sexta-feira, julho 19, 2013

Joio do trigo - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 19/07

O resultado da reunião da cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro, com as autoridades praticamente dizendo que não sabem como lidar com multidões em estado de insatisfação, retratou o despreparo dos governos em geral diante de uma situação que não pode ser considerada nova mais de um mês depois de iniciada.

O do Rio em particular, pois o governador Sérgio Cabral Filho sustentou-se durante muito tempo no êxito das ações do secretário José Mariano Beltrame na retomada de territórios ocupados pelo tráfico de drogas e algum alívio no clima de insegurança.

Trincado esse pilar, afloraram os problemas acumulados no lado B da administração Cabral (guardanapos na cabeça, voo das babás, brigas com bombeiros, médicos e professores, relações estreitas com a construtora Delta) que, assim, entrou em modo de agonia.

Ele é, de longe, o chefe de executivo estadual que perdeu e continua perdendo mais. Não quer dizer que algum outro esteja ganhando esse jogo. Muito menos o federal. No lugar de perder tempo falando em plebiscito que ninguém pediu, poderia chamar os governadores para discutir a sério o problema.

Fato é que não dá mais para se olhar com condescendência o vandalismo que toma conta das manifestações de rua e criminalizar a ação da polícia. Ressalte-se a natureza pacífica dos protestos contra o descaso do poder público, mas não se ignore o caráter belicoso das arruaças que já não podem ser atribuídas a um "pequeno grupo de vândalos".

Uma termina desqualificando a outra. As depredações geram repulsa e medo na população que vê a expressão de suas demandas degenerarem em arrastões de violência. Isso é crime comum e como tal precisa ser combatido. O uso legítimo da força é prerrogativa do Estado e, quando dirigido dentro da lei a quem promove a desordem, não pode ser visto com desaprovação.

Já passou da hora de governantes federais, estaduais e municipais encontrarem uma maneira eficaz de conter a ação da bandidagem sem ferir o direito do público que expressa seu descontentamento dentro das balizas da ordem.

É complicado lidar com o inusitado misturado ao imponderável, mas cabe ao Estado distinguir as coisas e atuar para reprimir os bandidos a fim de assegurar o sagrado direito ao protesto dos manifestantes.

De outro modo, a continuar assim, o cidadão que exige tratamento decente acabará acuado e temeroso. O risco é de as manifestações perderem respaldo da sociedade. Por muito menos, o uso de métodos violentos levou o MST a perder o apoio social de que dispunha nos idos dos anos 90.

O dado concreto é que o arrefecimento da energia positiva que emergiu no Brasil em junho interessa primordialmente aos que são os alvos das demandas. Para eles, quanto mais cedo as ruas voltarem para casa melhor, menos respostas precisarão dar.

Mal contado. A presidente Dilma Rousseff voltou a insistir na tese de que os protestos de rua são consequência do sucesso dos projetos de governo no PT. "Quando promovemos a ascensão social, sabíamos que isso era só o começo das exigências", disse ela na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, outra estrutura que só tem tamanho e eficácia zero.

Tal raciocínio não para em pé. Se o governo sabia que as demandas viriam e tem perfeita noção de quais são, por que não agiu antes de modo a atendê-las? Portanto, ou não é verdade que percebeu que o País estava despreparado para absorver as mudanças na sociedade ou percebeu, mas achou mais confortável confiar na passividade coletiva e na mítica da popularidade sustentada em propaganda enganosa.

Baderna não é democracia - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/07
Se o governador do Rio, Sérgio Cabral, leva até seu cachorrinho de helicóptero para o fim de semana em Mangaratiba e pretende continuar agindo assim, sem noção de que sua ostentação é ofensiva aos cidadãos do estado que governa, merece ser duramente criticado.

Os protestos podem até mesmo sitiá-lo no palácio onde despacha, e é discutível se sua residência privada deve ser ponto de protestos, perturbando a paz da vizinhança. O melhor mesmo talvez fosse que se mudasse para o Palácio das Laranjeiras, mas essa é outra discussão.

Mesmo que infiltrados nas manifestações existam agentes de seus concorrentes oposicionistas, como ele acusa, os protestos só encontram eco porque o governador tornou-se, por seus hábitos e gestos, um mau exemplo de homem público, mesmo que seja um bom administrador. Os inegáveis avanços na política de segurança pública, a melhoria econômica do estado, tudo é louvável, mas nada disso dá permissão ao governador de abusar de seus poderes transitórios.

Mas o que aconteceu ontem nas ruas do Leblon e de Ipanema é inaceitável em uma democracia, e não porque sejam os bairros mais ricos da cidade, mas porque vandalismo e depredação não são métodos de quem luta pela melhoria de vida das populações, mas de bandidos que devem ser repudiados pela sociedade e presos.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, revelou que fizera um acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil e algumas instituições ligadas aos direitos humanos, como a Anistia Internacional, para não usar gás lacrimogêneo nem bombas de efeito moral, e o que se viu foram horas e horas de vandalismo nas principais ruas do bairro, mostradas tanto pela Globo News quanto pela Mídia Ninja, sem que nenhum policial aparecesse.

Só os arredores da residência do governador estavam fortemente policiados. Isso não acontece em parte alguma do mundo civilizado. O que a OAB tem a dizer, ela que se propôs a intermediar uma trégua? A impressão é que não se tem nem governo nem polícia nem lideranças capazes de combater a ação dos grupos de vândalos, perfeitamente identificáveis pelo Facebook.

Se os policiais não têm treinamento suficiente para enfrentar essas turbas sem cometer excessos, estamos mal parados. Se, por outro lado, ficam paralisados diante das acusações de abuso de força, estamos, nós os cidadãos, também em maus lençóis. Se, como adeptos de teorias da conspiração divulgam pela internet, a polícia do Rio de Janeiro deixou de atuar para justificar atitudes mais violentas em futuras manifestações, contando com a rejeição da população à baderna que tomou conta das ruas, estamos no pior dos mundos.

O desolamento que causava ontem ver o asfalto queimado, as lojas arrebentadas, bancas de jornal depredadas pelas ruas do Leblon só é comparável à revolta que dá ler as trocas de mensagens de pessoas que defendem abertamente no Facebook a depredação de bancos e prédios públicos como método de ação política.

Houve até quem tentasse pateticamente justificar os saques à loja da Toulon no Leblon dizendo que se tratava de uma loja para ricos, que tinha lucros com o trabalho escravo. Outro garantia que o produto dos saques foi distribuído entre moradores de rua das redondezas, querendo dar uma pátina de justiça social ao ato de puro banditismo.

O que aconteceu no Rio ontem já havia acontecido, em menor escala, na semana anterior e nas manifestações de junho em diversas cidades do país.

O ataque ao prédio do Itamaraty em Brasília, com coquetéis molotov provocando incêndios em seu interior, deveria ter representado uma linha simbólica da transgressão, a partir da qual as manifestações deixam de ser legítimas expressões de uma democracia vigorosa para passarem a ser sintomas de um país desgovernado, sem capacidade de distinguir a diferença entre Estado de Direito e baderna.

Nosso não futuro comum - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 19/07

Quando os acontecimentos de junho sacudiram o Brasil, eu estava iniciando um texto com o objetivo de sintetizar três dias de um seminário realizado pelo PPS em Brasília: A Esquerda Democrática Pensa o Brasil. Suspendi momentaneamente esse texto. Era preciso examinar com calma quais ideias sobreviveram àqueles eventos no País.

Nesse ínterim, chegou às minhas mãos o pequeno livro de T. J. Clark Por uma Esquerda sem Futuro. É um texto voltado para a esquerda europeia. No prefácio para a edição brasileira, o ensaísta britânico menciona o governo Lula, mas elegantemente se esquiva de entrar em detalhes ou submeter nossa situação ao crivo de seus argumentos.

Uma de suas ideias, entre várias outras, me pareceu muito interessante para estimular o texto em preparação sintetizando o seminário. É precisamente a ideia central: uma esquerda sem futuro. T. J. Clark não se refere a ela como força em via de desaparecer. O "sem futuro" significa abrir mão de ter um script para a História, de prometer amanhãs que cantam paraísos na Terra e mergulhar no presente, aceitando até mesmo quem não tem pretensões de encarnar uma vanguarda.

O objetivo deveria ser apenas reunir material para uma sociedade, expressão que Clark utiliza para contrapor a uma frase de Friedrich Nietzsche em que o filósofo alemão afirma que perdemos as condições de matéria-prima para uma sociedade. Clark, certamente, não autorizaria algumas das relações de suas teses com o Brasil. Mas o que fazer? Leitores são imprevisíveis.

Quando reforça a ideia de um mergulho no presente, Clark afirma que a esquerda deve deixar de ser épica. Imediatamente me veio à cabeça o bordão "nunca antes nesse país...". Nada mais épico do que supor o início de uma nova fase histórica, o que, no fundo, significa afirmar que o futuro radiante já começou. Pelo menos essa dose de humildade deveria estar presente nas teses de uma esquerda democrática pensando o Brasil.

O mês de junho envelheceu rapidamente os partidos, como se as câmeras os fotografassem usando o efeito sépia para transmitir a atmosfera de passado que os envolve. Mas esse é apenas um dos grandes problemas com que se defronta uma esquerda democrática, que defino, de forma superabreviada, como uma força que se recusa a aceitar a tese de que os fins justificam os meios.

O longo domínio do PT e seus aliados entrou em crise profunda quando a fantasia de um mundo quase perfeito caiu por terra. Abriu-se com a queda da grande ilusão a possibilidade de buscar uma alternativa de poder em 2014, e não mais em 2018, como sugeria o andar da carruagem.

Em 2014, possivelmente o País ainda viverá os efeitos de uma crise provocada, de um lado, pelas dificuldades internacionais e, de outro, pelas conclusões errôneas que o PT extraiu dela. Não me refiro apenas ao dínamo quase exclusivo do consumo, mas também à suposição de que os fracassos do mercado só seriam recompensados por uma revitalização da presença do Estado na economia.

