quinta-feira, maio 09, 2019

Capacete para patinete? Você só pode estar de brincadeira! - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 09/05

Acordei no meio da noite com meu filho chorando, e ao descer na cama para ir ao seu quarto, na total escuridão, topei com o dedo do pé na cama. Imediatamente pensei: é preciso ter uma lei para evitar esse tipo de acidente!

Cabe ao estado determinar que nenhuma cama tenha bases escondidas assim, que possam machucar as pessoas. Talvez uma lei obrigado todas as camas a terem uma luzinha saindo de cada pé da cama, para evitar esse tipo de topada. Que tal?

Claro que não pensei nada disso, caro leitor. Não sou o típico brasileiro, acostumado a demandar leis para tudo. Infelizmente, essa mentalidade absurda ainda prevalece em nossa sociedade. As pessoas olham uma coisa da realidade que não gostam, e logo exigem uma lei estatal para cuidar do problema.

Acha que exagero? Então veja essa notícia:

Com os patinetes elétricos em alta, um projeto de lei proposto na Assembleia Legislativa pretende enquadrar no uso do veículo a obrigatoriedade de capacetes. As empresas terão de ceder aos usuários o equipamento de segurança — que terá de ser utilizado durante as viagens. Há multa prevista para empresa e condutor que não cumprirem a norma, se aprovada, de R$ 171 por infração.

A deputada estadual Rosane Felix (PSD) participava da Marcha Pela Vida, em Copacabana, neste domingo e se acidentou utilizando um patinete. Ela está de licença médica por ter perdido três dentes e precisou passar por uma cirurgia bocal. Após o acidente, ela decidiu propor a lei para que em futuros casos de queda o condutor esteja seguro:

— O patinete elétrico não é um brinquedo inocente de criança e precisa ser regulamentado com urgência. Além de eu me machucar com gravidade na primeira vez que andei no patinete elétrico, percebi que este tipo de acidente é cada vez mais comum. O capacete é o mínimo para a segurança do usuário e por isso deve ser obrigatório.

A parlamentar protocolou a proposta na Mesa Diretora nesta terça-feira e o ato foi publicado no Diário Oficial nesta quarta-feira. O projeto passará ainda pelo parecer de três comissões: Constituição e Justiça, Transporte e Economia, Indústria e Comércio. Sem uma regulamentação do município que define as normas de uso e operação dos modais, a iniciativa tenta a inibir o crescente número de acidentes registrados.

Na proposta também fica imposto que as empresas serão obrigadas a contratar seguro para os usuários para coberturas em casos de morte por acidente, danos contra terceiros, invalidez parcial ou total, permanente ou temporária.

Lamento pela queda da deputada, que nunca tinha andado de patinete antes. Mas daí a ela achar que cabe ao estado regular dessa forma o “veículo” vai uma longa distância, aquela que separa gente autoritária de gente razoável.

Vivo num país em que o capacete sequer é obrigatório para moto! Liberdade individual com responsabilidade: o sujeito paga uma taxa extra, para cobrir custos eventuais de saúde pública, e assume os riscos de sua decisão. O que mais vejo por aqui nas highways são motoqueiros em suas Harleys com lencinho na cabeça, sem capacete.

O Brasil cansa. Vão começar com o capacete obrigatório, depois vão querer uma licença especial para o uso do patinete, pistas exclusivas, sinalização, código de trânsito específico, bateria dentro das normas definidas etc. E para tudo isso haverá, naturalmente, enorme aparato de fiscalização.

Terão de criar um órgão específico para isso, talvez dentro do Detran, nomear diretores e superintendentes, abrir concursos púbicos e por aí vai. Quando as empresas sérias cansarem de tanta burocracia e não conseguirem mais ganhar dinheiro, vão abandonar o país, restando as empresas de picaretas ligados ao próprio governo, que molham a mão dos fiscais.

Tudo isso porque a deputada caiu do patinete e achou que cabia ao estado impedir novos acidentes por lei. O brasileiro não tem jeito mesmo. Eita povo para desprezar a liberdade!!!

Rodrigo Constantino

A volta de Temer à prisão é uma soma de aberrações; eis o caminho do abismo - REINALDO AZEVEDO

UOL - 09/05

A cassação do habeas corpus concedido ao ex-presidente Michel Temer é uma aberração legal a endossar outra. Dois dos três integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região resolveram manter a prisão preventiva de Temer, decretada no dia 19 de março pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. A prisão aconteceu no dia 21 daquele mês e se estendeu até o dia 25, quando, então, o desembargador Ivan Athié concedeu uma liminar libertando o ex-presidente. Na votação desta segunda, Athié reafirmou o seu voto, mas foi vencido por Abel Gomes e Paulo Espírito Santo. Temer volta para a prisão nesta terça. Agora, sua defesa tem de entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Um sinal da tragédia destes tempos: os dois juízes que cassaram a liminar reconheceram que a prisão não tem amparo na lei. Tratar-se-ia, como deixaram claro, de uma satisfação à sociedade. Creiam: como país, vamos sorrindo para o abismo.

