quarta-feira, dezembro 29, 2010

ROBERTO DaMATTA

Ritos de passagem
Roberto DaMatta
O Estado de S. Paulo - 29/12/2010

A expressão, embora técnica, é definitivamente poética. Remete tanto a um momento quanto a um processo, essas dimensões típicas do humano tanto na sua imprevisibilidade que nos faz voar, quanto na sua estabelecida tonelagem que nos ata a este mundo. Todos passamos e viver é transitar sofrendo ou exultando por meio das etiquetas e das fórmulas que recebemos das sociedades e famílias onde entramos sem convite ou escolha. Assim, ritualizamos tanto o nascimento quanto a morte; bem como todos os momentos críticos de nossas vidas. Felizmente, por mais que o tempo passe, haverá sempre uma primeira e uma última vez.

O descobridor dessa fundamental platitude não foi nenhum gênio da publicidade, mas um antropólogo chamado Arnold Van Gennep. Foi ele que num livrinho com esse título, publicado em 1909 (divulgamos essa obra no Brasil em 1978, numa coleção que dirigimos com o Prof. Luiz de Castro Faria), enxergou o padrão dos ritos de crise de vida individuais ou coletivos, que sempre e em toda época ou lugar, seguem os mesmos princípios. O primeiro é que, embora eventualmente ligados a processos fisiológicos, eles são de fato ideológica (ou socialmente) definidos; o segundo é que são sempre dramatizados e, assim, compartimentalizados em algum palco ou local onde devem ignorados ou obrigatoriamente ser vistos por todos; e, finalmente, o terceiro, é que todos eles têm uma fase de separação (que remove a pessoa ou o objeto do seu campo habitual); uma fase limite ou fronteiriça, onde não se está na velha posição social nem fora dela; e uma fase final de incorporação no novo papel, ambiente ou momento.

Ora, é exatamente isso que todos nós temos feito nesse período de festas. Fase inaugural de uma estação de consumo obrigatório que culmina no ano-novo, porque Papai Noel tem que encher o seu enorme saco de brinquedos e nós a nós mesmos e aos nossos próximos de "lembranças". Tal período termina no carnaval e se você quiser fazer alguma coisa séria nesta época, você vai ouvir um brasileiríssimo e preguiçoso: "Isso só depois do carnaval!"

* * *

Cada qual sai do ano velho e entra no novo com um rito de passagem peculiar. Conheço gente que toma banho de cheiro, outros que bebem e comem desbragadamente. Meu saudoso pai dava tiros de revólver para o ar; um amigo, antropólogo estruturalista, batia tampas de panela; outros comem lentilhas (símbolos de fartura) pela meia-noite. Dizem que quem faz algo bom na virada do ano, repete essa coisa o ano todo. Ademais, no Brasil, somos arregimentados a nos vestir de branco e ir à praia, onde fazemos um ano morrer e dele partejamos um tempo novo.

Neste Natal eu, modesto, fui ao barbeiro.

Como vocês sabem, o barbeiro é a prova mais patente e gritante de como nós precisamos do outro e somos feitos pelos outros. É o testemunho que não podemos nos enxergar dormindo do mesmo modo que estamos impedidos - a não ser usando algum instrumento - de ver nossas próprias nucas, costas e traseiros. A nossa proverbial lateralidade (esquerda/direita, alto/baixo, frente/fundo, fora/dentro) não nos permite coçar nossas costas. Precisamos de outras mãos e a coceirinha gostosa, mas irremediável, pode ser prova de terrível solidão.

Tudo isso faz com que o barbeiro seja a primeira e talvez a mais fundamental experiência de alteridade, pois ninguém corta - como sabem melhor do que ninguém os indianos - o seu próprio cabelo a ser trabalhado por um outro que nos vê pelas costas sem, entretanto, nos mandar embora ou nos desprezar.

- O que deseja?

- Um corte de cabelo.

- Qual?

- Como?

- Sim, meu senhor, que cabelo?

* * *

Um querido amigo me deve, por conta de um outro rito de passagem, o eleitoral - que seria vencido no primeiro turno e por larga margem pela candidata petista, hoje a primeira presidente mulher da nossa história, duas garrafas de uísque John Walker Blue Label. Mas até agora eu, de azul, só vi o céu, como naquela belíssima música de Irving Berlin. Blue skies/Smiling at me/Nothing but blue skies/ Do I see...

* * *

Estamos também transitando de governo, mas mantendo a tradição de Lula. Como teria reagido um feroz e oposicionista PT diante da proibição de uma greve no governo FHC? Salve a neomendacidade política lulista que talvez seja o sintoma mais flagrante de que transitamos para um meio-termo efetivamente burguês, iluminado pelo bom senso dos interesses próximos e, queira Deus, dos distantes também.

Aliás, a César o que é de César: o governador Sérgio Cabral falou franca, corajosa e abertamente de dois temas que temos que discutir e não podemos mais marginalizar: o aborto e o jogo como parte da bagagem da liberdade englobada pela cidadania republicana. Não sou favorável a nenhum descontrole, sei da gravidade e das contradições implicadas, mas penso que se pode estabelecer controles, sem os quais seria impensável diminuir ou limitar o hedonismo desabrido que conduz ao consumo de drogas, à dissipação pela jogatina e ao crime.

* * *

Finalmente, aproveito a oportunidade para desejar ao leitor um feliz ano-novo. Viva os bons momentos produzidos pelas festas. Aproveite essa brecha de alegria e despreocupação que a figura da Sagrada Família e dos Reis Magos, com seus inefáveis presentes, exemplificam. O sofrimento é permanente, mas ele é a maior prova de que o amor existe.

MARIO MESQUITA

China: em busca do pouso suave

MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/12/10

A estratégia chinesa para 2011 adota um tom mais austero do que as diretrizes vigentes em 2010


ANTECIPAR o comportamento do nosso principal parceiro comercial será bastante importante para ajudar a projetar a economia brasileira em 2011. Evidentemente, a China influencia o que ocorre no país tanto pelo canal do comércio exterior bilateral como por meio de seus efeitos no ritmo da economia mundial e também no sentimento dos mercados financeiros.
O processo de formulação da política econômica na China é muito diferente do que prevalece nas economias maduras, ou mesmo no Brasil. Para resumir, as decisões mais importantes são tomadas pelos líderes do partido governante, cabendo aos ministérios e ao banco central apenas a implementação.
As metas de política econômica para 2011 foram apresentadas em recente conferência de líderes e deverão ser oficializadas em março próximo. Em termos descritivos, a estratégia para 2011 é calcada em "política monetária prudente e política fiscal proativa", um tom mais austero do que as diretrizes vigentes para 2010: "política monetária moderadamente relaxada e política fiscal proativa".
Especificamente, a meta para crescimento foi a mesma vigente em 2010, de 8%, que é considerado o mínimo para assegurar uma expansão adequada do emprego. Por sua vez, a meta para a inflação foi elevada para 4% (3% em 2010), mas continua mais ambiciosa do que a brasileira.
Essa decisão provavelmente reflete a aceleração da inflação para cerca de 5% neste ano, que deve ter efeitos inerciais em 2011, contraposta à necessidade de sinalizar um compromisso com a estabilidade de preços e, assim, manter as expectativas de inflação sob controle.
Para tanto, o BC deverá perseguir uma expansão da oferta de moeda de 16%, ante 15% em 2010. A meta para novos empréstimos bancários chega a 7,5 trilhões de yuans (cerca de US$ 1,2 bilhão, ou 16,7% do PIB).
Ainda que essa meta tenha excedido as expectativas dos analistas, ela representa crescimento nominal de 16%, ante cerca de 19% em 2010. Se deflacionarmos a meta pelo Índice de Preços aos Produtores, o crescimento esperado cai para 9%, ante 13% em 2010, sugerindo moderado aperto monetário.
O deficit público chinês deve ser reduzido para 900 bilhões de yuans (2% do PIB), abaixo dos 2,6% deste ano. Além disso, o amplo pacote de estímulos introduzido na crise será descontinuado ao final de 2010.
As metas adotadas sugerem que as autoridades chinesas buscam promover um pouso suave da economia, e, para tanto, adotaram medidas tópicas e moderadas de ajuste, sem mudanças dramáticas de política.
A inflação preocupa, mas será combatida basicamente por meio de depósitos compulsórios e medidas administrativas, um eufemismo para controle de preços, em que pese ocasional acionamento de instrumentos tradicionais, como a alta de juros anunciada no Natal.
Medidas administrativas podem ser usadas, também, para conter a inflação de ativos, como imóveis. Já a política cambial chinesa não deve ser alterada. As estimativas sobre a apreciação esperada do yuan ante o dólar em 2011 variam de 2% a 10%, com timing discricionário, que pode, por exemplo, refletir considerações políticas e até diplomáticas.
As semanas que antecedem reuniões de alto nível entre lideranças chinesas e americanas podem, por exemplo, ser caracterizadas por apreciação mais acelerada do yuan.
Sendo assim, a China deve continuar acumulando reservas, que devem continuar sendo investidas, dada a falta de alternativas viáveis, em títulos do Tesouro americano.
Com esse pano de fundo, as expectativas consensuais são de que a economia chinesa cresça entre 9% e 9,5% em 2011, com inflação entre 4% e 4,5%.
Esse desempenho tende a favorecer os fornecedores da China, sejam exportadores de matérias-primas, como o Brasil, ou de bens de capital, como a Alemanha. Os preços de commodities devem, também, manter-se sustentados, ainda mais porque o crescimento da demanda chinesa deve ser acompanhado pelo de outras economias da região, mormente a Índia.
Diante desse quadro, não parece razoável esperar que o gradualismo das autoridades chinesas gere influência desinflacionária importante sobre nossa economia em 2011. O risco pode estar na outra direção. 