Como consequência, um novo governo no Brasil teria de enfrentar simultaneamente políticas de austeridade, uma sociedade cada vez mais consciente de seus direitos e, é claro, o PT na oposição. A margem de manobra visível é enxugar a máquina estatal, racionalizá-la, liberando com isso recursos vitais para investir nos serviços públicos.

A entrada do governo no mundo digital poderia contribuir para o enxugamento da máquina. Mas ela oferece mais que isso: a possibilidade de se conectar com a sociedade, enriquecer com a inteligência coletiva.

Destaco ainda uma terceira dimensão, mais rigorosa, do mergulho no presente: lidar com sua volatilidade. Zigmunt Bauman usa uma imagem interessante em seu livro Sobre Educação e Juventude. Diz o sociólogo polonês que nos dias de hoje estão ultrapassados os mísseis que apontavam para um alvo, calculavam a trajetória, o volume de pólvora e seguiam o rumo preconcebido. Nos tempos atuais, os mísseis são inteligentes e capazes de mudar sua rota diante de alvos em constante movimento.

Para ficar nos exemplos bélicos, é difícil entrar nessa guerra com uma pesada armadura ideológica. A política externa do PT, por exemplo, foi equivocada não apenas por substituir a visão nacional pela partidária, mas também porque a visão partidária era mais estreita.

Foi correto investir na integração latino-americana. Compreensível, pelo viés ideológico, um entusiasmo inicial com a o bolivarianismo. No entanto, atrelar o Brasil a esse pedaço do mundo e perder inúmeras oportunidades de acordos e intercâmbio com grandes centros científicos e tecnológicos não foi inteligente, no sentido de que o míssil seguiu apontando para um alvo que não estava mais ali.

O Brasil assinou somente três acordos bilaterais: com a Palestina, Israel e o Egito. Enquanto isso, o mundo fervilhava de novos acordos, mais de 500, segundo o embaixador Rubens Barbosa.

Um novo governo terá, portanto, de lidar com a crise econômica e com o atraso na política externa, num universo político em desintegração. Eleições costumam ser uma dose de legitimidade. Mas até que ponto a distância que se criou entre o mundo político e sociedade pode ser reduzida em tão pouco tempo?

Na Espanha, o movimento dos "indignados" ampliou o número de votos em branco e nulos. Nesse caso, as eleições aprofundaram a crise de legitimidade.

Voltarei muitas vezes ao tema. É que tinha escrito um artigo sobre Sérgio Cabral. O artigo começava assim: Não deveria escrever sobre Sérgio Cabral. Meu caro editor me ligou e disse: "Gostei muito da primeira frase de seu artigo". Respondi: eu também, pode deixar que envio outro ainda hoje.

A política sem teleprompter - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 19/07

Barra do Choça, município de 35 mil habitantes no sul da Bahia (BA), entrou no radar das revoltas de junho. Rota alternativa aos protestos que bloquearam a BR 116, a cidade não escapou de seus próprios manifestantes que saíram às ruas com cartolinas pedindo tudo, até hospitais e escolas decentes.
Na semana passada, o prefeito da cidade, Oberdam Dias (PP), estava na plateia que ouviu Dilma encerrar a marcha da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em Brasília. Ao final do encontro, o prefeito pinçou, numa frase, o que muita tinta e papel não têm sido capazes de resumir: "A presidente tinha um presente e não soube entregar".
A marcha pedia o aumento no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em um ponto percentual. O fundo é formado por 23,5% de toda a receita de IR e IPI.
Ao discursar, Dilma anunciou seu pacote de bondades que, somadas, ultrapassam o valor demandado pelos prefeitos. A presidente ainda não tinha concluído sua fala quando ouviu um grito no fundo da plateia: "FPM". Continuou a falar e o prefeito do fundão, a gritar e ganhar adeptos.
Foi nessa hora que Dilma, com o cenho, além da cintura, imóvel, disse que não havia milagres na gestão pública. A vaia só aumentou.
O evento é um retrato do momento em que vive a presidente. Dilma passou os últimos meses anunciando agrados no varejo e não foi capaz de angariar simpatia entre os agraciados, do plantador de soja ao fabricante de tanquinhos. Pelas multidões que foram às ruas, tampouco conseguiu agradar quem teve o consumo barateado pelas medidas.
Em benefício de produtores e consumidores desonerou impostos que compõem os repasses municipais e enfureceu os prefeitos.
Agora a farra das desonerações parece ter chegado ao fim. Mas, ao concluir que não há mais como abrir mão de receita, é a outra ponta, dos que perderam com as desonerações, que custa a se satisfazer. Daí que tenha chegado a hora da política. O encontro dos prefeitos foi uma aula. Faltam 15 meses para os exames finais.
Tivesse cedido no ponto percentual a mais que a marcha pedia, Dilma precisaria mandar emenda constitucional. O dinheiro só pingaria no outro governo que, a esta altura, não se sabe se será dela.
Os R$ 3 bilhões que anunciou é dinheiro no caixa das prefeituras, sem as retenções que normalmente incidem sobre o FPM. Tivesse explicado tudo isso, talvez revertesse a plateia em seu favor. Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, tentou fazê-lo, mas, àquela altura, o ambiente já estava contaminado. Como quem dá bronca em filho, Dilma disse que gestor público não podia fazer milagres. Talvez tenha esquecido das atribuições de Arno Augustin no Tesouro.
Seu santo milagreiro das contas públicas tem atraído descrédito da gestão econômica no mercado sem o reconhecimento daqueles para quem a torneira está sendo aberta, como os prefeitos.
Na época do antecessor de Dilma, muitos que iam ao Planalto saíam de mãos abanando mas satisfeitos em terem sido enredados, pela proverbial lábia do anfitrião, na busca de uma solução para seus problema. Pois agora todos arrancam mundos e alguns fundos do orçamento e quase ninguém sai feliz com isso.
Guardadas as proporções, repete-se o cenário da redução da tarifa de energia. Demanda de 100% da indústria, Dilma arrumou briga em todos os quadrantes da federação com a medida mas custou a arrancar declarações públicas de apoio de Fiesp e congêneres.
No pacote de bondades municipais, que enfrentará 567 emendas com a MP no Congresso, tem mais dinheiro para a assistência básica da saúde, para o programa da saúde da família e para equipamentos hospitalares.
No calor dos acontecimentos, depois de anúncios mais aquinhoados do que esperava, Ziulkoski chegou a chamar seus confederados de "manada irracional". Ex-prefeito de Mariana Pimentel, cidade de quatro mil habitantes na região metropolitana de Porto Alegre, às margens da mesma BR 116 que corta Barra do Choça, Ziulkoski é do PMDB de Pedro Simon há mais de quatro décadas.
Sempre leva sua manada a Brasília. De tanto incomodar, levou o governo petista a inflar uma entidade paralela, a Frente Nacional dos Prefeitos, que não faz sombra às marchas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca pisou lá. Luiz Inácio Lula da Silva foi a todas, à exceção daquela feita no ano de sua reeleição. As duas já havidas desde a posse tiveram a presença de Dilma e, em ambas, a presidente foi vaiada.
Na primeira delas a reação presidencial, estampada em todos os jornais da época, foi de descer do palanque e reclamar, dedo em riste, com o presidente da CNM pela leviandade de seus meninos.
Desta vez, num sinal de que a vaia também pode ser pedagógica, Dilma mandou chamar o Ziulkoski no Planalto no dia seguinte. Na audiência o presidente da CNM defendeu que a renúncia fiscal de impostos federais não diminua os repasses a Estados e municípios. Mas as esperanças do presidente da CNM duraram pouco. Ontem Dilma vetou esta emenda e renovou os motivos à revolta dos prefeitos.
Ziulkoski tem o discurso que se espera de um presidente de entidade municipal. Prefeito não tem polícia, tribunal de contas nem judiciário. Por isso, ao contrário de outros governantes, é punido às pencas. Dos cargos executivos é o de mais baixa taxa de reeleição. Apenas metade dos que se recandidatam elegem-se.
No dia em que tentou salvar a presidente das vaias, foi menos corporativo. Disse que os prefeitos tinham que abrir as contas à população e dar 100% de transparência à sua gestão para conquistar o apoio das ruas.
Em Barra do Choça (BA), o prefeito é acossado pela falta de agilidade. As casas do Minha Casa Minha Vida que Oberdam Dias contratou em 2009 tiveram uma liberação tão morosa que apenas agora estão sendo concluídas.
Eleitor de Dilma em 2010, Oberdam diz que ainda não se definiu para 2014. É parte do time de 5.565 cabos eleitorais acirradamente disputados pelos candidatos a presidente. Pelo desempenho na marcha, a concorrer com a moçada, os prefeitos preferiram se unir aos protestos.

Manter a ordem - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 19/07

É dever e interesse dos manifestantes legítimos fazerem o possível para não serem confundidos com baderneiros, amadores ou profissionais



É muito fácil falar mal da polícia, aqui e na maioria dos países — mesmo nos mais adiantados, com a possível exceção de democracias tranquilas, tipo Suíça ou Noruega.

Em geral, quem reclama e se queixa é a opinião pública — da qual a imprensa é, ou tenta ser, porta-voz tão fiel quanto eloquente (ou, na opinião de alguns, simplesmente barulhento). É por isso notável o comportamento do nosso governo estadual, a propósito da reação da PM às manifestações populares de dias recentes.

É indiscutível que, por mais justa que fosse a causa, a rapaziada caiu na bagunça. Talvez seja mais correto dizer que, no meio de uma manifestação legítima e em boa causa, havia grupos que perderam o controle, se é que já não saíram de casa sem ele. E seu comportamento obviamente prejudicou a visão da opinião pública sobre um protesto absolutamente legítimo. Não é fácil, para os legítimos líderes dos eventos, evitar que isso aconteça — mas devem ter essa preocupação, evitá-lo tanto quanto possível.

A ação dos policiais, embora legítima na sua origem e na sua intenção, foi prejudicada, na opinião pública, pela falta de controle de alguns deles. Principalmente no caso de uma moça de 26 anos, atingida por uma bomba lançada por um PM, que lhe causou a perda da visão num olho.

