quarta-feira, junho 23, 2010

WILEN MANTELI

A igualdade nos contratos portuários
WILEN MANTELI
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/06/10

O descumprimento da lei pelo governo criou descabido tratamento diferenciado entre os dois gêneros de terminais portuários



A Câmara dos Deputados, fundamentada numa reportagem da Folha, promoveu uma audiência pública no mês passado para avaliar "supostas irregularidades na prorrogação dos contratos de arrendamento dos terminais portuários que operam dentro da área dos portos públicos". Compareceram à reunião representantes do poder público e do setor privado.
Ao final da audiência, foi constatado que a única irregularidade é do governo, que não cumpriu a tarefa de adaptar todos os contratos de exploração de instalações portuárias conforme estabelece a lei nº 8.630, de 1993, que criou moderno regime jurídico para a exploração dos portos, estimulando a participação de capital privado no setor.
Ressalte-se que, àquela época, os portos brasileiros se encontravam em avançado processo de sucateamento e praticavam tarifas entre as mais caras do mundo, com graves prejuízos para o nosso comércio exterior.
Era, portanto, imprescindível encontrar uma forma de promover a continuidade dos serviços portuários e dos investimentos, afastando a ameaça de colapso da cadeia logística do comércio exterior.
A legislação vigente até 1993 facultava a prorrogação sistemática dos contratos por 20 anos, de forma contínua e sem licitação.
Essa foi a motivação da nova lei, que aproveitou da legislação anterior a ideia de utilizar a indispensável continuidade dos serviços portuários e, ao mesmo tempo, adaptar todos os contratos ao novo regime jurídico.
Com efeito, todos os contratos de exploração dos terminais de uso privativo foram adaptados de forma correta pelo Ministério dos Transportes, exceto parte dos contratos de arrendamento de terminais portuários localizados nos portos públicos.
Esse descumprimento da lei pelo governo criou um descabido tratamento diferenciado entre os dois gêneros de terminais portuários, o que viola o princípio da igualdade -razão de ser do regime republicano- expresso na Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei.
Por essas razões, os contratos anteriores a 1993 somente devem ser submetidos à licitação pública após o governo cumprir a Lei dos Portos e adaptá-los às cláusulas nela estabelecidas, inclusive quanto ao prazo.
O que está em causa e deve prevalecer não é a licitação, mas, antes de tudo, o cumprimento de uma lei federal e do interesse público, entendido como aquele que realiza os objetivos fundamentais, como é o caso do desenvolvimento do país.
Tudo isso se resume numa clara mensagem que os legisladores deram às autoridades públicas em 1993: assegurem a continuidade das atividades portuárias geradoras de riqueza, de empregos e de tributos.
Não é somente pela licitação que se obtém a proposta mais vantajosa para a administração pública, nem só por ela se asseguram os princípios de moralidade, isonomia, impessoalidade e indisponibilidade do interesse público. Os princípios da eficiência, da continuidade e da economicidade também devem ser considerados.
WILEN MANTELI é presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP).

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