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

MÔNICA BERGAMO

MULTA MARGINAL 
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/12/10

A Promotoria da Habitação está cobrando da Dersa uma multa de R$ 11,8 milhões pelas falhas na sinalização da Marginal Tietê. A empresa havia se comprometido com o MP a resolver os problemas na via até o dia 31 de agosto. Se não o fizesse, estaria sujeita a multa de R$ 100 mil por dia. Os R$ 11,8 milhões correspondem ao período de 1º de setembro até ontem, quando seria protocolado o pedido de execução da cobrança. 

PARCELA 
"É uma das maiores multas diárias já cobradas pelo MP, mas é menos de 10% do valor da obra e pouco perto do transtorno causado para a cidade", diz a promotora Maria Amélia Nardy Pereira. O dinheiro deve ir para o fundo de reparação de interesses difusos lesados, e será usado, por exemplo, nas obras de reconstrução de São Luiz do Paraitinga (SP). 

A PARTE QUE LHE CABE 
A Dersa diz que "tem prestado todos os esclarecimentos solicitados pelo MP". Não comenta a multa. 

OFICIAL 
Gabriele Galateri, presidente da Telecom Itália (dona da TIM), deve vir para a posse de Dilma Rousseff, no sábado, como um dos representantes do governo de seu país. O outro será o embaixador italiano em Brasília, Gherardo la Francesca. 

A VIDA COMO ELA É 
De Silvio de Abreu, autor de "Passione", sobre o plano verossímil que a personagem Clara (Mariana Ximenes) bolou na novela para simular um assalto a um prédio (que incluía clonar o controle remoto da garagem): "Não fiz nenhuma pesquisa apurada. Tudo o que sei, li nos jornais". 

PIPOCA DO BAIRRO 
Com R$ 50 mil obtidos do governo de SP, o cineasta Pedro Dantas ("Ermelino É Luz") realizará o primeiro Festival de Cinema da Zona Leste. O evento está marcado para o final de janeiro, no CEU Quinta do Sol. Haverá projeção de imagens da região com música ao vivo do grupo O Samba que a Gente Faz. Até mesmo uma brasileira que mora em Barcelona inscreveu um trabalho na mostra competitiva. 

COMIDA CULTURAL 
A Fundação Gilberto Freyre lançará em 2011 o livro "A Alimentação na Obra de Gilberto Freyre", com textos do sociólogo pernambucano com referências a comidas. Junto com os textos selecionados por uma pesquisadora haverá receitas de pratos típicos citados por Freyre em alguns ensaios. 

BALANÇA PAULISTA 
Os associados paulistas do Vigilantes do Peso perderam 112 mil quilos de janeiro a novembro. A unidade do Tatuapé, na capital, foi a campeã de emagrecimento, com 10,7 mil quilos, seguida pelos grupos da avenida Paulista (8.778 kg) e de Mauá, na região do ABC (8.304 kg). 

CHAME O SÍNDICO
A festa de final de ano no Studio SP teve show da banda Instituto com repertório do CD "Racional", de Tim Maia. Para a noite, o grupo convidou ao palco Thalma de Freitas, Carlos Dafé e BNegão. O proprietário do clube, Alexandre Youssef, comemorou seu aniversário na noite, ao lado de convidados como os músicos Curumin, Pitty e Wilson Simoninha. O ator Pedro Neschling e o ex-jogador Raí também passaram pelo Baixo Augusta.

SEM PAPAI NOEL 
O golfista Tiger Woods, que se separou no ano passado depois de um escândalo sexual, passou novamente o Natal longe dos dois filhos. Em 2009, a ex-mulher, Elin Nordegren, o proibiu de ver as crianças e mandou que ele enviasse os presentes pelo correio. Neste ano, levou a prole para a Suécia. No dia de Natal, Woods estava na plateia de um jogo da NBA. 

CURTO-CIRCUITO

A SP Escola de Teatro, no entorno da praça Roosevelt, será inaugurada hoje, às 11h, pela Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo. 

A Mokai inaugura hoje seu "beach club" no hotel Casa Grande, no Guarujá, com os DJs Lucky, Marcos Ramos e Tovitz. Classificação: 18 anos. 

A festa beneficente Etnia Disco Party 2010 acontece hoje, às 21h, na pousada Etnia, em Trancoso. 18 anos. 

O programa "Som Brasil", da TV Globo, ganhou o Prêmio APCA como melhor projeto de música na categoria Música Popular e Televisão. 

com DIÓGENES CAMPANHALÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

GOSTOSA

BOLIVAR LAMOUNIER

Na despedida de Lula, lamento destoar do clima de louvação
Bolivar Lamounier
REVISTA EXAME

Na obrigação de escrever alguma coisa, tentarei dar uma arrumação nova a avaliações que vez por outra andei fazendo neste espaço.


Na área econômica, eu penso que Lula acertou em cheio ao jogar no lixo as idéias do PT e manter a política do governo anterior . De fato, ao assumir, em 2003, Lula não alterou o tripé de política econômica que encontrou : metas de inflação, câmbio flutuante e Banco Central livre de interferência política ; para presidir o BC, teve inclusive o cuidado de buscar um banqueiro acima de qualquer suspeita, com o que evitou prevenções nos mercados financeiros e conservou a estabilidade a duras penas alcançada no período anterior.

Por mais que falasse em “privataria” e em “auditoria”, Lula não moveu uma palha no sentido de reverter as privatizações efetuadas nos anos 90. Ao contrário, instruiu o PT a abortar no Congresso uma proposta do PSOL, que queria um plebiscito sobre a privatização (e eventual reestatização) da Vale. Nos últimos dois anos, já sob a influência de Dilma Rousseff e em conexão com o pré-sal, o espírito estatizante voltou forte; até onde irá, não sabemos.

Mas aí acabam os acertos, ou não-erros. Para começar, o legado de Lula para Dilma inclui índices de inflação já bastante incômodos e uma situação fiscal preocupante, necessitando de sério ajuste.

Na infra-estrutura – energia elétrica, rodovias, portos, aeroportos…-, a presidência Lula pode ser considerada desastrosa. Uma das causas do desastre foi a qualidade manifestamente deficitária da gestão, mas que dizer do financiamento?

Oito anos atrás, a inexistência de recursos públicos para os investimentos necessários era de conhecimento geral. Que foi feito das PPPs (Parcerias Público-Privadas), cuja lei foi aprovada no Congresso logo no inicio do primeiro mandato? No ambiente internacional favorável daquele período, por que não se tratou de atrair capital estrangeiro para essa área?

Estou falando do passado, mas o desastre ficará ainda maior se os trabalhos relacionados com a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada se atrasarem – e por ora é difícil crer que isso não vá acontecer.

