terça-feira, julho 19, 2016

Biografia dos terroristas sempre revela vidas de ressentimento - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 19/07

Acontece um atentado terrorista na Europa –mais um, agora em Nice– e as perguntas dos dias seguintes são sempre as mesmas. Por quê? Como explicar o horror? Quais são as causas? Que fizemos nós para merecer isso? A ambição subjacente é óbvia: se soubermos as causas podemos evitar os efeitos.

Existem duas formas de responder a um tal cortejo de ansiedades. O primeiro é denegrir tais dúvidas, caracterizando os seus autores como ingênuos ou coisa pior. O terrorismo deseja o terror. E, quando vem embalado por qualquer caução islamita, deseja a morte dos infiéis. Será assim tão difícil de entender?

Na verdade, é difícil sim. E aqui está a segunda forma de responder às perguntas: o nosso pensamento progressista (e racionalista) impede uma compreensão genuína do horror.

Somos filhos do Iluminismo. Acreditamos que a razão, corretamente exercida, permite sempre uma melhoria moral e material da sociedade: a derrota do fanatismo; a defesa da tolerância; a partilha de um espaço público comum; e etc. etc. Os atos dos terroristas são "irracionais", dizemos nós, porque não se ajustam aos nossos critérios de racionalidade.

Essa "dissonância cognitiva" é inevitável. O Iluminismo teve consequências positivas na história dos homens: o reforço da separação entre o Estado e a Igreja, inexistente no Islã, foi um deles.

Também teve consequências desastrosas: se, como dizia Voltaire, o paraíso é onde estamos, então nada impede os seres humanos de procurarem esse paraíso na Terra. Dizer que as consequências dessa busca foram trágicas no século 20 é, obviamente, um eufemismo.

Só que o "projeto iluminista", na sua ânsia de defender e aplicar a soberania da razão humana, esqueceu-se de dois viajantes que sempre fizeram parte da história.

O primeiro é a "contingência", ou seja, a noção de que não é possível controlar tudo por mera ação humana. Pior ainda: a noção de que podem existir fatores imponderáveis que subvertem, ou até destroem, as melhores intenções. Essa ideia, que era pacífica para nossos antepassados, deixou de o ser com a arrogância racionalista moderna.

O segundo viajante se dá pelo nome de "ressentimento". A política das boas intenções esqueceu-se do "homem ressentido", para usar a expressão de Max Scheler (1874""1928): o sujeito que procura "lá fora" a justificação para o seu ódio interior. Como escrevia Edmund Burke (1729""1797) em crítica direta ao otimismo dos "philosophes": "O poder dos homens viciosos não é algo de negligente".

Esse poder está à vista: leio a biografia dos terroristas e, sem exceção, encontro sempre vidas de ressentimento. Podem ser ressentimentos familiares. Econômicos. Sentimentais. Sexuais. Ou, na era narcisística em que vivemos, um desprezo pelo exato mundo que não os reconhece na sua importância ou singularidade.

Idealmente, os homens ressentidos deveriam ter o anonimato que merecem, condenados a tragar o veneno que produzem para terceiros.

Mas os ressentidos profissionais encontram sempre uma "filosofia do ressentimento" que os redime. Exatamente como comunistas e nazistas encontraram no passado.

Essa "filosofia" é também ela um produto do ressentimento: o radicalismo islâmico propaga uma mensagem de ódio ao Ocidente, não apenas porque o Ocidente e os seus valores "liberais" (democracia, pluralismo, liberdade individual etc.) são odiosos –mas porque, na lógica do ressentido, o Ocidente é o culpado por todas as falhas de um povo, ou de uma cultura, ou de uma civilização. Lênin e Hitler poderiam tranquilamente subscrever essa visão.

Deixo as questões securitárias para os especialistas.

Mas duas conclusões filosóficas parecem-me fatais.

Para começar, a Europa terá que conviver com a contingência que tanto se esforçou por ignorar. Por melhores que sejam os sistemas policiais, nem todo o progresso tecnológico poderá eliminar o horror do imponderável. O paraíso, definitivamente, não é deste mundo.

Por último, os inimigos das sociedades livres sempre estiveram dentro delas: falo dos homens ressentidos que usarão sempre uma desculpa qualquer –o Partido, a Raça, o Profeta– para cometerem as suas atrocidades.

"Se soubermos as causas podemos evitar os efeitos?" Lamento. O ressentimento não funciona assim. A sua vontade de destruição é uma história longa. E será, como sempre foi, uma luta sem fim.

O 'suicídio' da América - ARNALDO JABOR

ESTADÃO - 19/07

A realidade está mais louca do que a ficção. Assim sendo, a ficção tem de ser muito mais louca do que a realidade. A destruição ambiental, a sordidez mercantil, a estupidez no poder, o fanatismo do terror, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O mal é tão profundo que denunciá-lo ficou inútil.

Essa anomalia da vida atual aumenta a tradicional paranoia ocidental, principalmente nos Estados Unidos. E aí surge um estranho fenômeno que tento entender: a vontade de salvar o país e um desejo simultâneo de destruí-lo. A América parece querer suicidar-se. Por exemplo, a possibilidade do Trump ser presidente já é um filme de horror. Se esse rato for eleito, aí sim, o mundo pode acabar.

Também na cultura americana, são impressionantes os filmes de ação e catástrofe que destroem o país ou o mundo, produzidos por Hollywood. É estranho; imaginem o cinema francês destruindo Paris sem parar, invadido por alienígenas (aliás, como os terroristas), ou o cinema brasileiro arrebentando o Pão de Açúcar e o Corcovado! Eles acham isso normal. E lucrativo. Vejam os filmes dos últimos anos:Independence Day 1, Godzilla, Armagedon, Terremoto – A Falha de San Andreas, 2012, Impacto Profundo e tantos outros.

Por que esse amor e ódio? Creio que vêm de uma insatisfação da vida americana atual, uma grande angústia nacional. A América não sabe mais o que dizer sobre si mesma. Os Estados Unidos eram a “cultura da certeza”. O paraíso americano era a perfeição do funcionamento. Com o 11 de Setembro, junto com as torres, caíram também a arrogância e o orgulho da eficiência. Será que esta é a causa desse ataque doentio contra si mesmos?

Pensando nessas coisas deprimentes, fui ver o novoIndependence Day. Não gostei e concordei com críticos que dizem que o filme é tolo. Um deles diz: assistir a alienígenas explodindo de forma espetacular não é desculpa para passar duas horas no ar condicionado”.

Tenho visto muitos filmes de ação. Já sou entendido nas missões impossíveis, nas porradas, nas cidades destruídas, nas armas assassinas. Nunca o cinema foi tão útil para esquecermos o mundo atual e nunca os filmes foram tão brutais para, pelo avesso, exorcizar o medo da morte.

Na sala de cinema, sinto-me dentro de uma máquina de sensações programadas. Não há mais tempo para um filme ser visto, refletido, com choro, risos, vida. No escuro, mergulho em suspense, em prazeres sádicos, em assassinatos explosivos, em vinganças sem fim, narrados como uma ventania, como uma tempestade de “planos” (cenas) curtos, nunca mais longos do que 4 segundos, tudo tocado por orquestras sinfônicas plagiando Ravel para cenas românticas ou Stravinski para violências e guerras.

O conflito é permanente, de modo a impedir o espectador de ver seus conflitos internos. Não podemos desgrudar os olhos da tela. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de nossas cabeças.

Os filmes comerciais antigos apelavam para a comoção das plateias, estórias onde o ‘bem’ era recompensado, onde o amor movia personagens, onde chorávamos ou riamos desde o Gordo e o Magro até Hitchcock. Logo depois da Guerra Fria, os filmes mostravam uma América em “frenética lua de mel” consigo mesma. Obras primas como Cantando na Chuvaforam feitas apenas por razões comerciais. Os musicais da Metro eram a felicidade democrática.

Hoje, passamos por emoções que nos exaurem como se fôssemos personagens dentro daqueles mundos em 3D, de pedras e balas que voam e nos fazem em pedaços espalhados pela sala, junto com os copos de Coca Cola e sacos de pipocas. Somos pipocas nesses filmes. É uma nova dramaturgia de Hollywood: a estética do videogame, onde a personagem principal não é mais o “outro”, mas nós mesmos, com o “joystick” na mão e nenhuma ideia na cabeça.

Os roteiros são feitos em computador, de modo a encher cada buraco, para que nada se infiltre na atenção absoluta. E, mais importantes que as personagens, são as “coisas” em volta. Sim, as coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor. E o décor é um grande showroom dos produtos americanos: maravilhosos aviões, supercomputadores, a genialidade técnica lutando por algum “bem” inexplicável, porque a ideia de “futuro” esmaeceu. Assim, não importam mais nem o enredo, nem o roteiro; só o gozo da cena.

Antigamente, sofríamos durante a trama, esperando que os heróis fossem felizes no final. Hoje, sabemos que tudo vai acabar bem, mas nos fascinam mais os infernos que eles terão de atravessar, para chegar a um desfecho fatalmente bom. A catarse chegará, mas antes temos amputações, bazucas estourando peitos, bombas, rios de sangue. Na vida americana, como nos filmes, perdeu-se a ideia de sentido. O happy end é coisa dos anos quarenta.

No entanto, acho novidades nisso tudo. Num mundo sem rumo, na América dividida, a tecnologia está criando uma nova estética. Acabou a linearidade narrativa e, com a visão de mundo desencantada, em meio à avalanche brutal de informações, está surgindo uma nova forma de profundidade “superficial”.

Uma espantosa nova linguagem não linear, polissêmica, surgiu e cresce como um “transformer”, nas telas do mundo. Parece até uma vanguarda tecnológica emergindo entre os efeitos especiais cada vez mais audaciosos. Talvez, daqui para a frente, só essa língua dará conta de nossa solidão, de nossa fome de ilusão.

Agora, mesmo falando essas coisas, confesso que adoro os filmes da Marvel. Já vi alguns blockbusters de extraordinária imaginação “wagneriana”. Avatar, por exemplo, Batman, ou a obra prima Thor, já fazem parte de uma nova “escola” estética. Não falo de “nova arte” ou uma nova cultura, pois isso já denotaria a ideia de “finalidade”, de meta a ser atingida. Falo de um caos maravilhoso que nos submirja para sempre num “presente” inexplicável.

Militantes do PT demitem o partido - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 19/07

Caros companheiros,

Vocês sabem que eu nunca faltei à luta. Nas primeiras vezes em que Lula concorreu à Presidência da República, quando ninguém acreditava que um operário sem estudo pudesse alcançar tal cargo, eu estava lá, entregando santinhos, militando, confiando.

Quando, depois de sucessivas derrotas e já quase desistindo de nosso grande projeto de país, Lula decidiu afrouxar os ideais socialistas e ceder ao inescrupuloso mercado financeiro para ter uma chance de vencer, eu apoiei. Ouvir a "Carta ao Povo Brasileiro" sendo lida pelo nosso líder doeu, admito. Mas eu sabia que nossa causa era maior do que qualquer amarra ideológica.

Ver, no desfecho das eleições de 2002, o rosto de todos os intelectuais e de toda a elite que duvidava de Lula e desprezava o PT foi uma das coisas mais gratificantes da minha vida. Apesar do nojo das classes engravatadas, refratárias a qualquer tipo de mudança, a esperança venceu. Tínhamos, finalmente, a oportunidade de realizar no presente todos os sonhos do país do futuro.

Infelizmente, o choque de realidade não demorou a aparecer. Logo percebi que, ainda que nosso partido tivesse alcançado o poder, a corja conservadora ainda tomava conta do Congresso, e aquela elite que sempre lutou para que fôssemos marginalizados da política ainda tinha poder.

Governar não seria tarefa fácil.

Foi com essa realidade em mente que, mais uma vez, dei meu voto de confiança ao PT quando o escândalo do mensalão estourou. O esquema era necessário para garantir que todas as pautas sociais e progressistas do nosso governo avançassem. Era roubo? Sim, era. Mas não por interesse pessoal. Pelo contrário! Era pelo sonho de um país melhor.

