domingo, maio 06, 2012

Às banalidades - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 06/05/12


O mundo não tem jeito mesmo, deixa o mundo para lá. Não se preocupe em se distrair e ficar desinformado: quando o mundo chegar ao fim, com um estrondo ou uma inalação, nós saberemos. Fique descansado, ele não acaba sem você. Vamos às banalidades, portanto.

Por exemplo: o que acontece com os seios à mostra quando saem das passarelas? Em todos os desfiles de moda pelo menos metade das modelos mostra roupas transparentes em que os seios aparecem. Mas é raro encontrar alguém na, digamos, vida civil usando as mesmas roupas, ou roupas com a mesma transparência. Os seios não aparecem na mesma proporção quando as roupas saem das passarelas para a realidade. Ou eu é que ando frequentando a realidade errada?

Pode-se argumentar que os desfiles são representações de um ideal impossível de ser reproduzido no cotidiano. Num desfile de modas todas as mulheres são lindas, altas e magras. São, por assim dizer, mulheres destiladas, ou a mulher como ela sonha ser – e andar, e brilhar, e vestir roupas caras. Desta maneira os seios à mostra nos desfiles também seriam idealizações. Só seriam seios reais se viessem junto com o vestido, e a mulher, usando sua transparência, automaticamente ficasse com seios de 

manequim.

As manequins são como aqueles desenhos nos cartões à sua frente nas poltronas dos aviões, de pessoas ajustando o colete salva-vidas, colocando as máscaras de oxigênio, assumindo a posição adequada para o caso de queda do avião, atirando-se pelo tobogã para sair do avião acidentado – enfim, em situações de emergência. E nos cartões ninguém tem cara de quem está numa situação de emergência. Não estão exatamente sorrindo, mas sua expressão é de quem enfrenta emergências com naturalidade, até com uma certa indiferença. São pessoas que seguiriam as instruções de respirar normalmente depois de colocar as máscaras de oxigênio – coisa que você e eu nunca faríamos. As manequins são assim. Desfilam como se ser magnífica, com seios magníficos, fosse uma coisa comum. Na vida real, poucas mulheres podem usar uma roupa cara como a roupa cara merece, como manequins. Na vida real, ninguém respira normalmente com máscaras de oxigênio caindo sobre sua cabeça.

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