Chegando ao final de seus dois mandatos, Lula parece convencido – e isto é grave – de haver descoberto a pedra filosofal. Pensa que a economia brasileira cresceu vigorosamente nos últimos anos graças a méritos inexcedíveis de seu governo. Às vezes fala como se não se desse conta de que o motor do nosso crescimento é o progresso da Ásia, em especial o da China. Dir-se-á que o governo soube aproveitar tal oportunidade. Ora, espantoso seria se não tivesse sabido.Seria como não perceber um elefante entrando numa residência de dois cômodos.

Na área social, também, Lula acertou, e muito, ao manter e expandir programas iniciados pelo governo anterior. Foi rápido no gatilho quando se desfez do Fome Zero, que não iria a lugar nenhum, e adotou o Bolsa-Família. Não vem ao caso inquirir aqui por que Lula nunca deu o devido crédito ao governo Fernando Henrique – cálculo eleitoral, certa inclinação de personalidade, sabe-se lá.

Mas chega a ser desfrutável, convenhamos, a pretensão de elevar as políticas sociais do período Lula à condição de um “novo modelo de desenvolvimento”, como consta na tese de doutoramento em economia do senador petista Aloísio Mercadante, defendida dias atrás na Unicamp.

De corrupção, eu talvez nem precisasse falar, mas não posso passar batido sobre o que Lula disse anteontem numa entrevista. Segundo ele, pior que o mensalão teria sido o acidente com o avião da TAM em Congonhas. Eu não estou seguro de haver captado a mensagem que Lula pretendeu passar. Quereria ele talvez dizer que não houve corrupção em seu governo, ou que a corrupção, se aconteceu, foi desimportante, insuficiente para lhe causar algum abalo? Sem faltar ao respeito com S.Exa., atrevo-me a indagar se não haverá em sua fala um quê de autismo, considerando-se que a corrupção em seu governo começou com Valdomiro Diniz e culminou em Erenice : o mensalão foi o meio do caminho.

Na área propriamente política, as últimas declarações de Lula vêm sendo mais uma vez instrutivas. Um dia ele diz que não descarta voltar em 2014. No dia seguinte, diz que Dilma será sua candidata em 2014. A imprensa correrá atrás, tentando adivinhar quais são afinal as reais intenções de Luís Inácio.

Eu me limito a lembrar um ilustre comunicólogo de cujo nome não me lembro: “o meio é a mensagem”. Lula passará os próximos dois ou três anos propalando ambigüidades, disseminando contradições, afirmando uma coisa e seu contrário, com um único objetivo – manter sua imagem permanentemente associada a uma palavrinha de sete letras: eleição.

Para concluir, direi três ou quatro palavras sobre os desafios que Dilma irá enfrentar a partir de sábado. Inflação, ajuste fiscal, reformas, Congresso? Sim, isto é óbvio.

Mas o que me chamou a atenção esta semana foram dois números que apareceram na imprensa: no governo Lula, 83% dos cargos de livre nomeação foram preenchidos por petistas, e 49% por sindicalistas. São números eloqüentes. Eles mostram que Lula e o PT montaram no governo uma subestrutura – um aparelho – do qual Dilma dificilmente conseguirá se livrar.

Quer queira mesmo voltar em 2014 ou não, o ponto de referência e principal interessado nessa subestrutura é evidentemente Lula.

Os fatos mencionados sugerem duas hipóteses. Primeiro, como é óbvio, a presidente Dilma Rousseff corre o risco de ter um poder paralelo permanentemente nos calcanhares. O bom relacionamento dela com Lula pode atenuar, mas não elimina por completo os problemas a que essa situação pode levar.

Segundo, por aí se pode apreciar o amplo panorama histórico da evolução do PT. A fase da pureza ética e do discurso proto-revolucionário (“contra tudo o que aí está”) acabou. Era uma “doença infantil”. Sobrevive apenas nas margens, como uma canção de ninar ainda útil para embalar o sono dos ingênuos.

Na fase atual, o que há é um projeto de poder, um guarda-chuva remunerativo sob o qual militantes, sindicalistas, ONGs e apparatchiks de vários tipos e origens se acomodam. Para maior glória do lulismo e sob os auspícios do contribuinte.

VINICIUS TORRES FREIRE

Uma trégua e um debate medíocre
Vinicius Torres Freire
FOLHA DE S. PAULO

"Governo de transição" passa recibo de que será prudente na área fiscal e de que o BC será "normal"



2011 será um ano de "contenção fiscal", disse ontem o secretário do Tesouro, Arno Augustin, de Lula e de Dilma Rousseff. Mais cedo, o ministro da Fazenda de Lula e também de Dilma, Guido Mantega, disse que no ano que vem o governo cumprirá a "meta cheia" de superavit primário (isto é, a parcela dos impostos que o governo deixa de gastar).

Neste ano, o governo federal ainda promete cumprir a "meta cheia", embora os economistas de Lula tenham dito ontem também que a meta inteira para o conjunto do setor público pode não ser cumprida devido a gastos excessivos de Estados e de municípios. Mas, enfim, como nos últimos dias o governo faz mágicas e milagres contábeis para fechar sua "meta cheia", não sabemos exatamente qual a qualidade e a credibilidade das contas federais.

Os economistas do governo ainda não explicaram como serão feitos os cortes de despesa de 2011, coisa difícil de fazer, pois a despesa está bem engessada com compromissos firmes. Ainda assim, aos trancos e barrancos, de modo confuso e nebuloso, o governo Dilma vai se comprometendo com a ideia de que em 2011 o governo tem de jogar mais na defesa, depois de dois anos de relaxamento de gastos, embora não tão estapafúrdios como diz a oposição sistêmica ao lulismo-petismo.

Trata-se, pois, do segundo calmante que o governo administra nesta transição aos povos dos mercados. O primeiro foi o ritual meio destrambelhado de "purificação" do novo Banco Central. Os povos dos mercados duvidavam do compromisso de Dilma com a "autonomia" do BC, além de desconfiar das credenciais "ortodoxas" da nova direção. A fofoca foi dirimida com declarações do novo presidente do BC, Alexandre Tombini, com recados da "equipe de transição" e, enfim, com o recente "Relatório de Inflação" do BC, que dançou conforme a música. Se o BC é de fato algo diferente do que o foi na primeira metade dos anos Lula, não o é o bastante para causar rebuliço nas finanças.

Outro ansiolítico ministrado pelo "governo de transição Lula-Dilma" foi o pacote de medidas de incentivo ao mercado de capitais. A grande finança do país agradeceu e aplaudiu o projeto, revelador da capacidade e do interesse do governo em realizar algumas reformas inteligentes e baratas, habilidade, no entanto, pouco exercida entre 2005 e até o final da administração Lula.

Assim, parece estabelecida uma trégua nas escaramuças entre finança, "mercado" e governo. Isto posto, o debate econômico ainda parece medíocre. Não se tem ideia do programa de médio prazo (quatro anos) de Dilma para a política macroeconômica. Menos ainda se sabe se a presidente eleita tem algum projeto de limpar a poeira em áreas como a administração da dívida pública, indexações, poupança pública forçada, taxação e regulações primitivas sobre o mercado financeiro, papel do BNDES etc.

Do lado privado, porém, também é espantosa a falta de imaginação e movimentação política. Financistas em geral não gostam de aparecer, ainda mais na foto política. Mas está na hora de deixar o lobby silencioso apenas e apresentar projetos além da arenga ideológica de muitos de seus porta-vozes. O setor privado sabe muito reclamar de excessos do governo, mas sua capacidade empreendedora na política de reformas está abaixo da crítica.

