sexta-feira, maio 16, 2014

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Certamente, não darão seu suor e os votos que têm”
Aécio Neves (PSDB) sobre os partidos que integram a base de apoio do governo Dilma


MAIS UMA MP GANHA ‘CONTRABANDOS’ SUSPEITOS

Destinada a regulamentar o Inovar-Auto, programa de desenvolvimento tecnológico automotivo, a Medida Provisória 638 foi enxertada com dez “contrabandos” na comissão mista do Congresso, presidida pelo senador Gim Argello (PTB-DF). A comissão acolheu emendas sem qualquer pertinência com o tema original da MP, como a mistura de álcool à gasolina e a reabertura do Refis para devedores do fisco.

MP CARTA BRANCA

Apenas um artigo da Medida Provisória 638 trata do programa Inovar-Auto, outros 12 artigos tratam de assuntos estranhos ao texto original.

NEM ELE ESCAPA

Um “contrabando” da MP “regulariza” terrenos ocupados irregularmente por entidades religiosas no DF, onde Gim Argello disputará reeleição.

MAIS ÁLCOOL NO TANQUE

Outro artigo inserido na MP após a sua edição libera o aumento da proporção de álcool etílico na gasolina de 25% para 27,5%.

EMPRESA NOVA A CAMINHO

A MP 638 retira a necessidade de concessão ou permissão pública para empresas de transporte terrestre interestadual ou internacional.

BENEFICIADO POR DILMA É CONDENADO NA JUSTIÇA

Dono da fábrica da Hyundai-Tucson e maior revendedor Ford da América Latina, Carlos Alberto Oliveira Andrade, conhecido pelas iniciais Caoa, foi condenado por falsificação de documento bancário. É que no processo de falência do banco Santos, ele alegou à Justiça que já tinha pagado a dívida de R$ 181,3 milhões e apresentou documentos, mas eram falsos. Corrigida, a dívida chega hoje a R$ 800 milhões.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

O juiz Fernando Cúnico, da 12ª Vara Cível de São Paulo, considerou que Caoa e sua mulher promoveram litigância de má-fé e os condenou.

CASO DE POLÍCIA

Além de ordenar que paguem o que devem à Massa Falida Banco Santos, o juiz mandou abrir inquérito policial contra o casal Caoa.

ASSIM É MOLE

Um enxerto na lei originada na MP 627 livrou a Caoa-Hyundai de pagar R$ 1 bilhão em impostos por ano até 2020. Já não pagam desde 2005.

LÁ, COMO CÁ

Ao visitar o vice-presidente Michel Temer, o chanceler William Hague contou que seu governo também enfrentou protestos, nas ruas, pelos investimentos nas Olimpíadas de Londres, capital da rica Inglaterra.

COPA DAS URNAS

Nove em cada dez manifestações “contra a Copa”, ontem, foram organizados por entidades cujos líderes são candidatos em outubro ou apoiam candidaturas. Foi o caso da Força Sindical, que tucanou.

TV SKAF

A Justiça Eleitoral autorizou o pré-candidato do PMDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, a aparecer em comerciais de TV da Fiesp, que ele preside, por não considerar isso propaganda eleitoral antecipada.



A sempre lamentada Câmara Legislativa do Distrito Federal deve sofrer renovação radical em outubro. Em pesquisa do Instituto Dados, 70% dos eleitores não mencionam a intenção de votar em qualquer dos atuais deputados.

MARCANDO TERRITÓRIO

Para marcar distanciamento do tucano Aécio Neves, o presidenciável Eduardo Campos (PSB) cogita lançar Júlio Delgado ao governo de MG. O ambientalista Apolo Heringer, da Rede, insiste em sair candidato.

TEMPO FECHADO

Uma ação popular no Ministério Público Federal questiona a legalidade da Agência Nacional de Aviação Civil ao substituir civis por pilotos militares em exames e fiscalização de voos, inclusive no exterior.

CANDIDATO

O deputado Renan Filho (PMDB) comunicou oficialmente ao colegas da Câmara, ontem, sua pré-candidatura ao governo de Alagoas, em outubro. Foi encorajado pelos deputados.

CASSAR OU NÃO?

O vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão, considerou ilegais as provas usadas pelo TRE-PA para pedir a cassação do deputado Cláudio Puty (PT) por compra de votos e pediu revisão da decisão.

PERGUNTA NO BEABÁ

Após a propaganda “boi da cara preta” do PT advertir que “não podemos voltar atrás” (sic), a oposição vai sugerir “voltar à frente”?


PODER SEM PUDOR

NOVO DOMICÍLIO

O economista Marlan Rocha, a pedido de Leonel Brizola, foi às barrancas do Rio São Francisco para tentar organizar os diretórios do PDT na região. Marlan chegou em Barreiras (BA), e foi ao encontro do getulista e 'coronel' Aluízio Mármore:

- Seria oportuno que os senhor organizasse um encontro com os velhos dirigentes getulistas da região.

Exibindo um sorriso maroto, o velho cacique concordou:

- Certo, certo. Está combinado! Então, amanhã cedo, eu pego você e vamos ao cemitério. Estão todos lá.


quinta-feira, maio 15, 2014

‘Mentiricídio’ - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 15/05

Os países da Zona do Euro, mais a Inglaterra, sendo democracias — e boas democracias — entraram num intenso debate para encontrar um programa de saída da crise, aquela de 2008/09. A coisa ficou ainda mais complicada porque, ao problema do momento, somaram-se as dificuldades estruturais do modelo europeu — gasto público excessivo, inclusive com previdência, muitos impostos para pagar, exagerada presença do Estado a inibir o setor privado, custo alto de produzir por lá etc.

Não por acaso, o debate se prolongou. E as críticas tornaram-se constantes. Dizia-se: além de tudo, os europeus estão num impasse político que bloqueia as decisões.

Era verdade, mas foi o então primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, quem colocou o dilema mais claramente. Ele perdeu a paciência no debate e saiu-se com esta: “Ora, todo mundo aqui sabe o que precisa ser feito; o que ninguém sabe é como ganhar as eleições depois.”

O pacote de maldades — como aplicá-lo de modo que o eleitor perceba que aquilo é para o bem do povo e mantenha seu voto? —, eis a questão com a qual os líderes políticos se defrontam com frequência.

Não é fácil. Aplicar a seco as medidas de ajuste, com frequência, provoca uma grande resistência popular que, numa democracia, leva à derrota no Parlamento e nas eleições.

Aí não adiantou nada, nem para o governante nem para a população. O ajuste não só se interrompe pelo caminho, como fica amaldiçoado.

O medo de cair nessa situação leva ao imobilismo governante menos esclarecido e determinado. Ele trata de empurrar com a barriga, adiar medidas o máximo possível — e esse é o caminho certo para mergulhar numa crise cada vez pior.

Esse tipo de governo, de direita ou esquerda, cai numa sequência de improvisos: aumenta um imposto aqui, corta outro que suscitou mais protesto, eleva o preço da energia elétrica, segura a gasolina, corta investimento, aumenta gasto com salários, atrasa obras, concede mais benefícios, sobe juros para uns, diminui para outros e assim vai.

A política econômica perde eficiência, a insatisfação se generaliza.

Reconheceram? Pois é.

Também é comum uma outra tentativa: o candidato sabe o que precisa ser feito, não diz para não perder votos, mas trata de fazer depois de eleito.

Em geral, é um conselho de marqueteiros. Por exemplo: pessoal do entorno da presidente Dilma comentou que ela não vai fazer “sincericídio”. Com isso, se queria dizer que ela também sabe que o país precisa de ajustes, mas que não vai sair por aí anunciando “medidas impopulares’’. Mais que isso: sua estratégia será a de dizer que a oposição prepara essas maldades.

Se for assim, não vai dar certo. No curso desta campanha, Dilma também precisará dizer que não vai fazer aquilo que, dizem, consideraria necessário para depois. De certo modo, ela já está fazendo isso, ao deixar para depois das eleições medidas como aumento do preço da gasolina e do imposto da cerveja.

Ou seja, ela cai num “mentiricídio”. Não dá para ganhar a eleição assim e depois dizer que, bem, brasileiras e brasileiros, vamos precisar de algum sacrifício... Dizem que seria seu último mandato, o que a liberaria para as maldades. Não é assim: o governante não é só ele, é ele mais a sua turma, que vai continuar aí.

Tudo considerado, é mínima a chance de a presidente Dilma, ganhando, mudar o curso de sua política econômica.

E como a oposição lida com esse dilema? Fica para a próxima.

ITAQUE... WHAT?

Imagina um croata que veio ao Brasil ver a Copa. A seleção dele faz um jogo de honra, a estreia contra o Brasil, em São Paulo.

O ingresso oficial da Fifa informa que a partida será na “Arena de São Paulo”.

Não existe isso, diz o porteiro do hotel ou o taxista ou o voluntário da Fifa: “O jogo é no Itaquerão.”

Itaque... what?

Ele confia e pega o metrô indicado. A sinalização manda que ele desça na “Arena Corinthians’’.

Pelo menos já apareceu a palavra “Arena”, que consta do ingresso. Ele desce, começa a caminhar e topa com placas oficiais, da Fifa World Cup, indicando o “Itaquera Stadium”.

“Qual é o problema?”, diria o ministro do Esporte. No Iraque nem placa tem...

Complexo de elefante - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 15/05

SÃO PAULO - A Copa do Mundo custaria muito menos ao Brasil não fosse o "complexo de elefante" de Lula. Por causa de sua mania de grandeza, assentada no populismo inconsequente de quem se preocupa apenas com a própria popularidade, o evento terá 12 cidades-sede. A Fifa imaginava oito ou dez.

Na história da competição, em apenas duas ocasiões houve mais sedes do que na "Copa das Copas": em 1982, na Espanha, realizada em 14 municípios, e no Mundial de 2002, promovido em 20 cidades, mas em dois países diferentes (Coreia do Sul e Japão, com dez sedes cada um).

Somente a Suécia (1958), a Itália (1990) e a Alemanha (2006) usaram 12 cidades, como aqui. Há de se considerar que os acima citados são países bem menores que o Brasil, o que facilita o deslocamento dos torcedores e das delegações. Nem mesmo os EUA apostaram tão alto. Em 1994, a Copa ocorreu em nove cidades.

O resultado desse gigantismo será mais bem percebido no pós-Copa, com a profusão de estádios vazios, mas de altíssimo custo de manutenção. Manaus, por exemplo, construiu uma arena para 44 mil pessoas, mas não tem equipes na primeira, na segunda ou na terceira divisão do futebol brasileiro. A final do torneio estadual de 2013 foi vista por 8.032 corajosos torcedores (só 5.800 pagantes).

O diagnóstico apresentado pela Folha também é consequência direta do hiperbolismo lulista: a menos de 30 dias do evento, o país só cumpriu 41% das metas, sendo que várias obras ficarão prontas depois da Copa e outras foram abandonadas.

Nem mesmo o Itaquerão, palco de abertura, está totalmente pronto, dando razão para quem dizia que seria mais fácil (e mais barato) reformar o Morumbi. Erguido, ironicamente, na sub-bacia do rio Verde, o estádio foi feito por insistência do próprio Lula, que pretendia presentear a torcida corintiana. Que o presente aos corintianos não vire motivo de constrangimento aos brasileiros no dia 12 de junho.

