domingo, novembro 25, 2012

A revolta da 'dolça Catalunya' - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 25/11


Crise e governo central irritam tanto que reforçam o independentismo, que é problema, não solução


BARCELONA - Apaixonei-me por Barcelona ao cobrir os Jogos Olímpicos de 1992, aqui realizados.

A bem da verdade, a primeira aproximação não foi propriamente com a cidade, até porque mal consegui conhecê-la; cobrir Olimpíada é um massacre.

Apaixonei-me pela gente. Em especial pelos voluntários que trabalhavam nos Jogos, em troca de um sanduichinho, uma remuneração simbólica e um diploma ou algo parecido. Nunca havia convivido com uma moçada tão orgulhosa de sua terra, de sua língua e tão disposta a demonstrar que Barcelona era capaz de fazer uma Olimpíada memorável (e foi).

O sentido de comunidade era marcante, mais ainda porque estamos falando de 1992, o ano em que o Brasil vivia o pico e o fim da era Collor, talvez o momento de maior vergonha, de maior desamor pela pátria. O contraste era forte demais para não impressionar.

Era impossível resistir ao encanto da cidade. Encanto que reencontro agora, ao poder realmente andar por ela com mais tempo para olhá-la. De novo o contraste: nas Ramblas, a rua mais simbólica de Barcelona, mais central, há não obstante cadeirões nas laterais do passeio central que jovens e principalmente velhos e velhas ocupam, olhando a vida e o tempo passar.

Deixei São Paulo em pleno conflito, uma cidade que, mesmo antes dele, se alguém se animar a pôr cadeiras na calçada ou será internado como louco ou vítima de algum arrastão.

Claro que Barcelona, como toda a Espanha, sofre os efeitos de uma crise tremenda, que multiplicou o desemprego e fez a atividade econômica retrair-se duramente.

Por isso mesmo, há uma certa revolta nesta "dolça Catalunya pàtria del meu cor", verso que abre a canção "L'Emigrant", uma espécie de hino nacional extraoficial (dispensa tradução, não?).

Uma revolta que permitiu a seu governador de turno, o moderado Artur Mas, colocar na roda a ideia da independência, para o que haverá uma espécie de pré-votação neste domingo.

Parece-me pura fuga para a frente, que não vai resolver os problemas conjunturais nem criar condições para um futuro mais radioso. Até entendo que haja na Catalunha resquícios de repúdio ao modo como a Espanha do ditador Francisco Franco a tratou na sua longa ditadura do período 1939/75. O catalão, esse grande signo da identidade da região, foi proibido nas escolas e só sobreviveu porque os pais ensinavam as crianças em casa.

Hoje, no entanto, "a Catalunha não é um país colonizado, oprimido. É uma nação próspera rica e influente", diz Lluis Bassets, colunista de "El País".

Separar-se da Espanha até contraria a idiossincrasia do catalão, se Xavier Vidal-Folch, também de "El País", a retrata bem: "O catalão prefere a linguagem da sedução à da imposição; prefere convencer a vencer".

Barcelona talvez seja a cidade que mais sabe usar a linguagem da sedução, de preferência como orgulhosa nação dentro de uma Espanha plural.

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