ROLF KUNTZ

Lula e a política do óbvio
ROLF KUNTZ
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/12/10

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda repetindo uma nova frase de efeito, boa como propaganda e, como de costume, sem compromisso com os fatos. Ele se vangloria de ter feito somente o óbvio. Por isso, acrescenta, foi fácil governar e promover mudanças importantes. Se esse fosse o balanço de uma empresa aberta, a Comissão de Valores Mobiliários deveria impugná-lo. Os pontos verdadeiros são relevantes, mas escassos. Se fazer o óbvio é agir com bom senso, o presidente aderiu à obviedade ao manter o tripé da política macroeconômica - metas de inflação, câmbio flexível e superávit primário. Acertou também ao respeitar o acordo de autonomia do Banco Central, um dos poucos núcleos de competência da administração federal nos últimos oito anos. 
Fez o óbvio, igualmente, ao ampliar os programas de transferência de renda, lançados com sucesso na administração anterior. Os demais acertos também foram construídos sobre alicerces amplamente renovados e reforçados na década anterior. E é sempre instrutivo repetir: o oposicionista Lula e seu partido combateram essas mudanças. Contestaram o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o câmbio flexível e o plano de recuperação bancária, alardeado por Lula, anos depois, como exemplo para o mundo rico.
Mas, se o óbvio é o sensato, Lula fez o oposto do óbvio em boa parte de sua gestão. Na educação, deu prioridade à multiplicação de faculdades e à ampliação de matrículas em cursos universitários. Fez muito barulho com esse tipo de ação, realizável sem esforço e muito rentável politicamente. Mas deixou em plano inferior questões muito mais urgentes. A educação fundamental continua muito ruim, a taxa de analfabetismo funcional pouco variou (cerca de um quinto dos brasileiros com 15 anos ou mais) e o acesso ao nível médio permanece afunilado. Tudo isso tem sido confirmado pelo IBGE e pelo fracasso dos estudantes brasileiros nos testes internacionais. 
Lula também não fez o óbvio em relação ao sistema político. A liberdade de imprensa é obviamente essencial à democracia, mas o governo petista várias vezes tentou restringi-la. No primeiro mandato, o presidente mandou ao Congresso um projeto de censura (essa palavra resume bem o propósito). A tentativa foi repelida e ele negou sua responsabilidade. O Executivo, segundo ele, apenas enviou ao Legislativo um projeto concebido fora do governo. Não haveria uma desculpa menos grotesca? 
O ataque foi retomado nos anos seguintes. O impropriamente chamado Decreto dos Direitos Humanos continha novas ameaças à liberdade de informação e de opinião e foi apoiado por defensores do "controle social" dos meios de comunicação. Esse controle foi incluído no programa do PT, registrado pela candidata Dilma Rousseff e em seguida por ela renegado. 
Milícias e movimentos atrelados ao governo são uma óbvia ameaça à democracia. Mas o presidente aceitou conversar com arruaceiros, como os invasores do Ministério da Fazenda, e promoveu o peleguismo sindical e estudantil. Pela primeira vez na história um dirigente da UNE se declarou estudante profissional e afirmou ser obrigação do governo dar dinheiro a entidades estudantis. 
Seria óbvio valorizar a profissionalização do setor público. O governo preferiu o aparelhamento e o loteamento. Outra obviedade seria limitar a carga tributária para tornar a economia mais competitiva, mas a tributação cresceu sem parar, para sustentar uma administração ineficiente e gastadora.
Na política externa, o óbvio seria dar prioridade aos interesses do País. Mas a diplomacia petista resolveu apoiar tiranos e tiranetes e desprezar os acordos comerciais mais promissores. A escolha dos parceiros "estratégicos" nunca envolveu reciprocidade e os interesses nacionais foram sacrificados até na América do Sul. Compradores de manufaturados brasileiros, como os Estados Unidos, foram negligenciados.
A ascensão da China à condição de mercado número um foi celebrada como façanha diplomática. Mas para a China, o Brasil é uma fonte de commodities. Teria pelo menos o mesmo papel com outra diplomacia. Os chineses precisam desses produtos e os brasileiros podem fornecê-los. Na relação com os emergentes, não se ganhou nada mais do que se ganharia sem o carnaval terceiromundista. O País fez papel de bobo em troca de apoios irrelevantes à pretensão de integrar o Conselho de Segurança. Na relação com os Estados Unidos, oportunidades foram perdidas para países com políticas mais adultas - como a China e emergentes até da América do Sul. 

GOSTOSA

ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

Riscos e garantias da nova minoria
Aloísio de Toledo César
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/12/10

A nova composição de forças políticas no Congresso Nacional, com o predomínio do Partido dos Trabalhadores e seus aliados, difunde entre os que não abrem mão do Estado de Direito e da liberdade de imprensa uma certa inquietação acerca do rumo a ser tomado na elaboração de leis, sobretudo emendas constitucionais. A inquietação é a mesma quanto à possibilidade de constituição de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) destinadas à apuração de escândalos, uma vez que a minoria parlamentar, aritmeticamente considerada, não teria número suficiente para formá-las.
Os cálculos feitos pelos parlamentares de oposição indicam que o grupo majoritário ou situacionista chega a três quintos do Congresso Nacional, ou seja, a nova presidente da República terá uma força política jamais alcançada por seus antecessores. Daí a interrogação que emerge quanto ao seu comportamento no poder.
Pegam-se os peixes pela boca e os homens, pela palavra. Dilma Rousseff já externou a disposição de defender a liberdade de expressão e tomara que essa seja realmente uma sincera indicação de conduta. O grupo político de que faz parte, contudo, vem mostrando as unhas, já faz tempo, quanto à pretensão de regulamentar o exercício da atividade de imprensa no País.
Regulamentar, da forma que pretendem, significaria disciplinar, tornar dóceis e obedientes os jornalistas e órgãos de divulgação. Uma imprensa submissa, bem comportada, representaria a forma mais adequada para garantir apoio a modificações na Constituição federal ao gosto desse grupo.
Felizmente, a Carta Magna tem suas próprias defesas e proíbe expressamente propostas que possam abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação de Poderes, os direitos e garantias individuais. E, muito embora não inclua expressamente a liberdade de imprensa entre essas proibições, o artigo 5.º, inciso IV, cláusula pétrea insusceptível de modificação, garante a liberdade de manifestação do pensamento. E isso, é elementar, alcança a atividade jornalística, rádio, televisão e cinema.
Em verdade, tornou-se patente nos últimos anos que o grupo inconformado com a liberdade de imprensa parece pretender o exemplo da Constituição de Cuba, quando dispõe: "Art. 53 - Reconhece-se aos cidadãos liberdade de palavra e de imprensa, conforme os objetivos da sociedade socialista. As condições materiais para seu exercício estão dadas pelo fato de que a imprensa, o rádio, a televisão, o cinema e outros meios de divulgação são de propriedade estatal e social e não podem ser objeto, em nenhum caso, de propriedade privada, o que assegura seu uso a serviço exclusivo do povo trabalhador e do interesse da sociedade."
A nossa Constituição, no artigo 60, prevê que a proposta de emendas deve ser feita por pelo menos um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. E terá de ser discutida e votada em cada Casa do Congresso, em dois turnos, merecendo aprovação se obtiver, em ambos, três quintos dos respectivos membros.
Eventual proposta de anestesiar a imprensa e torná-la dócil talvez não encontre obstáculo na Comissão de Constituição e Justiça, que será majoritariamente petista. Mas no Supremo Tribunal Federal (STF), guardião das cláusulas pétreas, modificações redutoras da liberdade de expressão e do direito de imprensa esbarrariam em dezenas de decisões anteriores e contrárias à pretensão.
Um exemplo bem claro do respeito e da submissão daquela Corte às disposições da Constituição federal está em decisões do ministro Celso de Mello, o qual em diferentes oportunidades garantiu a criação de CPIs, mesmo quando formadas tão somente pela minoria.
Celso de Mello, paulista de Tatuí, entende que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. Nessa linha, decidiu que o direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que tornem viável a sua prática efetiva e concreta.
Nessa linha, entendeu que a maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na indicação de membros para compor determinada CPI, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo artigo 58, § 3.º, da Constituição, que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada CPI em torno de fato determinado e por período certo.
O ministro também defende a tese de que os atos parlamentares, muito embora tenham o seu caráter político, sempre que ultrapassarem os limites delineados pela Constituição, ou exercerem suas atribuições com ofensa a direitos públicos subjetivos, deverá o Judiciário sobre eles exercer o seu controle.
Em seus julgamentos, sempre na mesma linha, ele reconheceu a existência, no âmbito das Casas do Congresso Nacional, de um verdadeiro "estatuto constitucional das minorias parlamentares", em decisões que tornaram viável, de modo pleno, a possibilidade de ampla investigação legislativa, por CPI instaurada por iniciativa de grupos minoritários, de atos Poder Executivo.
Esse entendimento do STF tranquiliza e se contrapõe a eventual pretensão de aniquilação da minoria pelo pecado de ser minoria. Enfim, a prevalecer o entendimento relatado, na próxima legislatura a CPI sempre surgirá como instrumento máximo para fiscalização do governo, sem a necessidade de se converter antes em maioria. Em consequência, está pacífico que a CPI é instrumento básico da minoria, porque a maioria, para investigar, não precisa dela.
Aloísio de Toledo César DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

