quinta-feira, dezembro 27, 2012

As árvores e o canudinho - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 27/12



Tomar suco com canudinho tem mais a ver com o risco de desaparecimento das florestas do que eu imaginava. Com o aquecimento global, a distribuição e a quantidade de chuvas está mudando. Chove menos nas florestas e de maneira menos regular. Um estudo feito em florestas localizadas em 81 locais, distribuídos por todo o planeta, demonstrou que as árvores não estão preparadas para suportar essa mudança.

Quando tomamos suco com um canudinho, chupamos o líquido, que sobe pelo canudo e cai na nossa boca. O que as bochechas fazem é provocar uma pressão negativa (menor que a pressão atmosférica) no interior do canudo, o que faz o líquido subir.

As árvores usam um processo parecido para levar água do solo até a copa. Milhares de minúsculos canudos, chamados de dutos do xilema, transportam água e nutrientes tronco acima. Esses pequenos dutos podem ser observados em qualquer pedaço de madeira: são os veios que correm ao longo do comprimento do tronco. Nas plantas, o papel da bochecha, de criar a pressão negativa que faz a água subir, é exercido pelas folhas, onde os dutos do xilema se ramificam e terminam. No interior das folhas, a água evapora, e é o processo de evaporação que cria a pressão negativa que chupa a água das raízes até a copa das árvores. Se falta água, as folhas podem fechar pequenas aberturas que existem em sua superfície (os estômatos), diminuindo a evaporação e economizando água. Quando a água é abundante, os estômatos se abrem, chupando mais água e transportando mais nutrientes, o que permite que a fotossíntese funcione a toda velocidade.

O problema é quando entra ar no canudo. Se você ainda não viveu a experiência de tomar suco com um canudo furado, vale a pena tentar. O ar que entra pelo furo desfaz a coluna de líquido dentro do canudo, destruindo a pressão negativa. Você chupa muito e pouco suco chega na boca. Exatamente a mesma coisa ocorre com as árvores quando falta água por muito tempo. As folhas, com sede, criam uma pressão negativa enorme, o que faz com que se formem bolhas de ar nos dutos do xilema, paralisando o transporte de água - é a chamada embolia do xilema. Se esse processo ocorre em poucos dutos, a árvore se recupera, mas se mais da metade dos dutos sofre embolia a árvore seca e pode morrer.

Ao longo dos últimos anos, os cientistas vêm medindo, em centenas de tipos de árvores, a pressão negativa máxima no interior dos dutos do xilema. Como era de se esperar, em climas em que existe pouca água no solo, como nas plantações de oliveiras na Espanha, as árvores estão adaptadas para manter uma pressão negativa muito grande de modo a chupar a pouca água que existe no fundo da terra. Já nas florestas tropicais, as árvores funcionam bem com uma pressão muito mais baixa, pois a água é abundante. A pressão em que uma árvore opera é uma característica da espécie.

Mais recentemente, outro tipo de medida também tem sido feita. É a medida da pressão negativa em que 50% dos dutos do xilema de uma dada árvore se enche de ar. Esse é o ponto a partir do qual a possibilidade de recuperação da árvore é muito pequena. Para fazer isso é necessário deixar de molhar o solo e ir medindo a pressão no interior do xilema à medida que as folhas vão aumentando a pressão desesperadas por água. Se a pressão aumenta muito, começa a ocorrer o acúmulo de ar nos canudinhos do xilema. Quando 50% deles estão com ar, a pressão é registrada. Essa é a pressão em que ocorre a embolia irreversível dos dutos do xilema, também uma característica de cada espécie.

Agora os cientistas compilaram os dados para 226 espécies de árvores, localizadas em 81 regiões, espalhadas por todos os ecossistemas do planeta. Foi comparada a pressão negativa em que cada árvore opera no seu cotidiano e a pressão negativa máxima suportada pela espécie, aquela em que 50% do sistema colapsa (embolia irreversível).

Quando esses dados foram analisados, o resultado deixou os cientistas impressionados e assustados.

Os dados demonstram que em praticamente todas as espécies de árvores, qualquer que seja seu habitat - seja na floresta amazônica, seja nos semidesertos -, a diferença entre a pressão que as árvores usam para obter água nas condições normais é muito próxima da pressão em que elas sofrem embolia irreversível. Em outras palavras, todas as árvores, de todas as florestas, operam sempre muito perto do limite tolerado por cada espécie. Isso quer dizer que mesmo uma árvore localizada na Amazônia, onde chove muito e a terra está sempre úmida, vive no limite de sua capacidade de capturar água. Se a quantidade de água for um pouco reduzida, ela corre o risco de embolia irreversível. E o mesmo ocorre com uma árvore do Cerrado. Ela opera com uma pressão mais alta, mas também próxima ao limite em que ocorre a embolia irreversível.

Esse resultado inesperado assustou os cientistas, pois demonstra de maneira cabal que as florestas de todo o globo são extremamente suscetíveis a pequenas diminuições de água. Basta o aquecimento global diminuir um pouco a quantidade de água e as árvores de todos os ecossistemas podem colapsar vítimas de embolia em seu xilema. O resultado também explica porque em diferentes regiões do planeta, onde o aquecimento global já reduziu as chuvas, muitas florestas estão morrendo rapidamente.

A conclusão é que as árvores vivem perigosamente. Em todas as florestas, elas vivem próximo do limite de sobrevivência. Ao alterarmos o regime de chuvas estamos colocando em risco a sobrevivência de todas as florestas. E sem árvores não haverá suco para ser tomado com canudinho.

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