É notável — e raro — que as autoridades tenham reconhecido que os policiais reagiram com força excessiva. Talvez seja necessário incluir na formação de policiais a consciência de que a energia usada na repressão a criminosos profissionais não pode ser a mesma empregada no restabelecimento da ordem em protestos legítimos de cidadãos.

Pode ser possível — na verdade, indispensável — incluir, na formação dos nossos PMs, a consciência de que deve haver uma nítida diferença entre o combate a bandidos e a manutenção da ordem no caso de manifestações de reivindicação ou protesto de cidadãos honestos. É provável ou talvez inevitável que, nesta segunda hipótese, baderneiros ou mesmo criminosos profissionais entrem em ação.

Cabe à polícia — e reconhecemos que não é muito fácil, às vezes quase impossível — distinguir uns de outros. Manter a ordem já não é simples; restabelecê-la, bem mais complicado.

Mas não custa lembrar que também é dever e interesse dos manifestantes legítimos fazerem o possível para não serem confundidos com baderneiros, amadores ou profissionais.

Não descobriu o Brasil - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 19/07

BRASÍLIA - Sérgio Cabral era uma estrela. Jovem, bonachão, do PMDB, governador de um dos três principais Estados, irmão camarada de Serra, amigo de Lula, aliado de Dilma. Benquisto no Congresso, bem relacionado no mundo empresarial.

Saudado como possível candidato a vice-presidente de petistas, tucanos, gregos e troianos, sonhava com o dia em que o PMDB cansasse de ficar a reboque e decidisse ter candidato próprio à Presidência.

A implosão começou em junho de 2011, quando um helicóptero caiu a caminho de Trancoso, na Bahia, matando a namorada do filho de Cabral e a mulher do badalado Fernando Cavendish, da Delta. Da tragédia pessoal, emergiu a tragédia política.

A prisão de Carlinhos Cachoeira expôs ligações perigosas dele com a Delta e as relações de Cabral-Cavendish coincidiam com as relações Delta-governo do Rio. Tudo ficou embolado, ou mal explicado.

Com a crueldade dos adversários políticos, Anthony Garotinho lançou a logomarca das agruras do governador: a foto de Cabral, Cavendish e secretários do Rio com guardanapos brancos na cabeça, na maior farra em Paris. Pegou Cabral de jeito, já bambo no meio do escândalo Delta.

Vieram os protestos e o Datafolha captou o estrago: a popularidade do governador despencou 30 pontos. Pior: os manifestantes voltaram para casa no resto do país, mas acamparam no prédio de Cabral no Leblon.

Jogado na vala comum dos políticos e alvo direto das manifestações, Cabral já não consegue entrar e sair da própria casa, está à beira de ser enxotado pelos vizinhos e se debate para sobreviver na política e fazer do vice Pezão seu sucessor.

Por paradoxal que seja, a violência dos vândalos contra o governador, contra lojas e contra tudo pode servir como tábua de salvação de Sérgio Cabral. Nada melhor para políticos em apuros do que sair da condição de "réu" e passar à de vítima.

Quem quis aniquilar Cabral de vez pode estar conseguindo o contrário.

O Brasil como prioridade: ontem, hoje e sempre - EIKE BATISTA

O GLOBO - 19/07

Eike Batista não se reconhece como o aposentado dos obituários empresariais que têm sido publicados e promete seguir empreendendo. Ele assume a responsabilidade pela derrocada da OGX, mas diz que confiou em quem não merecia confiança. Entre os arrependimentos, cita a exposição excessiva de sua vida. 'Se pudesse voltar no tempo, não teria recorrido ao mercado de ações', diz.


Ao longo dos últimos meses, decidi que não me pronunciaria sobre a avalanche que se abateu sobre minha vida privada e principalmente sobre meus negócios. Mudei de ideia nos últimos dias diante da grande insistência de amigos próximos e alguns de meus executivos. Venho a público então submeter à reflexão aspectos que têm passado em branco quando se analisa minha trajetória empresarial.

Eu me tornei um empreendedor ainda no início dos anos 80, quando me aventurei no garimpo da Amazônia. Aprendi bastante em regiões de fronteira, ambientes hostis à atividade produtiva, enormes dificuldades de toda ordem para transportar equipamentos, surtos de malária que me obrigaram a substituir equipes inteiras da noite para o dia, o desafio de extrair minério em locais quase inacessíveis e meu próprio questionamento em torno das possibilidades de êxito diante das adversidades que se apresentavam. Acabei por me tornar proprietário de minas em diversos países e decidi estabelecer-me em definitivo no Brasil e me desfazer das participações que detinha na área de mineração.

Muitas vezes as pessoas imaginam que surgi do nada, em meio a uma febre desenfreada de aberturas de capital, e que surfei na onda de um mercado em alta que, sem qualquer razão aparente, me ofereceu um cheque em branco com algumas dezenas de bilhões para que eu pudesse brincar de empreender. Nestes últimos anos aprendi muito, errei e acertei em diversos projetos contribuindo para geração de riqueza para terceiros, para mim e principalmente para investidores. Se algum dia mereci a confiança do mercado, foi porque havia uma trajetória de mais de 30 anos de muito trabalho, desafios superados, sucesso e uma capacidade comprovada de cumprir compromissos.

Como entendo que a OGX está na origem da crise de credibilidade que se abateu sobre meu nome e que acabou por turvar as realizações e conquistas de empresas como MPX, MMX e LLX, começo por ela.

O que aconteceu desde que ficou claro que a OGX não estaria apta a apresentar os resultados que um dia pareceu possível alcançar? Eu me tornei de repente um aventureiro inconsequente que arregimenta recursos para seu próprio benefício e não se importa se entregará o que havia anunciado? Hoje é difícil lembrar, mas a OGX foi construída por algumas das cabeças coroadas por décadas de serviços prestados a empresas de renome. Eu não investi na indústria do petróleo sem me cercar daqueles que eu e o mercado entendíamos estar entre os mais capacitados profissionais com que se podia contar. Ao arrematar os campos que arrematou, a expectativa em torno da OGX era altíssima. Esta mesma expectativa parecia uma irrelevância diante dos prognósticos que recebi de diversas empresas independentes no mercado do petróleo.

Uma delas foi a DeGolyer & MacNaughton (D&M). De acordo com um relatório divulgado em 2011, auditado por empresas independentes de renome internacional, a OGX possuiria recursos aproximados de 10,8 bilhões de barris de petróleo equivalente (incluídos recursos contingenciais e prospectivos). Meu corpo técnico me reafirmava, dia após dia, a mesma coisa. Minhas empresas eram auditadas por três das maiores agências de risco do mundo, e nunca uma delas veio a mim ou a público alertar que não era bem assim.

Evidentemente, eu estava extasiado com as informações que me chegavam. Podia tê-las guardado para mim? Não, eu era o controlador de uma companhia de capital aberto e o que fiz foi compartilhar todo aquele esplendor e respectivos desafios com o mercado, além dos riscos envolvidos e chances de sucesso neste negócio de tão alto risco.

Tive ofertas para vender fatias expressivas ou mesmo o controle da OGX a partir de um valuation de 30 bilhões de dólares. Há dois anos, coloquei mais um bilhão de dólares do meu bolso na companhia. Eu perdi e venho perdendo bilhões de dólares com a OGX. Alguém que deseja iludir o próximo faz isso a um custo de bilhões de dólares? Se eu quisesse, poderia ter realizado uma venda programada de 100 milhões de dólares por semestre ao longo de 5 anos. Eu teria embolsado 5 bilhões de dólares e ainda assim permaneceria no controle da OGX. Mas não o fiz. Quem mais perdeu com a derrocada no valor da OGX foi um acionista: Eike Batista.

Ninguém perdeu tanto quanto eu, e é justo que assim seja. Eu investi em um negócio de risco. É injusto e inaceitável, por outro lado, ouvir que induzi deliberadamente alguém a acreditar num sonho ou numa fantasia. Quem mais acreditou na OGX fui eu. Continuo acreditando e por isso estamos, nestes últimos meses, reinventando a companhia. Não desistirei deste desafio.

A OGX tem sido alvo de todo tipo de movimento especulativo, com vendas a descoberto no mercado e vazamentos de informações (falsas ou verdadeiras) numa escala sem precedentes e totalmente irresponsável. Muita gente ganhou dinheiro com a OGX por conta de toda esta excessiva especulação. Muitos também têm perdido dinheiro assim.

Sou solidário com os investidores que acreditaram na OGX em sua origem e que me honraram com sua confiança naquele momento ou mesmo depois, quando parecia que a companhia entregaria resultados de grande magnitude.

O que posso dizer a essas pessoas é que acreditei neste cenário tanto quanto elas. Investi e continuo investindo quase todo meu patrimônio, tempo e dedicação na OGX e nas demais empresas X. E lamento profundamente não ver confirmados os prognósticos de consultorias de renome, auditados por agências de idêntico renome e referendados por executivos de renome.

Sou um otimista incorrigível em relação a meu país, a meus negócios e às pessoas que me cercam.

Ao longo de minha atividade empresarial, os êxitos e conquistas superaram largamente fracassos e erros. Mas os fracassos aconteceram e eu nunca os escondi. Tive experiências mal sucedidas com a fabricação de jipes, com uma empresa concebida para concorrer com os Correios, com algumas minas fora do Brasil das quais tive de abrir mão por fatores diversos. Mas eu nunca deixei de ser transparente, pagar ninguém e nem de honrar meus compromissos. Sempre mirei atividades de alto risco com possibilidades de elevados retornos para parceiros e acionistas. Mineração é uma atividade de risco. Extração de petróleo é uma atividade de alto risco. As promessas de retorno são elevadas, num caso e noutro, mas o risco é grande. Isso jamais foi escondido, faço questão de pontuar novamente.

Mais do que ninguém, me pergunto onde errei.