'Copa das Copas'? Ou das lorotas? - EUGÊNIO BUCCI

O Estado de S.Paulo - 15/05

Antes mesmo de o escrete canarinho pisar os abastados gramados inacabados, a máquina publicitária do governo federal já entrou em campo. Tomou conta de todos os intervalos comerciais da TV. Com força. Com garra. Com vontade. Com força total. E também com uma dose considerável do que poderíamos chamar de doideira oficialista: em pleno país do futebol, onde supostamente a maioria dos nativos se delicia vendo jogadores dando chutes na bola enquanto um juiz corre atrás deles com um apito na boca, a propaganda do governo quer convencer o povo de que Copa do Mundo vale a pena, é legal, é boa à beça. Coisa estranha, convenhamos. Antes, o governo queria porque queria fazer a Copa no Brasil pois isso traria a felicidade geral da Nação, sabidamente aficionada desse esporte exótico. Agora, precisa gastar dinheiro público para encorajar a Nação a ficar feliz, feliz no geral e no particular, porque a Copa vai ser uma apoteose. Vai ser, como diz o locutor chapa-branca, "a Copa das Copas". "Entende?", diria o Pelé.

Aí você pergunta: Mas o que é que está havendo? Será que existe no governo alguma desconfiança de que "não vai ter Copa"? Qual a lógica dessa faraônica operação de marketing? Por acaso o Palácio do Planalto, tão dado a pesquisas de opinião, andou descobrindo que o brasileiro agora começou a odiar futebol? São perguntas que merecem alguns minutos da nossa atenção. As autoridades federais parecem aflitas, o que é esquisito. De um lado, providenciam a força bruta para atuar como leão de chácara dos estádios. De outro, despejam em cima da sociedade este interminável e sufocante blá-blá-blá publicitário, pago pelos cofres públicos.

Quanto à força bruta, a Presidência da República mandou convocar milhares de soldados do Exército para vigiar bem de perto os cidadãos que pretendem protestar. Temem que as polícias, sozinhas, não deem conta da repressão. A própria presidente Dilma Rousseff já falou que não quer saber de manifestações atrapalhando o espetáculo. Em Jati, no Ceará, há dois dias, ela declarou que "quem quiser (se) manifestar não pode atrapalhar a Copa". Com a originalidade retórica que lhe tem sido peculiar, expressou a sua presidencial opinião: "Acho que a Copa tem todas as condições de ser um sucesso. Estamos garantindo a segurança. A conjunção de forças federais com as Polícias Militares dos Estados, a Força Nacional, tudo isso vai assegurar que ela seja feita pacificamente".

Do lado do blá-blá-blá publicitário, o estilo é um pouco menos tecnocrático, embora tente provar, por meio de cálculos devidamente tecnocráticos, que esta Copa - já famosa pela gastança de verba pública e pelo desperdício sem critérios em obras que não ficarão prontas a tempo - tem, digamos, um custo-benefício imbatível. No fim de tudo, você, brasileiro, pode apostar, vai sair no lucro. Entende?

A matemática da oratória ufanista é a seguinte (vamos transcrever aqui um trecho do discurso oficial): "Com o esforço e o talento do brasileiro, conquistamos o direito de sediar a Copa de 2014. É campeããão! Só com turismo e serviços, a realização da Copa movimenta R$ 142 bilhões na economia".

Sem contestar os R$ 142 bilhões, valeria pedir licença para indagar, com todo o respeito: Desde quando "sediar a Copa" é um direito? Se não é, digamos, um direito propriamente dito, por que insistir nessa linguagem meio reivindicatória, meio sindicaleira? Será por que esse palavreado aproxima a publicidade oficial da publicidade partidária do PT, que também está no ar por estes dias? É bem verdade que a propaganda do PT não tem nada que ver com futebol; descamba para um terrorismo simbólico um tanto baixo, afirmando que o brasileiro não vai querer "voltar atrás" porque isso significaria desemprego, tristeza e criancinhas sem sorvete (só faltou, ali, alguém contratar a Regina Duarte para arregalar os olhos e dizer "eu tenho medo"). Ao insistir na tese de que sediar a Copa é um "direito" conquistado, porém, o anúncio do governo ecoa a retórica dos publicitários eleitorais do PT, como se a alegria só estivesse ao alcance daqueles que não voltam atrás e aderem obedientes à euforia oficial, seja na Copa, seja nas eleições.

Por esse caminho sutilmente partidário, a investida da comunicação governamental se projeta como um chamamento cívico. E meio assim, de esquerda, entende? Chama o povo para cerrar fileiras com a presidente da República, estigmatizando, segregando e demonizando todos os que não estão de acordo com este circo padrão Fifa.

A coisa é muito simples: quem não veste a camisa quando a presidente manda não é bom brasileiro. E, se você quiser saber exatamente o que significa ser brasileiro, fique tranquilo. A publicidade chapa-branca explica direitinho, pedagógica e patrioticamente: "Quando te perguntarem o que é ser brasileiro, diga 'um povo feliz, muito batalhador. Gente forte e firme, que pega no batente, que não abre mão do que já conquistou. Que cria, que sonha. Que entra em campo e faz o seu papel. Que vence as fronteiras e tem talento pra ganhar o céu'. Eu quero cantar pro mundo inteiro o que é ser brasileiro. O maior espetáculo da Terra vai acontecer aqui, na nossa casa. E dentro e fora de campo vamos encantar o mundo com nosso talento e nossa garra. Isso é ser brasileiro. Porque essa é a nossa Copa. Essa é a Copa das Copas".

Entende?

O governo anda em alerta total com as críticas à Copa do Mundo. Quer construir um sólido consenso a favor (dos jogos e da reeleição, tudo de uma vez só). Vai ser por bem (supondo-se que o marketing governista seja o argumento "do bem", o argumento bonzinho) ou por mal (os garotos fardados de verde-oliva estariam no papel de bad cop). Às vezes, dependendo do clima político, até a alegria é autoritária.

Humilhação coletiva no país da Copa - VIVIAN CALDERONI E FLAVIO SIQUEIRA JR.

GAZETA DO POVO - PR - 15/05

No mesmo país em que alguns aguardam com ansiedade pela realização de grandes eventos esportivos, 1,5 milhão de pessoas espera desde o fim da madrugada para ingressar em uma repartição pública. Quando chega a sua vez, são obrigadas a retirar, peça por peça, a roupa que vestem. Já nuas, mostram suas partes íntimas a funcionários públicos, agacham três vezes sobre um espelho, contraem os músculos. Nada passa sem ser inspecionado. Quem é aprovado no processo, ganha, como prêmio de consolação, o direito de entrar.

Pode parecer uma cena de filme surrealista, mas não é: todas as semanas, esses brasileiros e brasileiras abdicam da própria dignidade para acessar uma repartição pública. E por que alguém se sujeitaria a isso? Ocorre que essa repartição abriga mais de 500 mil presos, acusados ou condenados de terem cometido crimes. É o sistema prisional brasileiro.

O martírio acomete qualquer um que queira visitar o familiar que está do lado de lá das grades. Até mesmo crianças, idosos e gestantes passam pelo procedimento medieval conhecido como revista vexatória.

Para as autoridades, a manutenção da segurança das unidades justifica a humilhação coletiva. Dados apresentados pela Rede Justiça Criminal, baseados em documentos oficiais do governo paulista, revelam a fragilidade do argumento: em apenas 0,03% das revistas são encontrados objetos proibidos, ou seja, três casos a cada 10 mil revistas.

Além de inócuas, as revistas vexatórias têm como cruel consequência a redução no número de visitas, já que os próprios presos não querem submeter suas mães, esposas e filhos ao procedimento. O Estado, assim, coloca em risco os laços afetivos das pessoas sob sua custódia e mina suas chances de reintegração na sociedade.

De acordo com a ONU, as revistas vexatórias devem ser proibidas por constituírem maus-tratos e podem ser até consideradas tortura, dependendo da forma como são praticadas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também já condenou o procedimento, assim como a Corte Europeia de Direitos Humanos.

Não precisamos nos apegar ao que dizem os organismos internacionais, no entanto, para saber que a revista vexatória deve deixar de existir. A própria Constituição já a proíbe, ao garantir a dignidade humana e a inviolabilidade da intimidade como direitos fundamentais.

A Rede Justiça Criminal, em parceria com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, lançou uma campanha nacional para pôr fim à revista vexatória no país. Aos incrédulos, é bom destacar que os estados de Goiás e Espírito Santo, assim como as cidades de Joinville (SC) e Recife (PE), já proibiram esse tipo de revista. Não se registraram aumentos na insegurança em suas unidades prisionais.

É necessário acabar com essa prática cruel no país que, se de um lado anuncia com pompa a Copa das Copas, do outro humilha mulheres, crianças e idosas todos os dias, apenas por serem familiares de presos.

Batendo cabeça - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 15/05

BRASÍLIA - À Folha, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, admitiu o que todo mundo sabe, mas ninguém no governo diz: sim, há controle de preços (de energia e gasolina) para segurar a inflação.

Ele não usa a expressão "controle de preços", mas declarou exatamente isso: "Preços administrados são preços administrados. Você administra em função do interesse estratégico da economia, dos consumidores". É a "política anticíclica".

Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem em audiência pública na Câmara que não existe nada disso de controle de preço ou de preço administrado. Mas ele se enrolou todo ao usar o exemplo da energia e desmentir, na prática, a posição do colega da Casa Civil.

A tarifa, assumiu Mantega, "subiu 18%". Em sendo assim, "cadê o represamento dos preços?".

E continuou se enrolando, ao falar sobre os R$ 13 bilhões (9 e depois mais 4) que o Tesouro tem de despejar no setor de energia para corrigir as políticas voluntaristas do governo Dilma: "No fundo, a conta é do contribuinte. (...) Pior seria colocar tudo no consumidor, diretamente".

Ou seja, nós todos vamos pagar essa continha salgada do "controle", ou da "administração", ou do "represamento" das tarifas de energia que Mercadante admite e Mantega nega.

Nenhum dos dois lembrou que Dilma fez pronunciamento na TV para gabar-se da redução da conta de luz de empresas e consumidores. E nem era por uma política "anticíclica" ou contra a inflação, mas por populismo puro e simples.

O gato comeu a intenção, o setor sofreu, os preços aumentaram e, enquanto Dilma e seus dois ministros mais importantes batem cabeça, o Tesouro tem de dar um jeito.

Quando se fala em "Tesouro", não está se falando de algo abstrato ou do dinheiro alheio. Está se falando do meu, do seu e do nosso suado dinheirinho. Porque nós, contribuintes e consumidores, em geral somos uma entidade só. A que paga o pato.

A odisseia da espera - CARMEN TIBURCIO E DANIEL GRUENBAUM

O GLOBO - 15/05

Quem estuda Direito Internacional no Brasil se acostumou a aguardar a entrada em vigor de tratados


A espera e o retorno são temas recorrentes na literatura. Basta lembrarmos a marca que a narrativa do retorno de Ulisses a Ítaca deixou no imaginário ocidental. Tal como Penélope na Odisseia de Homero, também aqueles que se dedicam ao estudo do Direito Internacional no Brasil se acostumaram a esperar. Não tanto pelo retorno do homem astuto após a Guerra de Troia, mas pela entrada em vigor de inúmeros tratados internacionais.

O mais recente exemplo vem sendo dado pela Convenção das Nações Unidas sobre Venda Internacional de Mercadorias, também conhecida como CISG. Trata-se de um tratado que uniformiza parcela relevante das normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias. Como vigora em quase 80 países, representativos de cerca de três quartos do comércio internacional de bens (incluindo os principais parceiros do Brasil), o tratado tem potencial para aumentar a segurança jurídica e reduzir os custos das transações internacionais. Não é pouca coisa.

