domingo, novembro 27, 2011

O lirismo político de Danielle - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 27/11/11

Danielle Gouze não assumiu o título de primeira-dama da França, que tanto agrada a outras mulheres. Ela era a mulher de François Mitterrand, presidente de 1981 a 1995, e bastava. Se ela conheceu o luxo do Palácio do Eliseu, se sua vida esteve ligada à do presidente, ela continuou sendo uma "mulher livre". Uma "pedra no sapato" de Mitterrand, pois as ações que realizava raramente coincidiam com as maquinações do marido.

O encontro deles foi romântico. Fim da 2.ª Guerra. Mitterrand é um homem belo, culto, sedutor e complicado. Em 1940, ele está ao lado do marechal Philippe Pétain. Compreende seus equívocos. Mais tarde, alia-se à Resistência Francesa e assume riscos. Escapa por milagre da Gestapo.

Danielle pertence a uma família de "resistentes". Seu pai, diretor de escola, foi punido por se recusar a fornecer uma lista de alunos judeus, exigida por Pétain. François fica fascinado pelos "olhos felinos" da bela jovem, sua inteligência, sua audácia.

O casamento foi realizado em 28 de outubro de 1944. Durante a festa, Mitterrand recebe uma mensagem, é convocado para uma reunião da Resistência. Danielle escapa com o marido, ainda vestida de noiva. No dia seguinte, ela completa 20 anos.

E sua vida começa com uma "fera" da política. Mitterrand é um homem sensível às mulheres. Seria caso de divórcio. Ele recusa. Danielle é sua mulher diante de Deus. Ela, que não conhece muito o bom Deus, é fiel. Encontram uma solução. A partir de 1960, o casal permanece unido, mas cada um vive sua vida do seu lado. Mitterrand é um grande sedutor. Danielle tem algumas relações.

Mais tarde, François Mitterrand tem um caso com Anne Pingot e da relação nasce uma filha, Mazarine, em 1974. Sem escândalo. Em silêncio.

Segredo. Desgosto. No funeral de Mitterrand, em 1995, Danielle está ao lado dos dois filhos que teve com o marido. Entre os dois, uma jovem, Mazarine, filha de Mitterrand e Anne Pingot. A França, petrificada, observa. Danielle abraça Mazarine.

Na política, a mesma partilha. François é presidente. Danielle é sua mulher, mas ela faz o que lhe dá na cabeça. E sua cabeça é efervescente. Certamente, ambos são de esquerda, mas a esquerda de Danielle é mais vermelha do que a de François. É escarlate, púrpura, carmim, roxa, rubi. No caso dele, prevalece a "realpolitik". Para Danielle, é o coração, o lirismo político.

Danielle é uma "indignada". Salta de pés juntos e de olhos fechados em todos os combates. Um elefante numa loja de porcelana. Coloca em frangalhos as habilidades diplomáticas de François, que tem de reunir os pedaços. Jamais se opôs à mulher. De um lado, não conseguiria. De outro, tirou benefícios e conseguiu não ser censurado pela esquerda, a mesma que tantas vezes foi colocada em apuros pelas ações de Mitterrand no Eliseu.

Os choques foram inúmeros. Com China, Argélia, Chile, Marrocos. "Terceiro-mundista", adepta dos movimentos antiglobalização, Danielle abraça todas as causas que considera justas. Suas lutas marcam a história do século 20: apartheid, liberalismo, colonialismo, pena de morte, aids, alfabetização, Bangladesh. Ela luta a favor dos ameríndios, tibetanos, dos ilegais, defende Fidel Castro, o subcomandante Marcos.

Entre os oprimidos e os maltratados, tem alguns prediletos, como os curdos. E até o seu último dia de vida (ela morreu aos 87 anos), lutou pelo acesso dessas regiões à água potável.

Essa foi Danielle. Podemos detestar alguns de seus combates (Fidel Castro, por exemplo), mas ninguém, mesmo à direita, contesta sua coragem, sua pureza. Em um mundo político hipócrita, prudente, embusteiro, covarde e conformista, ela passou como uma chama.

Primeira-dama da França ela nunca foi. No entanto, entre todas as primeiras-damas, foi a menos esquecida. Nem a mulher de Charles de Gaulle deixou uma marca tão forte. Sem falar em Giscard D'Estaing, um diminutivo sem graça do marido aristocrata.

De todas essas mulheres, Carla Bruni também fascina. As razões, porém, não são as mesmas. Carla é a beleza absoluta. Danielle foi a generosidade sem fim. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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