O que deveria ter feito de diferente? Uma primeira questão talvez esteja ligada ao modelo de financiamento que escolhi para as empresas. Hoje, se pudesse voltar no tempo, não teria recorrido ao mercado de ações. Eu teria estruturado um private equity que me permitisse criar do zero e desenvolver ao longo de pelo menos 10 anos cada companhia. E todas permaneceriam fechadas até que eu estivesse seguro de que havia chegado o momento de abrir o capital. Nos projetos que concebi, o tempo se revelou fator de estresse vital para a reversão de expectativas sobre companhias que ostentam resultados amplamente satisfatórios e possuem ativos valiosos.

Nos casos de MPX, MMX e LLX, a depreciação do valor de mercado é claramente incompatível com o que têm a oferecer. Estes últimos investimentos que efetuei tiveram como importante motivação contribuir para um Brasil mais competitivo, estruturado logisticamente e capaz de proporcionar um futuro melhor para o conjunto de sua população. A MPX possui a maior carteira de projetos licenciados do país. Ela se tornou modelo no conceito de térmicas ao longo da costa e gera hoje 2 mil megawatts, o suficiente para alimentar a cidade do Rio de Janeiro.

Em pleno cenário de crise energética, foi dito publicamente por um membro da Aneel que, graças à MPX, não haveria apagão ou racionamento de energia. A MMX já produz 7 milhões de toneladas anuais de minério de ferro e conta com um ativo de importância estratégica vital, o Porto do Sudeste. Graças a ele será possível extrair minério de ferro de Minas Gerais e exportar a partir do quadrilátero ferrífero com ampla repercussão para a logística e para a balança comercial.

A LLX conta com o Porto do Açu, pólo industrial para os setores de petróleo e para o transporte de cargas em geral e a granel. É um porto-indústria que revela, em escala crescente, sua capacidade de atrair novas parceiras para sua retroárea de aproximadamente 90 km².

Dentre as empresas que já se instalaram ou estão se instalando no Açu, estão Technip, National Oilwell Varco (NOV), BP, GE, Wartsila e Vallourec, todas grandes corporações internacionais que acreditam nos meus negócios e no Brasil.

As pessoas ainda comentam que sou o cara do papel, do power point. Por que não visitam o Porto do Açu? Por que não visitam o Porto do Sudeste? Por que não visitam as plantas da MPX? É justamente o oposto do que se tem falado: sou o cara da economia real, que, mesmo com muitos obstáculos, coloca as coisas de pé. No pico das obras de meus empreendimentos, 30 mil pessoas estavam empregadas tornando concreto o que até então eram apenas sonhos. Isso é papel? Trinta mil pessoas em atividade? Eu realmente gostaria que todos os que duvidam de minha capacidade de entregar pudessem visitar o Porto do Sudeste e o Porto do Açu e as térmicas da MPX já em operação. É um convite que gostaria de fazer a todos. São empreendimentos para o Brasil, para o futuro do país.

Meu sentimento é de que, em pouco tempo, as pessoas vão olhar para trás e pensar que pude oferecer minha contribuição ao desenvolvimento do sistema logístico brasileiro. Coloquei 2 bilhões de dólares do meu bolso na construção de um estaleiro por acreditar nas encomendas da OGX. No total, investi mais de 4 bilhões de dólares em recursos próprios nas empresas X.

Tomei a decisão de reestruturar o controle das companhias. Faço isso com a certeza de que tenho um legado a deixar ao país, e não abrirei mão de colaborar na condição de acionista relevante em cada companhia. Honrarei todos os meus compromissos. Não deixarei de pagar um único centavo de cada dívida que contraí.

Acredito no meu país e nunca desistirei de investir recursos próprios em ativos que contribuem para toda a sociedade.

Eu me enxergo e continuarei a me enxergar como um parceiro do Brasil. Acho que cumpri esse papel ao conceber e entregar projetos que terão uma importância crucial nas próximas décadas. Falhei e decepcionei muitas pessoas, em especial por conta da reversão de expectativas da OGX. Esta reversão contaminou todo o Grupo X e acarretou um déficit de credibilidade com o qual nunca me deparei em minha trajetória. Mas o fato é que fui tão surpreendido quanto cada um de meus investidores, colaboradores e todo o mercado. Esta é a verdade. Hoje me sinto frustrado por não ter sido capaz de entregar o que eu mesmo esperava nos casos da OGX e da OSX, esta última concebida em parte para oferecer suporte à primeira em suas atividades.

Mas acredito que a OGX reestruturada se tornará um player relevante no setor em que atua, assim como confio numa OSX redimensionada a partir de um novo cenário.

Sempre agi de boa-fé e sempre o farei. Acho que era isso o que mais gostaria de dizer e que, assim espero, sintetiza meu percurso empresarial nos últimos cinco anos. Com minha estrutura de capital equacionada, continuarei a empreender e tenho convicção de que ainda vou gerar riqueza novamente e deixar um país melhor com estes ativos que criei do zero. Eu talvez faça isso agora sem o mesmo peito aberto de antes. Talvez tenha confiado demais em pessoas que não mereciam esta confiança, ainda que no final a responsabilidade seja toda minha. Com certeza eu também não me submeteria à exposição pública excessiva de tempos recentes, da qual me arrependo sobretudo por haver exposto igualmente minha família e meus amigos a uma curiosidade indesejada.

O orgulho de erguer do nada tantas empresas em tempo tão curto me colocou no centro do palco e eu me vi como o porta-voz de um novo empreendedor, que não tem vergonha de expor suas conquistas e mostrar que é possível gerar riqueza e ao mesmo tempo contribuir com o desenvolvimento do país.

Tenho consciência de que fui um símbolo para as pessoas, a representação de um Brasil que prospera, que dá certo e está preparado para desempenhar um papel de preponderância global. A destruição de valor dos meus negócios colocou por terra talvez o sonho de muita gente que acreditou na possibilidade de partir do zero e se tornar um empreendedor de sucesso. Espero que elas procurem enxergar o que deu certo em minha trajetória e peço que esperem alguns anos para uma avaliação mais definitiva do que terei sido capaz de construir com o apoio dos que acreditaram e dos que ainda acreditam em mim. Houve muitos acertos e eles ficarão mais evidentes em tempo não tão longo. Não me refiro apenas aos negócios propriamente ditos. Nestes últimos cinco anos, apoiei causas de naturezas diversas, que me levaram a investir centenas de milhões de reais próprios em projetos de interesse público e social ou mesmo de caráter humanitário, principalmente na Cidade do Rio de Janeiro, o que hoje é esquecido por muitos. Isso eu faria e farei novamente se estiver a meu alcance.

Nos últimos meses, meu obituário empresarial tem ocupado as páginas de blogs, jornais e revistas. Só posso dizer que me vejo muito longe deste Eike aposentado. Tenho 57 anos e muita energia para arregaçar mangas e tirar do papel novos projetos. Sou um empreendedor brasileiro, acredito no que faço, amo meu país. A cada dia, minha cabeça fervilha com ideias novas, que nascem do nada e tomam forma aos poucos. Eu me alimento desta capacidade de sonhar e de realizar.

Empreender está no meu sangue, no meu DNA. É minha fonte inesgotável de energia e de vida.

Para não ficarmos imobilizados nas ruas - WASHINGTON NOVAES

ESTADÃO - 19/07

Já não era sem tempo. A mobilização social, dezenas de grandes manifestações nas cidades com reivindicações em muitas áreas, afinal trouxe para as ruas um tema - a chamada "mobilidade urbana" - até então quase limitado às notícias de prejuízos financeiros ou de tempo perdido pelos usuários. Por isso mesmo, a discussão mais ampla ficava bastante confinada a editoriais de jornais ou artigos de especialistas.

Os números e outras informações sobre transporte urbano nesses dias foram impressionantes. A começar pelo cálculo (Mobilize, 12/7) de que as isenções de impostos para veículos de transporte individual e gasolina desde 2003 já somam R$ 32,5 bilhões, com os quais seria possível implantar 1.500 km de corredores de ônibus ou 150 km de metrô. Pode-se comparar essa cifra também com aplicações do Ministério das Cidades para financiar 95,6 km de metrô, trens, estações: R$ 15,4 bilhões. Só a redução da Cide no preço da gasolina significou R$ 22 bilhões; as reduções de IPI sobre veículos chegarão no fim deste ano a R$ 10,5 bilhões. Mas o ministro da Fazenda tem dito que esses subsídios são importantes porque a indústria automobilística significa 25% da produção industrial - ainda que, pode-se acrescentar, signifique prejuízos imensos para os usuários de transportes coletivos.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), já há três anos São Paulo perdia R$ 33 bilhões anuais com congestionamentos de trânsito - R$ 27 bilhões só com o que deixava de produzir no tempo perdido (Estado, 19/9/2010). O tempo médio que os paulistanos perdiam no transporte já chegava a quase três horas por dia, nesse mundo de 3,8 milhões de veículos. Hoje, conforme a FGV, são R$ 50 bilhões anuais, mais que o orçamento da Prefeitura paulistana, de R$ 42 bilhões. E não por acaso, em 12 anos as tarifas subiram (192%) mais que a inflação - dados do Ipea (Estado, 5/7). Para o cidadão o prejuízo anual é de R$ 7.662,33, de acordo com a Fundação Dom Cabral. Sem falar nos problemas e custos da poluição do ar, para as pessoas e o poder público.

Mas como se vai enfrentar tudo isso se a questão da mobilidade urbana não chega a inspirar macropolíticas que conjuguem não apenas todas as áreas e municípios das regiões metropolitanas e grandes cidades, como enfrentem os problemas centrais - como diz a estudiosa Raquel Rolnik (24/6)? Fazê-lo implicaria romper com o modelo rodoviarista, rever custos e contratos de concessão (trombando com a cartelização), abrir as contas públicas do setor de transportes. Como avançar sem questionar, por exemplo, o projeto do trem-bala Rio-São Paulo, que, só ele, já é orçado em R$ 33 bilhões (começou em R$ 10 bilhões, hoje se diz que poderia chegar a R$ 60 bilhões, e ainda com financiamento público de 90%). Seu orçamento já daria para triplicar o metrô em São Paulo e no Rio, diz a jornalista Miriam Leitão. E ainda se pode comparar com o que a União, segundo o site Contas Abertas, investiu no setor em 11 anos: apenas R$ 1,1 bilhão dos R$ 5,8 bilhões previstos em orçamentos. O sétimo balanço do PAC mostra que das 50 obras para a mobilidade urbana apenas duas foram concluídas, 63 projetos para cidades médias estão "em preparativos".