Por isso, o Congresso Nacional aprovou, no final de 2012, a adesão ao tratado e, ainda no primeiro trimestre de 2013, o Brasil depositou o instrumento de adesão perante a ONU. Bastava então — seguindo a nossa tradição constitucional — que o seu texto fosse promulgado por meio de decreto presidencial e publicado no Diário Oficial para que o tratado pudesse entrar em vigor, e a narrativa da espera chegasse ao fim.

Mas o decreto não veio. E, agora, o Brasil se encontra na estranha posição de há mais de um ano ter assumido o compromisso internacional de aplicar o tratado a partir de 1 de abril de 2014, mas as suas normas ainda não fazerem parte do Direito brasileiro. Isso porque, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto não forem promulgados e publicados, tratados não fazem parte do Direito nacional.

O Brasil aderiu ao tratado voluntariamente. Ninguém nos forçou, senão a correta razão e convicção de que a CISG seria positiva para os interesses nacionais. O Congresso Nacional aprovou o tratado sem reservas, e o Executivo o ratificou sem demora. Nenhum dos dois estava obrigado a tanto. Mas, uma vez que o tratado foi aprovado e ratificado, sua promulgação e publicação passaram a ser um dever. Infelizmente, a demora na edição do decreto de promulgação e publicação de tratados não é inédita. O mesmo ocorreu, por exemplo, com a Convenção da Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, e a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro.

O retorno de Ulisses não foi fácil. A espera de Penélope foi longa. Quando o astuto herói estava muito perto de regressar à terra natal, o capricho dos deuses o impedia de concluir a jornada. Vê-se agora que a narrativa da espera não é exclusividade da literatura.

Atrás da curva - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP  - 15/05

O Brasil passou, nas últimas duas décadas, por um processo de isolamento que o deixou desconectado das grandes cadeias de produção em escala mundial. O país está atrasado, "atrás da curva" na abertura comercial, segundo disse o economista Fred Bergsten em entrevista a esta Folha.

Com corrente de comércio (soma dos valores exportados e importados) próxima a 25% do PIB, o Brasil destoa do padrão dos principais países, em torno de 50% do PIB. É apenas o 24º comerciante global, posição que não faz jus ao posto de sétima economia mundial.

A comparação com os casos mais bem-sucedidos de desenvolvimento é gritante. Todos os países que se aproximaram da fronteira tecnológica e elevaram depressa seu nível de renda per capita, notadamente na Ásia, valeram-se da alavanca da integração comercial.

O Brasil escolheu caminho diferente. A rejeição da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), durante o governo Fernando Henrique Cardoso, veio como um passo defensivo, quando se temia a invasão do mercado por empresas americanas. O foco regional era o Mercosul, que vivia bom momento.

Em termos gerais, o país sempre apostou na abertura dos mercados por meio da OMC (Organização Mundial do Comércio). Com a paralisia da Rodada Doha, contudo, diversas nações buscaram compromissos de menor amplitude.

Celebraram-se centenas de pactos bilaterais e regionais nos últimos anos, sem a participação brasileira. A globalização produtiva e comercial deu novo salto, também em função da ascensão chinesa.

A falta de compreensão desse fenômeno foi trágica para as empresas brasileiras. Com baixa competitividade, mal conseguem se proteger nas fronteiras nacionais.

Tal isolamento viu-se reforçado por uma política industrial que pretendia substituir importações. Pressionado pelo câmbio valorizado e pelo aumento das compras externas, os governos petistas, sobretudo no mandato de Dilma Rousseff, aumentaram tarifas, definiram regras de conteúdo nacional e fecharam ainda mais o país.

Não perceberam que não há competitividade sem integração. O padrão produtivo atual é de especialização e alta escala. Sem importar insumos a baixo custo e em prazo curto --o que requer impostos baixos e boa logística--, muitas empresas não conseguem exportar.

Abrir a economia e inserir as companhias no comércio exterior é crucial para ampliar a produtividade e a renda interna.

Dois Brasis - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 15/05

Em discursos simultâneos, um em Brasília, outro em Nova York, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, traçaram retratos muito diferentes da economia brasileira e principalmente da política econômica em vigor no Brasil. O país do ministro e de sua presidente, Dilma Rousseff, continua em boas condições, com inflação controlada, contas públicas em ordem e expansão de investimentos em ritmo quase chinês. A descrição do professor Blanchard mostra um Brasil com baixo crescimento, investimento muito inferior aos padrões observados em outros países emergentes e uma política econômica sem credibilidade. Este segundo quadro é muito mais parecido com aquele apresentado por analistas do mercado financeiro, de consultorias independentes e de outras instituições multilaterais.

Em exposição no Congresso, o ministro da Fazenda prometeu maior crescimento econômico, nos próximos anos, em sincronia com a recuperação dos países mais avançados. Em outras palavras, voltou a apontar a crise internacional como causa principal - talvez única - dos problemas brasileiros nos últimos anos. Criticou de novo a decisão da Standard & Poor's de rebaixar a nota de crédito do País - um gesto sem repercussão nos mercados, segundo ele. O investimento estrangeiro continua entrando, argumentou, em ritmo equivalente a US$ 65 bilhões por ano, depois de uma breve turbulência ocasionada, no ano passado, pelo anúncio de mudança da política monetária americana.

Os investidores, disse Blanchard em Nova York, em reunião organizada pela Fundação Getúlio Vargas e pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, continuam "um pouco preocupados" com o Brasil. O motivo da preocupação, segundo ele, é a deterioração de indicadores importantes, sobretudo da inflação, das contas externas e das contas fiscais. Em Brasília, ao mencionar o ingresso de capitais, o ministro Mantega negligenciou um detalhe: o investimento estrangeiro direto foi insuficiente para cobrir em 2013 o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, de US$ 81,07 bilhões, e neste ano será, quase certamente, insuficiente para cobrir o rombo previsto, de US$ 80 bilhões.

O ministro da Fazenda reiterou o compromisso de entregar no fim do ano um superávit primário - dinheiro para pagar os juros da dívida pública - equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse resultado, lembrou, foi obtido no ano passado. Essa lembrança foi má ideia. Afinal, o balanço fiscal foi fechado nos últimos dois anos graças a artifícios conhecidos como "contabilidade criativa", nome gentil para uma série de maquiagens e disfarces. Neste ano, o esforço para tornar menos feias as contas federais começou bem mais cedo, com o registro, já no primeiro trimestre, de dividendos 667,6% maiores que os de janeiro a março do ano anterior. Como se conhecesse a fala de Mantega, Blanchard observou em Nova York: "A questão da credibilidade das políticas é particularmente relevante no caso do Brasil".

Um dos pontos altos da exibição ministerial de otimismo, em Brasília, foi a referência à expansão do investimento em máquinas, equipamentos, instalações e outros meios de produção. O investimento brasileiro, disse Mantega, só tem crescido menos que o chinês. Blanchard foi mais prosaico. O Brasil tem investido, segundo lembrou, algo próximo de 18% do PIB. Não lembrou, nem precisaria lembrar, a proporção observada na China, de cerca de 40% do PIB, ou mesmo em vários países latino-americanos, igual ou superior a 24%. A insuficiente formação de capital fixo é uma das explicações, como observou o economista do FMI, do baixo crescimento econômico brasileiro.

O Fundo projeta para o Brasil, neste ano, uma expansão de 1,8%. Estimativas iguais ou em torno desse número têm sido apresentadas por outras entidades internacionais e por instituições privadas. O governo tem projetado números maiores - até 2,5% -, mas ainda muito baixos para os padrões dos emergentes e até de alguns países desenvolvidos. Em matéria de resultados econômicos, esse governo continua, como se vê, a contentar-se com bem pouco.

A falácia da limitação do financiamento de campanha - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 15/05

Cassada a permissão, pelo STF, a que pessoas jurídicas contribuam para a política, concedida em nome da transparência, volta-se à obscuridade do passado



Levantamento feito pelo GLOBO e publicado terça-feira dimensiona o peso descomunal da contribuição de empresas para as campanhas eleitorais. Considerando que a proibição do financiamento de pessoas jurídicas a políticos e partidos, decidida mas ainda não proclamada pelo Supremo, só entre em vigor no próximo pleito, o municipal de 2016, empresas, com destaque para grandes empreiteiras, serão a fonte de mais de 70% do dinheiro gasto na campanha deste ano. Pelo menos, foi esta a estrutura de arrecadação em 2010.

É muito dinheiro. Os três principais concorrentes na luta pelo Planalto — PT, PSDB e PSB — calculam um gasto total, este ano, de meio bilhão de reais, aproximadamente o dobro da despesa em 2010.

Artigo do economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, também na edição de terça, informa que, nos últimos quatro anos, a política movimentou R$ 9,5 bilhões. De forma legal, no “caixa 1”, mais que os R$ 8,1 bilhões orçados para as 45 obras de mobilidade urbana pelo projeto da Copa, compara Castello Branco.

O economista cita o Instituto Kellog como fonte do cálculo de que, em geral, cada um R$ 1 gasto por empresas em campanhas eleitorais rende R$ 8,50 em contratos com o poder público. Talvez só o tráfico de drogas consiga competir com esta taxa de lucro.

Diante de tudo isso, a mais sensata conclusão é que se trata de medida ilusória a supressão legal das pessoas jurídicas do financiamento de campanhas. Seu peso é tão grande nas finanças da política que elas continuarão a fazer este “investimento” por meio do “caixa 2”, como era no passado. Sem qualquer constrangimento de lado a lado, políticos e financiadores.

A proibição baixada pelo STF, numa decisão tomada a partir de ação de declaração de inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), inspira discursos de saudação do retorno à moralidade — e tudo continuará na mesma. Uma “aplicação” tão rentável como esta estimula a que fornecedores clássicos de bens e serviços a governos continuem a bancar candidatos e partidos, só que por baixo do pano. Cassada a permissão a que pessoas jurídicas contribuam para a política, concedida em nome da transparência, volta-se à obscuridade do passado.

Seria melhor aumentar a transparência e dar mais poderes à Justiça e Ministério Públicos eleitorais para punir abusos. No final das contas, ganha quem, como o PT, deseja limitar o financiamento privado de campanhas, para viabilizar a estatização absoluta das finanças da política, mais um peso sobre o já assoberbado contribuinte.

O financiamento público total se encaixa à perfeição ao voto em lista fechada — pois passa a ser possível quantificar com exatidão o número de candidatos —, outro ponto da agenda petista, cujo resultado é ampliar o poder das caciquias partidárias. Trata-se de uma antirreforma política.

Municípios no “SPC” federal - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 15/05


Manter a administração pública em ordem, incluindo sua parte documental, também faz parte das responsabilidades dos administradores públicos



O Paraná conta com 399 municípios. É neles que se dá a vida cotidiana dos quase 10 milhões de paranaenses. Na prática, quase todas as necessidades de seus habitantes recaem diretamente sobre as prefeituras. São da administração municipal as competências de manter o ensino fundamental, os serviços de saúde e saneamento básico, cuidar do trânsito e do sistema viário, abrir, pavimentar e conservar ruas, praças e estradas vicinais, fazer a limpeza e gerir a coleta do lixo urbano... uma infinidade de serviços e obras para os quais raramente há recursos suficientes para os custear.

Nesse sentido, é preocupante que 91% dos municípios paranaenses estejam na lista negra do Cadastro Único de Convênios (Cauc) mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – uma espécie de “SPC” federal, usado para aferir o cumprimento de requisitos fiscais para o repasse de verbas da União para governos estaduais e prefeituras. Essa grave situação foi retratada em reportagem publicada pela Gazeta do Povo na terça-feira, segundo a qual foram encontradas 1.067 pendências em 363 municípios. Em tese, as irregularidades no Cauc inabilitam o município a receber repasses voluntários de verbas da União.

