sexta-feira, janeiro 14, 2011

CELSO MING

Trem-bala para as reservas
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/01/11


As reservas externas ultrapassaram na quarta-feira os US$ 290 bilhões, anunciou ontem o Banco Central. Provavelmente ainda no primeiro trimestre chegarão aos US$ 300 bilhões.

Não dá mais para sustentar a alegação de que o Banco Central segue empilhando reservas para blindar a economia contra crises. Em 2008/2009, reservas em torno de US$ 200 bilhões foram mais do que suficientes para reduzir o impacto no Brasil da maior crise do capitalismo desde os anos 30 a "simples marolinha". Mesmo aceitando prognósticos, cada vez mais raros, de que o pior ainda está por vir, não se pode mais insistir que o País precisa de couraça mais resistente.

Tampouco dá para aceitar o discurso das autoridades do Banco Central de que atuam no câmbio apenas para evitar indesejada volatilidade. No início da semana, admitiram que irão atuar no mercado de derivativos em nome do Fundo Soberano do Brasil (administrado pelo Tesouro), com o objetivo de evitar excessiva valorização do real.

A montanha de reservas impõe custos, cada vez mais altos. Custam a cada ano o que custará o trem-bala para o País. Acompanhe os cálculos:

Para cada US$ 100 lançados nas reservas, o Banco Central tem de aumentar a dívida pública no equivalente a R$ 167. (Esse despejo de títulos aumenta a dívida bruta; não eleva a dívida líquida porque no outro prato da balança há o ativo em reservas.) Essa emissão de dívida é necessária para retirar do mercado os reais usados na compra dos dólares. É a operação de esterilização da emissão de moeda, como dizem os técnicos.

Para sustentar reservas de US$ 290 bilhões, o Banco Central mantém no mercado R$ 485 bilhões em títulos. Os US$ 290 bilhões em moeda estrangeira comprados pelo Banco Central e aplicados no mercado internacional rendem mais ou menos 2% ao ano, o que dá US$ 5,8 bilhões ou R$ 11,4 bilhões. Em contrapartida, o País tem de pagar pelos R$ 485 bilhões da operação de esterilização juros de 10,75% ao ano, o que implica despesa de US$ 31,2 bilhões ou R$ 52,1 bilhões.

A diferença entre o rendimento das reservas e os juros pagos em reais para mantê-las é de US$ 24,4 bilhões ou R$ 40,7 bilhões, volume equivalente às projeções dos custos de construção do trem-bala.

São números que podem variar alguma coisa, dependendo das magnitudes assumidas para o volume médio de reservas, juros recebidos, juros pagos e câmbio.

Pergunta crucial: vale a pena gastar tanto para ostentar reservas desse tamanho? Alguém poderia responder: é claro que vale, porque as compras de dólares evitam uma derrubada maior das cotações do dólar no câmbio interno. Certo? Provavelmente, não. Porque esse tamanho das reservas também é fator importante de atração de dólares, na medida em que aumenta a percepção de solidez da economia e foi razão definitiva para que o Brasil conquistasse grau de investimento para sua dívida. Se tivesse apenas US$ 50 bilhões em reservas, volume existente ao final de 2005, o Brasil teria o afluxo de moeda estrangeira que tem hoje? É claro que não.

Ninguém sabe se o trem-bala será aprovado, porque seu custo é tão alto que inviabiliza qualquer tarifa. Por que esse raciocínio não vale para as reservas externas?

CONFIRA

Assim não dá

No pronunciamento de ontem, que justificou a manutenção dos juros básicos da zona do euro em 1% ao ano, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, voltou a atacar os governos da área que não cumprem seus compromissos de austeridade. Na semana passada, Trichet já avisara que "a responsabilidade na política monetária não pode ser substituto para a irresponsabilidade dos governos".

Duas vezes mais

O crescimento do PIB da Alemanha, de 3,6% no ano passado, é mais do que o dobro da média do crescimento previsto para a área do euro (1,4%). A França só vai crescer 1,4%; a Itália, 1,0%; e a Espanha terá queda do PIB de 0,4%.

Duas velocidades

Esse resultado consolida a percepção de que a área do euro opera com duas velocidades: a da Alemanha e a do resto. Não são resultados que terão impacto apenas econômico. Tendem a consolidar a hegemonia da Alemanha dentro do bloco.

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