E os danos com acidentes? O Brasil já é o país em quinto lugar nos acidentes de trânsito, com 21,5 mortes por 100 mil habitantes (4 na Alemanha, 2,5 na Suécia). Já devemos estar acima de 40 mil mortes por ano (eram 37,6 mil em 2009), das quais 8,79 mil de pedestres. Não por acaso, quase 50% dos carros testados no País (15 de 26 modelos) eram inseguros, segundo o Programa de Avaliação de Carros Novos na América Latina (Estado, 10/6). A rede pública de saúde investiu em 2011 mais de R$ 200 milhões no tratamento de 157 mil vítimas do trânsito; em cada 10 leitos de UTIs, 4 são ocupados por elas.

Mas a frota de veículos só cresce. São mais de 300 mil automóveis e outros veículos novos por mês. Em dez anos, a frota cresceu 122%, enquanto a população aumentava 12% (O Globo, 30/1). A indústria do setor prevê que até o final da década dobrará o número de carros nas ruas - para circular onde?

Não haverá soluções? Em muitos lugares elas estão sendo buscadas, por vários caminhos. Buenos Aires, por exemplo, avançou muito com a expansão das vias exclusivas para ônibus, implantação do BRT (Bus Rapid Transit) em 200 km de corredores exclusivos, ampliação de vias para bicicletas (Instituto do Meio Ambiente, 12/7). Na Cidade do México, três linhas de trens foram instaladas com subsídios, assim como 25 corredores para BRT (que incluem mais 15 cidades). Os EUA multiplicaram seus trens de alta velocidade para cobrir 6.800 km - e a um número próximo pretendem os chineses chegar até 2015. Na Inglaterra, em Pointon, estão sendo retirados os semáforos das ruas e promovido o compartilhamento dos espaços entre veículos e pessoas, sem confinamentos - o mesmo conceito que a Coreia do Sul está adotando na cidade de Songdo. Viena tem 1.700 km de ciclovias, além do metrô, do bonde, dos VLTs (veículos leves sobre trilhos), dos ônibus elétricos.

Afirma a Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano (Eco21, junho de 2013) que há 113 projetos de BRT em 25 cidades brasileiras e que até 2016 eles estarão implantados em 1270 km de corredores exclusivos - o que significaria forte avanço, já que um ônibus transporta tantos passageiros quanto 120 automóveis.

Com passeatas nas ruas ou não (graças à redução de tarifas), o tema não pode ir de novo para segundo plano ou o esquecimento - ou, então, estaremos todos condenados à imobilidade e ao impensável.

P. S.: No artigo da semana passada neste espaço cometi um engano: onde se lê que com "cada metro cúbico" de radiação solar se pode gerar muito mais energia que em outros formatos, o correto é "em cada metro quadrado". Peço desculpas pelo descuido.

Causas e causos - MARINA SILVA

FOLHA DE SP - 19/07

Gosto de conversar com pensadores do Brasil e do mundo contemporâneo, como na roda de conversa desta semana, promovida pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade, ou no contato com o filósofo Renato Janine Ribeiro, que ele relatou esses dias. Alguém pode supor um mero objetivo eleitoral. É muito mais: o diálogo sempre será tão essencial quanto o ar e o alimento.

Ora, direis, ouvir filósofos, por certo não queres capitalizar o clamor das ruas, os resultados das pesquisas, as possibilidades do marketing. Mas insisto na ideia de que a política não deve ser reduzida ao cálculo de perdas e ganhos.

Senão, vejamos. Na pressa de escapar à rejeição das ruas, o governo anunciou pactos, constituinte e plebiscito, em nervosa gesticulação que o Congresso já tratou de acalmar. Tudo resulta numa minirreforma feita para garantir o monopólio dos partidos, a manutenção de antigos esquemas e um "centrão" dominante há décadas, seja qual for o governo.

O que sobra em pragmatismo, falta em compreensão das causas profundas, da necessidade de democratizar a democracia com a participação direta e os aplicativos das novas tecnologias. Despreza-se boas propostas, como as listas independentes, por falta de reflexão sobre o sentido da ação política na civilização em crise.

Tivessem ouvido os pensadores, suportariam o rumor das ruas sem a ansiedade de abafar um possível grito das urnas.

Que ouvissem, então, o povo, que é filosófico por natureza e tem sabedoria no humor. A minirreforma me lembra um saboroso causo nordestino que meu pai costumava contar.

Havia um pregador que disfarçava seu despreparo teológico com o que chamaremos de exageros para evitar a palavra mentira, que o povo do vilarejo usava para justificar seu afastamento da congregação. Vendo a perda de fiéis, o pregador achou um meio de se controlar: amarrou-se num barbante que um auxiliar, oculto, puxaria quando ele se excedesse.

Assim preparado, foi pregar na Sexta-Feira Santa e narrou o episódio da prisão de Jesus, em que Pedro corta a orelha do soldado romano. Disse que o apóstolo usou uma espada de doze metros. Sentindo a sacudida do ajudante, reduziu: digamos, irmãos, que a espada tivesse seis metros. E eis que longe da vista de todos, o ajudante é atacado por um credor, exigindo a quitação de uma dívida. Discutem e trocam socos. Quando consegue livrar-se, o ajudante vê que mantivera o barbante na mão durante a refrega. Corre para o salão, onde o pregador, ajoelhado, jurava pelos cravos da Paixão que a tal espada não passava de um canivetezinho.

Se os chefes da República ouvissem a sabedoria popular, fariam uma reforma do tamanho do Brasil. Ou, pelo menos, entregariam o barbante de seu comando político a auxiliares menos endividados.

Fazendeiros do ar - NELSON MOTTA

O GLOBO - 19/07

Para os mais conhecidos já está difícil ir a bares e restaurantes, e os cinemas, mesmo escurinhos, ficam perigosos quando a luz acende. Estádios, nem pensar. Está dura a vida dos políticos brasileiros



Eles podem até acreditar que é tudo inveja e ressentimento dos que estão fora do ar, como devem lhes dizer seus assessores, mas os abusos de aviões da FAB pelos presidentes da Câmara e do Senado se tornaram um símbolo do ponto de saturação a que chegamos e de como estamos longe — e eles mais longe ainda — das transformações exigidas pelas ruas e que eles fingem que ouviram, votando projetos populistas de afogadilho, mas fazendo tudo para atrasar o fim de seus privilégios.

Diante de tudo que aconteceu ultimamente, a melhor justificativa que eles poderiam dar para voar em jatos da FAB para casamentos e jogos de futebol seria a segurança, a que têm direito por lei. Como enfrentar um aeroporto lotado, escondido nas salas VIP e cercado de assessores e seguranças? Como entrar num avião de carreira sob vaias e insultos? Para os mais conhecidos já está difícil ir a bares e restaurantes, e os cinemas, mesmo escurinhos, ficam perigosos quando a luz acende. Estádios, nem pensar. Está dura a vida dos políticos brasileiros.

Todo político adora ser conhecido, ter um rosto familiar, ser cumprimentado nas ruas, afinal eles vivem disso. Mas agora, com raras e notórias exceções, eles querem passar despercebidos, se possível invisíveis, como se fossem, ó ironia, cidadãos anônimos e comuns. Mas suas fotos caíram na rede e vai ser arriscado enfrentar as multidões nas festas juninas do Nordeste sob a ameaça de vaias e insultos a qualquer parada da música ou imagem no telão. A quadrilha não pode parar.

Mas eles não mudam, é da sua natureza, só vão trocando de nome e de partido. O presidente da Câmara, Henrique Alves, é o arquétipo do político profissional brasileiro, com incontáveis mandatos, a mais completa tradução das oligarquias nordestinas e dos velhos políticos execrados pelas ruas. Ele não se contenta com um avião da FAB exclusivo para transportá-lo, faz questão de dar carona a amigos, parentes e correligionários, distribuir assentos e privilégios no velho estilo coronelesco, para impressionar provincianos deslumbrados e demonstrar seu poder. É como se o avião fosse a sua fazenda.

Eles querem decência - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 19/07
Muita gente continua se fazendo de desentendida sobre o que queriam os mais de 1 milhão de pessoas que saíram às ruas para protestar em junho. Será que é tão difícil entender? As principais reivindicações ficaram claras. Claríssimas. Cobravam educação, saúde e transporte público de qualidade. Condenaram a gastança com a Copa e apontaram o modelo de escolas, hospitais e transporte que esperam dos governantes: padrão Fifa. Ou seja: o mesmo dos estádios construídos para o Mundial.
A outra reivindicação, que pegou sobretudo o governo federal e o PT no contrapé, foi a exigência de ética na política. Um basta à ladroagem de dinheiro público, à impunidade e ao escárnio com a população que paga impostos e em troca não recebe serviços públicos de qualidade. A eleição, nas urnas, não é um cheque em branco como o que Lula disse que daria a Roberto Jefferson antes de o ex-aliado denunciar o escândalo do mensalão.

Desde a ascensão do PT até os dias atuais, os tempos mudaram. Quem ousa falar em honestidade logo é apontado como um pária, golpista, udenista, o diabo a quatro. "Quer identificar um direitista?", perguntam os blogueiros chapas-brancas de aluguel. "É só observar se ele fala em combate à corrupção ou defende algum tipo de lisura na vida política", dizem. Quem quer que ouse denunciar algum tipo de falcatrua, logo é vítima de fuzilamento sumário na internet e tachado de golpista.

A grande ironia é que o discurso do PT antes de chegar ao poder era quase monotemático. Só se falava contra a corrupção e em defesa da ética na política. Nada mais natural, pois, que seja o principal alvo das insatisfações nas ruas. Grande parte dos manifestantes são pessoas que se sentem traídas pelo partido. Até hoje esperam o prometido mea-culpa que, segundo Lula, o PT deve ao país pelas maracutaias de aloprados e mensaleiros.

