domingo, outubro 10, 2010

JOSEPH E. STIGLITZ


O teste de relevância do Federal Reserve

JOSEPH E. STIGLITZ
O GLOBO - 10/10/10


Com as taxas de juro perto do zero, o Federal Reserve (Fed) e outros bancos centrais estão lutando para se manter relevantes.

A última bala na sua arma chama-se quantitative easing (QE), a criação de quantidades significantes de dinheiro novo (geralmente eletronicamente) por um banco central. A prática é provavelmente quase tão ineficiente para relançar a economia americana como tudo o que o Fed tentou nos últimos anos. Pior, a QE deverá custar uma nota preta ao contribuinte, ao mesmo tempo em que enfraquecerá o Fed durante anos.

John Maynard Keynes argumentava que política monetária não funcionava durante a Grande Depressão. Os bancos centrais são melhores em restringir a exuberância irracional dos mercados numa bolha - contendo a disponibilidade de crédito ou subindo as taxas de juros na economia - do que em estimular investimentos numa recessão.

Por esse motivo é que a boa política monetária objetiva prevenir o surgimento de bolhas. Mas o Fed, capturado por mais de duas décadas pelos fundamentalistas do mercado e pelos interesses de Wall Street, não só falhou em impor restrições, mas atuou como líder de torcida. E, tendo tido papel central em criar a atual bagunça, está tentando salvar sua face.

Em 2001, reduzir os juros parecia funcionar, mas não da maneira que se supunha. Ao invés de estimular o investimento em fábricas e equipamentos, as taxas baixas inflaram uma bolha no mercado imobiliário. Isto proporcionou uma farra de consumo, o que significava que dívidas eram criadas sem os correspondentes ativos, encorajando investimento excessivo em imóveis e resultando em excesso de capacidade que levará anos para ser eliminado.

O melhor que pode ser dito da política monetária nos últimos anos é que ela preveniu os mais terríveis cenários que poderiam se seguir ao colapso do Lehman Brothers. Mas ninguém proclamaria que a redução das taxas de juro de curto prazo impulsionou o investimento. De fato, os empréstimos para negócios - particularmente para pequenas empresas - tanto nos EUA quanto na Europa continuam bem abaixo dos níveis de antes da crise. O Fed e o Banco Central Europeu nada fizeram a respeito disso. Eles ainda parecem enamorados pelos modelos padrão de política monetária, nos quais tudo que os BCs precisam fazer para manter a economia funcionando é reduzir os juros. Os modelos padrão falharam na previsão da crise, mas ideias ruins têm morte lenta. Assim, embora não tenha funcionado baixar a quase zero as taxas dos títulos de curto prazo do Tesouro, a esperança é que baixar as taxas de prazo mais longo faça a economia deslanchar. As chances de sucesso são próximas a zero.

Grandes empresas estão nadando em dinheiro; cortar ligeiramente os juros não fará muita diferença para elas. E reduzir as taxas que o governo paga não se traduziu em juros menores para as muitas pequenas empresas que lutam por financiamentos.

Mais relevante é a disponibilidade de empréstimos. Com tantos bancos americanos em frágil situação, os empréstimos deverão permanecer restritos.

Além do mais, a maioria dos créditos para pequenos negócios é ancorada a garantias, e o valor da forma mais usual de garantia - imóveis - despencou. Os esforços do governo Obama para lidar com o mercado imobiliário têm sido um fracasso, talvez conseguindo apenas adiar uma desvalorização ainda maior. Mas mesmo os otimistas não acreditam que os preços dos imóveis vão aumentar substancialmente até onde a vista alcança. Em resumo, QE - baixar as taxas de longo prazo via compra de títulos e hipotecas de prazo longo - não fará muito para estimular diretamente os negócios. Mas poderá ajudar, contudo, de duas formas.

Uma delas é como parte da estratégia americana de desvalorização competitiva. Oficialmente, os EUA ainda falam das virtudes de um dólar forte, mas reduzir os juros enfraquece a taxa de câmbio.

É irrelevante se isto for visto como manipulação cambial ou um subproduto acidental das reduzidas taxas de juro. O fato é que um dólar mais fraco, resultante de juros mais baixos, dá aos EUA uma pequena vantagem competitiva no comércio. Enquanto investidores olham para fora dos EUA em busca de melhor remuneração, o fluxo de recursos para outros países tem elevado as taxas de câmbio em mercados emergentes.

Esses mercados estão preocupados - o Brasil tem veementemente externado suas preocupações - não só quanto à valorização de sua moeda, mas com o risco de que o influxo de recursos crie bolhas ou dispare o gatilho da inflação. A resposta normal dos bancos centrais dos mercados emergentes a bolhas ou inflação seria elevar os juros - aumentando mais o valor de suas moedas. A política americana está assim pondo um mau olhado duplo na desvalorização competitiva - enfraquecendo o dólar e forçando os competidores a valorizar suas moedas (embora alguns estejam adotando contramedidas, erguendo barreiras à entrada de dinheiro de curto prazo ou intervindo mais diretamente nos mercados de divisas estrangeiras).

A segunda forma pela qual a QE poderia ter um leve efeito é fazendo cair as taxas hipotecárias, o que ajudaria a sustentar os preços no mercado imobiliário. Então, a QE produziria alguns efeitos - provavelmente fracos - nos balanços das empresas.

Mas custos potencialmente significativos ofuscariam esses pequenos benefícios. O Fed comprou mais de US$ 1 trilhão em hipotecas, cujo valor cairá quando a economia se recuperar.

É precisamente por isso que ninguém no setor privado deseja comprá-las.

É bom que o Fed esteja tentando melhorar seu desempenho pré-crise.

Infelizmente, está longe de parecer que ele tenha mudado sua maneira de pensar e seus modelos, que não conseguiram manter a economia no prumo antes e deverão falhar de novo.

Os erros anteriores do Fed foram extraordinariamente custosos. Assim deverão ser também os erros novos, por mais que o Fed tente esconder o preço.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista.

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