sexta-feira, agosto 23, 2013

Os médicos trabalham, o ditador lucra - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 23/08

A natureza do acordo para a vinda de médicos cubanos os coloca em posição de inferioridade em relação aos demais colegas, e serve como meio de o Brasil financiar o regime dos Castro



Em maio, o governo brasileiro recuou da ideia de importar 6 mil médicos cubanos, após duras críticas das associações de classe, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). Nesta semana, o país descobriu que se tratava apenas de uma retirada estratégica. Na quarta-feira, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, confirmou que 4 mil médicos farão as malas para deixar a ilha dos Castro rumo ao Brasil – 400 deles chegam já na semana que vem, e até novembro todos eles já estarão em solo brasileiro.

Somando todas as demandas feitas por prefeitos para o programa Mais Médicos, seriam necessários 15.460 profissionais; após o primeiro mês de inscrições e seleção, apenas 10,5% das vagas foram preenchidas, e 701 cidades não registraram nenhum interessado – é para esses municípios (84% deles nas regiões Norte e Nordeste) que os cubanos serão enviados, com o detalhe de que eles não poderão escolher a localidade onde trabalharão.

O problema não é a mera importação de médicos. Afinal, se há localidades onde os profissionais brasileiros não têm interesse em atuar – seja pelo salário, seja pelas condições de trabalho, seja por outras circunstâncias –, e se há estrangeiros que desejam exercer a medicina nesses locais, nada mais lógico que aproveitar seu interesse. É preciso lembrar que o programa não está trazendo apenas cubanos, mas também médicos de outros países, inclusive da Europa. Como esta Gazeta do Povo já defendeu no ano passado, o país se beneficia ao receber um fluxo de bons profissionais, com ganho em talento e incentivo ao empreendedorismo.

A ação do governo brasileiro, no entanto, começa a ficar questionável ao reduzir as exigências que seriam feitas normalmente aos médicos estrangeiros (ou brasileiros formados no exterior) que desejam trabalhar no país. Quando as entidades de classe manifestam sua preocupação com a qualidade dos profissionais que virão para o Mais Médicos, referem-se especificamente ao Revalida, o exame necessário para que um médico diplomado fora do Brasil possa exercer a profissão por aqui. Para se ter uma ideia, dos 884 inscritos na edição 2012 da prova, apenas 77 foram aprovados. No entanto, os estrangeiros do programa Mais Médicos foram dispensados do exame.

O Ministério da Saúde alega que esses médicos ficarão no Brasil em caráter provisório, e trabalharão apenas nos locais para os quais forem designados pelo governo. No Brasil, eles passarão por treinamentos e avaliações (diferentes do Revalida), além de aulas de português. Obviamente, em casos extremos seria possível – e até necessário – colocar de lado algumas exigências em prol do bem público; e, para quem mora em uma localidade sem médicos, um médico sem Revalida ainda é melhor que médico nenhum. Mas a preocupação com o nível de formação dos estrangeiros é pertinente, ainda mais no caso dos cubanos, cujas escolas de Medicina não têm um currículo tão extenso quanto o brasileiro. Com o Revalida, haveria a garantia de que os médicos estrangeiros teriam um nível pelo menos compatível ao dos brasileiros.

Mais preocupante ainda é a natureza do convênio assinado entre Brasil e Cuba. Enquanto todos os outros profissionais do Mais Médicos, brasileiros e estrangeiros, têm garantida sua bolsa de R$ 10 mil mensais, os cubanos são colocados em uma posição de inferioridade. Em vez de fazer o óbvio e pagar diretamente aos médicos, o governo brasileiro enviará o dinheiro à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas, a “intermediadora” do contrato), que o repassará ao governo cubano, que, por sua vez, fará o pagamento. Se for seguido o modelo de convênios entre Cuba e outros países, os médicos cubanos só levarão 30% daquilo a que teriam direito se tivessem qualquer outra nacionalidade. Até fevereiro de 2014, o Brasil enviará R$ 511 milhões a Cuba – como nem metade disso deve chegar aos médicos, a conclusão é de que o acordo, no fim, também é uma maneira de o Brasil financiar a falida ditadura dos irmãos Castro, tradicionais aliados ideológicos do PT, à custa do trabalho de profissionais que receberão muito menos que seus colegas para cumprir as mesmas funções.

Causas internas da desvalorização do real - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 23/08

‘Contabilidade criativa’, capitalização de bancos por meio de endividamento, intervenção na formação de preços e inflação aumentam fuga de divisas



O fato de a desvalorização do real não ser algo isolado, fazer parte de um movimento planetário que atinge economias emergentes, parece álibi perfeito para a reação típica de autoridades de culpar causas externas por problemas domésticos. Mas não é bem assim.

Por trás de tudo, está a proximidade do fim do “relaxamento monetário”, instituído pelo banco central americano (Fed) para recuperar a economia, por meio da injeção periódica de bilhões de dólares, via recompra de títulos. Depois de mais de US$ 3 trilhões colocados em circulação, a economia americana firma uma tendência de recuperação. Para não gerar pressões inflacionárias perigosas, o Fed suspenderá essas operações, e o capital financeiro que gira no mundo, diante da perspectiva de alta dos juros americanos, começa a buscar títulos do Tesouro dos EUA. Natural que economias emergentes percam atratividade. Porém, há emergentes mais atingidos que outros. Por fragilidades próprias, caso do Brasil.

No inventário de decisões erradas na condução da economia, que hoje cobram um preço na forma de desvalorização exacerbada da moeda, está a “contabilidade criativa”, idealizada para, ingenuamente, tentar camuflar uma política fiscal expansionista enquanto o discurso oficial é o oposto. Relacionado a esta “criatividade”, há o uso desregrado do endividamento público para capitalizar BNDES, BB, CEF, aumentando o risco fiscal. Tudo mina a credibilidade do país diante do investidor externo — e interno —, problema amplificado pela leniência demonstrada com a inflação. Há, ainda, o intervencionismo na formatação de leilões de concessão, com o tabelamento de taxas de retorno. Bem como o dirigismo estatal no congelamento de combustíveis, dramático para o caixa a Petrobras, quando a empresa precisa de recursos para ampliar a fronteira de exploração do pré-sal.

Ainda no quesito da formação artificial de preços, há um subsídio na conta de luz, a fim de bancar o corte pré-definido de 20% no custo final da energia. Nele, há o risco de se criar no Tesouro um daqueles "esqueletos" fiscais descobertos quando o Plano Real estabilizou a economia.

Há entre os agentes econômicos a correta percepção de que os subsídios apenas reprimem inflação. Formam no subsolo da economia um tsunami de inflação represada.

Pode ser que o governo já tenha se convencido de alguns desses erros. O mal, porém, no entendimento do mercado, está feito. E como a percepção dos descaminhos na política econômica coincidiram com o início da contagem regressiva do fim da política do Fed de "relaxamento monetário", a fuga de divisas para o mercado americano pune o Brasil mais que outros países, inclusive latino-americanos. Claro que quanto mais cedo os rumos da política econômica forem ajustados, também mais cedo a dose extra de punição será atenuada. O mundo acompanhará com atenção as próximas reuniões do Copom e as licitações de portos, estradas e ferrovias que se aproximam.

Os efeitos do radicalismo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 23/08
Os dirigentes sindicais dos metalúrgicos de São José dos Campos estão colhendo os resultados do radicalismo político e de greves insensatas para sustentar reivindicações irrealistas. Em resposta às dificuldades que criaram, a General Motors (GM) fechou várias linhas de produção no grande complexo industrial que há mais de cinco décadas mantém na cidade, afetando com isso quase toda a economia do Vale do Paraíba.
Os problemas começaram há dois ou três anos, quando a empresa precisou renovar seus produtos, substituindo modelos defasados por outros tecnologicamente mais modernos. Enfrentando uma concorrência cada vez mais acirrada nos mercados interno e externo, como ocorre com outras empresas industriais instaladas no País, a GM também foi obrigada a desenvolver programas de redução de custos operacionais e de aumento de produtividade em seu complexo industrial em São José dos Campos, para defender seus mercados e, se possível, ampliá-los.

Para isso, a montadora tentou negociar com os dirigentes sindicais dos metalúrgicos a adoção de jornadas diferenciadas, novos padrões de remuneração e a redefinição dos planos de benefícios. Propôs, também, o sistema de banco de horas, por meio do qual os operários, em troca da garantia do emprego, aceitam trabalhar mais, quando a demanda do mercado aumenta, e reduzir a jornada, quando as vendas caem.

Mas, como as discussões não avançaram, por causa do radicalismo do Sindicato dos Metalúrgicos de São José, que é dominado por representantes do PSTU e de seu braço sindical, a Conlutas, a GM reduziu paulatinamente suas atividades na cidade, deslocando-as para outras unidades, como as de São Caetano do Sul (SP), Joinville (SC) e Gravataí (RS). Dos R$ 5,5 bilhões investidos pela empresa nos últimos quatro anos, apenas R$ 800 milhões foram destinados ao complexo industrial de São José dos Campos. Dos 7,5 mil operários que ali trabalhavam, mil já foram despedidos. E, com o fechamento definitivo da linha que produzia o sedã Classic, anunciado há uma semana, outros cortes são esperados.

Com a decisão da GM de transferir parte de suas atividades de São José dos Campos, os fabricantes de autopeças terão de fazer o mesmo, o que provocará algum esvaziamento econômico na cidade. No início do ano, por exemplo, a Johnson Controls desativou sua fábrica de poltronas para veículos na cidade. A GM era sua única cliente na região. A TI Automotive, que produz sistemas de ar-condicionado para automóveis, já transferiu parte de seus empregados para a unidade de Piracicaba, onde está sediada uma das fábricas da Hyundai.

Para a direção da Associação Comercial e Industrial de São José dos Campos, o fechamento de linhas de produção da GM acarreta desemprego, dissemina insegurança e afeta negativamente, o comércio, Já a prefeitura espera que o problema do desemprego na região seja atenuado com a expansão de outros setores econômicos, principalmente o petrolífero e o aeroespacial. A cidade abriga a principal fábrica da Embraer e uma das principais unidades da Petrobrás.

Mais uma vez arremetendo contra a lógica da economia e das relações trabalhistas modernas, os dirigentes dos metalúrgicos de São José dos Campos prometeram "reação dura" contra a GM.

Eles podem fazer barulho, mas dificilmente conseguirão reverter as decisões da montadora. O que está ocorrendo em São José dos Campos não é inédito. Em resposta às ameaças de greve, a Renault e a Opel fecharam fábricas na França e na Alemanha e as transferiram para o Leste Europeu, O que os dirigentes dos metalúrgicos de São José dos Campos não compreendem é que, ao fazerem reivindicações trabalhistas absurdas, encarecem os custos das empresas.