Já estávamos abrindo mão da economia, mantendo políticas neoliberais —heranças malditas do governo de Fernando Henrique—; não podíamos entregar o social. Foi necessário. Tão necessário, é preciso dizer, como nossas parcerias com obeliscos do retrocesso, como Paulo Maluf e Fernando Collor.

Nos anos 90, criticamos a relação de um com a ditadura e lutamos pelo impeachment de outro. Pragmatismo. Lula fez o que precisava ser feito.

Aos trancos e barrancos, o primeiro governo Dilma manteve as conquistas do companheiro Lula. Apesar de não ter sido abençoada com o mesmo carisma, ela soube comandar o país. Mesmo quando errava, ia até o fim. Sempre teve em mente que recuar, em qualquer circunstância, é uma demonstração de fraqueza.

Mas é claro que o sonho não poderia durar para sempre. Depois de vencer a segunda eleição, os porcos do mercado financeiro obrigaram Dilma a colocar um dos seus no governo: Joaquim Levy. O pragmatismo do nosso querido PT havia, mais uma vez, nos forçado a esquecer as promessas de campanha e a ceder para o retrocesso do neoliberalismo.

Como se isso não bastasse, ainda tivemos de ceder ao conservadorismo parasita do PMDB. Eduardo Cunha, ex-companheiro que já chegou até a ser o bastião de Dilma nas igrejas evangélicas, traiu nosso projeto e venceu a presidência da Câmara, impondo uma derrota inaceitável ao amigo Arlindo Chinaglia. Todos sabem que é o governo quem deve decidir o comando da Câmara. A traição do peemedebista não poderia ser perdoada.

Foram os princípios petistas que impediram nossos deputados de salvar Cunha no Conselho de Ética. Nesse momento, preferi ficar do lado da ideologia de Rui Falcão a escolher o pragmatismo de Dilma Rousseff. Nossa presidenta sinalizava um acordo com o então presidente da Câmara para que ele não levasse à frente o processo de impeachment. Mas a crença de que a punhalada nas costas que havíamos levado no início do ano
não poderia ser esquecida felizmente prevaleceu.

Começamos, então, a tomar as ruas e a estampar os jornais contra o golpe. Nossa militância nunca esteve tão motivada. Estufamos o peito e apontamos o dedo na cara de todos aqueles que nos chamavam de corruptos e os chamamos de golpistas. Mostramos que assaltar a democracia é muito mais grave do que assaltar os cofres públicos. Desgastamos a imagem de Cunha e forçamos o traidor a renunciar. Nossa presidenta foi afastada, mas conseguimos dar o troco.

Depois deste momento de glória, veio a decepção. Sem um presidente da Câmara para atacar e sem uma presidenta da República para defender, acabamos perdendo boa parte de nosso fôlego. Até aí, tudo bem. Já passamos por coisa pior. Nosso grande líder, Lula, ao que parece, conseguirá fugir das mãos de Sérgio Moro, marionete do imperialismo americano, e é o favorito para as eleições de 2018.

O problema é que, na última disputa pela presidência da Câmara, perdemos até o discurso. Criticamos duramente todos os deputados que votaram a favor do impeachment, estampamos cartazes de protesto com seus rostos e literalmente cuspimos em suas imagens. Os deputados petistas, então, resolvem apoiar Rodrigo Maia, deputado do DEM, partido golpista que foi a ponta da lança que derrubou Dilma Rousseff.

Já não bastasse a contradição de continuar votando numa democracia teatral – todos sabemos que golpes sempre são sucedidos por ditaduras –, nossos companheiros ainda escolhem votar em alguém que contribuiu para a nossa queda e que outrora chamamos de golpista.

Isso, para mim, meus amigos, é o fim. Se dissesse que não foi um prazer estar ao lado de vocês, nas trincheiras, durante todos esses anos, estaria mentindo. Minha desilusão não é com vocês, é com o PT. Com este PT, melhor dizendo.

Um partido que não é capaz de se comprometer com sua própria militância é um partido morto. Me nego a cair junto com aqueles que jogaram a nossa luta na lata do lixo.


Melhora gradual - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/07

Hoje o Banco Central inicia a primeira reunião do Copom sob a presidência de Ilan Goldfajn. É praticamente consenso que os juros não vão cair, ficando em 14,25%. Mas o mercado espera redução de um ponto percentual na taxa até o final deste ano, para chegar a 11% no final do ano que vem. Numa série de indicadores, os bancos e consultorias estão com previsões melhores do que há quatro meses.

Na taxa de juros, por exemplo, em março, os números eram 14,25% para a Selic ao fim deste ano e 12,5% ao fim de 2017. As estimativas colhidas semanalmente pelo Banco Central junto a bancos e consultorias estão mostrando uma melhora gradual. As projeções para o PIB do ano que vem eram de 0,2%, em abril; estão agora em 1,1%. A expectativa de inflação de 2017 caiu de 6% para 5,3%. Os economistas esperam o dólar menos valorizado, queda dos juros e ligeira recuperação da indústria.

O gráfico mostra o efeito da mudança de percepção em relação ao Produto Interno Bruto. As projeções para o PIB de 2017 vinham em queda contínua desde 2014. Com a possibilidade do impeachment, as estimativas começaram lentamente a mudar. Também houve redução da queda do PIB para este ano. Projetavam uma recessão de 3,8%. Agora acham que será de 3,2%.

— O país vivia uma onda enorme de pessimismo, por causa da equipe econômica totalmente desacreditada, e agora o mercado já começa a enxergar uma melhora gradual à frente — disse Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Asset Brasil.

O grande problema da nossa economia, explica Póvoa, continua sendo a incerteza fiscal. Depois do rombo de R$ 170 bilhões este ano, o governo Temer ainda projeta um déficit de R$ 140 bi no ano que vem. Segundo o economista, é isso que impede uma melhora mais rápida nos indicadores de confiança, o que poderia provocar a volta do investimento e dar início a um novo ciclo mais forte de alta do PIB.

— Em um governo de transição, tudo é mais lento. Acredito que se o impeachment for aprovado em agosto a recuperação da confiança pode ficar mais forte, e o governo Temer poderá encaminhar projetos mais estruturais, que reequilibrem as contas públicas no médio e longo prazos. A mudança na Câmara já foi muito boa, nesse sentido.

Ontem, o índice Ibovespa teve a nona alta seguida, subindo mais 1,6% e voltando a 56 mil pontos, o maior patamar em 14 meses. As ações da Petrobras subiram mais 4,8%, e o banco suíço UBS emitiu relatório recomendando a compra das ações da petrolífera. Em parte, porque o mercado está apostando que haverá um programa forte de venda de ativos.

Como a equipe econômica anterior havia cometido erros demais, a expectativa melhorou bastante depois da troca de ministros. Apesar disso, há muita desconfiança em relação aos indicadores fiscais, porque o país permanece com déficit muito alto.

Há melhoras substantivas, ou seja, não só de percepção. A média diária das importações subiu quase 10% em junho e julho. E isso é um indicador de aumento do nível de atividade, segundo o presidente da Associação do Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.

Para manter esse clima, o governo terá que ser mais coerente do que foi até agora com relação à questão fiscal. Para as famílias, o importante é começar a melhorar os dados do mercado de trabalho. E isso vai demorar ainda, infelizmente. De qualquer maneira, lentamente os indicadores vão melhorando, e a percepção de diferentes setores, tanto da população, quanto do mercado financeiro, começa a mudar.


Projeto truncado - CELSO MING

ESTADÃO - 19/07

É inegável que boa parcela da população de baixa renda passou a ter acesso a uma boa beirada do mercado de consumo. Mas é uma realidade mais conhecida por símbolos do que pelo rigor estatístico.



Quando se apresentam como antídoto ao que denominam administrações neoliberais, políticos e dirigentes do PT argumentam que ninguém lhes tira o mérito de ter promovido a ascensão para as classes médias de 40 milhões de pessoas que antes viviam em condições precárias de renda e consumo.

Embora esta seja afirmação sempre repetida sem preocupação de atestar sua sustentação, é inegável que boa parcela da população de baixa renda passou a ter acesso a uma boa beirada do mercado de consumo. Mas é uma realidade mais conhecida por símbolos do que pelo rigor estatístico, embora algo de suas dimensões também exista (veja o gráfico abaixo). Um desses símbolos foi o pote de iogurte e outro, a TV de tela plana, que passaram a fazer parte da cesta de consumo das classes de baixa renda.





Seja qual tenha sido seu alcance, essa ascensão econômica foi construída por meio do forte aumento das despesas públicas, distribuição de crédito farto e relativamente barato, reajustes de salários acima da variação da inflação e da produtividade da mão de obra e por algumas políticas sociais, como o Bolsa Família.

Teve dois graves erros de concepção. O primeiro deles é o de que essas políticas não se assentaram em fundamentos sólidos da economia. A partir do momento em que o rombo das contas públicas saltou, que as contas externas se desequilibraram e que a inflação disparou, o processo que deveria garantir o resgate da população mais carente sofreu forte reversão. A queima de renda popular por meio da inflação, do desemprego – que hoje ultrapassa os 11 milhões de brasileiros –, do forte endividamento familiar e do crescimento da inadimplência, atirou a maior parcela desses supostos resgatados de volta ao chão de onde veio. Enfim, foi um processo que não se sustentou e que, deixado às suas próprias forças, tenderia ao colapso.

O segundo grande erro de concepção foi ter dado acesso (temporário) a laticínios, máquinas de lavar roupa, a telefones celulares, a viagem de avião e até a conta bancária e, ao mesmo tempo, ter descuidado do que poderia ter promovido e valorizado o ser humano, como a melhora da educação, acesso a serviços minimamente aceitáveis de saúde e a treinamento profissional. Foi a escolha do ter sem base no ser, que deu no que deu.

O pressuposto foi o de que o gosto pelo consumo acabaria por criar mais demanda e, portanto, por compor uma sociedade de massas cuja principal força seria dar sustentação política que garantisse a perpetuação no poder dos governos do PT. Agora que procura o apoio dos movimentos sociais para derrotar o projeto do impeachment, o governo Dilma não o encontra. As chamadas classes populares não parecem identificadas com o que vai sobrando dos governos petistas.

Alguém poderia apontar aqui também um desvio ideológico. Embora as esquerdas brasileiras continuem enaltecendo o proletariado, o que acabaram por fazer (temporariamente) foi apenas alçar parte dele à condição de pequena burguesia. Era esse, então, o objetivo?

CONFIRA:



Esta é a evolução do Índice Bovespa, que retrata o comportamento do mercado de ações ao longo de 2016.

Confiança

Juntamente com o câmbio (queda das cotações do dólar), a força do mercado de ações dá uma boa ideia da maneira como acontece o resgate da confiança na política econômica. Ao longo de 2016 (até o fechamento desta segunda-feira), o mercado de ações mostrou valorização de 30,3%. Apenas em julho, a alta é de 9,6%. Mas este é um mercado volátil que pode “realizar lucros” ao aparecimento de qualquer ameaça.


Lobos solitários são o Uber do terror - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 19/07

A internet, ao proporcionar comunicação instantânea e ilimitada, vem apagando as fronteiras entre profissionais estabelecidos e diletantes nos mais diversos ramos de atividade. Donos de carros agora podem fazer um dinheirinho como motoristas de Uber. Proprietários de imóveis são seduzidos para atuar no setor de hotelaria através de aplicativos como o Airbnb. O terrorismo não é uma exceção.

O fenômeno dos lobos solitários (ou das pequenas alcateias apenas tenuamente ligadas a centrais do terror como a Al Qaeda ou o Estado Islâmico, para não perder a metáfora) é marca dos ataques mais recentes, como os que vimos em Nice e Orlando. Em ambos os casos, o perfil dos perpetradores não se encaixa bem no de pessoas que se radicalizam aos poucos nas mesquitas e acabam sendo doutrinadas e treinadas pelas organizações terroristas. Seus motivos para o ataque parecem acima de tudo pessoais –e a conexão religiosa soa mais como pretexto conveniente do que como causa primária.