ALON FEUERWERKER

Gargalos na mentalidade
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 29/12/10

A história da humanidade não é redutível a equações, e é complicado enxergá-la como ciência. Fosse uma, seria relativamente simples prever. Há entretanto certas regras. E prestar atenção nelas ajuda um bocado. 
Uma regra é a inexistência de nexo absoluto entre os recursos naturais de um país e seu progresso. Uma parte da explicação pode ser debitada na conta do colonialismo, do imperialismo, mas enxergar a coisa só por aí seria miopia. 
Há bom exemplo de país fortemente subsidiado (o contrário de "explorado") mas incapaz de dar o salto adiante. 
Assim como existem ótimos casos de nações cujo praticamente único recurso natural é a população e apesar disso, ou por causa disso, seguem adiante aos pulos. 
Já nós permanecemos mentalmente acorrentados a um pensamento pré-moderno, segundo o qual a natureza é a fonte de toda riqueza. 
Foi o que se viu na campanha presidencial deste ano, no debate sobre o petróleo do pré-sal. Polemizou-se sobre o modelo do negócio (concessão ou partilha), mas não sobre o que fazer com o dinheiro. 
O modelo pode ser importante, mas em última instância a diferença entre as propostas é contábil. Quanto da receita fica com o governo e quanto com o parceiro privado. 
O verdadeiro nó, se o foco estiver na soberania do país, é como converter a receita do pré-sal em alavanca para a inovação científica e tecnológica. Não apenas na esfera da indústria do petróleo, mas na economia nacional como um todo. 
Pois se há uma regra bem estabelecida na História é a vantagem competitiva dos povos capazes de inovar e estar adiante de seu tempo, no esforço para controlar os elementos da natureza, na arte de fazê-los trabalhar para nós. 
Qual é o maior desafio brasileiro? A forte desigualdade social é fenômeno algo recente. E vai sendo enfrentada. Imbatível mesmo é nossa resistência a transitar de uma sociedade recostada no extrativismo para uma fincada na indústria, no conhecimento, na agregação de valor-trabalho. 
Tudo nos empurra para trás. O agrarismo está no nosso DNA. O único lugar em que o capital proveniente da agricultura serviu para catapultar a industrialização " São Paulo " acabou ocupando o nicho de "opressor" no imaginário modelado pelas demais elites brasileiras. 
Na era das delícias consumistas do real forte, nosso processo de "libertação nacional" vem se resumindo a uma substituição: sai o "Made in USA" e entre o "Made in China" (em inglês mesmo; em mandarim ficaria ininteligível). 
Confira você mesmo. Dos presentes que deu nestas festas de fim de ano, quantos portavam a marca "Indústria Brasileira" (ainda é assim")? 
O imenso saldo comercial externo produzido pela agricultura é consumido em importações. E muitas vezes quando importamos maquinário é para alimentar indústrias apenas montadoras. 
O Brasil orgulha-se da Embraer. Mas o que aconteceria à empresa se de repente ficasse proibida de importar tecnologia e componentes? 
Quando queremos vender aviões para alguém precisamos antes pedir licença a terceiros. 
Ouve-se por aí que o grande desafio de Dilma Rousseff será consertar os gargalos na infraestrutura. É algo relativamente simples de fazer numa época de prosperidade continuada. 
Difícil mesmo será consertar os gargalos na nossa mentalidade. A educação pública, por exemplo, é tratada como uma joint-venture entre os políticos grávidos de promessas nas eleições e os sindicatos das categorias profissionais diretamente envolvidas. 
A expressão "movimentos sociais" é um rótulo bonito para mascarar o corporativismo. 
Sim, pois não se conhece entre os movimentos sociais nenhuma APCFVEPTDSTAN (Associação de Pais Cujos Filhos Voltam da Escola Pública Todo Dia Sem Ter Aprendido Nada). 
Nosso grande desafio não está nas profundezas do pré-sal, nem nos buracos das estradas, ou na falta delas. Está em transformar a escola pública brasileira, de baixo até em cima, em um dínamo do saber, da ciência, da inovação, da competição, do progresso. Uma escola voltada para a ascensão profissional e social do aluno e da família dele. Simples assim. 
Infelizmente, não se nota no governo que entra um desejo de promover essa ruptura tão necessária. Parece ainda acorrentado ao continuísmo, ao corporativismo. Mas tomara que eu esteja errado, e não seria justo fazer pré-julgamento. 
Melhor torcer para que desta vez aconteça um milagre. 

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Oferta e procura 
 Renata Lo Prete 

Folha de S.Paulo - 29/12/2010

Na reta final da montagem de sua equipe, Geraldo Alckmin alijou Alberto Goldman e sinalizou inflexão mais profunda que a esperada por José Serra no Bandeirantes. Com apoio do antecessor, o governador trabalhava para assumir a Secretaria de Saneamento, que seguirá com tutela sobre a Sabesp e o Daee.
Decidido a entregar a pasta ao PV e inclinado a mover Andrea Matarazzo para a Comunicação, Alckmin chegou a convidar Goldman para a Cultura. Diante do insucesso de seu pleito, o governador fez circular a versão de que recusara convite para o secretariado. E o eleito deve mesmo manter Matarazzo onde está.

Olímpico O neurocirurgião Jorge Pagura, dirigente da Federação Internacional de Natação e ex-secretário de Saúde da capital, é o favorito para ocupar a pasta de Esportes na cota do PTB.

Panelaço O calendário de protestos no novo governo Alckmin tem tudo para ser inaugurado já no dia da posse. Policiais civis e militares prometem concentração em frente à Assembleia para acompanhar o deslocamento do governador eleito ao Bandeirantes. A categoria cobra reajuste salarial em 2011.

Pose final A agenda de Lula na manhã de 31 de dezembro está reservada para "despachos internos". Na verdade, o presidente fará nova sessão de fotos com ministros e secretários.

Palanque O PT de São Bernardo pede que seus militantes carreguem Lula nos braços na festa que será promovida na noite de sábado para recepcioná-lo. O partido oferecerá um caminhão de som "caso o presidente queira discursar", mesmo depois do dia cheio em Brasília.

Via satélite Lula cancelou a viagem a Caetés (PE), inicialmente prevista para ontem. Mas hoje, em cerimônia no Palácio do Planalto, inaugurará de forma remota a prometida agência do INSS em sua cidade natal.

Doce lar Acompanhada de duas secretárias, a presidente eleita Dilma Rousseff conheceu ontem em detalhes sua futura morada, o Palácio da Alvorada. A primeira-dama Marisa Letícia a ciceroneou durante o "tour".

Sub do sub Antonio Palocci quer deslocar Beto Vasconcelos, hoje subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, para a secretaria executiva da pasta. A troca de cadeiras está praticamente selada. Depende apenas da palavra final de Dilma, que a princípio pretendia levar Vasconcelos, com quem mantém estreita ligação, para auxiliá-la na Presidência.

Fica como está Luiz Azevedo, atual secretário-executivo de Alexandre Padilha nas Relações Institucionais, ficará no cargo sob a gestão de Luiz Sérgio (PT-RJ), ministro que assume a pasta na segunda-feira.

Voto em lista Aliados de Henrique Eduardo Alves (RN) garantem que, dos 79 deputados que assumem em fevereiro, 60 já assinaram documento pela sua recondução à liderança do PMDB no próximo ano. A relação de nomes será entregue à Mesa Diretora da Casa de forma apenas protocolar, o que evitaria disputa interna.