Em vez da desculpa, veio o alinhamento ainda mais profundo com Collor, Renan, Sarney, Maluf, até o país chegar à situação atual. Apesar de o povo nas ruas ser claro em suas principais reivindicações, o PT ainda tenta se aproveitar da situação para propor uma reforma política que, se aprovada, tende a aumentar seu poder e a agravar a crise. A esperança de um novo Brasil, mais justo e mais ético, que emergiu com as manifestações nas ruas, corre o risco de acabar em pesadelo. Do jeito que a coisa vai, estamos mais para Venezuela do que para Dinamarca. Uma pena.

Uma reforma para Dilma - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 19/07

SÃO PAULO - Em mais um lance da partida de passa anel'' entre Executivo e Legislativo, com um empurrando para o outro a batata quente de responder às ruas, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), sugeriu que Dilma Rousseff corte de 39 para 25 o número de ministérios.

É uma conta feita para gerar um factoide e um número redondo, e não uma proposta para valer. Se fosse, o PMDB teria de dizer que abriria mão de 36% de seu espaço na Esplanada. Mas Alves não chegou até aí.

Ainda que involuntariamente, no entanto, ele apresenta um número realista caso Dilma quisesse mesmo enxugar o governo --e não criar cargos ridículos como o de diretor do Departamento de Racionalização das Exigências Estatais da Secretaria de Racionalização e Simplificação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.

Para chegar ao número mágico, há uma engenharia simples:

1. Tirar o status de ministério de dez secretarias, reduzindo as estruturas e vinculando-as a outras pastas;

2. Tirar o caráter ministerial de órgãos de assessoria da Presidência, como Advocacia-Geral e Controladoria-Geral da União, Gabinete de Segurança Institucional e Secretaria de Comunicação de Governo;

3. Devolver os portos e aeroportos ao Ministério dos Transportes;

4. Extinguir o folclórico Ministério da Pesca e repassar suas atribuições à Agricultura (se nem a pecuária tem sua própria pasta, por que a pesca?);

5. Rever a gambiarra que tornou ministro o presidente do Banco Central, uma jabuticaba lulista;

6. Extinguir a desacreditada pasta das Relações Institucionais e devolver a articulação política à Casa Civil.

A conta é simples e a lógica cristalina, mas tal reforma não sairá porque partidos como o PMDB e caciques como Henrique Alves não permitirão --o risco é romperem com Dilma e implodirem sua reeleição.

Como o plebiscito, a reforma ministerial do PMDB é conversa mole para tentar fazer o gigante dormir.

O alerta do BC sobre os gastos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/07

Em pronunciamentos recentes, em especial os voltados para representantes do mundo empresarial, a presidente Dilma enfatizou que a inflação este ano ficará “dentro da meta” e que o governo não deixará que os preços fujam ao controle.

Mas num mesmo pronunciamento a presidente também fez a defesa da política fiscal do seu governo, afirmando que os gastos com pessoal, como percentual do Produto Interno Bruto (PIB), estão no menor patamar dos últimos anos, além de chamar a atenção para a estabilização do déficit da previdência social em termos relativos e a queda das despesas com juros.

Ainda bem que o próprio Ministério da Fazenda reconhece que é preciso um ajuste na execução do orçamento federal, para que o setor público de fato consiga atingir um superávit primário equivalente a 2,3% do PIB em 2013 — de preferência, sem “contabilidade criativa”. Um corte de R$ 15 bilhões nos gastos está para ser anunciado.

O ajuste é claramente uma resposta favorável aos apelos que o Banco Central vem embutindo em seus seus documentos de avaliação sobre a trajetória da inflação, como é o caso da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ontem divulgada. Na linguagem peculiar dessas atas, o BC assinala a importância da geração de superávits primários nas contas públicas para que as metas de inflação sejam alcançadas, contribuindo “para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta”, e solidificando “a tendência de redução da razão dívida pública sobre o PIB e a percepção positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e longo prazos”.

De fato, na atual conjuntura de baixo crescimento, a inflação deveria ter recuado, não fosse a política fiscal expansionista que o governo federal resolveu adotar como terapia para evitar a contaminação da economia brasileira pela crise financeira internacional. A opção se mostrou equivocada, pelos resultados registrados (fraco crescimento associado a uma alta de preços), e, simultaneamente, pôs em descrédito todo o esforço feito para fortalecer os chamados fundamentos econômicos do país. Malabarismos contábeis se tornaram a tônica do ajuste das finanças públicas, mas não convenceram ninguém, muito menos as agências internacionais de avaliação de risco que puseram o conceito do Brasil em perspectiva negativa.

Se o governo agora deseja mesmo baixar a inflação para o centro da meta, precisa seguir as recomendações do Copom.

Populismo penal - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 19/07
Aprovado com alarde pelo Senado e saudado pela presidente Dilma Rousseff como uma resposta à "voz das ruas", o Projeto de Lei 5.900/13, que tipifica a corrupção contra a administração pública como crime hediondo, foi classificado por criminalistas e especialistas no combate aos crimes de colarinho-branco como "inócuo" e "populista". O projeto já foi enviado para a Câmara e deve ser submetido ao plenário ainda esta semana.

"É uma medida de populismo penal. O projeto dá uma certa satisfação à opinião pública, mas é pura ilusão. Não é estabelecendo uma tipificação mais dura que se resolve o problema", diz o jurista Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade do Largo São Francisco (USP).

"Hediondos são os senadores que aprovaram o projeto. Isso é surfar na onda das manifestações de protesto, querendo usar o Código Penal como prancha", afirma o criminalista Técio Lins e Silva.

Segundo os criminalistas, se a corrupção se alastrou para todas as instâncias da administração pública, isso não ocorreu por falta de rigor da legislação penal vigente, mas por falta de determinação política para aplicá-la efetivamente. "O que combate a corrupção é a mudança de práticas, o controle adequado e políticas públicas que não transijam com a malandragem", adverte Lins e Silva.

Em outras palavras, se a presidente da República e os parlamentares quisessem realmente moralizar a máquina governamental, o mais sensato teria sido manter a legislação penal em vigor e propor a revogação dos dispositivos que dificultam a condenação, pela Justiça, de governantes e políticos processados por crimes de peculato, concussão e corrupção ativa ou passiva, dizem os criminalistas.

O que faz os corruptos recuarem não é o tamanho da pena, mas o risco de terem de cumprir pena, afirmam. De que adianta aumentar as penas, se as possibilidades de os condenados irem para a prisão são pequenas?

Entre os deputados que poderão votar o Projeto de Lei 5.900/13, por exemplo, quatro - Pedro Henry (PP-Mt), Valdemar Costa Neto (PL-SP), José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) - foram condenados por envolvimento no escândalo do mensalão e aguardam o julgamento de recursos impetrados para reduzir as penas e evitar seu cumprimento em estabelecimento penal. Como o Supremo Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento da Ação Penal 470 em caráter definitivo, do ponto de vista formal nada impede os quatro de participar da votação - ainda que do ponto de vista ético ou moral isso seja uma aberração.

Para combater a corrupção de forma eficaz, a presidente da República, em vez de aplaudir a conversão da corrupção em crime hediondo, deveria ter mobilizado a bancada governista no Senado para votar os projetos de lei e as PECs que determinam que os réus condenados por crimes graves sejam obrigados a começar a cumprir suas penas a partir das decisões colegiadas da segunda instância, e não só depois de todos os recursos serem julgados. Também deveria ter pedido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que fosse mais rigoroso na cobrança da chamada Meta 18, que pede aos tribunais que julguem, ainda este ano, todas as ações judiciais impetradas até 2011.

Criminalistas, procuradores e magistrados lembram, ainda, que outras medidas legislativas que endureceram a legislação penal, como a transformação do homicídio qualificado, do estupro e do sequestro em Crimes hediondos, não resultaram na diminuição desses delitos.

A pressa do Senado em votar o Projeto de Lei 5.900/13 foi tanta que os senadores se esqueceram de definir quais os casos de corrupção que poderão ser tipificados como hediondos. Do modo como o projeto foi aprovado, receberão o mesmo tratamento tanto um empreiteiro mancomunado com um ministro de Estado fraudando uma licitação quanto o guarda de trânsito que recebe propina para não multar um veículo parado em local proibido.

Lei do bom senso - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 19/07
A violência das manifestações no Rio de Janeiro impõe cuidados especiais na estratégia de segurança do papa. Cenas de depredação, saques, quebra de vitrines, destruição de agências bancárias e fogueiras no meio de ruas dão recado claro às autoridades: manter a integridade do ilustre visitante será desafio para cuja resposta não se admite falha.

Dois fatores convergentes e indissociáveis orientam as ações necessárias à proteção de um chefe de Estado. De um lado, consideram-se as regras do país de origem. De outro, as que vigem na nação anfitriã. Trata-se de tática em que as duas fontes buscam a máxima harmonia para que, em caso de eventual falha, os deslizes não sejam facilmente atribuíveis a uma ou a outra parte. Em bom português: há corresponsabilidades.

Visões românticas, como a do ministro Gilberto Carvalho, devem ser descartadas sem titubeios. O secretário-geral da presidente Dilma Rousseff afirmou que o povo se encarregará de proteger Francisco. É claro que a maioria dos que acompanharão o evento - mais de 1 milhão de pessoas - não pensa em promover badernas ou ataques ao pontífice. Mas daí a atribuir-lhes o papel de guardiães vai abissal distância.

O Vaticano também parece ter o olhar distante da realidade. Emissários da cidade-Estado insistem em afrouxar as cautelas que têm de cercar o chefe da Igreja Católica. O maior impasse reside na blindagem do papamóvel. Seria desejo de Francisco abrir mão da defesa para que as aparições públicas sejam feitas em veículo sem vidro. Assim, o contato com adultos e crianças ganharia naturalidade e calor humano.