Na Constituição Federal aprovada em 1988, os constituintes decidiram conferir às prefeituras grandes responsabilidades porque são elas os entes mais próximos da população e, portanto, mais habilitados a conhecer e a responder às necessidades locais. Entretanto, os recursos com que contam nem sempre obedecem à proporcionalidade que seria requerida para dar cumprimento, por exemplo, à destinação mínima de 25% das receitas municipais à educação e outros 12% à saúde pública. A aplicação desses porcentuais mínimos é um dos itens que são registrados no Cauc e que nem sempre as prefeituras conseguem comprovar. No total, 319 prefeituras apresentaram algum problema em relação às obrigações constitucionais; 213 prefeituras não destinaram os recursos mínimos previstos para a educação.

Mas não é apenas o desequilíbrio entre receitas e despesas que torna os municípios inadimplentes frente ao Cauc. Há outro fator a pesar para a volumosa constatação de irregularidades nas prestações de contas e, consequentemente, na inabilitação das prefeituras para auferir da transferência de verbas. Este fator se localiza, infelizmente, na incapacidade gerencial e mesmo contábil que acomete boa parte das prefeituras, que têm dificuldade até para cumprir a contento a legislação que as obriga a encaminhar no prazo fixado as suas prestações de contas, conforme lhes determinam também as leis da transparência.

Sem estrutura e pessoal habilitado tecnicamente, os prefeitos reclamam do “excesso” de exigências legais e da lentidão do trâmite de documentos, o que atrasaria a atualização dos dados do Cauc. Embora a queixa de falta de estrutura possa ser razoável, manter a administração pública em ordem, incluindo sua parte documental, também faz parte das responsabilidades dos administradores públicos. E nunca é demais lembrar que, infelizmente, a má-fé que não raras vezes leva os administradores municipais a empregar os recursos de que dispõem de maneira propositalmente incorreta. As leis de responsabilidade fiscal e de transparência foram importantes para diminuir os casos de mau uso do dinheiro. Talvez falte um pouco mais comprometimento dos agentes públicos com sua aplicação.

Contra o país - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA -15/05



O país assiste ao esforço do governo federal no sentido de assegurar as condições mínimas ao êxito da Copa do Mundo, em meio a ameaças de radicalização dos protestos e do prenúncio de greves nos serviços públicos. Como afirmou ontem o ministro Aldo Rebelo, do Esporte, ao comentar as manifestações, é preciso reconhecer o legítimo direito de reivindicação de categorias profissionais. Mas que se estabeleça, ao mesmo tempo, a clara distinção entre apelos específicos de servidores, de um lado, e de outro as articulações oportunistas feitas às vésperas do evento. O que essas últimas buscam é unicamente tumultuar um evento que atrai as atenções do mundo para o Brasil. Não há como justificar atitudes muitas vezes abusivas ou violentas no contexto de críticas explicitadas com civilidade por setores que se opõem à realização do Mundial.
Professores, policiais militares, bombeiros, rodoviários e outras categorias já vêm se mobilizando, em vários Estados, em paralisações que ocorrem a poucos dias da abertura da Copa. Em muitos casos, fica evidente a relação entre as greves, a retórica de suas lideranças e o propósito de constranger governantes. Fomenta-se uma tentativa de confusão, que mistura posições críticas bem fundamentadas a um deliberado esforço de boicote ao evento. É natural que expressivo contingente de brasileiros se manifeste contra gastos públicos na Copa e reclame maior transparência na aplicação dos recursos. Entende-se igualmente que acontecimentos com essa dimensão provoquem reações de contrariedade, pelos mais variados motivos, por não serem percebidos como prioridade. Mas é inconcebível que, em nome de discordâncias ideológicas e políticas camufladas em atos sindicais, a grande maioria seja perturbada pelas vozes do derrotismo.
A própria sociedade saberá avaliar a índole de parte dos envolvidos em manifestações públicas, como as anunciadas para esta quinta-feira nas cidades-sede. O que mais preocupa, no entanto, no momento é a abordagem preventiva de uma questão prática, de curto prazo, igualmente ameaçadora. É o risco concreto de paralisação de categorias que congregam cerca de 500 mil servidores, que o próprio governo subestimou, ao não estabelecer garantias mínimas, apoiadas na legislação, de funcionamento de serviços essenciais durante a Copa.
É preocupante que policiais federais, auditores da Receita e servidores do INSS considerem a possibilidade de parar no período dos jogos. A Copa sempre foi, em todos os países que a sediaram, um momento excepcional e assim deve ser tratada. Eventuais vantagens dos que conspiram contra a festa terão sido obtidas por minorias, em relação ao desejo maior de êxito do Brasil como anfitrião do Mundial. Este desejo, e não o dos que pretendem tornar o país refém de suas atitudes, é o que deve prevalecer.

Atrasos e perdas em refinarias - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 15/05

Mais de seis anos depois de seu anúncio como um dos maiores empreendimentos do governo do PT na área de energia e mais de quatro depois de ter sua pedra fundamental lançada pelo então presidente Lula numa festa de nítido caráter político - era o início do ano em que Dilma Rousseff disputaria sua primeira eleição -, é possível que, finalmente, comecem as obras civis da Refinaria Premium I, no Maranhão. O atraso já é enorme. De acordo com as promessas feitas por Lula em 2008, a que será a maior refinaria da Petrobrás, com custo previsto em R$ 41 bilhões e capacidade para processar 600 mil barris por dia, deveria estar com sua primeira etapa em operação em setembro de 2013 e a segunda, dois anos depois.

Com o agravamento da crise operacional e financeira da Petrobrás - cuja produção e capacidade de refino ficaram estagnadas e cujas receitas foram comprimidas pelo longo congelamento dos preços dos combustíveis, enquanto cresciam suas necessidades financeiras para sustentar os investimentos no pré-sal -, o programa de novas refinarias foi desacelerado. Como a demanda interna de combustíveis continuou a crescer, por causa dos estímulos do governo ao setor automobilístico, mas sua capacidade de refino se estagnara, a Petrobrás passou a importar volumes cada vez maiores de derivados, a um custo maior do que o preço da venda nas bombas. Isso aprofundou sua crise e limitou seus investimentos. No Plano de Negócios e Gestão 2013-2017, anunciado no ano passado, a refinaria do Maranhão e a do Ceará (Refinaria Premium II, com capacidade para processar 300 mil barris por dia) foram apresentadas como "projetos em avaliação".

Talvez esse quadro esteja começando a mudar. No plano de negócios de 2014-2018, as duas foram classificadas como "projetos em licitação". Em fevereiro, a presidente da empresa, Maria das Graças Foster, havia informado que a licitação para a construção da refinaria maranhense em Bacabeira, a 60 quilômetros de São Luís, estava programada para abril. Na segunda-feira (12/5), o diretor de Abastecimento, José Carlos Cosenza, anunciou que a licitação será lançada em maio. A se confirmar a informação, as obras de construção da Refinaria Premium I começarão em 2015. A primeira etapa (primeiro trem, como diz a Petrobrás) deverá entrar em operação em 2018.

Mesmo sem ter sido assentado nenhum tijolo e só agora a empresa confirme que tem um projeto executivo - a planta, segundo Cosenza, passou por simplificação, para se enquadrar nos novos padrões internacionais -, a Premium I já custou R$ 1,6 bilhão. Esse dinheiro, como mostrou o jornal O Globo (11/5), foi gasto em terraplenagem (R$ 583 milhões) e em projetos, treinamento, transporte e estudos ambientais (cerca de R$ 1 bilhão).

Contratada em julho de 2010 por R$ 711 milhões, a terraplenagem foi considerada concluída em abril do ano passado, com 80% dos serviços executados. De acordo com a Petrobrás, os serviços restantes "serão executados após a otimização do projeto básico".

Relatório de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) concluído há um ano apontou indícios de irregularidades na terraplenagem. As falhas seriam decorrentes da pressa da empresa em iniciar as obras de uma refinaria que não tinha nem projeto básico, o que, na avaliação dos fiscais do TCU, teria provocado danos de R$ 84,9 milhões.

Em certo trecho, o relatório sintetiza o modo de proceder da Petrobrás - e também do governo do PT - em muitos casos em que obras são contratadas sem o necessário projeto executivo, sem a adequada previsão de custos e sem a prévia licença ambiental. No caso da refinaria do Maranhão, os auditores disseram que "a gênese de todo o problema parece estar na decisão de iniciar-se uma obra desse porte sem um planejamento adequado, passível de toda sorte de modificações". Em abril do ano passado, cinco anos depois dos primeiros estudos, ainda não havia um projeto definido para a refinaria - o que, como reconhece a diretoria da Petrobrás, só agora está sendo concluído.

Protestos legais - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 15/05

Governantes e grupos de pressão tiveram tempo para aprender a lidar de forma madura com manifestações, respeitando a Constituição


Dissemina-se pelo país uma onda de greves e manifestações em nome das mais diferentes demandas, de reajustes salariais a investimentos em moradia --além, é claro, das indefectíveis críticas aos gastos com a Copa do Mundo.

A ocasião, não há como negá-lo, é propícia como poucas. Ao calendário eleitoral, tradicionalmente utilizado com o fim de pressionar governantes, soma-se a realização do Mundial de futebol, de notória visibilidade internacional.

Por força das circunstâncias, agendaram-se para hoje dezenas de protestos no país. Os atos simultâneos vêm sendo chamados, com exagero e humor, de "Manifestação das Manifestações", num contraponto ao bordão "Copa das Copas", da presidente Dilma Rousseff.

Até aí, nada de mais. Estão garantidas pela Constituição tanto a liberdade de manifestação como a de reunião, e ambos os direitos fundamentais têm sido respeitados no Brasil --do que a programação desta quinta dá testemunho.

A situação precária dos serviços públicos e o descalabro administrativo que impera no país são, com justiça, motivos capazes de mobilizar parcelas da sociedade.

Daí não decorre que qualquer ação crítica esteja automaticamente legitimada, como alguns parecem crer. Não está, e esse equívoco tem se mostrado pernicioso para a sociedade como um todo.

O próprio texto constitucional assentou regras para a boa convivência democrática: veda-se o anonimato; reuniões devem ser pacíficas e sem armas (a redundância é importante); exige-se aviso prévio à autoridade competente. Tais preceitos, todavia, têm sido ignorados com frequência inaceitável.

O aviso às autoridades é o primeiro a ser desconsiderado. Com isso, arrisca-se frustrar outra reunião convocada para o mesmo local (o que representaria mais um desrespeito à Constituição) e impede-se que a cidade se prepare como puder para o presumível caos.

Depois, máscaras tornam anônimos manifestantes que deveriam ser identificáveis. Por fim, armas brancas são usadas contra o patrimônio público e privado --conduta de resto criminosa.

A sequência de violações se completa com os intoleráveis abusos da polícia, cuja truculência tem sido objeto de merecidas críticas.

Se em 2013 as manifestações surpreenderam, hoje já se incorporaram, para alegria de uns e irritação de outros, à rotina das principais cidades do país. Não podem mais ser tratadas como novidade.

Líderes de movimentos reivindicativos e governantes nos três níveis da Federação tiveram tempo para aprender com os erros. Passou da hora de mostrarem maturidade democrática e respeito à Constituição como um todo, e não só àquelas partes que lhes convêm.