A socióloga Liah Greenfeld, em recente artigo para o "New York Times", levantou uma hipótese interessante. Para ela, casos como os citados, embora possam ser considerados atos de terror, seriam mais bem descritos como ações de indivíduos com sérios transtornos mentais. Lobos solitários tenderiam a ser pessoas com histórico de depressão e desajustes sociais. Teriam fortes ímpetos suicidas. Ideologias violentas, como o islã radical, seriam delírios "prêt-à-porter" que os ajudariam a forjar um sentido para seu desconforto existencial, convertendo o que seria um suicídio clássico em assassinatos em massa. O interessante da hipótese de Greenfeld é que ela também explica as ações dos atiradores que vêm alvejando policiais nos EUA.

Se isso é correto, dá para dizer que o terrorismo também foi "desregulamentado". Malucos dispostos a morrer podem atuar por fora como terroristas. Tempos difíceis os nossos.


Dream Team x Políticos - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 19/07

O grande teste do governo Temer será em agosto. A começar pela definição de quem irá morar no Palácio da Alvorada até 2018



A expressão Dream Team surgiu com a seleção de basquete dos Estados Unidos na Olimpíada de Barcelona. O time americano foi campeão invicto vencendo todas as partidas com diferença mínima de 32 pontos. Ao assumir o governo, o presidente Michel Temer escalou a sua equipe econômica, que foi comparada — por sua experiência e competência — ao fantástico “time dos sonhos” em que jogavam Michael Jordan, Magic Johnson, entre outros.

Embora o jogo esteja no início, o Dream Team de Temer ainda não mostrou tudo o que sabe e deverá fazer para reequilibrar as contas públicas. Como o atual mandato ainda é de barro, prevalecem as bondades políticas, mesmo que onerosas. A conta já chega a R$ 125 bilhões, considerados o reajuste do funcionalismo, a dívida postergada dos estados, a “calamidade” do Rio de Janeiro, o reajuste de 12,5% do Bolsa Família e a ampliação do Supersimples. É como se uma família, que deve a Deus e ao mundo, resolvesse aumentar os gastos, inclusive os salários e os benefícios da empregada doméstica.

As contradições do governo interino geram instabilidades. Entre as boas notícias, o real já se valorizou em mais de 20%, a Bovespa acumulou ganho de quase 30% e os investimentos da União em obras e aquisição de equipamentos cresceram 8,6% em termos reais, se comparado o primeiro semestre deste ano com o mesmo período de 2015. Por outro lado, a semana passada foi um balde de água fria no reaquecimento da economia com a divulgação dos índices de maio da produção industrial, das vendas no varejo, do setor de serviços e do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que antecipa o comportamento das Contas Nacionais calculadas pelo IBGE. Ao que tudo indica, o segundo trimestre deste ano também foi de forte recessão e a recuperação foi empurrada para o segundo semestre.

De fato, o grande teste do governo Temer será em agosto. A começar pela definição no Senado sobre quem irá morar no Palácio da Alvorada até 2018. A área econômica também será obrigada a aclarar onde obterá recursos para fechar o Orçamento da União para 2017. Ainda no mês das bruxas, começará a tramitar — de fato — no Legislativo, o maior trunfo do atual governo para reduzir os dispêndios públicos: a chamada PEC do teto, que pretende limitar o crescimento das despesas primárias à inflação do ano anterior, sem aumento real. A regra será intocável por no mínimo nove anos. A proposta, enviada ao Congresso em 15 de junho, estacionou na Comissão de Constituição e Justiça. O relator que dará parecer sobre a admissibilidade só foi escolhido duas semanas depois. Agora, claro, está tudo parado, pois as nossas Excelências estão em recesso.

Para que a PEC tenha eficácia, precisará abranger os grandes grupos de despesas: saúde, educação, assistência e previdência social,que respondem por três quartos dos gastos primários. No entanto, sem mudanças nas regras da Previdência, até mesmo a PEC será inviável a médio/longo prazos, pois os gastos previdenciários crescentes irão comprimir as demais despesas em limites insustentáveis. A obtenção de quórum de dois terços para aprovar a proposta será o primeiro grande teste da base parlamentar do atual governo.

A aprovação da PEC é importante, pois atualmente a soma das parcelas é maior do que o todo, e ninguém quer abrir mão do seu quinhão. Definido o teto, faremos opções. Desejamos, por exemplo, manter aposentadorias para pessoas com, em média, 54 anos de idade, ou preferimos mais investimentos em saúde e educação?

Como a economia ainda está na UTI, e os sinais vitais são contraditórios, todos procuram por uma espécie de “Waze” que mostre os vários caminhos e o tempo que levaremos até o destino. A confiança dos agentes econômicos só será definitiva quando forem realmente aprovadas as medidas capazes de reduzir os gastos públicos e, principalmente, colocar a relação dívida/PIB em trajetória de queda.

Até agora, o Dream Team vem sendo derrotado pelo time de políticos. A reação só deverá acontecer após consumado o impeachment ou, provavelmente, depois das eleições municipais. O crucial no Brasil não é a inexistência de um diagnóstico, mas sim a falta de ambiente político para a implementação das reformas necessárias.

No ano passado, o time de Levy enfrentou problema semelhante. Para cada arremesso livre que acertava, tomava duas cestas de três pontos e um “toco” do Congresso. As boas intenções, por si só, não promovem ajustes fiscais. A esse filme nós já assistimos, e o final não foi feliz. O Dream Team (de Levy) perdeu o jogo e a presidente perdeu o emprego.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas

Visão rudimentar - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/07

Comparar a tentativa de golpe militar na Turquia com seu impeachment no Brasil é uma interpretação rudimentar da História, e só traz desfavores para a presidente afastada, Dilma Rousseff. Se houvesse povo nas ruas, ela não seria golpeada, infere-se de seu raciocínio. Não é nada disso, mas mesmo que fosse, faltam povo e votos no Congresso para mantê-la no poder. Além do mais, um golpe militar é uma ruptura constitucional, enquanto o impeachment é um instrumento legal do presidencialismo.

A mais recente pesquisa do Datafolha mostra bem a situação. O presidente interino, Michel Temer, é desconhecido por quase 30% dos cidadãos e tem uma avaliação de ótimo e bom de 14%, mas, mesmo assim, 50% dos eleitores preferem que ele permaneça no Palácio do Planalto.

A favor de Dilma, apenas 32% se pronunciaram. O restante ou disse que não quer nenhum dos dois, não soube responder, ou sugeriu novas eleições. Daí inferir que metade dos eleitores não quer Temer na Presidência é um contorcionismo que chega a ser engraçado.

Isso quer dizer que, mesmo diante das dificuldades de situações política e econômica degradadas, de ser bastante desconhecido, Temer é percebido como alguém cuja permanência à frente do governo provoca mais estabilidade do que Dilma. E a sensação de melhoria já é perceptível, mesmo que de maneira incipiente.

Nada mal para quem sofre uma campanha incessante, no país e no exterior, e é acusado de golpista pela máquina propagandística da esquerda. Se a presidente Dilma não pode nem mesmo ir à cerimônia de abertura das Olimpíadas com receio das vaias, como imaginar o povo nas ruas a pedir sua volta?

É verdade que ainda estamos longe de ver, e dificilmente isso acontecerá um dia, o mesmo povo nas ruas pedindo por Temer, mas há muito mais chances de isso acontecer do que a volta de Dilma ser motivo para mobilizar a população não aparelhada nem manipulada pela máquina política petista. Que, por sinal, anda cada dia mais esvaziada pela realidade.

O índice dos que consideram sua gestão ótima ou boa é de 14%, quase igual ao que Dilma tinha ao ser afastada da Presidência. Mas há sinais sutis que favorecem Temer: a avaliação como ruim ou péssimo tem 31% dos entrevistados, mas a de Dilma chegou a 65%. O governo Temer é considerado regular por 42%, o que representa uma oportunidade de melhoria maior do que tinha Dilma ao sair, com uma marca de apenas 24%.

Ao mesmo tempo, melhoraram as expectativas dos brasileiros sobre o futuro da economia e sobre sua situação pessoal, atingindo o maior patamar desde dezembro de 2014. A confiança, de maneira geral, subiu de acordo com o Índice Datafolha de Confiança, que marcou avanços na maioria de seus indicadores.

A insegurança em relação à inflação e ao desemprego continua muito grande, por volta de 60%, mas comparados com números anteriores, há visíveis sinais de melhoras, embora a situação continue, evidentemente, muito ruim.

Para os que sonham com o povo nas ruas gritando "Volta, Dilma", a pesquisa Datafolha não tem bons augúrios: seu afastamento definitivo é defendido por nada menos que 58% dos brasileiros, o que invalida a tentativa de leitura enviesada de que o país está dividido entre as duas hipóteses.

Também com relação à disputa presidencial de 2018 as notícias não são boas para o PT e seu candidato potencial, o ex-presidente Lula, embora, à primeira vista, a situação dele pareça boa.

Primeiramente, Lula tem na pesquisa menos apoio do que os tradicionais 30% que o PT sempre deteve nas eleições presidenciais, o que representa a queda da preferência pela sigla depois dos sucessivos escândalos de corrupção.

Em consequência dessa crise política, mais gente pretende anular o voto ou votar em branco do que votar em qualquer candidato, inclusive Lula. Para piorar a situação, se chegasse ao segundo turno depois de uma campanha que certamente o exporá a ataques e a evidências de corrupção, Lula perderia para todos: contra Marina Silva e José Serra, fora da margem de erro, e contra Aécio e Alckmin na margem.

Quem tem a comemorar nessa pesquisa é Marina Silva, que ganha de todos os presumíveis adversários por larga margem, identificada pelo eleitorado como uma alternativa à falta de credibilidade dos políticos.


Haddad sofre com desgaste, mas ainda depende do PT - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 19/07

BRASÍLIA - O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, foi eleito graças ao apoio de Lula e do PT. Quatro anos depois, os trunfos de 2012 se tornaram as principais ameaças à sua reeleição. Este é o discurso de aliados próximos ao petista, que tentará o segundo mandato em outubro.

A nova pesquisa Datafolha mostra Haddad num constrangedor quarto lugar, com apenas 8% das intenções de voto. Sua rejeição é arrasadora: 45% dos eleitores dizem que não votarão nele de jeito nenhum.

Conselheiros do prefeito atribuem o resultado desastroso ao clima político da cidade, que concentrou as maiores manifestações a favor do impeachment. "O Haddad carrega três elefantes nas costas: Lula, Dilma e o PT", diz um secretário municipal.

Alguns números dão suporte a esta interpretação. Em julho de 2012, o PT tinha a simpatia de 26% dos paulistanos. Agora a preferência pela sigla resume-se a módicos 11%.

A derrocada petista é um peso considerável, mas não parece ser o único fardo de Haddad. De acordo com a pesquisa, 48% consideram sua gestão ruim ou péssima. O paulistano elogia vitrines como a ampliação das ciclovias, mas reclama da área social. Para 79%, o prefeito fez menos que o esperado na saúde.

O Datafolha mostra Celso Russomanno (PRB) isolado na liderança, com 25% das intenções de voto. Atrás dele aparecem ex-petistas que já governaram a cidade: Marta Suplicy (PMDB) e Luiza Erundina (PSOL).

Haddad só chegará ao segundo turno se avançar no eleitorado das duas, especialmente na periferia e entre os mais pobres. Para isso, ele terá que reconquistar a base petista e apresentar as ex-aliadas como desertoras. Querendo ou não, o prefeito continua a depender dos elefantes.

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Um diretor da Fiesp detém o título de maior devedor da União, com um papagaio de R$ 6,9 bilhões. O Brasil é o país em que os donos do pato se recusam a pagar o pato.

O Brasil em alerta - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 19/07

As longas filas em aeroportos são os primeiros efeitos que os brasileiros estão sentindo da proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O maior rigor na segurança cumpre uma determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), repassada há semanas. Mas o primeiro dia com o novo protocolo mostrou como o país engatinha em relação a planejamento, organização e execução de mudanças que afetam grande parcela da população. Há uma expectativa de que os problemas se diluam a partir de hoje, quando os passageiros mais precavidos deverão chegar até duas horas antes do embarque. Mas a ausência de reforço no quadro de funcionários nos terminais aeroviários mantém a desconfiança de que, mais uma vez, faremos um evento internacional em meio a uma cambulhada.