E quando elas são obrigadas a se transferir para onde possam produzir a custos mais baixos, a cadeia automotiva muda, trabalhadores são demitidos e a economia local entra em declínio.

Sem saída - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 23/08

Apesar das negativas do governo federal de que seja iminente um reajuste dos preços dos combustíveis _ o porta-voz da Presidência, Thomas Traumann, veio ontem a público contestar a informação de que a presidente Dilma Rousseff tenha discutido o assunto _, trata-se de medida previsível diante do atual cenário macroeconômico. O petróleo é uma commodity, assim como os grãos e os minérios, e tem seus preços cotados nas bolsas internacionais. No caso do mercado petrolífero, porém, há uma peculiaridade: o Oriente Médio, principal região produtora, caracteriza-se há quase cem anos pela instabilidade política, que muitas vezes degenera em guerras. Essa característica tende a provocar oscilações bruscas no preço do barril, com impacto imediato sobre derivados, como gasolina e diesel. Apesar de ter alcançado a autossuficiência na produção do óleo em 2006, o Brasil continua importando o produto por não contar com capacidade de refino para atender à demanda interna. Como empresa pública (com mais de 50% do capital nas mãos do Estado brasileiro), a Petrobras atua em conformidade com a política de preços do governo. É por isso que, desde o começo dos anos 2000, a empresa mantém os preços domésticos abaixo dos internacionais a fim de não provocar impacto indesejado nos índices de inflação.
A direção da Petrobras já teria pedido formalmente ao governo o reajuste do preço dos combustíveis, conforme o jornal O Estado de S. Paulo. No ano passado, a presidente da estatal, Maria das Graças Foster, havia manifestado a necessidade de um aumento de 15% nos preços. A disparada do dólar nos últimos dias tornou praticamente inviável a manutenção do diferencial entre os preços domésticos e internacionais no patamar atual. Na atual conjuntura, a companhia precisa gastar cada vez mais em moeda nacional para adquirir no mercado externo a mesma quantidade de combustível. Não resta dúvida de que o aumento terá efeito inflacionário, uma vez que será inevitavelmente repassado aos preços. Para o Palácio do Planalto, porém, trata-se agora de optar entre a pressão sobre os índices de inflação provocada pelo aumento e o comprometimento da capacidade de investimento da Petrobras, que já tem problemas graves de caixa e pode até mesmo ter sua nota rebaixada pelas agências de classificação de risco, perdendo o grau de investimento. Uma turbulência desta dimensão nas contas da empresa seria fatal para a credibilidade do país no Exterior.
É compreensível que o governo tema riscos eleitorais por conta do efeito cascata do aumento dos combustíveis. Inflação em alta compromete, em tese, as perspectivas de reeleição da presidente. Espera-se que o governo coloque os interesses do país à frente de seus próprios cálculos eleitorais e tente compensar os efeitos do eventual reajuste com uma compressão nos seus gastos. A condução da política macroeconômica não pode ser posta à sombra dos palanques. É preciso ter visão de longo prazo e rechaçar qualquer possibilidade de que a estatal brasileira de petróleo acabe por financiar os planos de reeleição de quem quer que seja.

Horrores na Síria - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 23/08

São chocantes as imagens que vêm da Síria. Nos vídeos postados na internet, adultos e crianças estrebucham enquanto sofrem com aparente privação de ar. Nas fotografias, contam-se dezenas de mortos enfileirados.

Seriam, segundo ativistas de oposição ao ditador Bashar al-Assad, sinais de que o governo usou armas químicas contra os rebeldes. Embora provável, a hipótese não está comprovada --há dúvidas até sobre quem foi o responsável pelo ataque. O Conselho de Segurança da ONU convocou reunião de emergência para tentar esclarecer o episódio.

Para os insurgentes, que vêm perdendo terreno nos últimos meses, o suposto ataque é uma demonstração de que o regime despreza a comunidade internacional.

Aliados de Assad afirmam que as imagens são parte de uma armação para provocar intervenção externa --o presidente dos EUA, Barack Obama, já declarou que o uso de armas químicas equivaleria a cruzar a "linha vermelha".

Se comprovada, a utilização do gás sarin, agente paralisante que dificulta a respiração, de fato tornaria ainda mais desumano o cenário da guerra na Síria. Após quase dois anos e meio de violência, são mais de 100 mil mortos e quase 1,8 milhão de refugiados --o equivalente a 70% da população de Damasco, capital do país.

É crucial esclarecer as circunstâncias que deram origem às imagens de ambientes repletos de mortos. O chanceler francês, Laurent Fabius, defendeu ontem que a comunidade internacional reaja com força contra Assad se for confirmado o uso de armas químicas.

Não se trata de decisão trivial. Além do princípio da autodeterminação dos povos, a experiência pregressa desestimula a solução militar. Resultaram em desastre, por exemplo, as intervenções na Somália e na Bósnia, nos anos 1990.

No caso sírio, o contexto é ainda mais complexo porque EUA e Rússia --fornecedora de armas de Damasco-- estão em lados opostos na mesa de negociações.

Até aqui incapaz de conter Assad, a comunidade internacional precisa encontrar instrumentos de pressão mais efetivos, antes que a situação justifique uma ação militar sob os auspícios da ONU.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Para onde vai, nós não sabemos”
Ministro Guido Mantega (Fazenda), com dificuldades para entender a alta do dólar


PASSAPORTE ‘ANTIFUGA’ AMARRA MÉDICOS CUBANOS

Anunciada pelo Ministério da Saúde na quarta (21), a “importação” de 4 mil médicos cubanos ao Brasil desperta, além de controvérsias sobre a legalidade da contratação, expectativa sombria sobre a continuidade do serviço, através da Organização Panamericana de Saúde e seu braço direito cubano privado, a Servimed: a possibilidade de deserção. Mas Cuba contorna o “problema” com um passaporte válido apenas na ilha.

ALERTA VERMELHO

Presidente nos EUA da ONG Cuba Archive, a cubana Maria Werlau diz que o “passaporte vermelho” substitui papéis retidos por “supervisores”.

GRANDE IRMÃO

Muitos médicos se inscrevem em Cuba visando possível fuga, mas o controle depende do país: cerca de 2 mil fugiram entre 2006 e 2010.

PORTA FECHADA

Se aplicada aqui a “Lei de Tarso” (Genro), que deportou dois pugilistas cubanos que queriam asilo, o “passaporte vermelho” está descartado.

VAI VENDO

Lula e Dilma são a prova viva da eficiente medicina cubana: curaram o câncer em São Paulo, mas Hugo Chávez morreu da doença em Cuba.

É TENSO RELACIONAMENTO DE DONADON NA PAPUDA

Às vésperas da cassação do irmão, deputado Natan Donadon, preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, o ex-prefeito Melki Donadon (PTB-RO) procurou o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para se queixar de que o deputado considerado ladrão transitado em julgado tem problemas de saúde (é asmático) e de relacionamento tenso na prisão, além de não se alimentar nem dormir direito.

AÇÃO INTENSA

Acompanhado de Nilton Capixaba (PTB-RO) e de Jovair Arantes (PTB-GO), o irmão de Donadon se reuniu com Henrique Alves duas vezes.

MÃOS ATADAS

Henrique Alves ouviu o relato, mas deixou claro que não há nada a fazer. A cassação será votada no Plenário da Câmara na quarta (28).

DE MAU A PIOR

Melki Donadon cogitou pedir a transferência de Natan para Vilhena, em Rondônia, mas concluiu que seria ainda pior na delegacia de lá.

CHAPA DE PESO

Em busca de palanque no Rio, Eduardo Campos (PSB) também cogita apoiar Miro Teixeira (PDT) ao governo, com o ex-ministro José Gomes Temporão (PSB) de vice e Marcelo Freixo (PSOL) ao Senado.

INICIATIVA EXEMPLAR

A três meses do final de sua gestão na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a ministra Cármen Lúcia inovou, pedindo ao TCU auditoria prévia nos atos e contratos de sua gestão. O grupo designado pelo TCU começa os trabalhos nesta quinta-feira. A iniciativa é inédita.

BARBOSA DISSE BEM

Advogados voltaram a criticar o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal. É que sua frase, reproduzida inclusive nesta coluna (“Justiça que tarda não é justiça”), seria de outro Barbosa, o Rui.

RECUPERAÇÃO

Pesquisa Ibope para o PR mostra o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), candidato competitivo à reeleição, ao contrário do que dizem os adversários. Nas referências espontâneas, ele empata em primeiro lugar. Nos cenários estimulados, mantém-se entre os primeiros.

BUSCA SOCORRO

Em queda nas pesquisas, o governador do Acre, Tião Viana (PT), está em alvoroço com a visita do ex-presidente Lula, hoje, ao Estado. Há dias, apareceu por lá a ministra Ideli Salvatti, um encanto de simpatia.

MENOS IGUAIS

Serão cidadãos de segunda classe os 4 mil médicos cubanos, que receberão da ditadura castrista apenas 7% dos R$ 10 mil pagos pelo Ministério da Saúde? O artigo 5º da Constituição diz que estrangeiros e brasileiros têm iguais direito à vida, liberdade, igualdade e segurança.

BLÁ-BLÁ-BLÁ

A Frente Parlamentar da Agropecuária saiu frustrada da reunião com o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) na quarta (21) para tratar da demarcação de terras indígenas e dos conflitos com produtores rurais.

VAI COM DEUS

O PSB não tem feito muito esforço para segurar Romário (RJ). A avaliação é que o ex-jogador não é nada discreto e ganhou inimigos, o que pode respingar na candidatura de Eduardo Campos em 2014.

PENSANDO BEM...

...se o paciente já não entende a letra do médico, agora também não vai entender o que ele fala.


PODER SEM PUDOR

AULA DE HISTÓRIA

Durante a audiência com Lula, certa vez, o então presidente da UNE, Gustavo Petta, pediu apoio financeiro do governo para reconstruir a sede da entidade na Praia do Flamengo, que foi incendiada. Lula reagiu:

- Quem tem de pagar é quem queimou.

- Foi o governo - respondeu Gustavo.

Lula ficou sem graça, mas não perdeu o rebolado:

- Então, a questão é com a gente mesmo.

Com isso, lá se foram R$ 30 milhões dos cofres públicos e a histórica inquietação da UNE velha de guerra.