Limite para campanha fora de hora - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 15/05
A legislação eleitoral (Lei n° 9.504/97) apenas permite a propaganda de candidatos três meses antes do pleito - ou seja, este ano, a partir de 5 de julho. Mas o que, exatamente, é a proibida campanha antecipada? O novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, definiu na terça-feira, ao tomar posse no cargo, ser "aquela em que há explícito pedido de voto". A explicação, contudo, não soluciona o enigma, pois, mesmo aplicado ao pé da letra, o conceito usado por ele é relativo.
Por exemplo, alguém, sabida ou potencialmente, em disputa eleitoral que põe a cara em cartazes, faixas e outdoors pede votos? E outro que, repentinamente, se torna filantropo e começa a distribuir material de construção, cesta básica, dentadura, cobertor e outros mimos, incorrendo em crime até mais grave, a compra de apoio? Ou, ainda, aquele que manda mensagens no Natal e no ano-novo, espalha adesivos com o nome e a foto, passa a circular com frequência por lugares públicos? Fazer promoção pessoal, enfim, é fazer campanha?

O que dizer, então, de governantes no exercício do poder que, potenciais candidatos à reeleição, insistem no discurso da continuidade e passam a visitar ou a inaugurar obras dia após dia, produzindo fatos para se manterem na mídia? E de quem divulga plano de ação ou mesmo programa de governo? Há pedido explícito de voto nesses atos? Indubitável é que essas ações desequilibram o jogo eleitoral. É certo, e positivo, como disse o jurista e então ministro do TSE Arnaldo Versiani anos atrás, que "quanto mais um candidato se expõe, com ideias e projetos, mais o eleitor pode conhecê-lo". Desde, naturalmente, que a regra valha para todos.

É urgente, portanto, estabelecer o paradigma sobre a questão. Em vez de apontarem uns para os outros, acusando adversários de fazerem campanha extemporânea, os pré-candidatos fariam bem ao país se cobrassem postura mais firme da Justiça Eleitoral, para pôr os pingos nos is. Há quatro anos esse padrão já era cobrado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). "Não podemos adotar parâmetros diversos", criticou na ocasião, ao comentar a dificuldade de julgar representações contra campanhas eleitorais supostamente antecipadas.

Há que se ouvir as vozes experientes. Presidente do TSE entre 2008 e 2010, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, por exemplo, condena o "marketing pessoal" no período pré-eleitoral. Para ele, "a propaganda antecipada só favorece dois núcleos do poder: o econômico e o político". Como a democracia pressupõe igualdade de condições na disputa - e para melhor equilíbrio, toda forma de abuso deve ser contida -, urge traçar os limites que caracterizem de vez o que é ou não campanha fora de hora. E, de resto, puni-la mais severamente, de modo a desencorajá-la.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“É conversa, é terrorismo deles”
Eduardo Campos (PSB) ao comentar a insinuação do PT sobre o fim do Bolsa Família


‘CONTRABANDOS’ INFESTAM MP QUE DILMA TORNOU LEI

Além de transformar em lei o “contrabando” que livrou a montadora coreana Caoa Hyundai de pagar R$ 1 bilhão em impostos por ano até 2020, a presidente Dilma fechou os olhos para outros dispositivos, sem qualquer pertinência com a temática original, enxertados na medida provisória nº 627. A farra livrou ricaços de pagar impostos sobre aplicações financeiras, isentou de tributos fabricante e importador de máquinas e implementos e até parcelou débitos de criadores de cavalo.

MP COMPLACENTE

Além da Hyundai, a japonesa Mitsubishi também foi beneficiada por artigos malandros enxertados na MP 627, e sancionados por Dilma.

JABUTI NA ÁRVORE

Contrabando curioso, transformado em lei na MP 627, anistia débitos de PIS/Cofins de “cooperativas de serviços culturais”. Humm...

FECHADA, MAS LUCRANDO

A MP 627 também tornou lei um enxerto com endereço certo: prevê apuração de “ganho de capital” por empresas inativas desde 2009.

REINO DO LOBBY

O mesmo governo, tão generoso com grandes grupos empresariais, continua implacável ao aumentar impostos dos cidadãos comuns.

EMPRESA DÁ CALOTE EM 7,4 MIL TERCEIRIZADOS

A empresa PH Service fechou as portas e seus responsáveis sumiram sem dar explicações aos 7.437 funcionários terceirizados de 17 órgãos públicos de Brasília, como Itamaraty e Palácio do Planalto. O Ministério da Fazenda prometeu aos seus 400 contratados da PH que receberão salários atrasados, vale-transporte e vale-refeição, recorrendo, claro, ao bolso do contribuinte. Procurada, a PH não respondeu às ligações.

GOLPE PREVISÍVEL

A PH Service foi escolhida por meio de pregão eletrônico, que leva em conta o menor preço, ignorando a estrutura financeira da empresa.

JUSTIÇA

O Sindiserviços, sindicato dos terceirizados, informou que o Ministério Público já foi acionado e que a Justiça será o próximo passo.

CALOTE NACIONAL

Com sede em Belo Horizonte, a PH Service atuava em todo o País e pode ter deixado 40 mil trabalhadores desamparados.

TENSÃO PRÉ-OPERAÇÃO

A Advocacia-Geral da União anda inquieta desde que obteve do STJ a proibição da greve na Polícia Federal, durante a Copa. Em 2012, um mês após ação semelhante, a PF deflagraria a Operação Porto Seguro, contra a AGU e o escritório paulista da Presidência da República.

ANO DE DOAÇÃO

O Bolsa Família já distribuiu R$ 6,35 bilhões até agora, em pleno ano eleitoral. Governada pelo PT, a Bahia recebeu as maiores verbas: R$ 820 milhões. Quase o dobro de Minas, cujo governo é do PSDB.

NÃO SERÁ UM PASSEIO

Apesar de liderar com folga para o Senado, no DF, segundo pesquisa do Instituto Dados, o deputado Reguffe (PDT) terá muito trabalho: 69% não sabem em quem votar. A pesquisa foi registrada no TSE: nº 93/2014.

VISITAÇÃO PÚBLICA

O Palácio Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República, passa por pequenas adaptações para ser aberta à visitação de turistas, aos domingos. É um belo palácio com cara de casa, e amplos espaços.

ME ERREM

O ministro Guido Mantega afirmou ontem na Câmara que a compra superfaturada de Pasadena “parecia boa”, mas tratou de tirar o corpo fora dizendo ter sido contra a aquisição da outra metade da refinaria.

NINGUÉM MERECE

O liderado Henrique Alves (RN) já trabalha para o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), sucedê-lo na presidência da Câmara em 2015. Mas a vez é do PT, segundo acordo de revezamento dos dois partidos.

LOROTEIRO-MOR

Digitando-se a frase “O maior mentiroso do mundo” no Google, surge o perfil de Lula como primeiro resultado. Há anos. Ainda é um mistério o que fez o Google colocar o ex-presidente no topo da lista dos loroteiros.

A VENEZUELA NÃO É AQUI

CUT e MST marcaram para esta quinta nova baderna na porta de uma emissora de TV, em Brasília. O último ato do MST na capital acabou em vandalismo. Depois, seguem como gado para o lançamento de filme sobre o finado semiditador Hugo Chávez na embaixada da Venezuela.

PERGUNTA À DISTÂNCIA

O que Gleisi Hoffmann (PT-PR) tanto assopra no ouvido de Renan Calheiros (PMDB-AL), antes de qualquer decisão dele no plenário do Senado?

quarta-feira, maio 14, 2014

Ansiedade em vão - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 14/05


Não conhecia o Iago, o rapaz que entrou na contramão na ponte do Guaíba e percebeu tarde demais que o vão estava levantado. Ele não conseguiu frear a tempo, caiu e abreviou sua vida por causa de uma aflição.

Não sei detalhes da história, a não ser que ele estava atrasado e que não conhecia bem os meandros de entrada e saída de Porto Alegre. Tinha um carro na mão, um relógio fazendo tic-tac e uma entrevista marcada, e já passava da hora: quem tem o mínimo de responsabilidade sabe que compromissos existem para serem cumpridos.

Uma das razões de o Brasil ser essa bagunça colossal é que a palavra compromisso, para a maioria, não tem o menor valor.

Para Iago, tinha. Mas até onde devemos sucumbir ao desatino? Se o plano inicial começou errado, melhor não emendar com novos erros. Um atraso normalmente acarreta excesso de velocidade, estacionar em local proibido, estresse, e tudo isso para quê? No caso do garoto, o desespero resultou numa fatalidade.

Mais vale aceitar nossos vacilos sem buscar uma correção afobada. Falhou, está falhado. Respire fundo e vá tomar um café. Celular também existe para isso: “Não consegui chegar, desculpe”.

Claro que ele não cogitou morrer. Pensou no máximo na perda de emprego, de oportunidade, de promoção, de seja o que for que a entrevista significasse. Ele apenas quis correr atrás do prejuízo. E no caminho não viu as placas de sinalização, todas de costas para ele.

A aflição é como um sol traidor, aquele que bate de frente e te cega.

Para muitos, foi apenas um acidente com características incomuns. Para mim, foi um aviso: não vale a pena sacrificar a vida pelo bom-mocismo.

Já fiz o que ele fez. Já me perdi por ansiedade, já me senti devedora por não cumprir o combinado, já tentei consertar estragos numa tentativa presunçosa de extirpar o erro da minha biografia. Ora, um erro ou outro, o que é que tem? Aquele que não se permite uns desacertos se desumaniza pela insistência em ser perfeito.

Pressupondo que eu esteja certa a respeito da angústia do Iago, ela me fez sentir total empatia com a situação dele. Naqueles segundos finais antes de cair da ponte, ele deve ter pensado: “O que fui fazer!”. Está feito. Mas ficou o recado: sejamos todos mais atentos, porém menos ansiosos. A ansiedade não serve para nada, ela apenas faz com que tentemos superar a nós mesmos. “Superar a nós mesmos” é uma bonita frase de efeito, mas induz a uma competição besta: o vencedor e o perdedor são a mesma pessoa.


Boladas - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 14/05

Criamos uma futebologia que, equilibradamente, reúne teoria e prática



Em vésperas de Copa do Mundo que, ouço dizer, não é mais nossa, vale dar algumas boladas sobre o football — esse esporte que, roubado da Inglaterra, virou um brasileirismo.

Com ele, criamos uma futebologia que, equilibradamente, reúne teoria e prática. Temos os comentaristas, capazes de invocar jogos e jogadas memoráveis — “gols de placa’’ ou erros clamorosos; e times de ex-jogadores e árbitros proporcionando uma visão de “dentro” porque “falar (e criticar) é fácil”, mas “fazer (ou governar) é difícil”.

Atendida essa brasileiríssima premissa, nossa futebologia tem uma poética e uma álgebra. A poética aborda o lado imprevisível; a álgebra — que se concentra na tática e na estratégia, e atua tal como eu fazia com o meu time de botão — segue tão indômita quanto a economia sobre os encadeamentos prováveis da vitória. Mas, como vitória e derrota são no esporte e no futebol parte da mesma moeda, a futebolística tem a capa de uma disciplina exata e o conteúdo de um sujeito diante de uma mesa de jogo com o coração na mão e as mãos geladas torcendo para que caia o número jogado...

É revelador que o futebol seja um “jogo”, e não uma partida ou match. Uma partida está mais para o lado de um encontro de iguais do que um “jogo”, onde fatores imponderáveis intervêm. Como brasileirismo, o futebol é um escudo de autoafirmação com uma ambiguidade típica: é algo que praticamos com excelência mas que não podemos prever o resultado. Trata-se de mais um traço da nossa proverbial duplicidade: somos os melhores do mundo mas nem sempre podemos provar nossa excelência. Ela não é precisa e volta a nos relacionar com o imponderável que aumenta a popularidade do futebol, tornando-o tanto sintoma quanto um esporte e indústria de massa. Quando ganhamos, o mundo vai bem; quando perdemos, viramos desgraçados.