A nossa inexperiência em lidar com situações de massa impôs a revisão no protocolo de segurança para as Olimpíadas. A medida foi determinada pelo Palácio do Planalto após o atentado de Nice, que matou uma brasileira e pelo menos outras 83 pessoas na semana passada, em uma ação terrorista com modus operandi diverso do conhecido pelas autoridades francesas. A própria França já debatia, como revelou a imprensa local, rumores de um possível ataque sendo engendrado contra a delegação de atletas que virá competir na Rio 2016. O avanço do terrorismo em território francês levou a Agência Brasileira de Inteligência a estreitar a cooperação com os serviços secretos do governo de François Hollande. E impõe uma pergunta crucial: somos capazes de impedir tragédias como a que ocorreu no balneário francês? A resposta: não.

O trabalho de inteligência e prevenção consiste no maior desafio para as autoridades de segurança nos jogos do Rio. As megassimulações promovidas nos últimos dias auxiliam no momento da tragédia, mas são insuficientes para evitar uma calamidade. O terrorismo do século 21 mantém a estratégia de promover ações chocantes e de caráter simbólico de seus ataques. Mas se difere ao incluir "soft targets", os chamados alvos fáceis, em sua lista assassina. Essa motivação em praticar a violência de forma aleatória e gratuita explica a tragédia de Nice e o ataque a cafés parisienses nos atentados de 13 de novembro em Paris.

Inserido no contexto internacional e sede de um evento de visibilidade global, o Brasil precisa adotar postura vigilante e preventiva. A possibilidade de um atentado nos Jogos Olímpicos obriga o poder público a analisar fragilidades no controle de fronteiras, na imigração e na conduta de extremistas inclinados a cometer banhos de sangue. Os governos dos EUA e da França estimam que há 500 mil pessoas em todo o mundo com algum tipo de envolvimento com o terrorismo. O caso de Nice sugere um cenário ainda mais complexo, pois até o momento faltam evidências sólidas de que o autor do massacre tivesse algum vínculo com o Estado Islâmico. Em meio a tantas incertezas, o governo aumentou o nível de alerta. Convém aos cidadãos brasileiros, por sua vez, seguirem o trinômio indicado para esse período olímpico: paciência, cautela e vigilância.

Estilhaços no PT e no PCdoB - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 19/07

Era para ser uma sutil manobra de bastidores. Deu tudo errado e acabou na fragmentação oposicionista, com isolamento do PT e múltiplas críticas a Lula


Era para ser uma sutil manobra de bastidores. Bem-sucedida, submeteria Michel Temer a uma derrota humilhante na Câmara dos Deputados, usando a tropa parlamentar do governo.

Deu tudo errado. Acabou no desastre de uma fragmentação oposicionista, com visível isolamento da sua nave-mãe, o Partido dos Trabalhadores. E, desde então, seguido por vigoroso crescimento das críticas a Lula, principal liderança petista.

Na manhã de quarta-feira passada, Lula desembarcou de um sofisticado jato Gulfstream G-200, alugado, no aeroporto de Caruaru (PE). Sem comitiva de recepção, teve tempo para se concentrar em telefonemas a Brasília.

Era dia de eleição do presidente da Câmara. Na madrugada, conduzira seu partido e aliados pelo labirinto de um jogo pragmático. Vetara candidaturas como as de Maria do Rosário (PT-RS) e Luiza Erundina (PSol-SP), entre outras. Queria a vitória por aliança, ainda que o preço fosse a união com o DEM — o “demo”, como costuma definir —, abreviatura de Democratas, partido que Lula prometera “extirpar da política brasileira” em comício de 2010 para eleição de Dilma Rousseff, em Joinville (SC).

Antes de embarcar no jato PR-WTR rumo a Caruaru, atropelara essa nota de rodapé de sua biografia e decidira o apoio do PT ao candidato do DEM, o deputado fluminense Rodrigo Maia.

No agreste pernambucano Lula soube da montagem de uma alternativa dentro do PMDB de Temer, com o discreto respaldo de uma fração do PCdoB empenhada em impedir a aliança com Maia, reconhecido adversário da deputada Jandira Feghali na política carioca.

Sugeriram Marcelo Castro (PMDB-PI), ex-ministro da Saúde de Dilma. Por ter votado contra a abertura do processo de impeachment, em abril, era personagem conveniente à retórica contra o “golpe”. O líder do PT topou, em novo atropelo da própria biografia.

Trinta e oito anos atrás, Lula ouvira, incrédulo, o ferramenteiro Gilson Menezes descrever a preparação de uma greve na Scania. O que veio a seguir mudou a história política brasileira, a vida de Lula e está na raiz do Partido dos Trabalhadores. Naquele maio de 1978, três mil quilômetros ao norte, um médico piauiense recebia como presente uma vaga de candidato a deputado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar instaurado em 1964. Não se elegeu.

Por ironia da História, quarta-feira passada Lula, o PT e aliados transformaram esse antigo soldado do esteio parlamentar do regime de 64 num porta-bandeira da retórica contra o “golpe” — como se referem ao processo constitucional de impeachment.

Somaram 70 votos. Multiplicaram a desunião, antes de perceber que Castro, desde o início, constava na planilha do PMDB como adversário preferencial no segundo turno contra o predileto do ex-presidente Eduardo Cunha para sua sucessão na Câmara, Rogério Rosso (PSD-DF). Essa percepção, tardia, motivou 75% dos parlamentares do PT e PCdoB a votar no segundo turno em Rodrigo Maia, expoente do DEM que Lula pretendia exterminar.

Restaram estilhaços. A dimensão dessa fragmentação cresce à medida em que os protagonistas percebem que atravessaram os 27 anos parasitando um único líder competitivo nas urnas: Lula.

O STF, a Constituiçãoe o tráfico de drogas - MARCIA DE HOLANDA MONTENEGRO

ESTADÃO - 19/07

Além de contrariar a Carta Magna, decisão do Supremo configura grave injustiça


Nas três últimas décadas a criminalidade cresceu e se organizou no País com a prática de crimes de extrema gravidade, dentre eles o tráfico de drogas. O tratamento rígido, exigido pelo legislador constituinte ao equiparar esse crime aos hediondos, justifica-se pelo malefício que traz à sociedade, em especial aos jovens e crianças.

Em 1995, quando estive em programa de cooperação técnica no Departamento de Justiça dos EUA, o Brasil foi apresentado como importante rota de tráfico para aquele país e a Europa, e palco de lavagem de dinheiro desse comércio ilícito, sem lei que a combatesse. Apesar das novas leis que a partir daí surgiram para ampliar a repressão ao crime, interpretações benéficas persistem.

Em recente julgamento o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, reconheceu como não equiparado a hediondo o tráfico de drogas praticado por primário, sem antecedentes, não integrante de organização criminosa e sem dedicação ao crime. Com isso permitiu benefícios para esse traficante, além de pena reduzida prevista na Lei de Drogas. O fato de a lei ter privilegiado com pena menor esse tipo de traficante, contudo, não leva à conclusão de que tenha criado uma conduta criminosa privilegiada, não equiparada à hedionda. Como bem salientou o ministro Luiz Fux, que divergiu da maioria, o “tráfico privilegiado” é figura doutrinária, e não criação do legislador. Entendimento contrário exigiria do STF declarar inconstitucional a Lei de Drogas nesse ponto, jamais tentar adequá-la à Carta Magna, como o fez.

O legislador constituinte equiparou o tráfico de drogas aos crimes hediondos sem fazer essa distinção (artigo 5.º, XLIII). Se não distinguiu, não cabia ao intérprete fazê-lo: trata-se de regra fundamental de hermenêutica do Direito.

A equiparação do tráfico aos delitos hediondos se dá pela natureza repugnante da conduta, não pelo perfil da pessoa que o pratica. Bem demonstra isso o emblemático caso objeto da decisão do STF, ao entender que o transporte de 772 kg de maconha, pelo perfil do traficante, é tráfico despido de hediondez equiparada. Para um comparsa não primário que agisse em concurso, a mesma conduta seria equiparada a hedionda, o que mostra a contradição e a incoerência da decisão. Quem vende, por exemplo, 80 g de maconha na rua (caso típico de seguidas prisões por tráfico neste Estado), pela condição de não primário, pratica tráfico equiparado a hediondo, mais grave do que aquele que transportava 772 kg de droga (suficiente para abastecer inúmeros pontos de venda). A decisão, proferida em caso alarmante, além de contrariar a Constituição, configura grave injustiça.

O Brasil abriga a quarta maior população carcerária do mundo, residindo aí umas das razões de o STF retirar o tratamento gravoso a parte do tráfico de drogas: o esvaziamento de presídios, em parte povoado por mulheres traficantes, as “mulas” – o que sensibilizou parte da Alta Corte a ponto de esquecer a justa luta das mulheres pela igualdade com os homens. A solução da superlotação de presídios cabe ao Poder Executivo. Aquele que, pelo voto, busca administrar a coisa pública deve exibir competência e vontade política para a defesa intransigente da sociedade. É claro o desinteresse do Executivo na construção de presídios: a obra não dá votos, chega até a tirá-los, porque a ninguém agrada morar próximo a estabelecimento prisional. A razão maior da superlotação decorre da falta de planejamento para reprimir o crime, em especial o tráfico de drogas, que exige, em razão de suas peculiaridades, investigação diferenciada de forma rotineira.

Neste Estado o maior número de prisões por tráfico é de varejistas, grande parte em flagrante, e pela Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo. O elevado número desses traficantes presos demonstra claro equívoco no combate a esse crime, levando a Justiça Criminal a um trabalho crescente, desalentador e sem resultados expressivos – salvo o de lotar presídios com esse tipo de traficante, que logo é posto na rua. As organizações das polícias, do Ministério Público e do Judiciário são muito caras para o Estado para fazerem o que será desfeito ou desfazer o que foi feito. Apenas investigações estratégicas de grandes traficantes reduzirão o tráfico e, em consequência, os varejistas, que ficarão desabastecidos. Só assim a população carcerária poderá sofrer, de forma correta e justa, notável redução.

As mulheres “mulas” – retratadas em julgamento como frágeis e de percepção reduzida por estabelecerem com facilidade vínculos com organizações criminosas e pela dependência econômica e psicoafetiva dos traficantes – têm papel decisivo no tráfico internacional, que sem elas estaria em parte comprometido. Se desejarem benefícios legais, como outros traficantes, que façam por merecer em delação premiada, para que se chegue aos que lhes entregaram a droga e aos que a receberiam. Penas ínfimas e vários benefícios para traficantes tornam a delação premiada, importante técnica de investigação, não atrativa.

Voltando ao caso julgado, quem seria o dono e o destinatário de 772 kg de droga, transportada em caminhão escoltado por batedores, senão organizações criminosas? Quem, não enfronhado na vida criminosa, conseguiria aproximação e a necessária confiança para ser recrutado para o transporte de quase uma tonelada de droga? A tentativa do STF de resolver, com os melhores propósitos, o problema da alçada de outro Poder e a situação das mulheres traficantes põe em risco a correta aplicação da lei penal e a desejável segurança jurídica. Por sua vez, as organizações criminosas que fincaram raízes em solo brasileiro terão a certeza de que suas árvores, já frondosas, continuarão cada vez mais a produzir frutos.

* MARCIA DE HOLANDA MONTENEGRO É PROCURADORA DE JUSTIÇA, COORDENOU A CÂMARA ESPECIALIZADA EM CRIMES PRATICADOS POR PREFEITOS E O GRUPO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Gastos ditos sociais requerem auditoria permanente - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/07

São incontáveis as evidências de que o Estado gasta muito e mal, e uma delas está no explosivo crescimento das despesas realizadas dentro da Loas


Trata-se de um chavão dizer que as crises criam oportunidades, mas é verdade. O Brasil, nos 13 anos de lulopetismo, principalmente a partir da eclosão da crise mundial em fins de 2008, aplicou, por inspiração ideológica, um receituário heterodoxo encharcado de intervencionismo estatal e, por isso, explodiu as finanças internas. Tem agora, afinal, de fazer mudanças estruturais para impedir que as despesas continuem a crescer mais que a inflação e o próprio PIB, numa corrida insana rumo ao precipício da crise fiscal. E nela de fato caiu.