SEXTA NOS JORNAIS

Globo: No rastro dos ônibus – CPI tem pancadaria e é suspensa por liminar
Folha: Contratação de cubanos fere a lei, diz procurador
Estado: Siemens fez cartel em outras áreas, diz delator
Valor: ‘Novo câmbio’ já muda as estratégias das empresas
Zero Hora: 19 cidades do Estado terão médicos cubanos
Brasil Econômico: ANP limita participação da Petrobras em novos gasodutos
Correio Braziliense: Médicos querem barrar contratação de cubanos
Jornal do Commercio: Todo rigor com o vandalismo

quinta-feira, agosto 22, 2013

A inveja dos outros - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 22/08

Na cultura do Facebook, o valor social de cada um se confunde com a inveja que ele suscita


Anos atrás, decidi que, salvo necessidade absoluta, em voo internacional, eu não viajaria mais de classe econômica. Quando não posso pagar pela executiva, é simples: não viajo.

A passagem de executiva dá direito ao uso de uma sala de espera confortável, que no Brasil é chamada de sala VIP (sigla de "very important person", pessoa muito importante). Há um quê de idiota na ideia de que alguém se torne importante por pagar uma passagem mais cara que os outros.

Mas o que me interessa agora é o fato de que os passageiros de classe executiva, confortavelmente instalados na sala VIP, poderiam esperar até o fim do embarque da classe econômica; aí eles iriam ao portão já esvaziado e subiriam no avião.

Não é o que acontece. Convidados a embarcar antes dos outros, eles entram no avião sob o olhar dos passageiros de classe econômica e ocupam seus assentos espaçosos, situados na parte da frente da aeronave, de forma que os passageiros de econômica, a caminho de suas poltronas-suplício, são obrigados a contemplar o privilégio dos que já estão instalados na executiva.

Por que essa irracionalidade? É que o passageiro de executiva não compra apenas um tratamento mais humano e um espaço compatível com as formas médias de um corpo: ele compra também a experiência (desejável, aparentemente) de ser objeto da inveja dos outros.

Numa recente viagem à Europa, eu já estava instalado na executiva, tomando suco e lendo um livro quando uma senhora chinesa, a caminho de seu lugar na econômica, passou do meu lado e espirrou molhada e barulhentamente em cima da minha cabeça. Por sorte, não era época de gripe aviária. Mas é isto: a inveja é uma mistura de idealização, amor e ódio.

Circulando de madrugada, passo pela entrada de uma balada. Há uma longa fila de espera, há seguranças imponentes e há uma "hostess" que escolhe quem pode entrar. Em Nova York, entram até desconhecidos, se forem bizarros, interessantes e decorativos. Em São Paulo, parece que a lista de clientes VIPs é soberana. Os outros esperam noite adentro, tentando ganhar a simpatia da "hostess". Vale a pena? O que acontecerá se eles forem admitidos? Pois é, será uma noite sensacional: eles tirarão fotos que postarão no Facebook e no Instagram.

Em geral, com as fotos, eles esperam receber a mesma inveja que eles destinam aos VIPs: por isso, exibirão poses parecidas com o que eles imaginam que os VIPs (os que entraram na balada há tempos) fazem quando se divertem (loucamente).

E o que fazem os VIPs? Pois é, essa é a parte mais estranha: os VIPs imitam as poses dos que os invejam e imitam, pois, eles constatam, essas são as poses que mais suscitam inveja.

De fato, na balada, muitos, VIPs e mortais comuns, apenas esperam a ressaca de amanhã. Mas, no círculo vicioso da inveja, a experiência efetiva é irrelevante; não é com tal ou tal outra vida e história concretas que se sonha: sonha-se ser o que os outros sonham.

A inveja é, por assim dizer, uma emoção abstrata: o privilégio não precisa dar acesso a uma fruição especial da vida (sensual ou espiritual, tanto faz), ele só precisa suscitar inveja. Ou seja, privilégio não é o que faço ou o que acontece de extraordinário em minha vida, mas o olhar invejoso dos outros.

Nesse mundo, em que a inveja é um regulador social, as aparências são decisivas porque elas comandam a inveja dos outros. Por exemplo, o que conta não é "ser feliz", mas parecer invejavelmente feliz.

Nesse mundo, o ter é mais importante do que o ser apenas porque, à diferença do ser, o ter pode ser mostrado facilmente. É simples mostrar o brilho de roupas e bugiganga aos olhos dos invejosos. Complicado seria lhes mostrar vestígios de vida interior e pedir que nos invejem por isso.

O Facebook é o instrumento perfeito para um mundo em que a inveja é um regulador social. Nele, quase todos mentem, mas circula uma verdade de nossa cultura: o valor social de cada um se confunde com a inveja que ele consegue suscitar.

Comecei a escrever essa coluna depois de assistir a "Bling Ring: A Gangue de Hollywood", de Sofia Coppola (uma tradução por "Bling Ring" seria "A Turma do Deslumbre"). A não ser que outro tema se imponha com força, voltarei a falar sobre o filme. Mas digo já: saí do cinema muito feliz por não ter levado nenhum adolescente comigo (respeitando a indicação para acima de 16 anos).

Lembram-se? Consenso de Washington - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 22/08

Repararam no que pediram os empresários vencedores do Prêmio Valor Econômico? Menos intervenção do governo, menos regras



E essa agora, hein? O motor da economia mundial está de novo nos Estados Unidos. E não porque os EUA abandonaram a prática do seu capitalismo, mas, ao contrário, porque a energia do mercado funcionou amplamente.

Ora, mas isso é óbvio, poderiam dizer. A recuperação do capitalismo só poderia vir da principal economia capitalista.

Pois é, mas não era essa a história que se contava, com ampla aceitação, há poucos quatro anos.

Lembram-se? A crise financeira de 2008/09, criação dos EUA, seria o muro de Berlim do capitalismo; a Zona do Euro desabaria com suas políticas de ajuste; os Estados Unidos seriam superados pela China ; e os emergentes triunfariam com suas próprias forças, independentemente da liderança e da vontade dos ricos.

Dirigentes chineses diziam, entre irônicos e sérios: agora nós é que daremos lições ao Ocidente, inclusive na organização política. Líderes dos emergentes, Lula à frente, celebravam a política de intervenção estatal como a “nova economia”.

Analistas resumiam: sai o Consenso de Washington, entra o Consenso de Beijing.

O panorama visto hoje é o contrário disso. Começa pela recuperação dos EUA. Sim, o governo Obama gastou dinheiro público para impedir a quebradeira de bancos e grandes empresas. E o Federal Reserve, o banco central deles, evitou a grande depressão e criou bases para a retomada com a enorme injeção de dinheiro no mercado.

Mas impedir o desastre não garante a retomada. Esta veio do ajuste feito pelas empresas e famílias, reduzindo endividamento, saneando finanças, renovando investimentos e consumo. Privados, sobretudo no setor imobiliário. E com inovações, como o extraordinário evento do gás de xisto — um resultado acabado da economia de mercado.

George Mitchell, engenheiro e geólogo, acadêmico e empreendedor no negócio de petróleo, desenvolveu, durante anos de pesquisa e experimentos, uma nova tecnologia de extração do gás de xisto. Investiu dinheiro e conhecimento para simplesmente revolucionar o setor de energia. Quando o sistema finalmente funcionou, as imensas reservas no xisto tornaram-se economicamente viáveis e o preço do gás desabou nos EUA. Isso barateou investimentos em toda a indústria, especialmente na petroquímica, e reduziu gastos das famílias.

Tudo pelo mercado, não por políticas públicas. Mitchell teve espaço institucional para desenvolver sua livre iniciativa.

Isso foi um marco, mas é o conjunto da economia americana que se move. Bancos e empresas que foram salvos pelo governo estão recomprando ações e devolvendo o dinheiro público. E até o ajuste das contas públicas está sendo feito antes do esperado. Saiu atrapalhado por conflitos políticos, Obama reclamou de cortes de gastos que foi obrigado a fazer, mas, quando foram ver, o déficit público despencava e a economia continuava andando com as pernas do setor privado.

Dizem que poderia ter andado mais se mantidos os gastos do governo. Pode ser, mas também é verdade que o arranjo das contas federais melhora o ambiente para os próximos meses.

Olhem agora para o outro lado. A China desacelera e começa a mudança de modelo. Qual mudança? Mais salário, mais consumo, e uma boa reforma no amplo setor estatal, de modo a privatizar, com o perdão da palavra, e dar mais eficiência a companhias do governo. Ou seja, mais mercado.

Nos países emergentes, a desaceleração é geral. Parte dela se deve à mudança da política monetária americana, que está levando capitais de volta aos EUA. Todos sofrem com isso, mas alguns sofrem mais. Quais? Aqueles que foram apanhados com baixo crescimento, inflação alta, déficit nas contas externas e desarranjo nas contas públicas, circunstâncias que levam a uma desvalorização maior da moeda local — e que devem exigir juros maiores.

Pensaram no Brasil?

Pois é. Mas repararam bem no diagnóstico? Falharam aqueles que desrespeitaram os fundamentos clássicos: não pode ter inflação (e 6% ao ano é, sim, inflação alta); não se pode aumentar gasto público sem adequado financiamento; as contas externas precisam estar equilibradas; e é preciso criar condições institucionais que estimulem os investimentos privados, especialmente no setor de infraestrutura.

Não é o que o governo Dilma faz, embora seja o que tem prometido. Mas assim de contragosto, porque, sem querer provocar, estão ali as bases do Consenso de Washington. Repararam no que pediram os empresários vencedores do Prêmio Valor Econômico? Menos intervenção do governo, menos regras.

Em resumo, fica a lição americana. A boa ação do Estado é aquela que abre espaço para o funcionamento do mercado. E o bom gasto público, financiado sem truques, deve se concentrar em educação, saúde, segurança.

As voltas que a história dá.

À espera do que virá - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 22/08

Ainda não sabemos quando a tempestade vai começar, nem sequer se vai mesmo haver tempestade. Para ontem, quando da divulgação da Ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), esperava-se uma indicação mais firme sobre o início da reversão da atual política altamente expansionista. Veio uma enxurrada de ponderações em várias direções, para respaldar todo tipo de aposta. A rigor, o mercado internacional segue com a respiração suspensa e à procura de abrigo.

Desde o início da crise, o Fed vem recomprando títulos públicos e privados no mercado, com o objetivo de reativar a economia dos Estados Unidos. Nos últimos oito meses, essas compras se deram à proporção de US$ 85 bilhões por mês. Esses títulos são pagos com a emissão pura e simples de dólares. O resultado é, portanto, enorme despejo de moeda nos mercados.