Tira-teima Peemedebistas se deliciam com a possibilidade de o "bloquinho", composto por PC do B, PSB e PDT, liderar movimento em favor de candidato alternativo ao do PT à presidência da Câmara. Motivo: este será o primeiro embate no Congresso após a posse de Dilma. Portanto, servirá como uma espécie de "teste de fidelidade" na bancada governista.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Quando insiste em dizer que o mínimo vai ficar nos R$ 540, Lula imita FHC. Será que ele quer que esqueçamos o que fez?"
DO SECRETÁRIO-GERAL DA FORÇA SINDICAL, JOÂO CARLOS GONÇALVES, sobre o fato de o presidente reafirmar que o novo valor do salário mínimo em 2011 contemplará o INPC, sem aumento real, como era tradição em seu mandato.

contraponto

Leitura dinâmica

A Comissão de Finanças da Assembleia paulista avaliava dias atrás o relatório do Orçamento de 2011 quando o PT iniciou obstrução dos trabalhos.
O petista Rui Falcão pediu que o relator, Bruno Covas (PSDB), lesse as 20 páginas de seu parecer e cada uma das 2.020 emendas acatadas, num expediente para retardar a votação.
Um deputado governista brincou:
-Será que o Rui acha que todo mundo aqui é o Tiririca? Tem que ler tudo isso para entender?

MALUCO

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Farmácias recebem máquina contra falsificação 
Maria Cristina Frias

Folha de S.Paulo - 29/12/2010 

Apesar da oposição da indústria farmacêutica, em 2011 começam a ser instaladas nas drogarias as primeiras máquinas para checar a veracidade de medicamentos por meio de um selo de segurança fornecido pela Casa da Moeda.
A Abras (Associação Brasileira de Supermercados), em parceria com a Anvisa, começará a colocar os leitores óticos em 800 farmácias localizadas em supermercados, segundo Sussumu Honda, presidente da associação.
"A Anvisa tem encontrado muita falsificação. É um problema que afeta o país, apesar de parecer incomum em grandes centros", diz Honda.
Remédios adquiridos em outras farmácias também poderão ser testados.
Lojas das redes Carrefour, Walmart, Coop, Grupo Pão de Açúcar, Angeloni e GBarbosa devem ser as primeiras a receber os equipamentos, segundo a Abras.
A criação do selo para combater a falsificação, iniciativa tomada pela Anvisa, é contestada pela indústria farmacêutica, que entrou na Justiça para tentar derrubar a medida e aguarda decisão.
A indústria é contra o uso do selo, por considerar os custos envolvidos em sua implantação muito altos.
Uma seladora moderna e rápida pode custar 500 mil, segundo Nelson Mussolini, vice-presidente do Sindusfarma (sindicato do setor), que diz que a verificação poderia ser feita apenas por meio de um código 2D, semelhante ao código de barra.
A adoção do selo de segurança pode onerar também o consumidor final e afetar a inflação, segundo Mussolini.
"O aumento no custo não pode ser repassado ao preço final, mas chegaria ao consumidor pelo mercado, com a retirada de descontos."

PARA ONDE OLHAR EM 2011

Filipe Redondo/Folhapress


Paulo Bilyk, sócio da Rio Bravo, gestora de recursos
"Vou olhar para os Estados Unidos", diz Paulo Bilyk, sócio da gestora de recursos Rio Bravo, sobre o que atrairá a atenção dele no ano que vem. "Acho que houve uma percepção unilateral dos EUA. O país foi "sobrevendido.'"
"O mundo subestimou a capacidade de inovação e de se recriar dos americanos. O ano de 2011 será aquele em que os EUA voltarão a ter um papel de liderança", afirma.
"Isso vai se refletir no valor das empresas americanas e nas de outros países como o Brasil."

RECORDE NO COMÉRCIO EXTERIOR
Os contratos de câmbio do Banco do Brasil, que incluem operações de câmbio à vista, de ACC (Adiantamento sobre Contrato de Câmbio) e de ACE (Adiantamento sobre Cambiais Entregues), já superaram neste ano os volumes apurados em todo 2009.
No acumulado até novembro, a modalidade de exportação foi a que registrou o maior volume, atingindo US$ 50,7 bilhões.
O aumento foi de 7,6% sobre todo o ano passado. Com esse resultado, a instituição financeira alcançou 30,7% de participação de mercado.
Na importação, o aumento foi de 14%, ao registrar US$ 38,9 bilhões. A participação de mercado do banco nessa modalidade é de 24,3%.
O maior incremento foi obtido no câmbio financeiro de venda (troca de moeda em caso de viagem ou volta ao país), que cresceu 19,7% e chegou a US$ 49,8 bilhões.

ON-LINE
Os contratos de câmbio de exportação (câmbio à vista e ACC/ACE) efetivados pela internet corresponderam a 66,5% das mais de 120 mil operações.
Na importação, 44,2% do total de 160 mil contratos foram fechados pelo sistema.
Os contratos de câmbio assinados digitalmente representaram 47,8% do total, com crescimento de mais de 7% em relação a 2009.

Inteligência A SAS, empresa de serviços de inteligência analítica, vai trabalhar na implementação de um projeto de gestão de risco, no Banco do Brasil. O projeto, que terá investimento de US$ 20 milhões, começa em janeiro e terá duração de cinco anos.

Crédito sem risco A consultoria Witrisk, especializada em gestão de risco de crédito e cobrança, expande os negócios no mercado internacional e fecha parceria com a colombiana Credivalores, voltada para o financiamento de empresas privadas. É o primeiro acordo firmado pela consultoria fora do Brasil.

Emprego despenca na construção pesada em SP

Após registrar demissão de 89 trabalhadores em setembro e 252 em outubro, o emprego na construção pesada em São Paulo despencou, com mais de mil demissões em novembro.
A queda foi de 1,34% no mês, em um total de 80.326 empregos no Estado, segundo o Sinicesp. No acumulado dos últimos 12 meses, o sindicato registra redução de mais de 5.000 vagas.
A expectativa é de novas baixas até março, segundo Helcio Farias, responsável pelo levantamento.
"Isso é reflexo do fim de grandes obras como Rodoanel, Marginal, vicinais e recapeamentos. Soma-se a isso o início das chuvas, que congela as obras pesadas", diz.
O impacto poderia ser maior, segundo Farias, não fosse a carência de mão de obra atravessada pelo setor.
"Como está faltando desde engenheiro até servente, pode ser que segurem um pouco as demissões, em função da dificuldade de contratar." Na construção civil a desaceleração também já aparece.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Colher de chá Sonia Racy 
O Estado de S.Paulo - 29/12/2010

Lula vai passar a faixa presidencial para Dilma no dia 1º mas não deve entregar as chaves do Palácio da Alvorada. A previsão é que ele desocupe de vez a residência oficial em cerca de um mês.

Isso por conta da indefinição quanto ao seu instituto e ao seus inúmeros pertences ainda sem destino certo. Enquanto isso, Dilma deve ficar mais um tempo na Granja do Torto.

Em casa

Sarah Nicole Lowry e David MC Laughlin - turistas americanos queimados na explosão de um bueiro da Light no Rio - não estão mais no Brasil. O pesquisador passa bem e sua mulher, que teve 80% do corpo queimado, faz tratamento em um hospital de Ohio.

Haverá indenização? Indagada, a cia. se limita a explicar que "adotou todas as medidas necessárias". Seja lá o que isso for.

Jogo de cintura

Em Genebra espera-se boa performance de Antonio Patriota na Rodada Doha, no mês que vem. Diplomatas da OMC acreditam que sua presença ajudará no acordo batalhado pelo G20.

Há dez anos, quando começaram as discussões sobre queda das barreiras comerciais, o futuro titular do Itamaraty desfrutava de trânsito privilegiado entre representantes dos EUA, Índia e China, três países-chaves na costura de um pacto definitivo.

Bodyguard

O guarda-costas que acompanha a princesa Caroline de Mônaco em sua estada no Brasil é velho conhecido das cariocas. O fortão já veio zelar por Charlotte Casiraghi, namorada do meio brasileiro meio inglês Alex Dellal. E por onde passa arranca suspiros.


Endereço verde

Depois do Ano Novo em Santos na casa dos sogros, Marina Silva voltará em pleno janeiro para Brasília. Está de mudança do seu apartamento funcional para uma casa no Lago Norte, que encontrou com ajuda de amigos.

Endereço verde 2

Aliás, o destino dos seus assessores mais próximos já está certo: Bazileu Alves ficará em São Paulo no Instituto Democracia e Sustentabilidade. Já Carlos Vicente e Jane Villas Boas, no Instituto Marina Silva em Brasília.

Tô tranquilo

Alckmin não quer saber de festa. Promete rápida e franciscana cerimônia de posse, depois viaja a Brasília onde assiste a transmissão de faixa para Dilma. Volta em seguida, sem pisar nos festejos da Esplanada.