Uma vez ouvi a história de um grande jogador de futebol, um goleador imbatível com um nome dissilábico — talvez Mimi, Zezé ou Mumu — cuja mulher o traía. Era atacante forte. Um cavalo, como se dizia naquele tempo em que os brasileiros eram quase anões. A mulher era bonita e exibicionista. “Meu marido é artilheiro, mas não faz gols nimim”, lamuriava quando bebia uns chopes. Logo um entregador de lavanderia (o goleador só andava de ternos de linho cuja brancura tinha o ar da neve que não se via no Brasil) começou a goleá-la. Enquanto o craque deleitava os teóricos da futebologia fazendo gols em campo, o amante metia quatro ou cinco na mulher. Um dia, porém, baixou uma dúvida: e se fosse descoberto? “Ele te mataria a pontapés!”, disse a musa invicta do campeão. “Então, vamos nos encontrar na hora do jogo. Solução perfeita, porque ninguém — exceto os deuses — pode estar em dois lugares ao mesmo tempo e em 90 minutos, mais as preliminares ritualísticas das entrevistas, rapapés, fotografias e voltas olímpicas, teremos não só o tempo do amor, mas a garantia de um adultério dantesco e capaz de levar-nos ao inferno.” Devo dizer que a mulher havia lido um livreto financiado pelo Ministério do Povo chamado “Dante para idiotas”, no qual o bardo era simplificado.

Então combinamos assim, disse eu a mim mesmo quando, em 1982, publiquei “Universo do futebol’’— graças a Carlos Roberto Maciel Levi e Max Perlingeiro —, no qual reuni ensaios de pioneiros do estudo desse esporte como Luiz Felipe Baeta Neves, Simoni Guedes e Arno Vogel. Quando terminava minha contribuição a esse livro, que hoje faz 32 anos, num tempo em que havia mais futebol do que futebologia, mercadologia e “demissociologia”, lembrei-me do caso acima. Descobri, então, que o corno-goleador sabia de tudo, mas ficava calado porque, quando não fazia gols, era compensado pelo seu duplo que produzia escores sensacionais.

Hoje, quando vejo a nossa contumaz ambiguidade no atraso dos estádios e na ausência de infraestrutura e segurança, gerando protestos que usam a Fifa como o bode expiatório para desmascarar a insinceridade do governo, penso nessa duplicidade do futebol e da vida. Sempre exata de um lado e imprevisível de outro. O nosso amado e puro futebol, roubado dos ingleses imperialistas, brancos azedos e civilizados que sempre faziam gols, transformou-se numa poderosa arma de protestos capitais contra a costumeira corrupção. E aí eu pergunto se o futebol é mesmo o ópio do povo. Pois tal como o goleador, ele tem dois lados. Ele joga plausivelmente no campo, mas não deixa de pensar na liberdade imprevisível da mulher amada.

Notas pré-Copa - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

1 – Copa do Mundo seria melhor com um pouco menos de patriotadas. No México havia (ainda há?), pouco antes da competição, a cerimônia de “embandeiramento” do time nacional. Nesse momento o time passava a representar a nação. No Brasil, sem a mesma pompa de Estado, mas presente ao fundo uma enorme bandeira nacional, o anúncio dos jogadores convocados procurou igual efeito. O técnico Luiz Felipe Scolari, antes de desfiar a lista, pediu que todos – “comissão técnica, direção da CBF, imprensa, torcedores” – nos unamos em tomo do mesmo “norte”, ainda que discordando desta ou daquela convocação. Mais tarde, ao vivo no Jornal Nacional, disse que era hora de todos os brasileiros vestirem a “camisa amarela”. À sua maneira, embandeirou a seleção.

2 – Copa do Mundo também seria melhor sem intoxicação publicitária. Mais do que ninguém os publicitários deveriam saber que tudo o que é excessivo cansa. E, no entanto, dá-lhe Felipão vendendo carro, televisores, assinatura de telefone celular. Dá-lhe Neymar vendendo tudo. Antes de começar a Copa já enjoou. Sorte que depois do apito inicial do jogo inicial o enjoo passa. Cura-o a atração irresistível da bola correndo.

3 – Felipão preocupou-se à toa com eventuais discordâncias agudas na convocação. Não houve dissenso nem poderia haver. Tirando Neymar, os outros 22 poderiam ser substituídos por outros 22 sem diferenças acentuadas. Isso não é sinal de pujança do futebol brasileiro; é sinal de nivelação por baixo dos estoques de craques.

4 – Outra razão para a falta de dissenso é a carência de identificação dos torcedores com os jogadores. Muitos dos convocados saíram tão cedo do país que nem disputaram campeonatos de primeira divisão no Brasil. De repente aparece um sujeito chamado Luiz Gustavo, ou um sujeito chamado Hulk, de quem nunca se ouvira falar e que, sem ter vestido a camisa de nenhum grande clube brasileiro, agora é titular da seleção. Ou é reserva, como o sujeito chamado Dante. Além das torcidas clubísticas, havia também as rivalidades regionais. Paulistas e cariocas disputavam quem forneceria mais quadros para a seleção. Hoje, a disputa possível seria se serão convocados mais ingleses ou mais espanhóis, quer dizer: mais entre os que jogam na Inglaterra ou mais entre os que jogam na Espanha.

5 – Felipão é esperto. Ao embandeirar a seleção, busca duplo efeito. Primeiro, formar a famosa “corrente pra frente”. Segundo, dividir responsabilidades. Mostrando-se desunidos, os brasileiros serão também culpados, se sobrevier a cruel desdita da derrota. Ele tem plena noção da carga que lhe pesa nos ombros. O pior cenário é a desclassificação prematura. Já nas oitavas de final, é mais do que possível que o Brasil venha a enfrentar ou a Holanda, que o desclassificou em 2010, ou a Espanha, a campeã naquela ocasião. Derrotado o time de Felipão, o torneio passaria a ser uma festa de argentinos, espanhóis, italianos, ingleses e outros, com o Brasil pagando a conta. As massas poderão se excitar.

6 – Pior que o vexame no campo de jogo será o eventual vexame do despreparo para o evento. Prometeram-se investimentos que não vieram. A famosa “mobilidade urbana” será a de sempre, com forte tendência imobilizante, atenuada quem sabe apenas por puxadinhos nos aeroportos e decretação de feriados em dias de jogo. Alguns dos estádios só ficarão prontos na última hora, e tomara que se mostrem seguros. Tomara que não falte energia no pico das comunicações que cruzarão o planeta. Se isso tudo ocorrer razoavelmente a contento (completamente a contento não é mais possível) e se não houver torcedor com volúpia de jogar vaso sanitário no adversário, será um alívio.

7 – A Copa continua um risco para o governo, mas na semana passada funcionou a favor. O craque Renan Calheiros, agora com cabeleira que ameaça a de David Luiz. soube jogar de olho na tabela – tanto enrolou que fez a CPI da Petrobras enroscar com a Copa. O assunto Petrobras morreu. Agora é Copa. O embandeiramento da seleção marcou o início de seu reinado.


Corrupção, nojo e rock’n’roll - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


"Tudo pelo poder" é o nome da nova canção dos irmãos Supla e João Suplicy, os Brothers of Brazil. Música de protesto é pouco para qualificar a descompostura que os dois passam nos partidos e nos políticos brasileiros. O que eles apresentam vai além. Filhos de dois ícones da corte petista (Marta Suplicy, senadora licenciada e ministra da Cultura, e Eduardo Suplicy, senador), Supla e João cantam como quem afirma que não tem nada a ver com "mensalão, mensalinho", ou com a "propina geral". Para eles, já deu. "Eu tô de saco cheio e você também." Parecem furiosos. "Falta hospital, falta escola, mas não falta imposto nem máfia fiscal." O destampatório evolui até culminar num refrão chulo, com um palavrão, digamos, bem forte, que não cairia bem transcrever nesta revista (mas soa pleno de verdade).

São tempos interessantes, estes. O rock"n"roll, quem diria, vira reserva moral da nação. Na defesa do decoro parlamentar e da ética, dá-lhe rock"n"roll. No clipe que circula na internet, há palavras de ordem que tomam toda a tela, tanto no início quanto no final da performance. Bem no comecinho, um dos dizeres cobra "decência" dos "nossos representantes". São tempos realmente perturbadores. Se roqueiros precisam clamar por decência, algo realmente está fora de prumo.

Sim, é bem verdade que o rock sempre teve um pé no protesto e outro na defesa da solidariedade. A aversão das guitarras aos políticos mais convencionais, caretas, egoístas vem desde sempre. O próprio senador Eduardo Suplicy já ficou conhecido como um contumaz intérprete do clássico "Blowin in the wind", de Bob Dylan. Com esmero e trinados cada vez mais bem ensaiados, Suplicy descende dessa tradição, meio hippie, meio de esquerda, e fulgura hoje como estrela do socialismo pop, cujas máximas cabem todas dentro de três acordes maiores. Que Supla tenha se firmado como um astro de rara originalidade, meio punk, meio loiro, não surpreende: saiu ao pai. Faz política tocando bateria. Canta no tom do espírito de Woodstock e não deixa barato. Nada poderia ser mais fiel à respeitável tradição – isso mesmo: tradição – do rock.

O que vemos agora, porém, não é uma reedição das baladas de protesto. Os dois irmãos cantam contra uma corrupção que não é meramente um desvio moral, embora reivindiquem mais "decência" dos que exercem cargos eletivos. Eles vociferam contra um hábito que se tornou, mais que um desvio, uma espécie de regra, um método predominante dessa atividade sombria dos que conduzem as instituições públicas. Sabem muito bem que a canção "Tudo pelo poder" não encontrará eco na imensa maioria dos políticos profissionais, que preferem deixar o assunto de lado. Por isso mesmo, cantam com raiva. Da certeza de que cantam ao vento, talvez venha a sensação de que vivemos na era da "propina geral".

Exagero? Nem tanto. A lógica pragmática foi longe demais. Foi longe demais o silêncio obsequioso dos militantes de boa-fé que, diante da podridão revelada, seguiram em posição de sentido, sem protestar, sem criticar publicamente a conduta dos correligionários que agiram mal, tudo isso em nome de uma sacrossanta governabilidade "de esquerda", em nome da fantasia lúgubre de que seria melhor para os pobres deste país que o malfeito ficasse encoberto, pois a volta ao poder dos "conservadores" acarretaria "prejuízos históricos" maiores. Foi longe demais o descompromisso com a prática política pautada por valores humanitários, pelo respeito à coisa pública, uma prática que desse conta de fortalecer as instituições. Foram longe demais as alianças que transpuseram não apenas as fronteiras entre direita e esquerda, mas as fronteiras entre as boas práticas políticas (fosse qual fosse a ideologia) e as piores atrocidades da corrupção mais tresloucada. De repente, velhos corruptos se tornaram aliados "estratégicos" dos que pretendiam refundar a República em novas bases. Foi longe demais o desprezo pelos princípios – e os princípios importam não por motivos morais, apenas, eles importam mais porque fazem da política uma atividade compreensível, minimamente coerente, passível de ser avaliada pelo eleitorado. Quando a frase central do programa de um partido vale menos que a aquiescência de um magnata, os princípios escorreram para o bueiro.

Esse é o universo do "mensalão, mensalinho". Os Brothers of Brazil dão nome a quase todos os protagonistas: "PT", o primeiro da lista, "PSDB, PMDB, DEM, PTB, PSB, PR e sei lá mais quem". Parecem enojados – e têm razão. Mas serão acusados de moralismo pelos que estão aí levando vantagem.