A partir de declarações esparsas de membros do Fed, os analistas passaram a esperar que o processo de reversão terá início em setembro. Como há só mais nove dias até o início do mês e nenhuma segurança do que acontecerá de fato, é natural que o nervosismo aumente.

Não se espera que essa operação seja feita de modo abrupto. Primeiro, o Fed reduzirá o volume de compras de títulos, para mais à frente parar com essas emissões e, se tudo der certo, provavelmente não antes de meados de 2014, começar a revender esses títulos, ou seja, a retirar esses dólares dos mercados.

A aflição geral dos mercados, que já se reflete na alta global do dólar e na queda do valor de mercado dos títulos de renda fixa (expansão dos juros reais), se baseia no pressuposto de que essa transição não ocorrerá sem forte movimento de fuga das aplicações de risco. Nessas horas, aplicações de risco são as moedas de países com problemas na economia, títulos de países emergentes e títulos de renda variável, como ações e debêntures.

Com base nas indicações do presidente do Fed, Ben Bernanke, o mercado entendeu que a senha para o início de venda de títulos seria a queda do desemprego nos Estados Unidos, hoje em 7,4%, para 7,0% e tendência a uma inflação anual superior a 2%, indicadores da melhora da atividade econômica. Ontem, a Ata do Fed confirmou esses números, mas deixou claro que não serão os únicos deflagradores nem determinantes do ritmo de enxugamento de dólares.

O otimismo nos Estados Unidos está aumentando porque o mercado imobiliário, o detonador da crise iniciada em 2007, está reagindo. Afora isso, já se sabe que o capitão do Fed vai mudar em janeiro, fator que gera mais incerteza.

O real está entre as moedas emergentes mais expostas ao vendaval (veja o gráfico) e ontem foi mais um dia de disparada das cotações. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, essa busca de proteção é síndrome de pai novo na sala de espera da maternidade, onde a expectativa produz mais aflição do que o fato. Para ele, as turbulências diminuirão quando começar o processo de reversão da política monetária do Fed e ficar claro que não valeu a pena tanta angústia. Mas também é apenas uma aposta.

O governo até que está quieto - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/08

Dado o tamanho do tumulto, governo fala pouco; parece não querer 'prender e arrebentar' o dólar


DADOS O NÍVEL costumeiro de ruído neste governo e o tamanho da encrenca, o pessoal de Brasília até que está quieto. Sim, ministros vários disseram uma ou outra coisa sobre o câmbio, mas em geral tratou-se apenas de espumas flutuantes. Ninguém apareceu com um "prendo e arrebento" o dólar.

De mais enfático, até porque mais raro, houve o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a dizer "não vem que não tem" (alta de juros na semana que vem, um aumento da Selic maior que o esperado até agora pouco, antes do tumulto). Isto é, a dizer que a especulação com juros, prima da presente especulação com dólar, pode acabar num tombo feio.

Afora medidas heroicas, porém inglórias, o governo não tem mesmo muito o que fazer para segurar essa onda, o início do refluxo do "tsunami" de dinheiro que começou em 2008, que atingiu especialmente o país. Mas por ora mal piscou diante do tumulto, que não é pequeno.

Pode ser que esteja achando bom mesmo o real entre R$ 2,40 e R$ 2,50, se é que a coisa vai parar por aí. Ainda que seja esse o caso, o rescaldo da mudança de patamar do dólar não vai ser nada simples. Mas o governo tampouco deu indicações do que pretende fazer diante da nova situação, se pretende.

A presidente viaja em campanha pelo interior do país, entregando escavadeiras, lançando um programa "Mais Qualquer Coisa", citando ETs, beatas e enaltecendo a importância do "pacto fiscal" que anunciou quando ainda sentia a chapa quente das ruas. A conversa sobre o pacto continua tão absurda quanto antes, pois a responsabilidade maior pelo "pacto fiscal" é do governo federal, que não dá conta do próprio recado.

No mais, silêncio. Vez e outra, nos últimos dois dias, apareceram boatinhos sobre medidas administrativas com o fim de conter a especulação na Bolsa brasileira (BM&F), coisa que o pessoal do governo nega.

Comentam apenas o de sempre. A indústria "começa a respirar, vai ganhar força com o novo câmbio" e que " a produtividade começa a aumentar" (quer dizer, emprego e salários crescem menos, o que o pessoal do governo não menciona, claro). Ademais, os leilões de concessões a partir de outubro "vão representar uma virada", os "EUA voltando a crescer ajuda também" (por ora nem 1,7%, mas vá lá) e, enfim, o "Brasil neste ano vai crescer mais, pô!".

Enquanto isso, a especulação vai continuar enquanto o povo do mercado puder surfar na onda da alta de juros e outros deslocamentos tectônicos da política econômica americana. O amplo e bem instrumentado mercado brasileiro oferece muita oportunidade para fazer quizumba financeira.

Os bancos maiores brasileiros alteram suas previsões de taxa de câmbio para R$ 2,45-R$ 2,50 no final do ano. Sim, previsões de câmbio são das mais furadas. Faz dois meses, os bancões acreditavam em dólar a R$ 2,10 no final do ano.

Ainda assim, o tapa no termômetro ratifica a ideia de que o caldo engrossou. Mesmo que o BC não reveja o ritmo de aumento dos juros, talvez tenha de esticar a campanha altista. Se não precisar fazê-lo, estaremos crescendo ainda menos que 2,2%. O emprego vai minguando, em especial nas maiores metrópoles. Embora ainda se abram vagas, o saldo do ano tende a ficar perto do zero a zero.

Serve de consolo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/08

O Brasil tem errado muito na economia recentemente, mas não há o que se compare aos nossos vizinhos Argentina e Venezuela. No governo de Cristina Kirchner, a inflação já acumula alta de 189% até agora. O vizinho vai crescer este ano, mas os preços devem superar 25%. Na Venezuela, o quadro é de estagflação: o PIB deve fechar no vermelho; desde que Maduro começou a governar, a inflação já subiu 22,8%.

Essa é a inflação acumulada na Venezuela até julho, desde a morte de Chávez, em março. O cálculo foi feito para a coluna pelo economista venezuelano Pedro Palma, professor do IESA e diretor da consultoria Ecoanalítica. Ele prevê que o país vai ter uma recessão de 0,5% a 1% e uma inflação de 50%.

- Em outras palavras, a economia venezuelana está em estagflação - diz.

Palma afirma que a capacidade de compra dos salários é, hoje, 13,2% menor que há cinco anos e 21% mais baixa que em 1998, pouco antes de Chávez assumir o poder. Como no Brasil, os preços dos alimentos subiram mais. Com base em números do Banco Central da Venezuela e do Instituto Nacional de Estatística, Palma calcula que a inflação anualizada até julho de 2013 é de 42,6%, e a de alimentos, de 60,9%.

O governo culpa os empresários, mas para o economista, isso não faz sentido.

- O principal culpado é o governo. A inflação de hoje se deve aos desequilíbrios das políticas fiscal e monetária e às ações que restringem a oferta - afirma Palma.

Na Argentina, a inflação acumulada até agora, nos dois mandatos de Cristina Kirchner (janeiro de 2008 a julho de 2013), é de 189%. Em toda a era Kirchner, a inflação acumulada é de 347%, segundo o economista Dante Sica, presidente da consultoria argentina Abeceb. Ele acha que a recente derrota da presidente nas eleições primárias pode ser explicada, em parte, pela economia.

Sica lembra que em 2012 o PIB teve um crescimento muito fraco, de 0,9%, de acordo com a estimativa da consultoria. Os números oficiais perderam credibilidade após a intervenção do governo no instituto de pesquisas. O dado é pior se for considerado que o país vinha crescendo a uma taxa média de 8,1% (anual) nos anos anteriores. Dante diz que a primeira metade deste ano foi melhor (3,7% anual), mas por dois fatores: colheita agrícola e exportações automotivas para o Brasil. Excluindo isso, a maioria dos setores continua mostrando sérias dificuldades para crescer. Para o economista, o grande problema da economia argentina hoje é a restrição externa.

- As divisas provenientes, principalmente, das exportações agrícolas deixaram de ser suficientes para cobrir as crescentes necessidades de importação de energia. O governo optou pela repressão no mercado cambial, o que provocou distorções na economia, como escassez de produtos e aumento da incerteza.

Dante Sica explica que a elevada inflação, que há mais de três anos está acima de 20% ao ano, começou a impactar negativamente a renda da população e há riscos de aumento do desemprego. Outro problema é que as tarifas energéticas não foram reajustadas nos últimos anos, e isso aumentou o subsídio ao setor e o déficit fiscal.

- As contas públicas fecharam o ano passado com déficit primário (-0,2% do PIB) pela primeira vez em 15 anos.

O resultado da intervenção desastrosa do governo em alguns setores econômicos é um desequilíbrio significativo de preços relativos. Ele dá exemplos: um quilo de pão equivale à conta mensal de energia elétrica de uma família que vive na área metropolitana da capital; um quilo de sorvete sai mais caro que a conta de luz. Tem alguma coisa errada.

Nem tanto ao mar - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 22/08

Nem tanto ao mar nem tanto à terra: há de haver um ponto de equilíbrio entre o que diz o prefeito do Rio, Eduardo Paes, sobre a reforma política - "uma besteirada" - e o que disse recentemente o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, ao considerá-la o remédio para todos os males - "sem a reforma, tudo continuará como está".

O ministro tem razão quanto à necessidade, mas tropeça no prognóstico sobre a amplitude do efeito. Já o prefeito acerta no diagnóstico de que a reforma não é uma panaceia, mas reduz em excesso sua importância.

Duas visões tão opostas quanto radicais da questão que, de certa forma, reproduzem o que acontece no Congresso, onde cada força se agarra ao seu interesse e o atrito resulta em paralisia.

Uma tentativa de construir um meio-termo que faça andar a reforma, ainda que devagar, começa a ser discutida na Câmara e poderá ser apresentada hoje na primeira reunião de trabalho do grupo encarregado de discutir o assunto.

O deputado Alfredo Sirkis elaborou uma proposta compacta, levou ao presidente da comissão, Cândido Vaccarezza, e obteve aval para tocar adiante a articulação de alterações no sistema de votação, nas formas de financiamento de campanhas e na propaganda eleitoral.

A intenção é a de contemplar a média do pensamento dos maiores partidos, PT, PMDB e PSDB. "Não adianta nenhum deles insistir em impor uma posição porque ninguém tem força para emplacar nada. É preciso um grau de acomodação", pondera Sirkis.

O sistema eleitoral adotaria o voto distrital misto: metade dos deputados seria eleita pelo voto majoritário em distritos nos quais seriam divididos os Estados e metade pelo critério da proporcionalidade. Os candidatos proporcionais seriam selecionados em eleições prévias entre os filiados dos partidos, numa espécie de "lista aberta" em contraposição à lista fechada que concentra poder nas cúpulas.

