quinta-feira, abril 23, 2009

CELSO MING

O contribuinte paga


O Estado de S. Paulo - 23/04/2009
 


Nos anos 70 e 80, o governo fazia política de preços para combater a inflação. Agora, faz política de preços para aumentar a arrecadação. É apenas outro jeito de repassar a conta para o contribuinte.

Ao longo do governo militar, até o preço do feijão preto foi manipulado no Rio de Janeiro para obter inflação mais baixa. Bastava, então, controlar os preços apenas no Rio, onde a tabela do custo de vida dava forte peso a esse produto.

Outra prática foi o controle promovido pelo Conselho Interministerial de Preços, o CIP. Em outras ocasiões, como no Plano Cruzado, em 1986, houve congelamento de salários, preços e tarifas. Mas o objetivo, nesses dois casos, nada tinha a ver com política fiscal. Tinha a ver com o controle da inflação. (Política fiscal é tudo quanto se refere a determinações dos governos, tanto sobre as receitas como sobre as despesas públicas.)

Agora, apesar da derrubada dos preços externos, o governo Lula avisa que pretende manter elevados os preços da gasolina para garantir aumento de arrecadação. Não se trata mais de refazer o caixa da Petrobrás, como foi até agora. Trata-se de baixar os preços dos combustíveis na refinaria e, ao mesmo tempo, manter elevados os que chegam ao consumidor interno. No meio entra um dreno chamado Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que confisca parte do preço, em benefício da União.

Para entender o que está em jogo é preciso voltar à questão da equivalência entre preços internos e externos dos combustíveis, que tem de ser mantida para evitar distorções. Uma delas é o aumento das importações sempre que o preço interno for superior ao externo. Mas o governo não quer baixar os preços da gasolina, que hoje estão cerca de 20% mais altos no mercado interno, porque não quer contribuir para a queda da arrecadação de ICMS pelos Estados. (A tabela mostra quanto pesa essa arrecadação em 11 Estados.)

Mas, com essa manobra, o governo não quer beneficiar apenas os Estados. Quer, também, aumentar a arrecadação da União por meio de um confisco ainda mais alto, que deve acontecer pela Cide, anteriormente lembrada.

A mudança de regras com objetivo de fazer política fiscal é também o que o governo pretende na caderneta - uma história já conhecida. 

Como se sabe, os juros básicos estão em queda. Parece perto o dia em que o rendimento da caderneta (que opera com juros fixos) vai ficar mais alto do que o rendimento dos demais títulos de renda fixa. Quando isso acontecer, o Tesouro Nacional terá dificuldades para continuar a rolagem da dívida pública, quase toda ela feita com títulos do Tesouro, quando estes passarem a pagar um rendimento também mais baixo do que o da caderneta. Daí, essa pressão pela mudança nas regras da poupança.

Enfim, estamos diante de uma situação em que o cobertor arrecadatório ficou curto demais para abrigar os projetos de governo. E, assim, aperta-se a política fiscal para que o contribuinte pague a gastança. 

Confira

Olho no lance - Por enquanto, o governo federal está de marcação apenas na arrecadação embutida nos preços dos combustíveis.

Mas há tentações igualmente enormes no tratamento tributário a ser dado a outras tarifas, especialmente as da energia elétrica e da telefonia. Ninguém se espante se vierem novos aumentos de impostos também nesses segmentos.

O problema é que esses são insumos ou serviços essenciais. A elevação de impostos embutidos nesses preços aumenta os custos de produção e tira competitividade do produto brasileiro no exterior.

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