Pequenas empresas e caos tributário - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

Mais um retalho pode ser acrescentado à complexa colcha do sistema tributário. Trata-se do projeto de lei complementar aprovado pelo Senado, ora sob apreciação da Câmara, que impede o uso da substituição tributária nas vendas às micros e pequenas empresas optantes do Simples Nacional. O Simples facilita o pagamento de tributos, enquanto a substituição tributária permite aos estados antecipar a receita do ICMS, cobrando-o no primeiro elo de uma cadeia produtiva. A nova lei será um alívio para tais empresas, mas agravará o caos tributário.

Benjamin Franklin (1706-1790) disse que “neste mundo nada é certo, salvo a morte e os impostos”. Sugeria simplicidade na cobrança de impostos. Para Albert Einstein (1879-1955), “a coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda”. Ele se referia aos Estados Unidos, cujas regras tributárias federais ocupam 74.000 páginas, a maioria sobre o imposto de renda. Dificilmente o contribuinte americano prepara sua declaração anual sem recorrer a especialistas. O Cato Institute estima que haja mais de 1,2 milhão de contadores, advogados e outros prestando o serviço por lá.

O imposto de renda americano é muito complicado, mas a tributação do consumo é relativamente simples, na maior parte incidente apenas na venda ao consumidor (sales tax). No Brasil é o contrário. O imposto de renda é relativamente fácil de declarar, mas os impostos sobre o consumo, que importam para a eficiência, são terrivelmente complexos.

Até a II Guerra, os impostos sobre o consumo se incorporavam ao custo dos bens e serviços, incidindo em cascata sobre eles mesmos. Geravam ineficiências. As empresas tinham ganhos tributários se adquirissem menos bens e serviços de terceiros. Produzir tudo ou quase tudo economizava tributos, mas inibia a especialização, que é fonte de competitividade.

A solução nasceu na França, em 1948, com o método do imposto sobre o valor agregado (IVA), o qual incide apenas sobre o que se adiciona ao bem ou serviço. Tributa-se a venda e desconta-se o valor pago nas etapas anteriores. Uma revolução. Para Isaías Coelho, dedicado estudioso do tema, o IVA “foi uma das maiores inovações das finanças públicas no século XX”. Os ganhos de eficiência foram incomensuráveis.

Na reforma de 1965, o Brasil adotou o citado método antes da maioria dos países europeus. Optamos, infelizmente, por dois IVAs, um federal (IPI) e outro estadual (ICM, depois ICMS), e por um imposto municipal em cascata (ISS). Aplicado em várias jurisdições, o ICM requeria harmonização de regras, como na União Europeia. Até 1988, existiu a harmonização, mas a nova Constituição concedeu aos estados a liberdade de legislar sobre o tributo. Mais do que desarmonia, virou bagunça.

Ao mesmo tempo, a União criou tributos sobre o consumo que pioraram a situação. Os exportadores acumulam créditos que não recebem. Perdem competitividade. A substituição tributária, nascida para evitar a sonegação em poucos produtos, se generalizou e já representa 30% da arrecadação do ICMS. Na prática, é uma cascata.

O sistema ficou inviável para empresas menores, que não têm estrutura para assimilar sua complexa e mutante teia de regras. A saída foi o Simples Nacional, que é justificável mas adicionou novas distorções. O Simples não gera créditos para etapas subsequentes, transformando-se em outra modalidade de tributação em cascata. As empresas optantes tendem a ser evitadas como fornecedores de empresas exportadoras. O Simples inibe a expansão das micros e pequenas empresas, já que podem ser desenquadradas do regime diferenciado e migrar para o inferno tributário. A nova lei que as beneficia elevará custos, pois obrigará quem vende a elas a identificar sua classificação em cada operação.

Já tarda uma reforma para racionalizar o sistema tributário, incluindo a revisão do tratamento diferenciado às empresas menores, que se restringiria a casos limitados, como em outros países. A maioria delas poderia, então, cumprir obrigações tributárias como outra qualquer e alimentar o sonho de ser grande. Se a Microsoft e a Apple tivessem nascido no Brasil de hoje, talvez continuassem pequenas e desconhecidas.

Monstro de duas cabeças - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 14/05

Mercado dá sinais de que acredita tanto em decolagem como em derrapagem dos EUA


A CALMARIA nos mercados financeiros, em especial no centro do mundo, nos Estados Unidos, tem algo de esquisito, além de ser sempre relevante para nós, Brasil, um barquinho que balança bem quando o vento começa a soprar na finança global.

Duas das "mercadorias" mais importantes da praça financeira estão com preços que dão sinais em tese contraditórios. Um preço indica, em teoria, que a economia dos Estados Unidos vai crescer mais devagar do que o estimado por agora. Outro indica que o PIB americano vai rodar a 3% ao ano, as empresas crescerão e seus lucros também.

Esses dois ativos financeiros são as ações e os títulos da dívida de longo prazo do governo americano.

Depois de uns saltos na segunda metade do ano passado, as taxas de juros dos títulos da dívida americana de mais de dez anos de prazo recuaram. Num resumo muito breve, isso quer dizer que pelo menos os detentores de tais papéis não esperam uma recuperação econômica mais rápida dos EUA, com inflação em alta. Não esperam que o banco central aperte em breve a folgadíssima política monetária, elevando as taxas básicas de juros.

O rendimento de tais papéis (os "juros") varia na direção contrária de seus preços. Se as taxas de juros sobem, isso quer dizer que os preços dos títulos caem. Perde-se capital, num resumo grosso da coisa. Quem comprou título norte-americano, pois, não espera nem aceleração norte-americana nem teme riscos como um tumulto na economia chinesa.

As Bolsas, por outro lado, estão risonhas e francas. Os preços das ações batem recordes como se a economia americana fosse decolar, assim como suas empresas. Ou, pelo menos, quem compra ações espera que as empresas americanas continuem a fazer dinheiro esfolando o trabalhador (os salários médios vão mal nos EUA). Ou, enfim, espera surfar na alta de preços enquanto durar a farra proporcionada pelo capital quase grátis, cortesia do Fed, o banco central americano.

Não se trata de dizer que tais incongruências sejam aberrações, dada a série de extravagâncias radicais dos mercados financeiros, notadamente depois dos anos 1990.

No entanto, ainda parece esquisito. Fica-se com a impressão de que, quando a cair a ficha, para um lado ou para outro (os EUA crescem ou não), vai haver solavancos feios nos mercados, um "ajuste", uma "correção" de preços, episódios nos quais a gente sempre sai um tanto chamuscado.

CERVEJA

O governo deu para trás no aumento do imposto sobre a cerveja, que decidira no início do mês, à cata de qualquer troco a fim de fechar suas contas estropiadas.

Obviamente, aumento de cerveja pega mal, ainda mais depois de um ano em que o consumo da bebida caiu, raridade; mais ainda quando vai começar um período de samba, suor de futebol e, claro, cerveja, a Copa.

Fábricas e varejo, de resto, disseram que a bebida ficaria mais cara do que o estimado pelo governo e que poderia haver até demissões. Pode ser exagero, mas haveria, claro, algum problema.

Resumo da ópera, o governo não consegue planejar nem o imposto da cerveja ou calcular suas repercussões.

Os planos dos fundos - FABIO GIAMBIAGI

VALOR ECONÔMICO - 14/05
Planos que oferecem grandes benefícios precisam ser custeados pelos seus participantes

No Brasil, no passado, os fundos de pensão das estatais - incluindo instituições financeiras - foram muitas vezes causa de problemas fiscais, quando se revelava necessário cobrir desequilíbrios dessas entidades. Em função disso, em 1998 o país aprovou a Emenda Constitucional número 20, que determinou, de forma clara, a paridade contributiva entre o ente público patrocinador de planos de benefício e os participantes, pondo fim a uma era de benefícios abusivos. O dispositivo foi depois regulamentado pela Lei Complementar 108/ 2001, cujo Artigo 6 (parágrafo 1º) diz que "a contribuição normal do patrocinador para o plano de benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante".

Na origem dos problemas dos planos estava o fato de que a grande maioria deles eram mantidos na modalidade "benefício definido" (BD), em que o participante tem o valor da aposentadoria determinado previamente, independentemente da trajetória financeira do fundo. Planos BD podem contar com benefícios elevados e serem equilibrados - desde que seu custeio, determinado atuarialmente, viabilize de fato arcar com os benefícios, isto é, desde que todos paguem por eles de forma adequada. Quando há resistência a contribuir por um valor maior, a abrir mão de aposentadorias elevadas e/ou a postergar a passagem para a inatividade, a tendência é que os planos apresentem déficit. Historicamente, esse foi o "pecado original" de muitos planos BD.

No Banco do Brasil (BB), na Petrobras e na Caixa Econômica Federal, a existência de planos BD gerou prejuízos, diagnosticados e enfrentados pelas três no contexto das mudanças institucionais dos fundos de pensão de final dos anos 90. Os desequilíbrios foram atacados mediante a revisão do regulamento e o fechamento dos planos, com a abertura de outro, diferenciado em relação aos originais, marcados pela generosidade dos benefícios. Note-se, na tabela ao lado, que nesses casos as instituições (Previ, Petros e Funcef) passaram a ter dois planos: o original, BD, com muitos assistidos, poucos ativos e grandes investimentos decorrentes da acumulação durante décadas; e o novo, na modalidade "contribuição definida" (CD) ou "variável" (CV). Nele, o benefício depende das contribuições aportadas e do desempenho das aplicações e, em geral, há muitos empregados ativos e escassos assistidos (por ser recente). Ao ser fechado o "plano mãe", assim, estancou-se o problema e, a partir daí, houve novas regras, mais duras, para todos os participantes. Por isso, entre os 10 principais planos, quase todos BD (antigos) de empresas públicas, na enorme maioria dos casos a relação Ativos/Assistidos é nula ou muito pequena.

O comprometimento com o equilíbrio atuarial, recentemente, foi estendido aos servidores que vierem a ingressar na administração pública, quando o governo federal instituiu o fundo previdenciário dos servidores públicos federais (Funpresp), o que deverá ser um divisor de águas no setor e que tem sido emulado por alguns Estados. Planos que oferecem grandes benefícios precisam ser devidamente custeados pelos seus participantes por meio de contribuições paritárias com as do patrocinador e devem ser submetidos a um rigoroso escrutínio por parte dos órgãos de controle e supervisão. No futuro, até os juízes do Supremo tribunal Federal (STF) irão se aposentar com essas regras.

De um modo geral, é esse o padrão que se espera que deva vigorar no Brasil de agora em diante. Em outras palavras, quem quiser ter uma aposentadoria elevada, terá que pagar adequadamente por ela.

Torcida dupla - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/05

Dos inesperados dos últimos tempos, um deles é a manifestação no Brasil contra o futebol. Estamos em plena era do tudo pode acontecer, mas essa é realmente espantosa. O país não deixou de, em sua maioria, gostar do esporte e vibrar, ainda mais quando é Copa do Mundo. Mas estamos a um mês do evento que será no Brasil e, em vez de a torcida aumentar, cresce a tensão.

Foi um motorista de táxi que me alertou outro dia para uma ausência. Ele perguntou se eu sentia falta de alguma coisa relacionada à disputa do mundial. Ele mesmo respondeu, com uma pergunta:

— Você tem visto ruas pintadas de verde e amarelo? Bandeirolas penduradas? Bandeira nas janelas? Está esquisito, este país.