Apegado

No último café com os jornalistas, segunda, Lula além de quebrar o protocolo permitindo gravações fez questão de usar gravata do centenário do Corinthians. O adereço de listras brancas e pretas foi um presente do clube.

Retrato em P&B

Maria Rita tem projeto de show só com músicas de sua mãe, Elis Regina. O problema é que a cantora ainda se emociona com imagens e ao ouvir as canções da mãe.

Picadinho

Mia Couto está mergulhado em novo romance. A história é daquelas. Baseia-se na tragédia que ocorreu há dois anos e chocou o mundo: 26 pessoas devoradas por leões em Moçambique.

Memória

Andrea Matarazzo e Celso Lafer, da Fapesp, fecharam acordo para a conservação do Patrimônio Histórico do Estado. Nas áreas de pesquisa e preservação.


Um rosto bonito e a cabeça no lugar


Carol Trentini mora em NY e deu rasante em SP na semana passada para posar para campanha de empresa de móveis e decoração. Enquanto se maquiava e tomava chimarrão, contou à coluna o que faz quando não está na labuta: "Sou canceriana. Adoro ficar em casa".

Como se destacar em meio a outras modelos também lindas?Ser modelo é mais do que rosto bonito. É ter a cabeça no lugar. Quem é profissional e gosta do que faz, se destaca.

O mercado é muito competitivo?

Sim, mas tem se ampliado.

Qual foi a coisa mais cara que comprou com seu dinheiro?

Um apartamento em NY.

Aplica em imóveis?

Sim. Tenho apê em SP, outro no Sul. Também comprei uma casa para minha mãe e uma de praia em Estaleiro (SC).


"Mentiram que eu menti"


O Wikileaks revelou anteontem telegramas da embaixada dos EUA em Brasília reconhecendo erro ao conceder visto americano a Paulo de Tarso Venceslau, há um ano, mas recomendando a manutenção do documento para não haver desgaste junto à opinião pública. O ex-guerrilheiro, que participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969, contou à coluna que seu visto foi, sim, cancelado.

Ficou surpreso com vazamento do Wikileaks envolvendo seu nome?

Soube hoje (ontem) pelos jornais. A maior surpresa foi saber que recomendaram manter meu visto mas que, mesmo assim, isso não foi cumprido.

Como foi o cancelamento?

Depois de muitas tentativas, há dois anos passei pela entrevista e fui aprovado. Avisaram que eu receberia meu passaporte pelo correio. Aí, pensei: "Aconteceu!". Vai ver a Era Obama fosse mesmo de abertura... Só que, quando descobriram que eu era eu, em vez do passaporte, veio uma carta do Consulado dos EUA em SP pedindo que fosse até lá. Fizeram firula e disseram: "Olha, seu visto não foi concedido porque o senhor mentiu na pergunta sobre se já havia sido preso e processado". É mentira que eu menti. Fui anistiado. Quem olhar minha folha corrida vai ver que não consta nada. Aí o encarregado falou que pela legislação americana eu menti, sim. Sou cidadão brasileiro, regido pelas leis do meu País, nem conheço as leis americanas. Após outras idas ao consulado, devolveram meu passaporte com um "cancelado" em cima do visto.

Há 40 anos imaginou que um dia iria querer fazer turismo lá?

Vivíamos uma era radicalizada, nunca pensei em visitar os EUA. Hoje tenho vontade de ver alguns lugares. Queria ir num festival de jazz em Chicago.

MÍRIAM LEITÃO

A piora da Europa 
Miriam Leitão 
O Globo - 29/12/2010

O ano de 2010 ficará na história da Zona do Euro como um momento em que se pensou no impensável: desfazer a União Monetária. Quando economistas e governantes olharam para essa possibilidade se viu que ela é mais difícil de fazer do que se imaginava. Uma consulta mostrou que hoje há apoio na Alemanha para a volta ao marco. Se isso acontecer, será um enorme retrocesso no projeto de união. Esse debate não terminou na Europa, continuará no ano que vem.

Em dezembro de 2009, três agências rebaixaram a classificação de risco da Grécia. Parecia ser um problema apenas grego. Como o país continuava tendo grau de investimento e representa só 3% do PIB da Zona do Euro, o fato não preocupava. Um ano depois, gregos e irlandeses já foram socorridos; um fundo de estabilidade foi criado; Portugal e Espanha estão em crise de confiança. A Europa afunda o PIB mundial.

No dia 17, a Irlanda caiu cinco pontos na classificação da Moody’s. Mesmo assim, ficou dois degraus à frente do Brasil. Mas, evidentemente, a situação brasileira é melhor.

A criação de um fundo permanente de socorro é uma mudança profunda na Zona do Euro. Significa o reconhecimento pelo bloco de que seus países podem ter problemas de solvência. Mais do que isso: eles poderão descumprir as metas do tratado de Maastricht — de déficit de 3% e dívida de 60% do PIB — e não só permanecer no bloco como também ser socorridos. Uma mudança que é resultado dos estragos provocados pela crise de 2008.

— Hoje, há um risco financeiro importante na Europa como um todo. Os bancos dos países grandes podem ter problemas caso os países periféricos não consigam pagar suas dívidas. E não há garantia de que haverá dinheiro para mais um socorro ao sistema financeiro, caso ele aconteça, como foi na crise de 2008 — afirmou Raphael Martello, da Tendências consultoria.

Até a crise, os spreads na Zona do Euro — diferença entre os juros cobrados para a rolagem da dívida dos países — eram iguais, no mesmo nível da Alemanha. Todos eram vistos da mesma forma; governos austeros e gastadores conseguiam crédito com a mesma taxa. Em 2010, o mercado começou a mudar e tratar de forma diferente o subgrupo problemático. Essa turma da encrenca ficou conhecida por uma sigla: os chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).

— A percepção era que a economia ia se recuperar forte em 2010. Esse cenário foi por água abaixo a partir do segundo trimestre, quando o problema da Grécia veio à tona. Todo mundo caiu na real: o endividamento era geral. Depois que a Grécia foi socorrida, inclusive com recursos do FMI, o problema Europa saiu do radar por seis meses. No final do ano, foi a vez da Irlanda, que também precisou receber dinheiro do FMI e da União Europeia — disse Monica de Bolle, da Galanto consultoria.

Dos quatro países do PIGS, dois já precisaram de socorro. A dúvida é se os outros, Portugal e Espanha, conseguirão escapar em 2011.

Parte da desconfiança sobre os portugueses é reflexo de uma artimanha fiscal, que também foi usada no Brasil. O governo contabilizou receitas extraordinárias para cumprir a promessa de redução do déficit deste ano, de 9,3% para 7,3%. Os investidores refizeram as contas e perceberam que ele caiu muito menos, para 9%. Com isso, o esforço para cumprir o prometido em 2011, de chegar a 4,3%, será muito grande e quase impossível de ser cumprido. Os problemas portugueses se completam com uma dívida pública de 80% do PIB, baixa perspectiva de crescimento e a dificuldade que o governo teve para a aprovação do Orçamento do ano que vem. Não há garantia política de que os cortes de gastos serão feitos.

— O próximo da fila é Portugal, que tem 10% do PIB em dívida para rolar no início de 2011 — afirmou Monica.

Em efeito dominó, o risco português chega à Espanha pela exposição dos bancos espanhóis, que carregam US$ 100 bilhões de títulos da dívida de Portugal. O país ainda tenta se recuperar do estouro da crise imobiliária, que elevou a taxa de desemprego para acima de 20%. Nos próximos dois anos, a Espanha terá que rolar 251 bilhões de euros em dívida. Pelo tamanho de sua economia, que é o dobro da soma de Grécia, Irlanda e Portugal, um problema na Espanha teria efeitos mais sérios para a economia mundial:

— Se Portugal e Espanha precisarem de socorro, os recursos que estão disponíveis ficarão escassos. Se a crise bater na Espanha, teremos um problema grego potencializado — comentou Martello.

Quem ainda assiste de longe — mas com cautela — ao aumento do risco é a Itália, que tem uma das maiores dívidas públicas dos países com grau de investimento, medidos pela Standard & Poors: 116%. A vantagem da Itália é que sua economia é maior, mais diversificada e sua dívida de vencimento mais longo. O setor financeiro também resistiu bem à crise de 2008, e o governo não deve ter que se endividar para socorrer os bancos do país. Por outro lado, a governabilidade é fraca. O governo Sílvio Berlusconi se sustenta em parte pelo temor de que uma troca possa piorar a crise.