É inaceitável. Jorge Mario Bergoglio andava a pé e circulava de ônibus pelas ruas de Buenos Aires. Fazia-o na condição de cardeal. Na de papa, tem restrições na liberdade de ir e vir. O pouco tempo de papado, aliado a invejável carisma, longe está de criar escudo apto a protegê-lo em terras brasileiras. O governo não pode sucumbir à ingenuidade de que a culpa pelo afrouxamento do rigor, em caso de atentado, não lhe seja totalmente atribuída. Tudo será debitado ao Brasil.

Urge que o Itamaraty e o Vaticano revejam os planos de segurança a fim de que nem vontades pessoais nem visões oraculares ofusquem a Jornada Mundial da Juventude com a mácula da violência. Como responsável em última instância pela segurança do papa e dos eventos que envolvem sua presença, é imprescindível recorrer a esquema rigoroso que não abdique do papamóvel blindado. O risco a Sua Santidade tem o dom da multiplicação. Põe em perigo a guarda que o acompanha, os agentes brasileiros, a população e a imagem nacional. Não é pouco.

Jogo de empurra - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/07

Corte de ministérios sugerido por peemedebista devolve a Dilma responsabilidade de dar resposta às ruas e acirra atrito dentro do governo


Se havia alguma dúvida de que está carcomido o sistema de apoio político da presidente Dilma Rousseff (PT), o deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) tratou de reduzi-la a pó.

Em entrevista à Folha e ao UOL, o presidente da Câmara afirmou que Dilma deveria preparar para o começo do segundo semestre uma reforma em sua equipe. Sem aparentar nenhum pudor com as próprias palavras, Alves sugeriu a diminuição do número de ministérios, dos atuais 39 para 25.

É difícil crer que o terceiro nome na hierarquia da República esteja falando sério. O sempre governista PMDB é o maior aliado da administração petista e está abrigado em cinco pastas: Agricultura, Minas e Energia, Previdência Social, Turismo e Aviação Civil (secretaria com status ministerial).

É razoável supor que, em uma eventual ordem de despejo, os titulares desses últimos dois ministérios terminariam desalojados.

Ainda que se possa argumentar que o PMDB veria aumentar seu poder relativo caso fossem cortadas 14 pastas --algumas siglas da base aliada poderiam ficar sem espaço no governo federal--, o mais provável é que Henrique Alves, com a anuência de seu partido, esteja apenas armando uma esparrela para a presidente.

Se Dilma reduzir os ministérios neste momento, não só ampliará os atritos com os aliados como terá agido somente após manifestação do PMDB --e não por iniciativa própria. Dois resultados indesejáveis do ponto de vista eleitoral.

Por outro lado, se a presidente nada fizer --e parece ser exatamente este o caso, como já sinalizou a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti--, ela carregará o peso de não ter dado a devida atenção aos protestos recentes.

O presidente da Câmara devolve para Dilma, com isso, a responsabilidade de dar uma resposta às ruas --ônus que a petista tentou transferir para o Congresso Nacional ao sugerir uma reforma política pela via plebiscitária.

Sob a perspectiva orçamentária, a redução de ministérios teria pouco impacto nas contas públicas. Estima-se que o custo da gestão federal (a máquina das 39 pastas) represente menos de 10% das despesas primárias do governo (sem considerar gastos com juros).

Se cabe a paráfrase, não é tanto pelo corte em si, portanto, mas pelo que ele significa em termos de comprometimento com a austeridade. O governo da presidente Dilma Rousseff, contudo, parece incapaz de adotar até mesmo as iniciativas simbólicas.

Ameaça real - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 19/07

O quebra-quebra promovido em bairros nobres da Zona Sul do Rio de Janeiro na noite de quarta-feira, particularmente nos bairros Leblon e Ipanema, demonstra um elevado grau de desvirtuamento de manifestações que, até recentemente, vinham merecendo amplo apoio da sociedade. Ao mesmo tempo, expõe o despreparo dos organismos de segurança para lidar com atos sem coordenação claramente definida, característicos dos que se multiplicaram pelo país a partir do último mês. O descontrole, que contribuiu nos últimos dias para um recuo de multidões dedicadas a pressionar pacificamente por soluções para alguns problemas emergenciais do país, atinge proporções preocupantes, exigindo uma revisão imediata na estratégia oficial de segurança. Esse é o momento de o poder público discernir quem luta por causas justas, e fazer a sua parte para atendê-las, e quem se dispõe simplesmente a destruir patrimônio público e privado, devendo por isso se responsabilizar pelos prejuízos.
Por razões óbvias, fatos como os registrados agora no Rio ganharam imediatamente projeção internacional, fazendo com que os prejuízos não se limitem apenas aos danos físicos e de ordem material. Ainda assim, o balanço de iniciativas como a que transformou parte da mais conhecida cidade do país numa verdadeira praça de guerra só pode provocar indignação na comunidade: pessoas feridas, clientes que são obrigados a sair às pressas de estabelecimentos comerciais, pessoas que não conseguem entrar em casa depois do trabalho ou das aulas, vitrinas destruídas e lixeiras arrancadas e incendiadas, além de lojas completamente saqueadas por ladrões acobertados por máscaras infiltrados entre manifestantes.
O recrudescimento da violência nos protestos ocorre às vésperas da visita oficial do papa Francisco, que chega ao país na segunda-feira para a Jornada Mundial da Juventude. Coincide também com o momento em que a escolha do país para a Copa de 2014 é questionada publicamente pela Fifa, justamente pela dificuldade enfrentada pelo poder público para manter os protestos dentro dos limites da ordem. As perdas, por isso, vão muito além das enfrentadas nas imediações dos conflitos, estendendo-se também à própria imagem externa do país, reconhecido internacionalmente pela hospitalidade, pelo elevado grau de civilidade e pelo respeito que os brasileiros, de maneira geral, costumam dedicar ao próximo.
Quando uma minoria passa a afrontar as instituições, desrespeitando qualquer limite legal ou do bom senso, cabe ao poder público assegurar direitos mínimos do conjunto dos cidadãos. A sociedade está aprendendo a ser mais tolerante com os apelos por um país mais justo e mais próspero, mas não pode assistir inerte a quem boicota esse processo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Há consenso na questão do número exagerado de ministérios”
Henrique Alves, presidente da Câmara, defendendo corte de 39 para 25 ministérios


DILMA FAZ APELO POR ‘ATO MÉDICO’ A POLÍTICOS ALIADOS

Preocupada com os protestos de profissionais da saúde no país, justo no pior momento de seu governo, a presidente Dilma Rousseff fez um apelo ontem (18) a lideranças de partidos aliados para comprarem a briga a favor dos vetos a artigos do Ato Médico. Durante almoço em Fortaleza, a presidente defendeu que é um “absurdo” impedir que outras categorias da saúde “sequer possam aplicar uma injeção”.

BOICOTE COLETIVO

Em guerra com o governo, a bancada do PMDB não deu as caras nos atos de Dilma em Fortaleza. Nem o senador Eunicio Oliveira apareceu.

ATÉ TU, BRUNO?

O petista Artur Bruno, que votou contra Dilma no projeto que destina royalties à educação, também faltou ao evento: “Estou doente”, garante.

ATO FALHO

Durante o discurso, Dilma esqueceu o nome do prefeito Roberto Claudio (PSB), a quem já maltratou em reunião em Brasília.

RASGAÇÃO DE SEDA

O governador Cid Gomes não poupou elogios à Dilma, a quem diz ter “eterna gratidão”: “Nunca um presidente fez tanto pelo Ceará”, declarou.

GOVERNO TEME ‘EFEITO POLÍTICO’ DA VISITA DO PAPA

O governo Dilma disfarça, mas não está preocupado só com a segurança do papa Francisco no Rio: a coluna apurou que é grande o temor com a “agenda independente” do chefe da Igreja e do Vaticano, um Estado soberano, que não admite mudar as regras para evitar protestos populares na primeira visita do papa ao exterior. O governo teme o ‘efeito Woytila’, quando João Paulo II visitou a Polônia e apoiou o sindicato Solidariedade, desencadeando o fim do comunismo.

VAYA COM DIOS

A decisão do Vaticano de manter no Palácio da Guanabara encontro de Dilma com o papa e o governador Sérgio Cabral emparedou o governo.

IMPREVISÍVEL

Os pronunciamentos de Francisco, conhecido pela simplicidade e pelos improvisos no estilo “bateu, levou”, também preocupam governo Dilma.

QUESTÃO INTERNA

O Vaticano quer evitar que a visita papal sinalize apoio à insatisfação popular com o governo Dilma, mas admite ser isso “assunto do Brasil”.

JANTARZINHO SALGADO

A Câmara desembolsou R$ 28,4 mil para bancar jantar a 80 deputados do PMDB na terça (16), R$ 355 por cabeça, diz o Contas Abertas. Até Michel Temer foi à casa de Henrique Alves para saborear camarões e queijo brie ao molho de caramelo, servidos com champanhe.

FORÇA-TAREFA

Empenhado em “distensionar” o clima no PMDB, o presidente Henrique Alves fez novo jantar ontem com deputados, o vice Michel Temer e os ministros Antônio Andrade (Agricultura) e Moreira Franco (Aviação). O grupo planeja elaborar um pacote de propostas ao governo Dilma.

QUEM PROCURA, ACHA

A Procuradoria-Geral do Rio Grande do Sul, que tenta há seis anos intimar por suposta fraude o secretário de representação do governo gaúcho em Brasília, Hideraldo Caron, o acharia no Ministério dos Transportes, segunda (15), às 14h, quando encontrou o ministro.

2014 VEM AÍ

Apesar de enfrentar 60 processos no TCU, o ex-diretor do, Dnit Luis Antônio Pagot (PTB), quer disputar as eleições em 2014 para Câmara dos Deputados ou ao governo de MT, com apoio de Blairo Maggi (PR).

MALMEQUER

O deputado Genecias Noronha (CE) não esconde o motivo da ausência do PMDB no evento de Dilma: “Cansamos de ir atrás de quem não nos quer. O governo só faltou chutar a gente quando batíamos na porta”.

BOLÍVIA CULPA POLÍCIA...

