domingo, maio 09, 2010

DORA KRAMER

Sem fantasia
DORA KRAMER 
O Estado de S.Paulo - 09/05/10

Pela enésima vez nesses anos em que prevalece na política brasileira a dicotomia entre PT e PSDB, o assunto voltou à cena no primeiro encontro dos pré-candidatos à Presidência da República, na última quinta-feira em Minas Gerais.

Pela enésima vez com a mesma abordagem inconsistente. Bem intencionada até, mas fundada no pressuposto de que as duas legendas detenham o monopólio da excelência dos quadros e, uma vez dirimidas as divergências mútuas, governando juntas resolveriam com altivez ética, competência técnica, e por que não dizer, esmero estético, os problemas do País.

Claro, trata-se de uma caricatura simplificada, mas não está muito longe daquilo que petistas e tucanos dizem sonhar enquanto no plano prático brigam de se rasgar.

Desta vez quem levantou o tema foi Marina Silva, do PV. Ela falava como sempre bem articulada, sobre questão interessante: a ética conjuntural adotada pelos partidos de acordo com seus interesses, em contraposição à ética dos valores firmes que deveria valer sempre independentemente da circunstância.

Citou a título de exemplo: "O PSDB tentou governar sozinho e ficou refém do que havia de pior no Democratas; o PT tentou governar sozinho e ficou refém do que havia pior no PMDB".

Sem discordar de evidentes malefícios de alianças de ocasião e da existência realmente de áreas deterioradas nos partidos referidos, há que se estabelecer o seguinte: quando PSDB e PT envolveram-se em confusões que levaram tucanos e petistas - estes ainda com maior gravidade por atingir a direção do partido - a se transformarem em réus de processos no Supremo Tribunal Federal não precisaram de assessoria do DEM ou do PMDB.

Não consta também que tenham sido forçados com armas no pescoço a buscarem parceria nesses partidos. Fizeram-no porque quiseram. Como se dizia antigamente: são maiores e vacinados.

E, sobretudo, politicamente adversários inconciliáveis. Disputam o mesmo espaço. Querem o poder como protagonistas e não deixam por menos, não aceitam ser coadjuvantes uns dos outros.

E aqui podemos passar à resposta que o pré-candidato do PSDB, José Serra, deu àquela explanação de Marina.

"Se eu for eleito, pode parecer uma heresia, vou querer o PT e o PV no governo, em função de objetivos comuns, com base no programa".

Nada mais inadequado para ser dito em pleno curso da disputa eleitoral. Ainda mais uma disputa em que, tirando os candidatos que procuram se comportar com a maior fidalguia, os oponentes estão com as facas nos dentes.

Na mesma hora aliados de Dilma fizeram ironias com a oferta do tucano e 24 horas depois, já devidamente orientada, ela reagiu com "estranheza" à proposta dizendo que PT e PSDB "têm projetos distintos".

De fato. Não há como ignorar a evidência. É possível que a intenção de Serra tenha sido manter sua linha estratégica de conciliação. Mas, aos olhos do inimigo a mão estendida certamente é vista como o anzol da cooptação lá na frente, caso seja eleito, ou pretensão de conquistar a unanimidade como candidato.

Por mais que no plano ideal seja uma proposta lhana, no real recende a dificuldade de convivência com a oposição. Se o PT perder, será porque o eleitor quer o partido na oposição. Se o PSDB for derrotado, será porque o eleitorado não o quer de novo no governo.

Ao menos por enquanto é assim que as coisas estão postas. Podem mudar? Podem. Mas seriam preciso um pouco mais de trabalho do que simplesmente abertura de "diálogo" ou convites para participação no governo do partido adversário.

Seria necessário redefinir o quadro de correntes políticas. Quem faria oposição? Os novos protagonistas estariam dispostos a abrir mão das maiorias de ocasião? Daqueles que servem para lhes dar sustentação, mas não servem para ser apresentados às visitas? Ou o projeto seria varrê-los do cenário assegurando lugar apenas aos bons? Quem faria o julgamento?

Alguns discursos são bonitos de serem ditos, mas ficam mais complicados de serem aplicados quando precisam ser transformados em compromissos que impliquem concessões de todos os lados. De vencedores e vencidos.

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