Na verdade, não tinha notado essa ausência. Talvez porque seja cedo, pela perspectiva brasileira. Um mês é um tempo enorme para o país começar a se enfeitar, mas o grande problema é a bronca contra a Copa, em si. Em junho passado, o Brasil estava ganhando a disputa das Confederações e a população, nas ruas, em eloquentes protestos. Houve um dia que a multidão cercou o Maracanã e não era para comemorar a vitória do time brasileiro lá dentro.

Difícil repetir os eventos de junho de 2013 na mesma dimensão, porque agora, com medo da violência, as famílias ficarão em casa. O que houve de forte em junho foi o fato de que brasileiros de todas as idades foram juntos para as ruas demonstrar insatisfação contra tudo o que as incomodava. Não necessariamente eram as mesmas bandeiras e por isso os cartazes levantavam temas diferentes.

Há uma insatisfação contra a qualidade dos serviços públicos, as dificuldades da mobilidade urbana, os preços que sobem, a corrupção, os sobre preços nas obras, os descumprimentos dos prazos das empreiteiras e das promessas dos governantes. E há um desconforto com os efeitos colaterais das obras nas grandes cidades.

A construção da linha 4 do Metrô no Rio deixa há muito tempo os moradores da Zona Sul em sobressaltos. Nas explosões para o projeto avançar, janelas sacodem como nos pequenos tremores de terra. E o caso do buraco no chão que surgiu na Rua Barão da Torre é a concretização do medo de todos os moradores: o de que, numa cidade construída com aterros e em terreno arenoso, o bombardeio de pedras subterrâneas tire a sustentação do chão.

Há também o aproveitamento pelo movimento grevista da necessidade premente de que tudo funcione. Na última quinta-feira, a cidade do Rio virou do avesso com greves, manifestações e ataques a ônibus. Ontem, o dia já começou com falta generalizada nos serviços porque trabalhadores não conseguiram chegar ao seu local de trabalho.

Manifestação é parte da democracia e assim é visto por cidadãos de países onde há liberdade de expressão, mas se as greves e manifestações produzirem muitos problemas de locomoção, muito transtorno para brasileiros e visitantes, o Brasil terá dificuldade de realizar um bom evento. Já se sabe que por erros de planejamento e gestão haverá risco de que muita coisa dê errado.

É inesperado que um mês antes da Copa, realizada no Brasil pela primeira vez desde 1950, o que se tem de mais forte não é a torcida pela vitória da seleção, mas sim uma enorme tensão no ar.

Quando o Brasil ganhou a disputa para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas o clima era de festa porque os eventos poderiam ser usados para induzir investimentos há muito tempo necessários. Agora a sensação é de uma inversão de prioridades no país. O que é fundamental tem sido deixado de lado pelas obras nos estádios e alguns nem prontos estão. Vamos atravessar o mês dos jogos com um olho nos gramados e outro nas ruas, torcendo para que o direito de manifestação seja respeitado e a turma do Felipão nos traga o caneco.

A quem interessa Barbosa morto? - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

O Estado de S.Paulo - 14/05

Não causa surpresa o movimento ensaiado pela internet que busca qualificar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, como um monstro e prega simplesmente o seu assassinato.

Seria desejável que os descontentamentos com o julgamento do mensalão refletissem alguma grandeza, um mínimo de respeito. É normal que nem todos concordem com uma decisão judicial, porém o que se mostra chocante e inaceitável é o baixo nível dessas reações, porque chegam ao extremo de pretender a morte do juiz.

Mas não é só isso. Joaquim Barbosa conduziu o julgamento do mensalão e prestou ao Brasil um serviço relevante, que ainda não está concluído porque as penalidades estão na fase de execução. Agora os prejudicados, convertidos em inimigos do ministro, todos incrustados na cúpula petista, passaram a fustigá-lo inclusive com a alegação de que ele não entende de Direito.

A afirmação de que Barbosa está sendo arbitrário e obstrui a Justiça expõe uma pobreza de conhecimentos que chega a assustar. Realmente, ao chicotearem o ministro, por ter ele negado a José Dirceu o direito de trabalhar fora da Papuda e cassado a permissão antes dada a Delúbio Soares, demonstram jamais saber da existência do artigo 37 da Lei de Execução Penal: "A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 da pena".

Sem que o detento tenha cumprido 1/6 da pena, será arbitrária e antijurídica a autorização para trabalhar fora, embora em alguns casos tenha havido nos tribunais a mitigação dessa disposição. Enfim, a previsão legal alcança a todos indistintamente, incluindo José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, considerados detentos emblemáticos. Quanto a eles, tanto o ministro como a direção do presídio da Papuda procuram ser cuidadosos, porque, propagada a ideia de benefício indevido, haverá o risco de rebelião.

Os detentos da Papuda sabem que seus colegas petistas têm em suas celas benefícios não comuns aos demais, como televisão, computador e livros. Essa diferenciação é suficiente para demonstrar que até mesmo na prisão ricos e pobres sofrem de forma diferente as agruras do isolamento.

O processo de ressocialização dos detentos comporta as vantagens que o dinheiro proporciona e por isso são admitidas, mas, sem nenhuma dúvida, fica patente o desequilíbrio em relação à grande maioria e, inclusive, às famílias, que são forçadas a permanecer horas na fila para as visitas, enquanto são constantes as denúncias de que familiares dos mensaleiros nunca precisam esperar.

A este quadro está atento o ministro Joaquim Barbosa, porque é sua obrigação acompanhar o cumprimento das penas daqueles que condenou. No momento em que negou a José Dirceu a pretensão de trabalhar fora do presídio, sem nenhuma dúvida agiu em obediência ao que dispõe a legislação.

É forçoso lembrar que esse detento era poderoso e mandava no País. Já na prisão, incorporou antecedentes que justificam maior atenção dos juízes. Entende-se que ele e outros demonstrem a pretensão de trabalhar fora, só que essa conduta há de estar realmente ajustada a uma efetiva prestação de serviço, não comportando arranjos de amigos que buscam favorecer o condenado.

Exemplo disso está na disposição anunciada pelo hoteleiro de Brasília que ofereceu o cargo de gerente ao condenado José Dirceu com o propósito evidente de retribuir favores obtidos anteriormente do governo petista. A Lei de Execução deixa claro que "constitui crime do artigo 299 do Código Penal declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para fins de instruir pedido de remissão".

A pretensão de José Dirceu, agora, de trabalhar na biblioteca de um advogado é enganosa e mesmo ofensiva à inteligência, porque, estando ali, não poderá a autoridade penitenciária acompanhar a prestação de serviço. Isso porque a Constituição federal, em seu artigo 133, dispôs que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Significa que, a partir do momento em que for autorizado a trabalhar no escritório deste advogado, o mensaleiro estará livre de qualquer fiscalização e poderá repetir sua conduta tanto no que se refere à vocação pela improbidade como no exercício da política partidária. O ministro Joaquim Barbosa não é nenhum ingênuo e percebeu isso.

Se refletirmos sobre os antecedentes e os estragos feitos na vida do Partido dos Trabalhadores (PT) pela ação jurisdicional levada a efeito por Barbosa, será possível compreender de onde e por que emergem as ameaças. Alguns nomes de petistas já foram apontados como aqueles que pregam a sua morte.

Lembre-se que os petistas, mesmo antes do julgamento, desafiavam Barbosa e ameaçavam: "A nossa militância vai julgar o julgamento". Sim, pretendiam assustá-lo, intimidá-lo com a afirmação de que os filiados iriam formar uma multidão e propagar, publicamente, que o mensalão era tão somente um julgamento político, de perseguição aos heróis partidários José Dirceu e José Genoino. Estes dois, aliás, esbravejavam e levantavam os punhos para o alto, numa ameaça que poderia ser vista, ao mesmo tempo, como nazista e socialista (eles certamente são os dois). Apareceram bonitos nas fotografias, mas acabaram no cárcere.

Agora, pelas redes da internet, os militantes petistas qualificam Barbosa como incompetente, tendencioso e outras palavras que aqui não se devem repetir, além de desejar seu assassinato. É como se eles estivessem se olhando no espelho e transferindo ao ministro aquilo que eles provavelmente sejam.

Os maus modos do gigante - HELOISA SEIXAS

FOLHA DE SP - 14/05

Qualquer grupo de insatisfeitos com a falta de um muro em sua rua bota fogo num sofá e fecha a avenida, infernizando a vida de centenas de milhares


Todo mundo que conheço achou uma coisa fantástica a greve dos garis no Rio. Eu não. A Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) tem sido, há muitos anos, considerada uma empresa modelo, boa de se trabalhar e bem avaliada pela população. A imprensa cansou de dar matérias sobre seus funcionários --um deles, Renato Sorriso, chegou a ser um símbolo da cidade. E até há pouco tempo era assim.

De repente, os garis do Rio se transformaram em pessoas exploradas, mal pagas e protagonistas de uma greve legítima para ter o direito de ganhar cerca de R$ 1.800. Tudo bem. Eles têm os seus direitos. O que achei estranho foi terem feito a greve contrariando uma decisão da Justiça e do próprio sindicato, o que deixou a prefeitura sem interlocutor. E pior: deflagraram o movimento em pleno Carnaval.

Ora, uma greve de lixo é sempre um trauma para qualquer cidade. Por ser uma greve tão visível, que causa transtornos imensos, um movimento como esse tem sempre enorme poder de barganha. Se os garis do Rio tivessem feito uma greve de advertência algumas semanas antes do Carnaval, certamente teriam tido um bom resultado em suas negociações. Mas não.

A greve deles foi feita de uma hora para outra, e o que vimos? A cidade cheia de turistas e inundada de lixo. A ponto de o prefeito Eduardo Paes (PMDB) ter atendido a quase todas as reivindicações deles para evitar o caos absoluto, porque havia previsão de chuva forte para o dia seguinte.

Na época, li o noticiário com a sensação de que aquilo era uma chantagem. Que o prefeito, sem opção, estava se rendendo a ela. E não pude deixar de pensar: e se os garis decidirem fazer o mesmo na Copa do Mundo? Sem sindicato, desrespeitando a Justiça e pedindo, digamos, salários de R$ 5.000? E se os aeronautas também decidirem entrar em greve? E os motoristas de ônibus? E os policiais? Será que existe um plano de contingência capaz de lidar com isso?

Até a greve dos garis no Rio, tínhamos pelo menos a garantia de que haveria a palavra da Justiça, a decisão sobre se uma paralisação é ou não legal. Quando eu trabalhava como jornalista, havia algumas máximas que circulavam nas redações, verdadeiras cláusulas pétreas. Uma delas era "Decisão da Justiça não se discute. Cumpre-se". Mas hoje, como sabemos, até um ex-presidente da República afronta as decisões judiciais legítimas, tomadas por ministros indicados por ele.

E, enquanto isso, nosso país vai caminhando, à catraca. Qualquer grupo de dez ou 12 pessoas insatisfeitas com a falta de um muro em sua rua bota fogo num sofá e fecha a avenida Brasil, infernizando a vida de centenas de milhares. O mesmo pode acontecer na avenida Copacabana ou na avenida Paulista, a qualquer momento, pelos mais diversos motivos, justos ou não. Incendiar ônibus e automóveis é coisa que agora acontece quase todos os dias nas nossas cidades --nem sempre isso é feito apenas por bandidos.

No Brasil, é assim: oito ou 80. Ou estamos inertes, aceitando de braços cruzados os governos e desgovernos mais absurdos, ou de repente despertamos e aí não paramos mais. É o dilema que vivemos hoje. O gigante acordou. Mas ele precisa ter aulas de civilidade.