O governo do presidente interino Michel Temer, com Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, faz o diagnóstico correto das causas da tempestade econômica e encaminhará ao Congresso proposta de emenda constitucional para impedir a evolução real (acima da inflação) das despesas públicas. Na situação em que se encontra o país, tal indexação é bem-vinda. Um mal menor.

Outra frente de trabalho do governo, estratégica para o resgate do país, são os ditos gastos sociais como um todo, em que se inclui a Previdência, a dos servidores públicos e a dos assalariados da iniciativa privada (INSS). O total dos gastos com a seguridade soma 36% do PIB, mais que os 27% da Áustria, por exemplo, país com população de idade média superior à da brasileira.

Mas a questão não se esgota numa reforma que leve o segurado a contribuir por mais tempo para o sistema previdenciário — com a fixação de idade mínima para a obtenção do benefício da aposentadoria. Há muito o que fazer, também, e de forma constante e institucional, na fiscalização dos gastos públicos em geral e na medição da eficiência das despesas.

De imediato, é crucial passar os gastos considerados sociais num estreito pente-fino, para combater fraudes e corrigir erros na administração dos programas. O pouco que tem sido feito demonstra que o potencial de economia é enorme. Revelou O GLOBO, no domingo, que o Rioprevidência, do funcionalismo fluminense, suspendeu 11 mil pensões pagas indevidamente, ao realizar uma auditoria no fundo. Isso representa 12% do total de pensionistas. Em quatro anos, o Erário do Rio de Janeiro economizou R$ 1 bilhão.

Na esfera da União, onde os números são maiores, muito mais pode ser economizado. Há reformas a fazer, é claro, não apenas nas aposentadorias, mas também nas pensões. Mas a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) há tempos também pede uma auditoria atenta e profunda.

Ela garante um salário mínimo a idosos ou deficientes que não possuam meios para se sustentar. É um espaço aberto a fraudes, pois não consta que haja aí uma fiscalização séria. Seja como for, de 2002 a 2015, o gasto anual do programa passou de R$ 7,5 bilhões para R$ 39,6 bilhões, algo como 40% do Orçamento do SUS. E o contingente de beneficiários cresceu de 1,6 milhão para 4,2 milhões de pessoas.

O fato de a partir do segundo mandato de Lula o Planalto ter seguido uma rota populista mais acentuada, com a aceleração dos gastos em custeio, indica que foi criada uma gordura espessa de despesas sem lastro em leis e normas, apenas para dar sustentação ao tal projeto de poder lulopetista. O momento de se começar a cortá-las é agora.


Consciência de Lula virou um latifúndio improdutivo que medo de Moro ocupou - JOSIAS DE SOUZA

Blog do Josias de Souza - 19/07
Num instante em que Dilma Rousseff começa a levar seus pertences do Alvorada para o apartamento de Porto Alegre, Lula já não fala em “correr o país” para denunciar o “golpe”. Hoje, a mais aguda preocupação do pajé do PT, seu mais exasperante problema é Sérgio Moro. Lula vive esperando que o juiz da Lava Jato o lace e o recolha à “República de Curitiba”.

A morofobia de Lula levou sua defesa a encenar uma esperteza. Atravessou no caminho do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, uma liminar tóxica. Pedia-se na peça que o Supremo retirasse novamente das mãos de Moro os grampos telefônicos que desnudaram conversas vadias de Lula com políticos e autoridades de Brasília. A Corte está em férias. Cabe a Lewandowski responder aos pedidos de Liminar durante o plantão. Nesta segunda-feira (18), ele decidiu não decidir.

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, já havia despachado sobre o tema antes do início das férias. Em março, Teori determinara a Moro que enviasse para o STF toda a investigação envolvendo Lula. Mais tarde, em 13 de junho, Teori anulou o grampo que captara uma conversa de Lula com Dilma numa hora em que o próprio Moro já havia determinado o fim das interceptações. No mesmo despacho, Teori devolveu para Curitiba os outros áudios e os processos.

Na petição submetida ao crivo de Lewandowski, os defensores de Lula questionaram novamente o fato de Moro ter divulgado diálogos telefônicos de Lula com autoridades que tinham foro privilegiado na época dos grampos. Alega-se que só o Supremo poderia levantar o sigilo dessas conversas. Nesse diapasão, Moro teria usurpado a competência da Suprema Corte. O que resultaria na anulação dos grampos.

Na prática, o que Lula desejava era fugir da caneta de Moro: “Mostra-se de rigor a concessão da medida liminar para que este Supremo Tribunal Federal avoque, novamente, todos os procedimentos conexos suspendendo-se, por consequência, o curso de tais procedimentos relacionados, bem como de quaisquer outros munidos com o conteúdo das interceptações em tela'', anota a petição.

Lewandowski decidiu: 1) devem ser separados de outras gravações os grampos com conversas entre Lula e autoridades com foro especial, que só podem ser investigadas com autorização do STF. 2) as gravações permanecem sob os cuidados de Sérgio Moro. 3) a petição de Lula será remetida ao gabinete de Teori Zavascki, a quem caberá deliberar depois que o Supremo voltar das férias, em agosto.

Não é nada, não é nada, essa decisão de Lewandowski não é nada mesmo. Chamado a se manifestar, o próprio Moro informara ao STF, na semana passada, que só seriam aproveitados os grampos que tivessem pertinência com as investigações. Ciente das suas limitações, o juiz da Lava Jato acrescentara: “Jamais serão eles utilizados em relação às autoridades com foro por prerrogativa de função, já que quanto a estas, mesmo se os diálogos tiverem eventualmente relevância criminal para elas, caberá eventual decisão ao eminente Ministro Teori Zavascki, ao qual a questão já foi submetida.”

Ao acionar Lewandowski no plantão, Lula e seus advogados foram deselegantes com o presidente do STF. Agiram como pessoas de fabulosa pontaria. E deixaram o ministro em situação vexatória: se concedesse a liminar, Lewandowski açanharia as línguas maledicentes, que diriam que Lula bateu às portas do Supremo em pleno recesso porque já conhecia o resultado do julgamento.

Com sua decisão inócua, Lewandowski saltou do alçapão. Já lhe basta a má repercussão de encontro que manteve com Dilma num hotel em Portugal. Até segunda ordem, os grampos permanecem com Moro. E Lula, ainda na alça de mira da força-tarefa de Curitiba, tem abundantes razões para tremer. Com ou sem grampos, será enviado à grelha. Lula acabará percebendo que uma das graças da democracia é o poder nivelador do medo da Justiça.

Sob o risco de acabar num xilindró, o pobre-diabo e o ex-soberano da República soltam a mesma baba. O caso de Lula diz muito sobre o novo momento que o Brasil atravessa. A consciência de Lula virou uma espécie de latifúndio improdutivo que o medo de Sérgio Moro invadiu.

segunda-feira, julho 18, 2016

Perder-se - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 18/07

Você acredita em destino? Sei, parece uma pergunta estranha. Principalmente num mundo como o nosso, cozido na crença e no projeto de domínio de tudo pelo indivíduo que escolhe as coisas com a força de quem traz o Visa entre os dedos.

Outro dia, conversando com amigas, perguntei quem acreditava em destino. Apenas aquela que já viveu mais, respondeu "sim". As demais, mais jovens, responderam "não". Pareceu-me que ali pesava a maior sabedoria daquela que viveu mais (e trata-se de uma mulher muito bem-sucedida, para que nenhum desavisado pense que era uma "coitada").

Sim, sou um falso contemporâneo: duvido da capacidade humana de controlar sua vida. Cada vez mais. Sendo eu um contemporâneo, minha suspeita de que exista destino deve ser alguma forma de patologia cognitiva. Prefiro minha patologia ao invés do delírio dos meus contemporâneos.

Nesse sentido, ponho sob suspeita a máxima do mundo burguês moderno: sou dono do meu destino, basta que eu calcule, seja competente e monte estratégias. Nos meus piores momentos, suspeito que essa crença seja mais um dos males da caixa de Pandora, que Zeus deu a ela para nos castigar contra nosso conhecimento do fogo (símbolo da técnica) e seus delírios de poder.

Lembremos que o pior dos males naquela caixa era a esperança. Ter esperança é um engano, porque não há esperanças, pensa o grego antigo. Entendo que a crença na liberdade individual contra o destino seja um pouco como a esperança de Pandora: mais um engano, entre tantos outros, que nos faz acreditar em nossa infinita capacidade de dominar as coisas.

De onde viria essa certeza de que somos livres e de que não existe um destino "traçado" sobre nossas cabeças?

Quando olhamos para o mundo antigo, é comum encontrarmos a crença nalguma forma de destino. Esse destino seria traçado por forças divinas. No mundo grego, o famoso oráculo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, aquele conhecido por dizer "Conhece-te a ti mesmo", citado por Sócrates, tinha um "complemento", que era: "Saibas que tu és mortal".

Estava aí o destino: o homem é sempre menos do que um deus porque ele é mortal e, por isso mesmo, tem como destino a perda de si mesmo. Entendo que a perda de si mesmo vá além da ideia concreta da morte. A perda de si mesmo se dá de diversas formas. Enquanto escrevo para você, me perco, me traio.

O engano contemporâneo com relação a inexistência do destino estaria não apenas no fato que continuamos mortais, mas também no fato que continuamos a perder a nós mesmos das mais variadas formas: viver é perder-se (nas paixões, nos desejos, nos fracassos, nos sucessos, nas guerras), e se você tenta evitar isso, você se perde mais rápido ainda e de forma definitiva e miserável. É aí que se encontra minha suspeita, além da mortalidade da qual fala Delfos, de que exista algo como um destino invadindo nossas vidas. Mas, sendo a modernidade uma "teenager" encantada com seu sucesso, acabamos por interpretar os palhaços da liberdade.

Pensando a partir de um materialismo social, a ideia de destino parecia mais comum quando os homens e as mulheres tinham poucas opções na vida, fosse por conta de pouca técnica, pouca longevidade, pouca liberdade individual, pouco conhecimento, pouca democracia, poucos shopping centers. Este último principalmente: a fé na liberdade moderna é um misto de fé na técnica (o fogo de Prometeu) e no poder do Mastercard.

Por isso, a fé na liberdade individual me parece fruto do avanço da sociedade de mercado e suas ferramentas de sucesso, descritas acima. Se você quiser ver esta liberdade caminhando por ai, vá ao Iguatemi. A riqueza fez de nós descrentes no destino, porque pensamos poder "comprá-lo".

Não duvido dessa premissa: mais dinheiro, mais técnica, mais sensação de liberdade. Mas suspeito que esta crença seja parte da esperança de Pandora. No fundo da caixa de Pandora tinha mais um mal escondido: a crença na liberdade do consumidor como liberdade contra o destino. O destino moderno é enganar-se com o próprio poder de controlar das coisas.


Coincidências e coincidências... - JOAQUIM FREITAS

O PONTO CEGO AQUI

Quem não gosta de coincidências? Elas normalmente são ótimas, nos fazem pensar que o universo conspira a favor de nós ou contra, quando ela não ajuda.

Eu tenho uma que adoro contar, já contei umas 300 vezes, e talvez depois de contar aqui não precise mais contar tanto, já estou um pouco cansado dela.

Mas de fato ela é incrível, vejam só:

Certa vez em Brasília fui assistir a então recém “eleita” primeira monja budista brasileira, a paulistana Monja Coen em uma palestra sobre espiritualidade e assuntos correlatos.

Durante sua palestra, cismei que ela parecia com a amiga paulistana Dona Glaucia, minha vizinha em Natal, que também tem um lado espiritual bem aguçado.