O financiamento teria limites máximos estabelecidos pela Justiça Eleitoral, com previsão de doações de pessoas físicas e jurídicas. "O financiamento público não passa pela sociedade, até porque já existe, e a proibição das jurídicas só faria explodir o caixa 2", argumenta a deputado.

Pela proposta, além das empresas privadas, poderiam doar entidades civis, mediante arrecadação feita em períodos eleitorais, com a finalidade específica. O dinheiro iria para os partidos, que seriam obrigados a divulgar valores e doadores no prazo máximo de 72 horas após o recebimento.

Sobre a propaganda eleitoral, a ideia seria proibir as grandes produções de hoje e deixar o horário reservado a discussões de conteúdo. Pode ficar mais maçante, mas reduz os gastos e obriga os candidatos a produzir debates atraentes ao eleitor.

MAL COMPARADO
Partiu de premissa errada a interpretação feita aqui de que o Supremo enfrentaria contradição no exame da admissibilidade dos embargos infringentes dos condenados do mensalão porque já havia julgado 54 recursos semelhantes desde a Constituição de 1988. Houve uma mistura de "alhos com bugalhos", conforme providencial alerta do ministro Gilmar Mendes.

De fato, um levantamento feito pelo curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio chegou àquele número de embargos. Mas eles não se referem a ações penais e, portanto, não podem ser comparados ao caso em julgamento. Alguns até resultam de embargos de declaração com "efeitos infringentes" - passíveis de modificação da sentença.

A discussão agora acontece em torno da seguinte questão: o que prevalece, o regimento interno do STF, que prevê os infringentes, ou a Lei 8.038, que disciplina o julgamento de ações penais em tribunais superiores e não faz referência a esse tipo de recurso?

É a primeira vez que a situação se põe na Corte.

Se é assim, governo pra quê? - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 22/08

Não é segredo, mas o fato de a coisa ser óbvia não faz brotar do chão as obras: o principal problema econômico do Brasil é o imenso déficit na infraestrutura - estradas, ferrovias, hidrovias, mobilidade urbana, portos, aeroportos e energia. Esse déficit se deve à incapacidade do governo federal de dar realidade aos investimentos públicos.

Como proporção do PIB, o Brasil está entre os dez países do mundo onde o governo menos investe. Um paradoxo, sem dúvida, se levarmos em conta o tamanho da carga tributária - a maior do mundo em desenvolvimento - e a excepcional bonança externa que favoreceu a economia brasileira desde meados da década passada até recentemente.

Os frutos dessa bonança e os maiores recursos fiscais não foram aproveitados para elevar investimentos, e sim para financiar gastos correntes do governo, consumo importado (que substituiu a produção doméstica), turismo no exterior e grandes desperdícios. Não é por menos, aliás, que o Brasil caminha firme rumo à desindustrialização e, com ela, à queda de investimentos no setor, à exportação de postos de trabalho mais qualificados e à renúncia dos benefícios do progresso técnico que acompanha a atividade manufatureira.

Mais ainda: o País tornou-se vítima, novamente, do desequilíbrio externo, com um déficit em conta corrente caminhando para 4% do PIB. Nota: é bobagem relativizar o peso desse número com a máxima de que temos reservas altas. Relevante é a tendência observada, que piora as expectativas, leva à contração dos investimentos privados e à pressão sobre a taxa de câmbio.

Parece paradoxal, mas o fraco desempenho dos investimentos públicos se deve à inépcia, não à escassez de recursos. O teto dos investimentos federais pode até ser baixo, e é, mas o governo não conseguiu atingi-lo. A falta de projetos, de planejamento, de gestão e de prioridades é o fator dominante.

Há exemplos já "tradicionais" de obras que, segundo o cronograma eleitoral propagandeado, deveriam ter sido entregues, mas percorreram de zero à metade do caminho, como a Ferrovia Transnordestina, a transposição do São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, a Ferrovia Oeste-Leste (Bahia), as linhas de transmissão para usinas hidrelétricas prontas (Santo Antônio e Jirau), etc. A ponte do Guaíba, no Rio Grande do Sul, nem saiu do projeto. Dez aeroportos da Infraero estão com contratos paralisados. Os atrasos das obras nas estradas federais contempladas no PAC são, em média, de quatro anos - para a BR-101, no Rio Grande do Norte, serão, no mínimo, cinco: deveria ter sido entregue em 2009 e foi reprogramada para 2014. Depois de um pacote de concessões de estradas muito mal feito, em 2007, só agora, seis anos depois, o governo anuncia um novo, e em condições adversas, dadas as incertezas da economia e dos marcos regulatórios.

O emblema da falta de noção de prioridades é o trem-bala, anunciado em 2007. Só transportaria passageiros e, segundo o governo, custaria uns R$ 33 bilhões. O Planalto garantia que seria bancado pelo setor privado. O aporte do Tesouro Nacional não passaria de 10% do total. Graças à inépcia - nesse caso, benigna, porque se trata de uma alucinação - e ao desinteresse do setor privado em cometer loucuras (apesar dos subsídios fiscais e creditícios que receberia), não se conseguiu até hoje licitar a obra. Depois do recente adiamento, o ministro dos Transportes estimou que a concorrência ficará para depois de 2014. Ao ser lançado, o governo dizia que já estaria circulando durante a Copa do Mundo...

Desde logo, os custos foram grosseiramente subestimados. Esqueceram-se as reservas de contingência e foram subestimados os preços das obras. O custo dos 100 km de túneis foi equiparado ao dos túneis urbanos, apesar de serem muito mais complexos e não disporem de rede elétrica acessível. Esqueceram-se de calcular o custo das obras urbanas para dar acesso rápido às estações do trem. A preços de hoje, a implantação do trem-bala se aproximaria de R$ 70 bilhões. Além dos subsídios do BNDES, que saem do bolso dos contribuintes, o banco seria investidor direto, ao lado da... Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos!

A obra não foi adiante, mas o governo não desistiu. Para variar, criou uma empresa estatal para cuidar do projeto, que já emprega 140 pessoas. Até o ano que vem, o alucinado gestor governamental do trem-bala anunciou o gasto de R$ 1 bilhão, sem que se tenha movido ainda uma pedra. O atual ministro dos Transportes desmentiu-o, assegurando que seriam apenas... R$ 267 milhões! Sente-se mais aliviado, leitor?

Admitindo que seria possível mobilizar R$ 70 bilhões para transportes, um governo "padrão Fifa", como pedem as ruas, poderia, sem endividar Estados e municípios, fazer a linha do metrô Rio-Niterói, completar a Linha 5 e fazer a Linha 6 do metrô de São Paulo, concluir o de Salvador, tocar os de Curitiba e Goiânia, a Linha 2 de Porto Alegre, a Linha 3 de Belo Horizonte, construir a ferrovia de exportação Figueirópolis-Ilhéus, a Conexão Transnordestina, a Ferrovia Centro-Oeste, prolongar a Norte-Sul de Barcarena a Açailândia e Porto Murtinho a Estrela d'Oeste, o Corredor Bioceânico Maracaju-Cascavel e Chapecó-Itajaí. E, é certo, poder-se-ia fazer uma boa ferrovia Campinas-Rio de Janeiro, com trens expressos normais, aproveitando a infraestrutura já existente.

Nessa perspectiva, seriam investidos R$ 35 bilhões em transporte de cargas e outros R$ 35 bilhões em transporte de passageiros, beneficiando mais de 5 milhões de pessoas por dia. O trem-bala, na suposição mais eufórica, transportaria 125 mil pessoas por dia - 39 vezes menos!

É evidente, leitor, que nada disso é fácil. Acontece que, no geral, as facilidades se fazem por si mesmas. Populações criam o Estado e elegem governos para que se façam as coisas difíceis e necessárias. Só por isso aceitamos todos pagar impostos, abrir mão de parte das nossas vontades e sustentar uma gigantesca burocracia. Os governos existem para tornar mais fáceis as coisas difíceis, e não para fazer o contrário.

'Dimensão institucional' - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 22/08

BRASÍLIA - Ricardo Lewandowski perdeu mais uma vez na contagem dos votos, mas recebeu um desagravo dos colegas. Joaquim Barbosa ganhou de novo no resultado, mas teve de ouvir críticas ao seu destempero da semana passada. No fim, ninguém saiu ganhando.

Só votaram com Lewandowski pelo abrandamento da pena do ex-deputado Bispo Rodrigues o já esperado Dias Toffoli e o sempre inesperado Marco Aurélio. O placar foi de 8 a 3, o que afeta também os recursos de Dirceu, Genoino e Delúbio.

Do outro lado, os arroubos de Joaquim, que acusou Lewandowski de fazer "chicana", não passaram em branco. O decano, Celso de Mello, disse que o embate entre os dois supera a esfera pessoal "para se projetar em uma dimensão eminentemente institucional". Ou seja: afeta não um ou outro ministro, mas a instituição.

Além de ressaltar o óbvio direito de todos os ministros de se manifestarem, defendeu o respeito ao dissenso, às posições minoritárias, ao voto vencido, que não são "espírito isolado". Uma clara recriminação a Joaquim, uma evidente manifestação de solidariedade a Lewandowski.

Joaquim, porém, é Joaquim. Não pediu desculpas nem deu o braço a torcer, limitando-se a proclamar respeito à corte e aos ministros e a dizer que longe dele querer cercear a livre manifestação dos colegas.

Aproveitou para falar aos ouvidos populares: "Justiça que tarda não é Justiça", tem de ser "célere, transparente, sem delongas", e é preciso "prestar contas à sociedade brasileira, que paga nossos salários".

Numa espécie de tréplica, ele deu nova cutucada depois de Lewandowski agradecer a solidariedade de editoriais, de colunas e de associações da área jurídica e dar o episódio como ultrapassado. Joaquim ouviu e tascou: "Não vejo a presidência como eco de vontades corporativas".

Conclusão: as penas continuam as mesmas, mas a guerra entre Joaquim e Lewandowski continua.

STF reflexivo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/08
A sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF) teve uma importância explícita para a democracia brasileira, a partir do posicionamento do decano, ministro Celso de Mello, que, a propósito dos embates ocorridos semana passada entre o presidente Joaquim Barbosa e o ministro Ricardo Lewandowski, preferiu deixar de lado eventuais divergências pessoais entre ministros para falar da responsabilidade da instituição, que tem "um papel de imenso relevo, (...) um espaço de grande liberdade", além de lembrar que "o STF pode ser julgado pela nação e pelos cidadãos da República".
A sessão teve, além disso, uma importância fundamental para a decisão final que se avizinha, sinalizada pelos dois novos ministros, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, que marcaram posições a favor de uma celeridade da revisão dos embargos de declaração, sem a intenção de rever decisões já tomadas pela simples razão de serem novos olhares no processo.

