uma voracidade impressionante. Sua linguagem mistura gíria aprendida na escola com frases articuladas, de construção tão complexa que a imaginei tomando um milk-shake com Harold Bloom. Uma pena que, ao contrário da minha geração, ela não vai crescer lendo a não ficção fundamental que vem do jornalismo experiente.

Em compensação, do jeito que ela já escreve, não demora muito, pode ser aceita na academia. Não a de musculação.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 05/03/12
Queda de 24% nas exportações faz setor de móveis buscar novos mercados

A indústria moveleira passou a vender para novos mercados na tentativa de converter a queda das exportações, que prejudica o setor desde o início da crise internacional.

Américas Central e do Sul e África são os novos destinos que ocupam parte do espaço deixado pelos europeus e americanos.

De 2007 para 2011, as vendas do setor para fora recuaram 24%. Só os embarques para os EUA tiveram queda de 66%. Para a Espanha, a redução foi de 69%.

Enquanto isso, as exportações para o Peru, por exemplo, cresceram 137,2%.

"Os novos mercados devem abocanhar 10% das nossas vendas externas neste ano", diz Ivo Cansan, presidente da Movergs (Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul).

Apesar de São Paulo ser o principal fabricante de móveis, o Rio Grande do Sul, ao lado de Santa Catarina, é o Estado que mais exporta. Os dois são responsáveis por cerca de 60% dos embarques.

O diretor da Abimóvel (Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário) João Araújo diz que México, Chile e Angola também se tornaram mercados importante.

"Além dos Emirados Árabes e do Panamá, que funcionam como hub [centros de distribuição]."

Os Estados Unidos, segundo Araújo, continuam a ser um dos destinos mas atraentes, devido ao seu tamanho. O mercado brasileiro, responsável pela maior demanda, também está em expansão.

Olhar estrangeiro

A FGV e o Insper se movimentam para atender à demanda externa por conhecimento sobre o Brasil. Em parceria com a escola de negócios espanhola IE Bussiness School, o Insper oferecerá um curso para executivos que queiram investir ou fazer negócios no país.

O programa dará uma visão de oportunidades de negócios em áreas como energia, infraestrutura e construção, além de incluir visitas a empresas brasileiras e espanholas no Brasil, segundo o diretor Luca Borroni.

"É uma imersão total para ganhar músculos e entender o país, sob as perspectivas política, legal, corporativa e social", diz Borroni, também conselheiro da Unicon, que reúne grandes escolas de negócios, como Harvard.

A Ebape, da FGV recebe nesta semana cerca de 30 alunos da Wharton Business School, da Pensilvânia, uma das mais prestigiadas em MBA do mundo.

O programa do curso "Managing in Emerging Economies" vai focar em energia e infraestrutura.

No prato

A exportação de arroz ao Iraque, negociada há um ano, começou com distribuição inicialmente em supermercados, segundo a Câmara de Comércio e Indústria Brasil Iraque. Mas pode alcançar os restaurantes em breve.

O momento é de alta nas vendas ao país e consolidação da comercialização direta, sem intermediários.

As exportações de produtos brasileiros ao Iraque em janeiro foram de US$ 98,8 milhões, alta de 72% ante o mesmo mês de 2011 - 53% com exportações diretas.

Obra na aula

O Instituto da Construção, rede voltada para a formação de pedreiros, pintores, encanadores e eletricistas, abrirá 120 franquias até o final deste ano.

A empresa, criada em dezembro passado, tem contratos fechados para Manaus, São Paulo, Porto Alegre e Rio. "A ideia surgiu a partir da dificuldade em contratar bons profissionais no setor", afirma o proprietário da rede, Davi Pinto.

Cada unidade terá cerca de mil alunos e a duração dos cursos, com aulas práticas e teóricas, será de quatro a oito meses.

Safra... A Aqces fechou dois contratos de R$ 300 milhões para gestão e operação de colheita, transbordo e transporte de cana-de-açúcar. A empresa estima colher e transportar 2,4 milhões de toneladas de cana no interior de São Paulo em 2012.

...expandida Com contratos a partir de cinco anos de duração, a empresa investe R$ 25 milhões para atender a essas novas demandas. A maior parte do valor vai para a aquisição de 115 equipamentos.

Bula A Libbs Farmacêutica lançou o Salsep 360. Com o produto, a empresa espera ampliar seu market share em um mercado que movimenta R$ 100 milhões no Brasil por ano.