O euro deve fechar o ano com desvalorização de 7,4% em relação ao dólar, e isso depois de toda a enxurrada de dólares promovida pelo governo americano. O ano de 2010 não foi, definitivamente, um bom tempo para a Europa. O gelo que castigou o continente não é apenas dos termômetros baixíssimos. A economia continuará fria em 2011.

ILIMAR FRANCO

Planos
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 29/12/10
 
Além de trabalhar para aprovar as reformas política e tributária, o presidente Lula tem dito a pessoas próximas que vai se engajar na reforma da Previdência quando deixar o governo. Lula tem afirmado que o modelo atual é insustentável, que as pessoas se aposentam muito cedo e que há uma discrepância muito grande entre os setores público e privado. Mas, primeiro, ele vai tirar férias. 
Ao comparar com o Lula, todo mundo fica menor" - Arlindo Chinaglia, deputado federal (PT-SP), na última reunião da bancada do PT, dizendo que tem total confiança na presidente eleita, Dilma Rousseff 

Cruz Vermelha e sistema prisional 
Em telegrama confidencial de setembro de 2009, o cônsul-geral dos EUA no Rio, Dennis Hearne, diz que a Cruz Vermelha pediu acesso às prisões cariocas. A organização estava preocupada com direitos humanos e em facilitar o contato de presos com familiares que não podiam visitá-los devido a brigas entre grupos rivais. Seria também uma oportunidade de esclarecer para chefes de facções que o trabalho da Cruz Vermelha em favelas não tinha conotação política. 

Eletrobras 
O novo presidente da Eletrobras será Flávio Decat, atual vice-presidente de Distribuição da Rede Energia. Ele é da cota pessoal da presidente eleita, Dilma Rousseff, e substituirá José Antonio Muniz Lopes, apadrinhado de José Sarney. 

Rompendo o isolamento 
Depois de o então ministro Carlos Minc se aliar aos agricultores familiares, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) articula agora o apoio de prefeitos e governadores no debate sobre alterações no Código Florestal, em curso no Congresso. Nesse caso, a discussão é sobre a preservação de margens de rios em áreas urbanas. A ministra também está conversando com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 

Saúde 
Vice-presidente de Inovação da Fiocruz, Carlos Gadelha assumirá a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. E Milton de Arruda Martins, professor de Clínica Médica da USP, a Secretaria de Trabalho e Educação da pasta. 

Vácuo no Parlasul 
A partir do dia 31, o Brasil ficará sem representação no Parlamento do Mercosul. O Congresso encerrou o ano sem votar um projeto de resolução sobre o assunto, temendo manobra que daria um mandato no Parlasul para derrotados nas eleições deste ano. O Parlamento do Mercosul está em recesso até 15 de fevereiro. Nesse período, não poderá convocar reuniões de emergência, se necessário, porque não pode haver sessão sem um dos países-membros. Após a votação do projeto de resolução, os partidos terão que indicar deputados e senadores para ser os novos representantes, o que abrirá uma disputa nas bancadas. 

FICA. A presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Solange Vieira, foi convidada pelo futuro ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a permanecer no cargo e aceitou. Embora não conte com a simpatia do PT, Solange ganhou força na semana passada graças à atuação durante a crise nos aeroportos. Ela foi nomeada em dezembro de 2007 para um mandato de três anos. A avaliação de pessoas próximas à presidente eleita, Dilma Rousseff, é de que a aviação civil sairá do Ministério da Defesa. 

ZEN. Em um país livre de preocupações com ameaças terroristas, o Itamaraty divulgou, num manual operativo sobre a posse presidencial, que, nos comboios de chefes de Estado estrangeiros, a autoridade virá no terceiro dos cinco carros. 

LANÇAMENTO. O deputado eleito Alfredo Sirkis (PV-RJ) lançará, em março, o livro "Marineiros em primeira viagem", sobre a campanha presidencial de Marina Silva, da qual ele foi um dos coordenadores. 

BLOCO. O PPS e o PV vão formar um bloco parlamentar na Câmara dos Deputados. 

ILIMAR FRANCO com Fernanda Krakovics, sucursais e correspondentes 

GOSTOSA

CELSO MING

É... não deu
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/12/10

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, passaram meses e meses garantindo solenemente que a meta do superávit primário do setor público deste ano seria cumprida.
Ontem, candidamente, Mantega reconheceu que não conseguiria obter tal superávit e alegou que não podia responder pelos resultados dos Estados e dos municípios. Se antes garantiu o que garantiu, é porque não via nenhum problema em que Estados e municípios fizessem a sua parte. De repente, o problema surgiu.
Superávit primário é o tanto da arrecadação de impostos que é separado para pagamento da dívida pública. No início do ano, deveria ser de 3,3% do PIB, o que daria algo em torno dos R$ 125 bilhões. Depois, o governo anunciou que o reduziria para 3,1%. Em seguida admitiu que usaria espertos truques contábeis para obter o resultado que, na prática, seria reduzido a apenas 2,2% do PIB. Ainda não se sabe a quantas vai parar essa conta, mas já é certo que não tem mais jeito. A disparada das despesas públicas decidida para facilitar a eleição da candidata Dilma Rousseff solapou de uma vez o contrato anteriormente firmado com a sociedade brasileira.
Agora, tanto Mantega como Augustin reviram os olhos e juram com os pés juntos que em 2011 será diferente, será um ano para valer. Será um ano de austeridade orçamentária, aperto de cintos, disciplina fiscal - determinação da presidente Dilma. Diante dos fatos, essa é uma afirmação como as outras, sem credibilidade, até prova em contrário.
O acontecido terá lá suas consequências. A primeira delas é a de que o novo governo começa com uma dívida pública mais alta do que a prevista, porque a atual administração não conseguiu fechar as contas como deveria. A segunda consequência sai do âmbito da política fiscal e mergulha no da política monetária (política de juros).
Ao longo de todos esses meses, nas atas do Copom e nos Relatórios de Inflação (inclusive no último, editado há apenas alguns dias), as autoridades do Banco Central declararam solenemente que o volume previsto de moeda na economia (e, portanto, também os juros) tinha como um dos seus principais pressupostos o cumprimento da meta de inflação. Como a meta fiscal não foi perseguida, está claro que os modelos do Banco Central estão carunchados com dados que não se cumpriram e com outros que, sabe-se lá, se vão ser cumpridos em 2011.
Quer dizer, os furos da administração fiscal vão exigir mais esforço monetário (juros mais altos), é claro, se houver seriedade no objetivo proclamado de empurrar a inflação para dentro da meta de 4,5% no ano que vem. Isto é, outra vez sobrou para o Banco Central.
Isso também acontece porque as autoridades do Banco Central têm, em relação às questões fiscais comandadas pelo Ministério da Fazenda, a atitude dos três macaquinhos de Nikko: não enxergam, não ouvem, não falam. Ou seja, não cobram. E como não cobram, têm lá também sua cota de responsabilidade pelos furos da Fazenda.
Enquanto isso, a inflação vai mostrando desenvoltura. Mantega continua, por exemplo, com seu discurso de que a alta dos alimentos é determinada por choque de oferta, que semanas depois se reverte, e que nada tem a ver com a disparada das despesas públicas. Pode ser outro autoengano ou, simplesmente, outra enganação. 

CONFIRA
Desinteresse do CongressoSegunda-feira, em entrevista ao canal GNT, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou o Congresso por não discutir questões de interesse nacional, como as decisões tomadas no âmbito da exploração do petróleo do pré-sal.

Engolindo a secoO Congresso não fez mais do que engolir, como recebeu, a proposta do governo. Ninguém se perguntou a que ritmo o País quer explorar esse petróleo; não se questionou a pertinência do regime de partilha agora adotado; não se verificou se a Petrobrás tem mesmo condições financeiras de participar em pelo menos 30% da exploração de cada bloco em toda a área do pré-sal.

A grande ausenteO fato é que não se pode acusar de omissão apenas a base governista do Congresso. A maior inapetência pelos debates foi da oposição, que não pensou, não formou opinião e não chamou para a discussão. O governo conseguiu o que pretendia. A oposição foi a grande ausente.