Mais de uma vez Barroso disse que se disporia a rever as decisões se a maioria do plenário assim o decidisse, deixando claro que não será ele quem definirá uma revisão do que foi decidido até agora. Mesmo que tenha feito a ressalva de que não se referia à Ação Penal 470, foi importante a sua declaração de que "temos que terminar com a prática de que o devido processo legal é aquele que não termina", abordando o tema das ações protelatórias.

O presidente do STFJoaquim Barbosa, aproveitou para retomar o tema que o levou a se confrontar com Lewandowski. Ele, que já afirmara antes que como presidente tinha "que zelar pelo bom andamento dos trabalhos, o que inclui a defesa da transparência e da celeridade da Corte", aproveitou a deixa para criticar mais uma vez nosso processo jurídico, que permite protelações em cima de protelações, chamando-o de "patético" e "cacofônico". "Todas as minhas ações estão dentro dessa visão", salientou Barbosa, que ao final da sessão teve todos os seus votos apoiados pela ampla maioria do plenário do STF.

A questão fundamental da admissibilidade dos embargos infringentes, que deve entrar em discussão talvez na primeira semana de setembro, é que definirá se o processo será reaberto em dois de seus aspectos cruciais, a formação de quadrilha e a lavagem de dinheiro. São temas que envolvem os núcleos político e publicitário do esquema do mensalão e uma revisão de penas pode tirar do regime fechado políticos como o ex-ministro José Dirceu.

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, disse-me ao final da sessão que está refletindo muito sobre a questão da admissibilidade dos embargos infringentes, "não obstante já tenha me pronunciado no autos desse mesmo processo logo no início do julgamento em função de uma questão preliminar que foi então suscitada".

Ele lembra que as normas regimentais do Supremo com força de lei "foram recebidas pela nova ordem constitucional com autoridade de lei", pois assim o permitia a Constituição anterior à de 1988. Mas depois da Constituição de 1988, o tribunal perdeu "esse poder de legislar em sede regimental", que passou a ser uma exclusividade do Congresso, que em 1990 aprovou a legislação que trata do processo nos tribunais superiores e não se refere aos embargos infringentes. "A questão deve ser analisada nos seus contextos", ressalta Celso de Mello.

Ele diz que a questão a ser respondia é: "Houve ou não a revogação tácita da norma regimental que prevê os embargos infringentes, pelo fato de o novo diploma legislativo, a lei 8038 de 1990, haver disciplinado por inteiro a ordem ritual das ações penais originárias tanto do Supremo quanto do STJ?".

Segundo Celso de Mello, "todos os ministros do tribunal estão na verdade refletindo muito seriamente sobre essa questão, estamos todos reflexivos, por que é um tema realmente delicado".

Lá como cá - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 22/08

Não foi um novo Joaquim Barbosa que se mostrou. Foi uma nova imprensa que apareceu em seguida


A reconhecida necessidade de pronunciamentos que jamais deveriam ser necessários em um tribunal, e menos ainda em um tribunal supremo, deu à sessão de ontem do STF mais do que um lugar muito especial na história do Judiciário brasileiro.

Um tribunal que precisa relembrar a si mesmo o direito dos seus magistrados à divergência entre eles, a expô-la sem ter a palavra restringida e, ainda, ao tratamento respeitoso, equivale, ressalvadas as proporções, a uma sugestão de que sejamos mais conformados com a desordem das ruas e com todas as incivilidades que marcam este país. Lá como cá.

A face positiva da sessão foi representar, naqueles pronunciamentos, uma ruptura com a longa e inflexível aparência de atemorização do tribunal diante das maneiras imperativas do seu presidente, Joaquim Barbosa. Os ministros Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e, como de hábito, Ricardo Lewandowski pouparam-se de referência pessoal, mas não pouparam firmeza nem clareza na razão e no objetivo de seus pronunciamentos: a mais recente investida intempestiva de Joaquim Barbosa (contra Lewandowski, a ponto de suspender a sessão anterior) e a imagem então atingida do Supremo.

Não é certo que o incidente, propriamente, levasse à atitude reativa externada pelos quatro ministros. Ao menos em parte, houve a influência do volume, na imprensa, de comentários negativos para o ministro Joaquim Barbosa e, por extensão, para o Supremo. Alguns deles, com menções até aos ares de intimidação reinantes no plenário. De fato, porém, não foi um novo Joaquim Barbosa que se mostrou na sessão anterior. Foi uma nova imprensa que apareceu em seguida.

Na primeira fase do julgamento do mensalão, a ansiedade por condenação dos petistas traduziu-se também em complacência ou silêncio sobre as exaltações e agressividades de Joaquim Barbosa. Agora os comentários liberaram-se. Imagem do STF atingida, e não menos a dos próprios ministros, convinha o curativo. Quanto seus efeitos perdurarão, não há quem saiba. Nem mesmo o explosivo presidente.

Como resultado judicial, a "chicana" de que Joaquim Barbosa acusou Ricardo Lewandowski era uma tese agora aplaudida por Luís Roberto Barroso e apoiada pelos votos de Marco Aurélio Mello e José Antonio Dias Toffoli. O primeiro dos três não votou a favor da tese, por entender que é questão aprovada quando ainda não chegara ao tribunal, e não pretender "achar que a sessão começa quando ele chega".

Mas, se nota que o filme está invertido, deveria fazer a sessão recomeçar, sim. Para aprimorar os julgamentos é que recebeu a cadeira ambicionada. Seu argumento adicional não foi melhor: "teríamos que reabrir o processo". E deixar uma sentença, seja de condenação ou de absolvição, prevalecer apesar de lhe parecer errada, contanto que não se reabra o processo, é mesmo próprio de magistrado?

Os pronunciamentos de ontem falaram muito nos direitos dos integrantes do Supremo, mas acharam desnecessário falar dos deveres. Também nisso, muito a ver com o lado cá de fora.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Justiça que tarda não é justiça”
Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, reafirmando repulsa a chicana jurídica


APRESENTAÇÃO DE ROSE EM JUÍZO VIROU ‘SEGREDO’

Denunciada pelo Ministério Público Federal por formação de quadrilha e tráfico de influência, a ex-chefe de gabinete de Lula em São Paulo, Rosemary Noronha, a “Rose”, rivaliza em mistério com o “ET de Varginha”: até sua apresentação quinzenal em juízo virou “segredo de Justiça”, de acordo com o juiz da 5ª Vara Criminal de São Paulo, Silvio da Rocha. Ele não quis dizer à coluna se ela tem se apresentado.

CADÊ ROSE?

“Rose”, sobre quem Lula guarda sepulcral silêncio, deve se apresentar ao juiz de 15 em 15 dias e não pode sair do país sem autorização.

‘BLINDADA’

A sumida Rose obteve “blindagem” judicial contra repórteres, entrando e saindo pela garagem do Fórum. Agora, duvida-se até que ela exista.

SEM FRONTEIRAS

Audo Faleiro substituirá Guilherme Patriota, assessor do aspone Garcia, o Top-Top. O irmão do chanceler foi exonerado ontem.

MISSÃO IMPOSSÍVEL

Familiares do deputado Natan Donadon (RO), ladrão transitado em julgado, articulam no Congresso para salvá-lo da cassação.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA CRIA O SIGILO ‘DIFERENCIADO’

Fornecedores de armas ao governo federal estão encafifados com o fato de o Ministério da Justiça decretar sigilo pela Lei de Acesso à Informação, do resultado da “prova de conceito” ou “teste de armas” a que se submeteram em 2010 a convite do Ministério. Desconfiam de licitação dirigida para empresa americana com escritório em Brasília, vencedora de oito entre dez concorrências de armas para a PM do DF.

OPACA TRANSPARÊNCIA

Em plena era da transparência, o Ministério da Justiça alega que divulgar o teste configura “concorrência desleal”.

TEM PARA TODOS

O Tribunal Superior do Trabalho foi mais uma vítima da enrolada empresa GVT. Ficou 24h sem e-mail e telefone. Só o 0800 funcionou.

XADREZ

Significativa a ordem ontem do julgamento dos recursos no Supremo Tribunal Federal: primeiro, o “bispo” Rodrigues, depois, o “peão” Delúbio.

‘ENGANÓDROMO’

Os dois lados agora estão quites, após a Justiça do Rio determinar a reintegração de posse da Câmara Municipal: manifestantes vão fingir que saíram e vereadores manterão a rotina de fingir que trabalham.

NÃO É O CARA

Pesquisa do Ibope mostrou que o PMDB é o partido com a imagem menos ruim no DF, mas sua principal liderança, o vice-governador Tadeu Filippelli, não passa de 2% de intenções de voto para o governo.

DE ÁGUA A VINHO

Para o deputado Fábio Trad (PMDB-MS), a obrigatoriedade de votar os vetos presidenciais e o orçamento impositivo vão transformar o regime brasileiro num parlamentarismo: “Hoje, o Congresso é apenas oficioso”.

CABEÇA DE CHAPA

O deputado Antônio Reguffe (PDT-DF) defende a candidatura do senador Cristovam Buarque à Presidência da República: “Precisamos de alternativas diferentes da polarização PT-PSDB, em 2014”.

ASSOMBRAÇÃO

Do deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) sobre as investigações para revelar propinoduto no Metrô em São Paulo: “Vai acabar sobrando para o Mário Covas, que já se foi. Não deveríamos mexer com almas”.

NADA É DE GRAÇA

O PMDB aceita rifar a candidatura de Paulo Skaf ao governo paulista para fazê-lo vice do petista Alexandre Padilha, mas só... se Lindbergh Farias (PT) sair da disputa para se aliar a Luiz Pezão (PMDB), no Rio.

NÃO PAROU

Presidente da Força Sindical, Paulo Pereira (PDT-SP) aproveitou a presença maciça do baixo clero no Congresso, na votação dos vetos da presidente Dilma, para aliar deputados para o Partido Solidariedade.

REPROVADO

A Justiça Federal do Maranhão determinou o fechamento do Centro de Difusão do Comunismo, curso de extensão “particular” de um professor na Universidade Federal de Ouro Preto (MG), por contrariar a Lei 8027.

PENSANDO BEM...

...o ministro Lewandowski aceitou ontem uma “desculpa infringente” de Joaquim Barbosa.