Ao término, fui falar com a Monja e perguntei se ela tinha alguma parente que morasse em Natal. Ela disse não lembrar de ninguém. Falei da semelhança, ela não deu muita importância, e pronto.

De volta a Natal, me encontrei com Dona Glaucia e perguntei se ela tinha alguma parente budista que por ventura fosse monja. Mais uma negativa. Assunto encerrado.

Isso foi em maio.

Em novembro, eu fui a São Paulo com Dona Glaucia, almoçávamos no Ráscal, quando de repente, quem senta na mesa ao lado?

A Monja Coen!!

Fui lá, a chamei, lembrei a ela da nossa conversa em Brasília, apresentei uma a outra, que logo descobriram que moraram na mesma rua na infância em São Paulo.

Coincidência incrível, né?

E as duas quando juntas, notei que não se pareciam nada, vai entender...

No Brasil, ler é coisa que se faz por obrigação - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 18/07

Há tempos, assisti a um comercial de TV sobre um produto esportivo, talvez um tênis, cujo mote era a necessidade de "liberar o corpo". O anúncio falava de pessoas "reprimidas", que seriam mais felizes se vivessem ao ar livre usando o produto. Entre estas, mostrava uma moça sentada, lendo um livro, dentro de uma biblioteca - o Real Gabinete Português de Leitura, no centro do Rio. Mensagem subliminar: a leitura é uma chatice, uma obrigação, o contrário de ser livre e feliz.

Uma pesquisa recente do Instituto Pró-Livro e do Ibope, "Retratos da Leitura no Brasil", citada pelo colunista Antônio Gois, do "Globo", traz dados alarmantes: 44% da população brasileira não têm o hábito de ler livros, e esse número não se alterou nos últimos 12 anos. Apenas 33% dos brasileiros tiveram a influência de alguém para adquirir o gosto pela leitura, quase sempre a mãe - o que não é um mal, mas por que não citar igualmente um professor?

Porque, diz a pesquisa, os professores também leem pouco e mal. Embora 84% tenham dito que leram um livro nos três meses anteriores à pesquisa, a maioria não se lembra do título ou não respondeu, e, quando se lembra, o mais citado é a Bíblia. Sim, não podemos nos esquecer dos seus baixos salários, que os impedem de comprar livros. Mas não é para isto que existem as bibliotecas?

Não no Brasil. Segundo a pesquisa, 75% dos entrevistados associam a biblioteca a um lugar para estudar ou pesquisar (naturalmente, por obrigação), não como um espaço de lazer, para ler por prazer, trocar livros ou fazer amigos. Em 2015, apenas 53% das escolas brasileiras tinham biblioteca ou sala de leitura.

Quanto ao Real Gabinete Português de Leitura, um monumento carioca, sua beleza faz dele um cenário requisitado pelos comerciais de TV. Até para veicular mensagens que o degradam e ofendem.

Prendam esse boneco - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA 

ESTAMOS DIANTE DE MAIS UMA TENTATIVA DE GOLPE CONTRA OS COMPANHEIROS. COMO SOFRE ESSA ELITE VERMELHA!


O boneco inflável de Ricardo Lewandowski é o mais novo investigado pelo Supremo Tribunal Federal. O presidente da Corte máxima pediu à Polícia Federal que aja contra essa "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário. Ou seja: estamos diante de mais uma tentativa de golpe contra os companheiros. Como sofre essa elite vermelha!

Se o atentado é inaceitável, a coisa deve ser grave mesmo. Por curiosidade: o que seriam atentados aceitáveis? Tráfico de influência noSTF, por exemplo, seria um atentado aceitável? Aparentemente, sim. Senão, a tropa de choque petista que há anos corta um dobrado no Supremo para defender Lula e Dilma no mensalão e no petrolão já estaria em maus lençóis.

Mas estão todos muito bem, obrigado, sob suas togas. Tanto que Sergio Moro, esse terrorista a serviço da elite branca, foi instado a prestar informações sobre os grampos de Lula. Adivinhe por quem? Acertou: por Lewandowski, o ministro inflável.

A relação de afilhados inflados pelo filho do Brasil é extensa - e não param de aparecer novos felizardos. A Lava Jato está investigando o ex-garçom inflável que hoje anda de Porsche e detém empresas como a gráfica Focal, que recebeu R$ 24 milhões da campanha de Dilma, no amor. Veja como pode ser proveitoso passar com uma bandeja à frente de Lula no ABC paulista. Você só continua garçom porque não atendeu o freguês certo.

O garçom de Lula tem estreitas relações com a família Demarchi, de onde partiu a indicação de Lewandowski para o círculo do próprio Lula - uma história bonita que atingiu seu clímax no Supremo Tribunal Federal. Um ex-operário que fez bem a tanta gente não pode terminar na cadeia - e os supremos companheiros estão aí para isso.

Dias Toffoli soltou o ex-ministro Paulo Bernardo, mesmo com o risco concreto de novos crimes de lavagem - e logo a seguir surge um relatório da Receita Federal indicando a ligação entre o braço direito de Bernardo e as negociatas da campanha de Dilma envolvendo a gráfica Focal. Dá para entender quanto é importante um bom círculo de amizades?

E prossegue a impressionante seqüência de atentados aceitáveis, produzidos pelos amigos dos ministros infláveis. A PF descobre na delação do ex-presidente da Andrade Gutierrez a evidência de que um ex-diretor do BNDES negociou propina na veia para o PT. É mais um flagrante do uso obsceno dos maiores bancos públicos do país por Lula e Dilma - que bastariam, relacionados aos demais delitos, para tipificar a cúpula do governo do PT como quadrilha, com todas as medidas policiais preventivas e coercitivas necessárias para sustar a gestão do patrimônio criminoso. Mas o STF tomou a providência de decretar que a quadrilha não é quadrilha.

Então fica tudo bem. E ficamos sabendo que a Odebrecht, vitaminada pelo BNDES sob a varinha de condão de Lula, escalou uma empresa afiliada para comprar um imóvel de 5.000 metros quadrados para o Instituto Lula - mesma empresa que pagou jatinho para levar o ex-presidente a Cuba. O mesmo BNDES onde floresceram as jogadas do ex-ministro Fernando Pimentel, amigo do peito de Dilma - laranja de Lula, que ocupou a Presidência para dar cobertura a essa farra toda.

Um boneco inflável com a cara de Ricardo Lewandowski perambulando pela Avenida Paulista é um atentado inaceitável à credibilidade de um tribunal que vem blindando, como pode, essa dupla do barulho. A investigação da dobradinha de criador e criatura para calar o companheiro Cerveró foi tirada das mãos de Sergio Moro. Tudo o que chega lá implicando a mulher honrada, afastada e do lar é indeferido. Até o rito de impeachment na Câmara foi operado pelo Supremo, em evidente atropelo institucional, para tentar refrescar os padrinhos delinquentes. Como se vê, há pouco que um boneco inflável possa fazer para prejudicar essa credibilidade.

As sabotagens ao impeachment não adiantaram nada - como, ao final das contas, não vão adiantar todas as outras pantomimas solidárias. Lula e Dilma cometeram uma avalanche de crimes, estão fora do poder e a Lava Jato não é comprável pela elite vermelha. Mas a história há de registrar que, durante o maior assalto aos cofres da nação, a ordem pública foi gravemente ameaçada por um boneco inflável.

Os partidos sem povo - JOÃO DIONÍSIO AMOÊDO

REVISTA VEJA

As legendas nacionais vivem do Estado e desprezam os cidadãos. Melhor seria se funcionassem sob a lógica das empresas: sem agradarem ao cliente, deveriam desaparecer



AS PROPOSTAS DE UMA REFORMA política ressuscitaram no Brasil desde que Michel Temer assumiu a Presidência. O assunto não é novo. De tempos em tempos, projetos para implementar um sistema parlamentarista, instituir uma cláusula de barreira para novos partidos e proibir coligações ressurgem com promessas de sanar nossos males. Contudo, todas elas pecam ao pretender alterar mecanismos e sistemas como se apenas eles, e não as pessoas, fossem os responsáveis pela situação atual.

A reforma política - melhor dizendo, a reforma da política - deve ser discutida com a amplitude que o assunto merece. É algo que demanda uma identificação correta dos problemas existentes. Um dos mais fundamentais, quase sempre deixado de lado, é a fraca representatividade dos partidos que hoje existem no Brasil.

Não foi por outro motivo que muitos se assustaram ao assistir pela televisão às declarações dos parlamentares que votaram pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Seus discursos anacrônicos soaram estranhos para uma boa parte da população. Esse distanciamento entre os partidos e a sociedade é fácil de constatar quando se observa o ínfimo número de filiações partidárias. Nas últimas duas décadas, elas nunca estiveram tão em baixa. Entre os mais jovens, a cena é ainda mais dramática. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de filiados a partidos políticos com idade entre 16 e 24 anos caiu 56% de sete anos para cá nas cinco maiores legendas: PMDB, PT, PP, PSDB e PDT. O PT foi o que mais perdeu: a soma dos seus integrantes com menos de 24 anos caiu 60% desde 2009.

Basta abrir o Facebook para entender esse fenômeno. Das dez páginas políticas com maior número de seguidores, as cinco mais populares são de personalidades. A explicação é que, sem se identificarem com os partidos, os brasileiros criaram uma fidelidade às pessoas e a seu currículo, e não a um conjunto de ideias ou valores que, em teoria, seria representado pelas siglas. Das outras cinco páginas com mais seguidores que vêm na sequência, três são de partidos (o Novo, do qual faço parte, é um deles). As outras duas que restam são de movimentos que surgiram nas manifestações de rua: o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua.

Partidos deveriam funcionar sob a mesma lógica das empresas privadas. Nenhuma companhia, em lugar algum do planeta, consegue sobreviver se não for capaz de atender bem seus clientes. Para a política, seria suficiente trocar essa última palavra por "cidadãos". No Brasil, as regras existentes empurram os partidos para longe deles. As legendas recebem muito dinheiro do governo e é com esse capital que se financiam. O dinheiro fácil torna desnecessário qualquer compromisso mais duradouro com seus apoiadores. Basta ser menos ruim que os concorrentes para garantir espaço. É significativo que o PMDB, o maior partido brasileiro, tenha recebido 86 milhões de reais do fundo partidário em 2015 e nada de pessoas físicas.

O desgaste dos partidos e sua falta de representatividade explicam muito dos obstáculos que temos quanto à governabilidade do país. A corrupção é um dos mais danosos entre eles. Quando os partidos são sustentados pelo Estado, e não pelos cidadãos, os políticos não se sentem na obrigação de prestar contas a seus eleitores. Ao contrário, trabalham para a consolidação de um Estado com amplo espectro de atuação, com leis excessivas, muito intervencionista, extremamente burocrático e voraz arrecadador de impostos. A consequência disso é um ambiente propício à venda de favores na gestão pública. Dos esboços já divulgados de uma reforma política, nenhum parece consertar esse sistema. Pelo contrário, o risco é eles perpetuarem seus defeitos.

Para resolvermos a questão de maneira definitiva, deveríamos adotar medidas simples, mas que dessem um incentivo na direção correta. Uma delas é a extinção do fundo partidário, a verba que sai diretamente dos cofres da União para alimentar as siglas. No meu entender, nenhum dinheiro público pode ser destinado a financiar partidos políticos. Cada agremiação deve ser sustentada pelos próprios apoiadores. À medida que as siglas conquistassem o coração dos brasileiros e recebessem doações de seus seguidores, elas garantiriam sua sobrevivência. As contribuições poderiam começar com valores baixos, permitindo a participação de grande parte dos cidadãos. O Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), por exemplo, não estabelece um limite mínimo para doações. Conheço gente de baixa renda que, mesmo assim, envia 12 reais ao Graacc por mês. Se o PT, que tem 1,6 milhão de filiados, recebesse metade desse valor de cada um deles, já teria aproximadamente 9,6 milhões de reais por mês, o equivalente ao que recebe do fundo partidário atualmente.

