quinta-feira, março 15, 2012

O mundo paralelo da crise política - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 15/03/12


Parece haver uma crise na República de Brasília; há o risco de que o tumulto político chegue ao Brasil?



ENTENDIDOS EM política dizem que há uma crise política. O que seria tal crise? Qual a consequência?

Grupos vários no Congresso provocam e azucrinam Dilma Rousseff.

Bloqueiam votações, ameaçam derrubar leis e nomeações de interesse da presidente, boicotam e fritam a ministra encarregada de relações políticas (Ideli Salvatti), reclamam da "insensibilidade" da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman.

Enfim, os povos do Congresso, nominalmente todos governistas, dizem que o modus operandi político de Dilma é "autoritário", "tecnocrático", "inábil" e "amador". A linha dura teria sido reforçada pelos novos líderes que Dilma indicou.

Vindas de onde vêm, as críticas são suspeitas ou desprezíveis, se tomadas pelo seu valor de face. Grosso modo, a "crise" e os ataques a Dilma não passam do rescaldo de ano e meio de disputas e demandas por cargos e verbas, que jamais pareceram tão desavergonhadas e audaciosas, até onde vai a memória dessas coisas, faz quase 30 anos.

O PMDB está ouriçado desde que foi meio chutado para escanteio, ainda na formação do ministério, no fim de 2010. O PT, no fim de sua decadência, encarna o peemedebismo, não reconhece em Dilma uma dos seus e dividiu-se em apenas facções de rapina de cargos.

O conflito interno criou rachaduras de onde vazam muitos dos escândalos que balançaram o governo -derrubada de ministros e de altos diretores de estatais.

Parece óbvio, mas convém ressaltar que tal "crise" se desenrola num ambiente em que o prestígio popular da presidente é alto e que as condições materiais de vida do povo comum jamais foram tão boas. Nem mesmo o PIBinho de 2011 tem efeito relevante, pois o consumo do cidadão continuou a crescer rápido.

Difícil imaginar, pois, como a "crise" possa transbordar para fora de Brasília (a não ser que atinja diretamente Dilma). A gente pode lembrar de "crises políticas" (ou "institucionais", como se exagerava) mais tensas e que deram em nada, mesmo num governo abalado por choques econômicos como o de FHC 2.

Os mais idosos lembrarão do duelo entre PMDB e PFL (então governistas, aliados dos tucanos), Jader Barbalho e ACM, no início do século, duelo de titanics que tumultuou a política por quase dois anos e lançou muita denúncia no ventilador.

ACM, para azucrinar FHC, começou até a fazer campanha por programas sociais e aumentos do salário mínimo, quanto então passou a ter a simpatia de petistas graúdos no Congresso, um vexame. Um ano depois, nada sobrara da "crise institucional", decerto atropelada pelas mui reais crises do apagão, da Argentina, da recessão nos EUA etc.

Pode-se dizer que o tumulto impede a aprovação de coisas importantes como o Código Florestal, o fundo de pensão dos servidores ou a lei do petróleo; que um Congresso assim pode escolher aventureiros para presidir suas Casas e aprovar rombos no Orçamento. Pode-se.

No fim das contas, o Congresso não costuma fazê-lo, até porque governo e o Parlamento enfim se arranjam favores. Além do mais, nem há muito mais projeto dilmiano importante no Congresso. Talvez deixar como está para ver como fica, deixar o fogo queimar, possa ser perigoso. Talvez, apenas. O assunto não chega a ser irrelevante, mas de qual crise se trata, mesmo?

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