PODER SEM PUDOR

ALÔ, MAMÃE, ESCAPEI

Em meados de 1990, o Congresso vivia dias tumultuados, discutindo a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e poucos conseguiam usar os microfones. O deputado Ronaldo Cezar Coelho (RJ), em geral elegante, arrancou o microfone das mãos de um colega para uma estranha comunicação:

- Senhor presidente, gostaria de comunicar que estou vivo.

Ninguém entendeu. Mas ele queria avisar à família que estava bem, depois que o avião que o levaria a Brasília sofreu pane, seguido de pouso de emergência. Sua morte chegou a ser noticiada.

QUINTA NOS JORNAIS

Globo: A volta do mensalão – STF contorna crise e mantém condenações
Folha: Capitais fecham vagas pela 1ª vez em uma década
Estadão: Criação de empregos tem pior julho em 10 anos
Correio: As vítimas inocentes de uma guerra suja
Valor: Fed frustra expectativas e deixa mercado confuso
- Estado de Minas: Os endereços do perigo
Jornal do Commercio: Praça de guerra no Recife
Zero Hora: Governo federal importa 4 mil médicos cubanos
Brasil Econômico: Edição 1000 – É hora de transparência

quarta-feira, agosto 21, 2013

Banksy e os black blocs - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 21/08


Por mais justas que sejam as reivindicações por melhoras no país, fica difícil apoiar black blocs, que se manifestam através da violência e da depredação, sem estimular nenhuma ideia original, nenhuma consciência – apenas promovem pânico e prejuízos à cidade.

Para encerrar a série de crônicas inspiradas em Londres, me parece oportuno lembrar de Banksy, grafiteiro inglês que há uns 10 anos preenche muros, paredes, pontes e estações de metrô com grafites ora engraçados, ora chocantes. Agindo de madrugada, disfarçando-se com nariz postiço e óculos escuros, ele faz suas interferências urbanas de uma forma extremamente audaciosa – introduz objetos em monumentos públicos, instala avisos surpreendentes em meio aos lagos dos parques e até já conseguiu colar obras suas nas paredes dos museus mais respeitados da Inglaterra.

Às vezes, leva uma ou duas horas para que descubram e apaguem seus grafites ou retirem das paredes suas marcas de protesto, mas já conseguiu que levasse dias e até meses antes de ter sua arte recolhida. E detalhe: até hoje, ninguém sabe quem ele é.

Se a polícia não gosta nada do moço, a população rendeu-se a esse transgressor misterioso, e o inusitado aconteceu: hoje suas obras valem milhares de libras e estabelecimentos comerciais rezam para ter suas paredes pichadas por Banksy.

Ele defende o grafite como uma arte honesta e popular. Diz que é uma resposta aos milhares de anúncios publicitários estampados em painéis gigantescos por toda a cidade, inclusive nas laterais dos ônibus: por que todos aceitam que a cidade se desfigure com publicidade e não com o grafite artístico? Ele mesmo responde: as pessoas acham que só o que gera lucro tem o direito de existir.

Banksy apronta e faz pensar. Esconde-se porque o grafite ainda é considerado subversivo, e também para denunciar essa sociedade que valoriza mais o artista do que sua arte: hoje estão todos mais interessados em saber que rosto têm, como se vestem, com quem namoram as grandes estrelas, em vez de focarem apenas no trabalho que fazem.

Pois através do mistério, Banksy conseguiu total visibilidade para o que faz e ficou famoso sem aparecer. Há quem diga que ele não existe, que as obras são criações coletivas de um grupo, que o Dalai Lama é seu fã, que ele foi expulso da escola por causa de uma briga em que não teve culpa, por isso sua obsessão por justiça social. Rumores que só reforçam o mito.

Dilapidar patrimônio público e placas de sinalização é crime, bandidagem. Já Banksy não depreda nem picha imundícies: ele tem um propósito e uma estética, por isso se diferencia. Inverte nosso senso de ordem, denuncia hipocrisias e surpreende com seu espírito rebelde e um talento gráfico inquestionável. Diz que gostaria de ter permissão para fazer o que faz, mas, não tendo, vai em frente contando com o perdão da cidade. Tem conseguido. Demonstrou que é possível protestar com inteligência e pacificamente.

O dedo no nariz - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 21/08

A cultura católica palpita de corpo em toda parte. Os quadros dos santos explodem de chagas


Nas "Confissões de um Poeta", Ledo Ivo relembra um dia de grande chuvarada, na praça da Matriz de não sei que cidade brasileira. Da igreja saía um grupo de seminaristas em excursão.

O aguaceiro veio de repente, e todos correram para se proteger. Todos, menos o superior da diocese. "Corre, corre, dom Fulano!", gritavam os seminaristas. Mas o prelado prosseguia no mesmo passo.

"Bispo não corre", sentenciou dentro da batina ensopada, pisando nas poças com seus sapatos pretos.

Os tempos mudaram, como atesta um vídeo que circulou na internet, com o papa Francisco. Cometi a imprudência de compartilhá-lo no Facebook.

Choveram protestos, até dos leitores mais fiéis. Do que se tratava? A meu ver, nada de mais.

Sentado no banco traseiro de um carro prateado, com câmeras e repórteres querendo entrar pela janela, Francisco fazia uma discreta higiene no nariz.

O polegar, dentro da narina, descreveu uma rápida meia-lua. Algo foi retirado de lá. Depois de uma breve pausa, o papa...

Sim, o papa comeu a melequinha! Compartilhei a notícia sem comentário. Meu objetivo não era tripudiar a imagem do pontífice. O vídeo certamente era invasivo. Mas achei bom, achei normal, gostei, sorri.

Há coisas muito piores a fazer do que ingerir esse tipo de matéria. Fiz isso uma vez, quando criança, e não estava sozinho na ocasião.

Lembro-me bem. Estava na casa de uma tia, muito católica por sinal, e que tinha problemas de surdez. Talvez por isso, ela ficava às vezes ausente da cena, sem prestar atenção em nada. Dizia mesmo que, quando a conversa ficava chata, ela desligava o aparelho.

Sei que ela estava sentada à minha frente, com os seus olhos puros e verdes fixados em mim. Foi como se me hipnotizasse. Pus o dedo no nariz, e naquela única vez, experimentei o gosto --salgado, seco, sem nojo-- do que retirara lá de dentro.

Com uma risada de surpresa, ela saiu de seu transe --e eu também. Como fui capaz da proeza? Eu sabia que não era algo que se faz em público.

Pode ser que eu precisasse certificar-me de que ela estava ali. Pode ser, também, que eu precisasse certificar-me da minha própria existência. Tínhamos sido colhidos, quem sabe, numa espécie de vazio temporal.

Um buraco negro, vá lá, em que a nossa própria existência, e a consciência de estar nela, desapareceram silenciosamente. Não era eu, não era ela; a impropriedade --das mais leves, afinal-- se cometera sem sujeito.

De resto, todo mundo põe o dedo no nariz. Tive o prazer de fazer essa revelação, já adulto, a um menino a quem repreendiam a constância nessa atividade.

Só não sei por que tantas pessoas fazem isso dentro do carro. Basta olhar para os lados quando o sinal está vermelho. Alguns cantam. Outros põem o dedo no nariz. Sabemos (me incluo nessa) que qualquer um pode nos surpreender nessa inocente intimidade.

Estar dentro do carro, mesmo com o vidro aberto, aparentemente nos torna imunes à crítica. O carro é o meu castelo. O teto de lata é, ainda assim, um teto. De lá, posso xingar qualquer pedestre. Por que não o dedo no nariz?

Os jogadores de futebol (mas não os de basquete ou de vôlei) fazem pior em campo; o uso de cotonetes em público, embora não corriqueiro, conhece menor reprovação.

Escarradeiras eram comuns nos tempos de Machado de Assis; até recentemente, a cera do ouvido podia ser retirada com a unha do mindinho, desde que a fizessem crescer, "à catita": esse o termo.

O "processo civilizador", para lembrar o conhecido livro de Norbert Elias, impõe crescentes disciplinas sobre as atividades corporais. Está provavelmente errado quem pensa que a Idade Média era uma época de puritanismo; em Chaucer, Boccaccio ou Dante fala-se mais da "questão do corpo" do que em qualquer catálogo de arte contemporânea.

Mais do que deseja a austeridade protestante, a cultura católica palpita de corpo em toda parte. Os quadros dos santos explodem de chagas e de sangue. Sempre achei estranho, aliás, o guardanapo que o padre usa na missa depois de tomar o vinho. No cristianismo, de resto, Deus se fez de carne, carne que come peixe e pão, carne que atravessaram pregos.

A imprensa cerca o papa. Ele põe o dedo no nariz. Há muita simbologia nisso. Quem quiser que atire a primeira pedra.

Quatro palpites sobre um bate-boca - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 21/08

O sinal dos tempos no Supremo tem sido o estilo sincero e desabrido — honesto pela raiz — do estruturalismo de Joaquim Barbosa


Quando menino, minha avô Emerentina me solicitou um palpite para o jogo do bicho, uma atividade que ela praticava com a mesma religiosidade com que fazia as suas orações matinais. Pensei num filme de Tarzan e chutei: elefante! O elefante deu na cabeça e dela recebi um dinheiro que virou bombons de chocolate.

São 25 bichos, conforme determinou o cânone do Barão de Drummond, o inventor disso que Gilberto Freyre dizia ser um “brasileirismo”. Algo genuinamente brasileiro, ao lado da feijoada, das almas do outro mundo, do samba, da corrupção oficial, do suposto orgasmo das prostitutas e do “rouba mas faz”. Quanta inocência existe entre nós. É de enternecer.

Palpite 1 (avestruz)

O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa e sente. Mas, no Brasil, eis o meu primeiro palpite, somos todos treinados a não dizer o que pensamos. Seja porque seríamos presos por corrupção ou tomados como desmanchadores de prazer; seja porque faz parte de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal “franqueza rude” a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias.

Somos a sociedade da casa e da rua. Em casa somos reacionários e sinceros; na rua viramos revolucionários e ninjas — a cara encoberta. Somos imperais em casa, quando se trata das nossas filhas, e fervorosos feministas em público, com as “meninas” dos outros. Observo que, quando há hierarquia, não há debate nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador. Por isso ele é execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de modo que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria discutir, mas ignorar e suprimir.

Palpite 2 (águia)

Um presidente da instância legal mais importante do país que esconde por educação suas valores seria um poltrão? E isso, leitor, é justamente o que esse Joaquim Barbosa, negro e livre, não é e não quer ou pode ser. Na nossa sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. Ai você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata. Na oposição seu senso crítico é gigantesco, mas no dia em que você vira governo surgem as etiquetas reacionárias. Eu queria ir, você diz, mas a minha assessoria impediu. Não ficaria bem...