Também é preciso acabar com o horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Essa propaganda, apesar do seu nome, custa dinheiro do pagador de impostos. Seria mais saudável se essa soma fosse direcionada a serviços essenciais. A adoção do voto facultativo também daria uma grande contribuição ao favorecer o voto consciente e preservar a liberdade das pessoas. Seria importante ainda facilitar a montagem de partidos políticos de caráter nacional ou local. Tal flexibilização permitiria que qualquer grupo que não se julgue bem representado se organizasse adequadamente para manifestar seus interesses nas urnas.

A busca da representatividade e a preservação das liberdades individuais devem ser os principais objetivos de uma reforma política. A partir daí, a boa governabilidade do país viria como uma consequência natural. As demais medidas deveriam acontecer mais à frente, somente quando os brasileiro*, já tivessem a seu serviço um Legislativo que, de fato, represente de forma legítima e coerente seus anseios e interesses.

*João Dionisio Amoêdo é administrador de empresas e presidente do Partido Novo

O chororô de nossos políticos - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Rodrigo Maia chora na vitória. Eduardo Cunha chora na derrota. São chorões só os políticos ou todos os brasileiros?



Brasileiro chora quando perde (Eduardo Cunha) e quando ganha (Rodrigo Maia). Enquanto o primeiro-ministro britânico David Cameron, agora ex, se despede do comando do Reino Unido fazendo piada e cantando “doo dooo, doo doooo”, os políticos brasileiros ficam com olhos cheios de lágrimas. Na vitória ou na derrota.

E é sempre ao falar da família. Eduardo Cunha abandonou a frieza quase psicopata, ficou com a voz ainda mais fina e os olhos injetados, a boca entortando como menino que teve a bala roubada, ao mencionar a mulher, Cláudia Cruz, e uma filha, atingidas por seu “trust” inocente na Suíça alimentado por dinheiro público e propina. Não me pareceram lágrimas de crocodilo, só de perdedor.

Rodrigo Maia aguentou firme na Câmara até mencionar o pai em seu discurso, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia. Ao agradecer ao pai, virou menino também, enxugou as lágrimas, os olhos ficaram vermelhos, quase soluçou, juntou frases improvisadas e ficou um pouco fora de si.

Não é virtude nem defeito. É cultural? Essa emoção incontida parece muito verde-amarela. Nenhum inglês, francês, americano, alemão faria isso na Câmara ou no Senado ao assumir um comando. Aliás, nem espanhol, italiano ou português. Talvez, nem argentino.

Ao assumir como presidente na Argentina, Mauricio Macri ensaiou uns passos muito cafonas de dança, bem desengonçado. Claro, nenhum poderoso neste planeta chega aos pés de Barack Obama, que dança em qualquer ritmo, discursa em qualquer país, universidade ou situação delicada, de diplomacia, emergência ou terror, sem escorregar na pista ou na palavra.

Acho engraçado, curioso mesmo, que um cara de 46 anos como Rodrigo Maia, deputado veterano há quase duas décadas, ao ser eleito presidente da Câmara faça um discurso lacrimoso e diga publicamente que tomou três calmantes! Você não sabe se chora junto com ele ou se ri. Você afinal se envergonha ou se comove? Para quem está acostumado aos rituais políticos bem mais sóbrios na Europa, parece uma pantomima. O presidente da Câmara também falou, no discurso de vitória, do “Rodriguinho”, seu filhinho caçula e único varão. Rodrigo Maia é pai ainda de três filhas.

Perguntei ao psiquiatra Luiz Alberto Py os motivos dessa emoção que extravasa e expõe. “Primeiro, é cultural. É óbvio. A cultura do norte da Europa, anglo-saxônica, é mais fria que a cultura mediterrânea e latina. Mesmo no convívio e na rua, brasileiros se abraçam, se beijam, são mais expansivos. Em países do norte, emoção é algo reservado, privado, íntimo. Aqui no Brasil não há o menor constrangimento, nenhum esforço para reprimir. Até quando se ri, é com gargalhadas. Nada a ver com o humor britânico. Nosso humor é escrachado, rimos de nossas desgraças. E reagimos com uma intensidade que chega ao nível da falta de educação.”

Py lembra que uma vez, em Londres, estava no vagão do metrô e o trem parou de repente. Ninguém falou nada por vários minutos. Silêncio total. Até que uma voz no alto-falante disse que tinha havido uma pane e todos ficariam ali por um tempo ainda indefinido. “O cara que estava sentado a meu lado deu um profundo suspiro! E só”, disse Py. Sabemos bem que, se um trem para de repente num túnel no Brasil, todo mundo vai reclamar em voz alta, puxar conversa com o vizinho, gritar. Essa expansividade pode ser mais que um traço latino. Pode ser resultado de nossa mistura particular de latinos, indígenas e africanos. Nosso caldeirão.

Já que estamos às vésperas da Olimpíada, preparem seus lenços. Quando um atleta brasileiro, esforçado, estiver disputando uma medalha, em qualquer modalidade, todos se esquecerão das inconveniências do prefeito Eduardo Paes, e do governador parado no hospital, e do governador parado em exercício e até da Secretaria de Insegurança. Publiquei aqui uma coluna, em 2008, intitulada “Essa gente bronzeada e o chororô olímpico”. Os leitores se dividiram, entre elogios e ataques a meu suposto “antipatriotismo”. Eu escrevi, há oito anos:

“A mídia dá cambalhotas para minimizar o constrangimento de anunciar repetidas derrotas de atletas brasileiros para telespectadores insones. Ninguém aguenta mais acordar cedo para ver o Brasil perder. Na falta de medalhas, a mídia entrevista famílias com voz embargada. E vamos todos à maternidade, onde está o filho recém-nascido do Marcelinho do vôlei. Close nos olhos vermelhos de todos. A musa Ana Paula também chora com saudade do filho. E o brasileiro chora junto, porque é sentimental e adora uma novela. Na categoria de choro derramado, o Brasil já é ouro.”

Brasileiro também chora com o hino, embora nem saiba a letra inteira. Tudo bem. Só não dá para chorar por político nenhum, em exercício ou afastado, em presídio ou em liberdade. Não merecem um pingo de nossa emoção.

Quando agosto vier - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

VALOR ECONÔMICO - 18/07

É a vez da volta dos valores liberais de uma economia privada eficiente e gerida com competência


A renúncia do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados - e a eleição de Rodrigo Maia como seu sucessor - é o penúltimo passo na direção de novos rumos na política brasileira. O simples fato de que o novo presidente pertence ao Democratas, partido de centro direita no espectro partidário brasileiro, já é um sinal claro das mudanças que vêm ocorrendo depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Afinal, este grupamento político foi perseguido com violência, nos últimos 10 anos, pelo PT.

Para que a hegemonia política dos últimos 14 anos seja declarada oficialmente morta falta apenas que o afastamento definitivo da presidenta petista seja aprovado pelo Senado. E isto deve acontecer quando agosto vier.

A mudança do equilíbrio político no Congresso é a condição necessária para que - também na economia - a sociedade brasileira possa encarar o futuro com mais otimismo. A equipe econômica do presidente Temer, nestes poucos meses no comando do Ministério da Fazenda e do Banco Central, já mostrou que tem condições técnicas para colocar a economia no rumo correto. Mas sem o apoio decisivo do Congresso não pode ir muito longe nesta sua tarefa. O estrago deixado pela gestão petista é profundo demais para ser superado apenas com medidas conjunturais. Reformas estruturais de peso precisam ser alcançadas nos próximos anos.

Por esta razão a vitória de Rodrigo Maia me faz ainda mais confiante no futuro. Ela pode ser considerada a peça que faltava em meu cenário - construído ao longo de várias décadas de analista das coisas da política e da economia - no qual a sociedade brasileira se levanta quando colocada diante de um abismo profundo. Já vivi pelo menos três situações como esta e tenho convicção que vou viver uma quarta. Vencemos a ditadura sem sangue, enfrentamos com serenidade o afastamento de Color e, depois de décadas de hiperinflação, construímos uma estabilidade monetária com sucesso. Não será agora que vamos sucumbir sob o peso dos erros desta hegemonia política nefasta construída a partir da vitória de Lula em 2002.

Com um Congresso operacional e com uma liderança política com valores corretos, a recuperação cíclica, que já vivemos, vai prosperar e trazer o crescimento econômico de volta ao Brasil a partir de 2017. Com isto, os novos valores na gestão da economia serão perenizados nas eleições de fins de 2018 pois certamente os eleitores vão sancionar nas urnas as mudanças em curso. E a partir de um novo mandato presidencial - legitimado por eleições livres - poderemos enfrentar os novos desafios que se colocam diante de nós.

A sociedade brasileira mudou muito desde que a constituição de 1988 estabeleceu as prioridades para nosso desenvolvimento econômico e social. Como já escrevi neste espaço mensal de reflexão o Estado foi definido pelos constituintes de 1988 como o pilar principal para o desenvolvimento de nossa sociedade. Fazia sentido à época quando mais de dois terços dos brasileiros viviam na informalidade econômica e sem vinculação direta com a economia de mercado.

Mas hoje este quadro mudou radicalmente e 70% da população vive e respira a dinâmica da economia de mercado. A consequência é a crise que vivemos hoje, com o desemprego e a queda da renda pessoal afetando a vida dos brasileiros que não dependem dos programas sociais. As promessas e sonhos de uma economia comandada pelo Estado do período lulista se transformaram em sofrimento e desesperança. Algo de novo precisa ser colocado em seu lugar para que o futuro volte a ser encarado com otimismo.

Por isto é a vez da volta dos valores liberais de uma economia privada eficiente e gerida com competência. Mas esta será uma estrada longa e com partes importantes da sociedade abrindo mão de privilégios construídos ao longo de muitos anos. Para que estas mudanças ocorram com sucesso alguns marcos precisam ser vencidos com sabedoria. O mais importante deles - e que caberá aos políticos a responsabilidade maior - é o respeito aos valores ideológicos e de comportamento que marcam a sociedade brasileira de hoje. Não vivemos - nem viveremos no futuro próximo - uma revolução social de natureza liberal que permita transformar radicalmente o jeito de ser do brasileiro. Estado mínimo e comando da economia pelas forças de mercado livres de limitação regulatória não faz parte de nossa história e não vai acontecer do dia para a noite como defendem muitos. Reações que ocorrem hoje ao jeito conciliatório do presidente Temer são provas deste risco que corremos.

A construção de um processo de mudanças ao longo dos próximos anos me parece ser a alternativa que se coloca diante de nós. E as dificuldades para ter sucesso serão ainda maiores no quadro de carência de líderes novos gerado pelos anos de hegemonia deletéria que vivemos por um longo período de tempo. A corrupção política sistemática, usando o Estado como fonte de recursos ilícitos, é um exemplo marcante desta situação.

Mas não há outra saída senão irmos todos à luta.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Crise e responsabilidade - JORGE J. OKUBARO

ESTADÃO - 18/07

O que mais espanta na crise em que o País está mergulhado não são seus sinais econômicos e sociais, que continuam a piorar e, assim, a solapar as esperanças daqueles que viam no afastamento da presidente Dilma Rousseff a oportunidade para que, embora lentamente, se começasse a recolocar as coisas no lugar. Para boa parte da população, pior do que a renitência e até o agravamento das dificuldades com que tem de se haver é a constatação de que seu sofrimento diuturno não comove quem tem poderes para encaminhar as soluções e a responsabilidade de fazê-lo.

Não se trata do presidente em exercício Michel Temer, cuja interinidade no cargo naturalmente lhe impõe restrições ao poder de decidir, sobretudo nas questões que implicam consequências de longo prazo – embora em diversos episódios ele próprio tenha demonstrado no mínimo timidez para exercer o poder, mesmo nos limites a que se considera confinado. Trata-se daqueles que, espertamente, se valem dessa interinidade para auferir vantagens de diversas naturezas, sobretudo pessoais, pois de sua aprovação dependem medidas indispensáveis para debelar a crise.