O governo cocaleiro de Evo Morales achou um culpado pela inspeção indevida a aviões da FAB nas três visitas do ministro Amorim (Defesa): policiais antidrogas “desconheciam” a origem das aeronaves, disse o chanceler boliviano David Choquehuanca à imprensa local: “Foi torpe”.

...E OS EUA

Já o vice-ministro dos Movimentos Sociais (sic), Alfredo Rada, correu aos jornais culpando os EUA pelo vexame de Amorim. Sobrou até para o embaixador do Brasil, Marcel Biato, por “atrapalhar relação bilateral”.

NUNCA ANTES

Partidos da base aliada ironizam que o petista Aloizio Mercadante entrará para o livro de recordes Guinness como o primeiro ministro da Educação que trabalhou para diminuir os recursos da própria pasta.

PENSANDO BEM...

... feliz é o papa, que só tem um ministério: o de Deus.


PODER SEM PUDOR

FALANDO DE BARRIGA CHEIA

Certa vez, em debate sobre e reforma da Previdência, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, um dos mais ricos do país, defendeu um teto salarial "o mais baixo possível", para "reparar as injustiças e o deficit previdenciário". O deputado Carlos Mota (PL-MG) não se aguentou e pediu a palavra:

- Então, que o teto seja estipulado em R$ 0,1 (um centavo), e resolveremos de vez todos os problemas sociais do Brasil!

SEXTA NOS JORNAIS

Globo: Os estilhaços do Leblon: Ministério Público e polícias se unem contra vandalismo
Folha: Auditoria aponta ganho indevido em rodovias
Estadão: Ibope: Lula supera Dilma em votos
Correio: Exército barrará mascarados em missa do papa
Valor: Arrecadação cai e governo estuda reduzir superavit
Estado de Minas: Taxistas recusam corridas curtas
Jornal do Commercio: Alerta total de chuva
Zero Hora: Segurança reforçada para visita do Papa
Brasil Econômico: BB capta em euro com juro mais baixo do que em 2011

quinta-feira, julho 18, 2013

Meu vizinho genocida - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 18/07

Por que preferiríamos ser funcionários do horror a conviver com as incertezas do juízo moral?


Escrevi minha tese de doutorado de 1980 a 1991. No fundo, trata-se de um longa meditação sobre a ideia central de Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém "" Um Relato sobre a Banalidade do Mal" (Companhia das Letras).

Por isso, era inevitável que eu corresse para ver o filme de Margarethe von Trotta, que acaba de estrear, "Hannah Arendt". Tanto mais que ele narra especificamente os anos da vida de Arendt em que ela assistiu ao processo de Eichmann e relatou sua experiência para os leitores da revista "The New Yorker" (e, logo depois, no livro que citei).

Os artigos foram recebidos por uma salva de injúrias e ameaças. Mas, quando eu me interessei pela questão, a ideia de Arendt em "Eichmann em Jerusalém" já era universalmente aceita no campo dos "Holocaust Studies". Nota: a palavra "holocausto" evoca para mim um sacrifício, como se as mortes pudessem ser algum tipo de expiação; por isso, prefiro a palavra genocídio, que diz a verdade sobre a intenção dos assassinos.

Mas vamos por partes. Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, foi responsável pela logística do genocídio dos judeus pela Alemanha nazista. Em 1960, enquanto vivia escondido na Argentina, Eichmann foi capturado pelo Mossad israelense e levado a Jerusalém para ser processado.

Nessa altura, Arendt já tinha publicado há tempos (em 1951) seu "Origens do Totalitarismo" (Companhia das Letras). Fato extraordinário para a época, Arendt examinava os totalitarismos do século 20 levando stalinismo e nazismo para um mesmo tribunal. Ela encontrava as origens do totalitarismo do século 20 no imperialismo colonialista e no racismo (ideias, convicções, tanto das elites como dos povos).

Pois bem, dez anos mais tarde, Arendt saía do processo de Eichmann pensando diferente: as convicções (por exemplo, antissemitas) dos funcionários do regime não bastavam para explicar o que os tinha transformado em assassinos genocidas, e o totalitarismo tinha sido possível não graças aos entusiasmos ideais de sua tropa, mas, ao contrário, graças a personagens quaisquer e banais, facilmente dispostos a abdicar sua faculdade de pensar.

Eichmann era um pateta --os filmados do processo, que o filme mostra, são extraordinários para sentir a desproporção entre o tamanho do crime e a mediocridade do criminoso. Preferiríamos que ele fosse um exaltado ou um monstro: sua loucura explicaria o horror de seus atos e o manteria solidamente afastado da gente, diferente de nós. Mas Eichmann não era um monstro, era o vizinho do apê ao lado.

Isso constitui uma desculpa? Ao contrário, aos meus olhos (e aos de Arendt também, acredito), a banalidade do assassino constitui uma agravante.

O vizinho alega as ordens, a ordem ou a fidelidade a qualquer grupo que seja, tudo porque quer parar de pensar: essa é sua culpa original e mais grave, graças à qual ele se torna capaz de agir como se não existissem considerações morais. De fato, ele quis sobretudo deixar de dialogar com sua consciência.

Talvez em 2015 eu publique minha tese. Fiquei a fim de explicar este fato um pouco assustador: há algo na dinâmica de nossa subjetividade normal que faz com que parar de pensar seja uma tentação constante, como se qualquer desculpa (ideológica, por exemplo) fosse boa para fugir da solidão, que é a condição do diálogo moral de cada um com sua consciência.

O coletivo (a nação, o partido, o sindicato, a torcida, a gangue, o grupo adolescente de amigos, a própria família) não oferece apenas ideologias e desculpas: ele fornece uma função para cada um de seus membros. Com isso, não preciso pensar para decidir minha vida --preciso apenas preencher minha função. É bom o que é funcional ao grupo --ruim, o que não é.

Qualquer crepúsculo do indivíduo é um crepúsculo da moral. Pensemos nisso, por favor, quando torcemos, agitamos bandeiras ou falamos, misteriosamente, na primeira do plural.

Minha tese tinha o título "A Paixão de Ser Instrumento". Ela perguntava: por que a ideia de se transformar em instrumento (abdicando a subjetividade da gente) teve e continua tendo tamanho sucesso?

Para qual razão psíquica fundamental teríamos todos uma predisposição a sermos seres estúpida e covardemente coletivos? Por que preferiríamos ser funcionários do horror a conviver com as incertezas cotidianas do juízo moral? A resposta não cabe aqui. Mas a questão não envelheceu.

Tamo junto e misturado’ - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 18/07

O babalaô Ivanir dos Santos, da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, e Lina D’Oxumarê, sacerdotisa do terreiro Axé Bamgbosé, terão encontros com o Papa Francisco em sua visita ao Rio.

Eu apoio.

Tensão no Planalto
De zero a dez, o nível de preocupação do Planalto com a visita do Papa Francisco é nove.

As apreensões vão da segurança papal aos protestos de rua. Há tempos o clima não andava tão nervoso.

Calma, gente
Este projeto de reforma do direito autoral continua despertando a cizânia entre artistas.

A turma que defende uma fiscalização maior no Ecad está espalhando que o salário de Glória Braga, superintendente da entidade, é de R$ 53 mil por mês, além de bônus.

A conferir.

Batalha de Itararé?
O ministro Aloizio Mercadante estava, ontem, animado com as reuniões com faculdades e entidades de ensino médico:

— Temos uma chance enorme de construir uma convergência, inclusive com a ajuda do professor Adib Jatene, em relação às mudanças nos cursos de medicina.

O peladão
Um passageiro da primeira classe do voo 445 da Air France, que saiu terça do Rio para Paris, tomou umas e outras e fez um striptease completo a bordo. O safadinho exibiu até sua minúscula baguete.

Barrado no baile
Kitty Monte Alto e o marido, Julio Lopes, secretário de Transportes do Rio, levaram seis bolas pretas no Gávea Golf Club.

O pibão de Chico
Causou alvoroço ontem entre economistas, empresários e até mesmo no governo um artigo do professor Francisco Lopes, no “Valor”. Diz que a “mídia especializada e a maioria dos analistas parecem sofrer de um pessimismo obsessivo”.

Segundo o ex-presidente do BC, no segundo trimestre de 2013, a economia brasileira estava crescendo ao ritmo de 4% ao ano.

Marka e FonteCindam...
Chico Lopes goza de prestígio no meio acadêmico mesmo depois do chamado escândalo Marka e FonteCindam.

Em 1999, como presidente do BC, ele promoveu uma desvalorização cambial, resultando num processo onde é acusado de irregularidades.

Nariz em pé de Blatter
O jornal alemão “Die Zeit” publicou o artigo “Obrigado, brasileiros”, dizendo que conseguimos fazer o que Alemanha, em 2006, e África do Sul, em 2010, não fizeram: questionar a arrogância da Fifa.

Diz lá: “Finalmente, uma democracia se levanta contra a profundamente antidemocrática Fifa.” Aliás, ontem, Joseph Blatter, pouco democrático, voltou a reclamar dos protestos.

Lá vem o noivo
O querido coleguinha Wilson Figueiredo, 89 anos, viúvo, vai se casar de novo. A noiva, Regina, é empresária.

Desafinou
São péssimas as relações da OSB com Emilio Kalil, diretor da Cidade das Artes.

A Orquestra Sinfônica reclama de favorecimento à Orquestra Petrobras, que tem no conselho o próprio Kalil, e até das datas oferecidas por ele à OSB, terça e domingo de manhã.

Menos peregrinos
Cerca de 60 mil peregrinos não confirmaram a inscrição para a JMJ.

Poxa, deputado
O Colégio Marília Mattoso, em Niterói, deixou alunos do ensino médio se formarem sem ter aulas de Filosofia e Sociologia em 2010, 2011 e 2012, como manda a legislação.

A escola é do deputado Comte Bittencourt, presidente da Comissão de Educação da Alerj.

Última sessão
O Grupo Estação vai fechar as portas do Estação Ipanema, que funciona numa galeria da Rua Visconde de Pirajá.

Além de o aluguel ter triplicado de valor, a ordem da prefeitura para retirar o letreiro do cinema inviabilizou, segundo o grupo, o funcionamento da sala.

É pena.