Afinal ator e papel não podem operar como um conjunto? Ou devem agir se autoenganando para serem permanentemente elogiados como “espertos” ou “malandros”? Esse apanágio do nosso sistema político que glorifica a hipocrisia e condena a opinião pessoal sincera que, em circunstâncias gravíssimas como a que estamos vivendo no momento, exige o confronto e consequentemente a desagradável rispidez da discórdia?

Palpite 3 (burro)

Como ter democracia sem conflito? Se passamos a mão na cabeça dos mais gritantes conflitos de interesse nesta nossa sociedade de vizinhos de bairro e de parentelas adocicadas pelos compadrios, porque temos de nos sentir aporrinhados porque um juiz confrontou de modo direto um colega cujo objetivo óbvio era o de protelar o arremate de um processo que, no meu entender, vai definir o caráter de nossa democracia liberal e representativa?

Palpite 4 (borboleta)

Pergunto ao leitor: existe sinceridade sem emoção? Existe honestidade sem estremecimento? Existe algum regime ético no qual se troca convicção por boas maneiras? Afinal de contas o que seria uma pessoa com “bons modos”? Seria um cagão sem espinha dorsal? Como, pergunto, mudar um país com essa maldita tradição de dizer que somos assim, mas no fundo somos assado sem dissensões? Afinal o que preferimos: o golpe que silenciosamente suprime o bate-boca ou o bate-boca que é a única arma democrática contra o golpe?

Um amigo me diz que o ministro Barbosa estava certo no conteúdo, mas errado na forma; e que o ministro Levandowski estava errado no conteúdo e certo na forma. Mas, palpito eu, como separar forma de conteúdo quando se trata do futuro da democracia ou de um grande amor? Seria possível uma noite de núpcias com um noivo certo no conteúdo, mas sem traduzir esse conteúdo formalmente?

O sinal dos tempos no Supremo tem sido, precisamente, o estilo sincero e desabrido — honesto pela raiz — do estruturalismo de Joaquim Barbosa. Nele, forma e conteúdo estão juntos como estiveram em todos aqueles que tentam ser uma só pessoa na casa e na rua, na intimidade e no púlpito, entre os amigos e os colegas de tribunal.

Para se ter uma democracia é preciso juntar forma e conteúdo. Não se pode condenar a discórdia e o direito à diferença como somente um gesto de má educação ou de egoísmo autoritário. É preciso abrir um lugar para o bate-boca no sistema moral brasileiro caso se queira terminar com a sujeição e a autocondescendência que nos caracteriza como uma sociedade metade aristocrática, metade igualitária. Prova isso o agravante de que, quando essas metades entram em choque, tendemos a ficar do lado aristocrático ou do bom comportamento. Do formal e do legalmente correto, sem nos perguntarmos se o confronto não seria a maior prova de igualdade e de respeito pelo outro.

Será que acertei novamente no elefante, ou deu burro e avestruz?

Por sujar a rua - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 21/08

RIO DE JANEIRO - A Prefeitura do Rio está lançando a Operação Lixo Zero, que vai multar quem emporcalhar a cidade. Em primeira instância, a campanha é educativa. Equipes da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) estão percorrendo as ruas para flagrar maus cidadãos jogando coisas onde não devem e alertá-los para o que os espera. Em breve, com guardas municipais, policiais militares e 600 fiscais em ação, as multas começarão a chegar para quem tratar a via pública como a casa da sogra.

Uma guimba jogada ao chão custará R$ 157. Chicletes, latas de refrigerante, garrafas PET, sacos e copos plásticos, idem --por item despejado. Há pessoas que põem na rua ou deixam para trás sofás, pneus, até carros. Um metro cúbico de lixo abandonado custará R$ 375. Acima disso, R$ 3.000. Abordado pela autoridade, o sujismundo terá de informar seu CPF. Se se recusar, será levado ao delega. Num mundo ideal, as pessoas deixarão também de cuspir no chão.

Imagina-se que, quando essa lei começar para valer, os recordistas de multas serão os cerca de 300 jovens golpistas que, nas últimas semanas, se habituaram a tomar as ruas, pichar monumentos, vandalizar prédios públicos, quebrar orelhões, arrancar postes, apedrejar vitrines, depredar bancos, saquear lojas e, por uma estranha compulsão, destruir lixeiras, jogar o lixo no asfalto e armar barricadas de fogo com ele.

É verdade que, no seu "bullying" político, digno do fascismo, eles não estão nem aí para a cidade, que é de todos --e que, por algum motivo, parecem querer levar ao colapso.

Pois, já que a lei não permite prendê-los por vandalismo, saque, for-mação de quadrilha, desacato à autoridade, resistência à prisão e nem mesmo por ataque aos órgãos públicos, talvez seja possível enquadrá-los por sujar a rua. Não prenderam Al Capone por sonegar impostos?

O misterioso Paulo Baier - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 21/08

Tite e os jogadores estão obcecados pela ideia de que a melhor maneira de vencer é não sofrer gols


Na coluna anterior, escrevi que a maioria dos times, de todo o mundo, hoje e em todas as épocas, joga com meias ou atacantes pelos lados ou com autênticos pontas, embora muitos deles não tenham características para atuar dessa forma. Os treinadores seguem a moda. Esses "pontas" não devem também ficar estáticos, limitados à lateral do campo, como era no passado.

Neymar sabe que terá de decidir, no momento certo, quando entrar pelo meio, nas jogadas de velocidade e contra-ataque, o que será pouco frequente, já que os times atuam muito atrás contra o Barcelona, ou quando atuar aberto, como um ponta, para receber a bola livre e tentar driblar ou dar um passe decisivo.

Passo para o Brasileirão. As partidas têm sido jogadas com mais qualidade coletiva, com mais troca de passes. Melhores gramados contribuem para isso. Já o de Brasília, feito para a Copa, é uma vergonha, além de outros problemas, apontados por Paulo Autuori e pela imprensa. Mais grave ainda foi a violência em torno do estádio, antes do jogo entre Flamengo e São Paulo.

Foi bom ver Mano Menezes reconhecer a substituição errada que fez, ao escalar, no segundo tempo, dois centroavantes. Há séculos que não escuto isso de um treinador brasileiro. Hoje, no Mineirão, pela Copa do Brasil, Cruzeiro e Flamengo fazem um ótimo jogo. Apesar de alguns jogadores fracos, o Flamengo deve evoluir, pois é um time organizado.

O Corinthians continua com ótimo sistema defensivo, pois todos marcam muito. Já o ataque é de uma enorme pobreza criativa. Tite e os jogadores estão obcecados pela ideia, que já deu certo, de que a melhor maneira de vencer é não sofrer gols e tentar fazer um, mesmo que seja por meio de um pênalti absurdamente marcado a seu favor, como contra o Coritiba.

Segundo informações do PVC, que sabe tudo, Seedorf tem mostrado aos jogadores que eles atuam no Botafogo do presente, de bons jogadores, como Vitinho, Dória, Jefferson e outros, e não no Botafogo do passado, de monstros, como Nilton Santos, Didi, Garrincha, Gerson, Jairzinho. Essa consciência dá mais confiança aos jogadores. Eles não precisam satisfazer o que está no imaginário dos torcedores e da imprensa.

Ex-atletas, que trabalham em outras atividades, principalmente os que foram craques, geralmente não conseguem assumir integralmente e criar uma nova identidade profissional nem se libertar das glórias e dos fantasmas do passado. Continuam enamorados por suas imagens anteriores.

Esqueci em outra coluna de citar Paulo Baier entre os veteranos que brilham no Nacional. Corrijo o erro. Paulo Baier é um mistério. Lembro dele jovem, no Atlético-MG. Era um lateral medíocre. Hoje, é um meia inventivo, com boa técnica, além de ser o maior artilheiro do Brasileirão na era dos pontos corridos.

Todos juntos e misturados - - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 21/08

Ao longo de sua secular história, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro não deve ter visto muitas vezes uma mistura de cores, sons e classes sociais como a de segunda-feira passada, quando a Orquestra Sinfônica Brasileira realizou o Concerto Pela Paz, com o duplo objetivo de celebrar os 20 anos do Grupo Cultural AfroReggae e de promover a campanha de um Rio pacificado. O espetáculo, aberto com o Hino Nacional cantado por um coro de 2 mil espectadores regidos pelo maestro Roberto Minczuk, não podia ser mais simbólico. No palco, clássicos de Heitor Villa-Lobos, Jean Sibelius, Stravinsky, Camargo Guarnieri e Lorenzo Fernandez com a participação de músicos e bailarinos do AR. Por duas vezes pelo menos o público se levantou emocionado para aplaudir: quando cinco jovens violinistas integraram a orquestra no número “Andante festivo”, de Sibelius, e quando o grupo de bailarinos acompanhou a “Dança selvagem”, de Guarnieri, e “Batuque”, de Fernandez. Na plateia, uma mescla de intelectuais, artistas, jornalistas e muitos moradores das comunidades em que o AR atua e que pela primeira vez frequentavam aquele templo da cultura erudita, ouvindo sons inéditos de instrumentos desconhecidos como fagote, contrafagote, oboé.

O Concerto fez parte de um movimento que se organizou para criar uma “rede de proteção” a José Junior, coordenador do AfroReggae, que vem sofrendo ameaças de morte de traficantes e se recusa a deixar o país. Chamado ao palco pelo maestro, ele fez questão de dividir a homenagem com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que lhe tem garantido escolta dia e noite. A fala dos dois foi uma profissão de fé na pacificação da cidade. Junior, que tinha tudo para duvidar da eficácia das UPPs, aproveitou para reiterar seu apoio a elas, que vivem um momento crítico devido a inaceitáveis desvios como o criminoso desaparecimento do pedreiro Amarildo (além da ação dos traficantes, que levaram a Central Única de Favelas a se retirar do Complexo do Alemão e o próprio AfroReggae a fechar de novo as portas ali). Beltrame é o primeiro a reconhecer que o projeto tem sérios problemas, mas se sabe que a melhor maneira de corrigi-los não é por meio do seu enfraquecimento, e sim de rigorosos aperfeiçoamentos e correções. Não se pode deixar de admitir que, apesar de tudo, a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora foi um avanço, uma conquista.

O Concerto, porém, não era o lugar para esse debate, ainda que fundamental. Era uma noite de celebração que poderia receber como título o slogan que Junior usa para afastar preconceitos e discriminação do grupo que criou: “Todos juntos e misturados.”