Deputados e senadores, mesmo alguns dos mais influentes entre eles, não demonstraram ter entendido o sentido de urgência que a gravidade da crise econômica, e sobretudo fiscal, impõe à busca de medidas realistas para enfrentá-la. Não faltam exemplos da resistência dos parlamentares à assunção da responsabilidade que lhes cabe. Um recente, da semana passada, talvez sintetize o comportamento médio dos congressistas, quando há conflito entre interesses pessoais e coletivos. Eles pensam primeiro nos seus.

Mesmo estando o País abalado pelos graves desequilíbrios das contas públicas, que só podem ser combatidos com corte de gastos ou aumento de receitas – ou ambas as medidas, a depender da evolução do quadro –, o relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017, senador Wellington Fagundes (PR-MT), acrescentou R$ 2,4 bilhões às despesas propostas pelo governo. A maior parte desse acréscimo (R$ 1,6 bilhão) seria destinada às emendas parlamentares obrigatórias, aquelas que os congressistas adicionam ao Orçamento elaborado pelo Executivo, em geral para atender a seus interesses paroquiais. Era a contrapartida para a aprovação da meta fiscal para 2017 (déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo federal) proposta pelo Executivo – em resumo, uma chantagem parlamentar. A irresponsabilidade de uma iniciativa como essa era tal que, pressionado pela área econômica do governo, o relator desistiu dela. Embora encerrado, o episódio ilustra o modo de pensar e agir de parte do Congresso, ao qual cabe decidir sobre as grandes questões nacionais.

Também mostram a natureza e a qualidade dos atuais membros do Congresso, as manobras que, mesmo tendo renunciado à presidência da Câmara e com altíssimo índice de rejeição popular, o ainda deputado (afastado do exercício do mandato) Eduardo Cunha (PMDB-RJ) vinha conseguindo impor à Comissão de Constituição e Justiça da Casa para retardar o processo de sua cassação. A flacidez e a volubilidade dos acordos e blocos que resultam de entendimentos que esse material humano consegue alcançar – e que ficaram nítidas na disputa para a sucessão de Cunha na presidência da Câmara – não oferecem ao governo, qualquer que seja, segurança de contar no Legislativo com o apoio necessário para fazer avançar seus projetos. Mais do que o governo, o País se tornou refém de interesses menores. É bem-vinda, por isso, a disposição do presidente em exercício Michel Temer de, como disse ao Estado, “desidratar” o Centrão, o grupo multipartidário que pratica com volúpia esse jogo de trocas. Com a nova mesa da Casa, presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), a atuação desse grupo deverá perder exuberância.

No ambiente político que prevaleceu até agora, porém, a crise só poderia persistir, mesmo tendo sido afastado o que, para a maioria da população, parecia ser seu foco – a presença de Dilma Rousseff na Presidência da República. Data tradicionalmente comemorada pelo comércio, por causa do aumento de vendas que costuma propiciar, desta vez nem o Dia das Mães trouxe alívio para o varejo. Contrariando as expectativas dos analistas, as vendas do varejo restrito (que exclui veículos e material de construção) caíram 1% em maio na comparação com abril.

O mercado de trabalho continua ruim e talvez ainda piore, antes de começar a melhorar. O aumento do desemprego e a queda de renda real inibem as compras. Acrescentando-se a esses fatores a manutenção dos juros reais em nível muito alto, o que penaliza a tomada de empréstimos, e o aumento da cautela dos bancos na concessão de financiamentos, para fugir do risco crescente de inadimplência, não fica difícil entender os problemas pelos quais passa o comércio. É claro que, se o comércio não aumenta as vendas, a indústria não aumenta a produção, o que estende a já longa crise do setor manufatureiro, comprometendo ainda mais o mercado de trabalho, sobretudo com o fechamento de postos de trabalho que exigem melhor qualificação e, por isso, oferecem remuneração mais alta.

O Produto Interno Bruto (PIB), que encolheu 3,8% em 2015, no pior resultado anual em um quarto de século, continuou a recuar no primeiro trimestre deste ano. De acordo com o IBGE, a redução foi de 0,3% na comparação com o último trimestre de 2015. O recuo de maio do Índice de Atividades do Banco Central (IBC-Br), considerado um termômetro da economia, é uma indicação forte de que o resultado do primeiro semestre será negativo. É possível que, até o fim do ano, haja alguma melhora, mas também em 2016 o PIB encolherá – talvez até mais do que em 2015. Melhora, mas modesta, deve vir só no ano que vem.

Se as coisas não piorarem, ficarão como estão, mas num nível muito baixo. Quem vive de seu trabalho sabe quanto isso é ruim. Mas o estado de morbidez do quadro econômico, social e político ainda não preocupa o suficiente quem tem a responsabilidade de combatê-lo.


Lei das estatais e o começo do fim do uso político - CLAUDIO J. D. SALES

CORREIO BRAZILIENSE - 18/08

Temos testemunhado a sequência interminável de escândalos envolvendo duas de nossas maiores empresas estatais: Petrobras e Eletrobras. Enquanto observamos a corrupção e o uso político dessas duas empresas, o Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais (Projeto de Lei do Senado nº 555, de 2015, ou "PLS 555/2015") acaba de ser sancionado pelo Presidente da República.

A destruição de valor para o contribuinte brasileiro pode ser materializada com números. A Petrobras teve um prejuízo acumulado de 63,5 bilhões nos dois últimos anos (2014 e 2015). Já a Eletrobras gerou prejuízos nos quatro últimos exercícios: 6,8 bilhões em 2012; 6,1 bilhões em 2013; 3,0 bilhões em 2014; e inacreditáveis 14,4 bilhões em 2015, levando a um prejuízo acumulado de R$ 30,5 bilhões entre 2012 e 2015.

Colocando foco na Eletrobras, seus relatórios anuais dos quatro anos acima (a estatal teve o mesmo executivo à sua frente de 2011 até junho de 2016) buscam explicar a permanente situação de prejuízo com expressões como "evento pontual" ou "evento não recorrente". De acordo com o mercado, eis três dos principais eventos que mais têm influenciado os resultados: (1) a aceitação de adesão da Eletrobras à Medida Provisória 579 (convertida na Lei 12.783), imposta pelo governo em 2012, que arrasou com o fluxo de caixa de suas geradoras e transmissoras; (2) os prejuízos recorrentes de suas distribuidoras, todas ocupadas politicamente e posicionando-se entre as piores empresas do país nas dimensões financeira e operacional; (3) a participação em projetos de geração e transmissão de duvidosa rentabilidade.

As três explicações acima são todas derivadas de interferência política. Se a Eletrobras tivesse uma gestão profissional, com executivos recrutados no mercado, respondendo para acionistas com visão de sustentabilidade empresarial: (1) não teria havido a adesão à MP 579 nos termos impostos; (2) as distribuidoras já teriam sido vendidas para operadores mais eficientes ou completamente reestruturadas, a começar pela expulsão de políticos e seus "afilhados" de seus cargos; (3) os projetos com baixa rentabilidade não teriam sido assumidos porque não haveria pressão do governo para vencer leilões a qualquer custo.

Diante das evidências sobre o efeito tóxico do loteamento político sobre as estatais, o PLS 555 do Senado impôs critérios de seleção mais rígidos para membros do conselho de administração e da diretoria de estatais: a) experiência profissional na área de atuação da estatal; b) atuação profissional em cargo de direção de empresa de mesmo porte de pelo menos dois anos; e c) formação acadêmica compatível com o cargo. Outro avanço é a proibição de indicação de: ministros de Estado, dirigentes estatutários de partidos políticos, representantes do órgão regulador, e titulares de mandatos no Poder Legislativo, ainda que licenciados do cargo.

Apesar de tentativas de retrocessos na tramitação do projeto de lei na Câmara dos Deputados, o Senado descartou grande parte das alterações para, nas palavras do presidente do Senado, "repor a linha-mestra do parecer do relator" do projeto original. As posições do Senado e do Presidente da República buscaram bloquear a pressão de grupos que se beneficiam do loteamento de cargos estatais há décadas e temem perder privilégios.

Os mesmos princípios moralizadores precisam ser estendidos, agora, para os fundos de pensão estatais, conforme propõe o Projeto de Lei Complementar 268/16 do Senado.

É preciso transformar nossas estatais e seus fundos de pensão em organizações que, em vez de destruir, passem a gerar valor para a nação. Essa missão, já difícil em função do estado atual das estatais, será impossível se não as retirarmos das mãos de partidos políticos e seus aliados para devolvê-las aos seus reais proprietários: os cidadãos e contribuintes brasileiros.


O desafio do investimento - ALBANO FRANCO

O GLOBO - 18/07

O descompasso abissal entre a expansão da despesa pública em relação à arrecadação de tributos, sem contrapartida de bons serviços à sociedade, tem gerado déficits


Impõe-se neste momento de transição do governo interino do vice-presidente Michel Temer o resgate de dois ingredientes que serão decisivos para o futuro do país: gestão competente e governabilidade política. Binômio, sem dúvida, indispensável para a retomada dos investimentos pela elevação da confiabilidade dos empresários na nova gestão pública, capaz de induzir a economia ao crescimento. Esta, como dizem os franceses, será la raison d’être dessa interinidade. Uma missão impossível de se realizar em 180 dias, mas avanços decisivos poderão ser contabilizados neste curto prazo, como por exemplo, medidas de contenção do mega déficit público, estimado em R$ 170 bilhões para este ano.

O profundo desajuste fiscal do Estado brasileiro colocou o país às portas da insolvência. Os recentes rebaixamentos do grau de investimento pelas agências internacionais de risco atestam este fato. O descompasso abissal entre a expansão da despesa pública em relação à arrecadação de tributos, que já se aproxima de 40% do PIB, sem uma contrapartida de bons serviços à sociedade, tem gerado déficits cada vez maiores, com consequências desastrosas para o endividamento público, para o controle da inflação e para o crescimento da economia.

Segundo dados do Tesouro, da Receita e do IBGE, entre 2008 e 2015, a receita do governo cresceu 73%, enquanto que a despesa subiu 130%, mais do que dobrando. Tal disparidade provocou o crescimento exponencial da dívida pública em 130%, acima da despesa. O fato é que a dívida do governo federal, que representava 56% do PIB, em 2008, subiu para 66%, em 2015 e, estima-se que este ano se aproximará de 80% do PIB.

Com vista a limitar o gasto público, o presidente interino Michel Temer encaminhou ao Congresso Proposta de Emenda Constitucional que impõe um teto para o crescimento dos gastos públicos por um período de dez anos. O objetivo é exatamente reduzir o rombo fiscal e frear a exponencial elevação da dívida pública.

A aprovação desta PEC é, sem dúvida, um avanço importante para disciplinar e racionalizar a despesa pública e consolidar uma cultura de austeridade iniciada com a basilar Lei de Responsabilidade Fiscal. É sempre bom lembrar que o equilíbrio fiscal implicará menores taxas de juros, de fundamental importância para a retomada dos investimentos produtivos; e, também, para a manutenção de baixos índices inflacionários.

Outro importante avanço que o governo poderia contabilizar na interinidade desses 180 dias, mas que será deixado para o pós-impeachment, se refere à reforma da Previdência, certamente um dos maiores problemas financeiros da atualidade, cujo déficit, este ano, atingirá a estratosférica cifra de R$ 139 bilhões. Reduzir este passivo é tarefa prioritária, que deve ser realizada sem delongas.

Enxergo tais avanços como passos importantes para a retomada dos investimentos privados. Outras reformas deverão constar de uma agenda modernizante, a exemplo da tributária e da trabalhista, mas que deverão ficar também para o pós-impeachment. Acho, ainda, que nessa interinidade, o governo deveria avançar nas privatizações, o que estimularia o investimento privado, ao tempo em que proporcionaria recursos para abatimento da dívida.

Cabe ainda ressaltar que o presidente interino Michel Temer, na área econômica, montou uma equipe de elevado nível técnico e operacional, que tem plena consciência de que, para voltar a crescer, o país precisa de investimento e inovação. Para tanto, medidas impopulares deverão ser tomadas, mas que, no futuro, redundarão em beneficio de todos. Urge começar, por que o Brasil tem pressa.

Albano Franco é membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp e conselheiro emérito da CNI