Quando Bretas decretou a prisão preventiva de Temer, ele já mandou às favas o Artigo 312 do Código de Processo Penal. Sua decisão está aqui. Como afirmei, então, é uma leitura porca do texto legal que tem permitido essas prisões arbitrárias. O que diz mesmo a lei? Terei de relembrar:

"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"

Para decretar uma prisão preventiva, é preciso que, dada a circunstância, então, do crime comprovado e do indício de autoria, esse possível autor esteja incidindo NO PRESENTE, NO TEMPO EM QUE SE DECRETA A PRISÃO, em ao menos uma das quatro transgressões: a) praticando crime contra a ordem pública, b) contra a ordem econômica, c) tentando dar sumiço a provas ou assediando testemunhas ou, ainda, d) dando indícios de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal.

Como já destaquei neste blog, das 46 páginas do despacho em que manda prender Temer e outros, Bretas gasta ao menos 34 tentando explicar a prisão. Sem conseguir. Afrontou gostosamente o direito, a língua e a lógica.

Não tendo como justificar o ato arbitrário, Bretas apela, então, à condição social do preso, o que tem se tornado prática corriqueira na Lava Jato. Escreveu:

"Avaliando os elementos de prova trazidos aos autos, em cognição sumária, considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum."

Aí está admitido, então, o que ele mesmo considera um rigor incomum. Mas notem: Bretas continua apegado apenas à suposta existência do crime com indício de autoria. Nem Ministério Público nem juiz foram capazes de apontar que risco Temer representaria à sociedade e à investigação se estivesse livre.

Estamos diante do mais escancarado e desastroso populismo judicial. Observem: eu, pessoalmente, acho ridículas as acusações contidas contra Temer no pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público. Não custa lembrar: o MP o acusa de pertencer a uma organização criminosa que estaria em vigor há, pasmem!, 40 anos, que já teria se envolvido com operações da ordem de R$ 1,8 bilhão entre propinas pagas e prometidas. Há 40 anos, ele era professor de direito em Itu e nem tinha iniciado carreira da vida pública. Como é que se chegou a esse cálculo estúpido? A propósito: como se faz a conta, ao longo de quatro décadas, de propinas pagas e prometidas?

Acontece, meus caros, que havia a disposição para prender. E ponto. Na absurda entrevista coletiva que se seguiu à prisão, em que MPF e PF acusaram Temer de práticas criminosas que não estavam no pedido de prisão nem no despacho de Bretas, o coordenador da Lava Jato no Rio, Jorge El-Hage, afirmou a seguinte pérola:

"É preciso deixar claro aqui que estranho seria se Michel Temer não tivesse sido preso. A prisão dele é decorrência lógica de todos os crimes que ele praticou durante uma vida inteira, pertencendo a uma organização criminosa muito sofisticada"

PRISÃO PREVENTIVA NÃO É JULGAMENTONotem: vocês podem até estar entre aqueles que acham que todas as acusações são verdadeiras. Ocorre que estamos falando sobre prisão preventiva. Se o crime aconteceu ou não, se há provas ou não, isso tudo tem de ficar para o julgamento, quando, então, se dá a sentença. Para prender alguém preventivamente antes da condenação, é preciso que a pessoa esteja cometendo crimes no presente, que esteja atrapalhando a instrução criminal ou que esteja prestes a fugir.

Bretas admite que o ex-presidente não está fazendo nada disso e que mandou prendê-lo por ser uma pessoa de "alto padrão social". Abel Gomes e Paulo Espírito Santo mantiveram a decisão para dar uma satisfação à sociedade. Vale dizer: manda-se alguém para a cadeia, ao arrepio da lei, porque um monte de gente que faz barulho na Internet acha ser isso o certo.

À espera da virada. Que ninguém vê - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 09/05

A sociedade espera com ansiedade um clarão no horizonte que ilumine tudo e vire o jogo, mas, para isso, é necessário que o presidente Jair Bolsonaro comece a governar



Nestes quatro meses de governo Bolsonaro, a quantidade de intrigas, de distribuição de sopapos verbais, até mesmo de baixo calão, e de puro desgoverno não tem precedentes e, decididamente, não ajuda a recuperação do País.

A política econômica é declaradamente neoliberal, mas enfrenta o jogo protecionista e antiglobalizante da chancelaria. Os filhos do presidente, também conhecidos, respectivamente, por agentes 01, 02 e 03, mais o suposto guru filosófico trocam insultos com os generais que fazem parte do governo. O Executivo ignora o Legislativo, não sabe se adere a alguma forma de presidencialismo de coalizão – o que implica alguma forma de partilha de poder e de benesses – ou se parte para uma forma descolada de governo, seja lá o que isso signifique.

A principal iniciativa é o projeto de reforma da Previdência e, no entanto, o presidente não parece engajado na empreitada, o que sugere que ele pode não acreditar no que está propondo. Há quatro meses, ainda havia a expectativa de que as reformas mudariam o jogo. Agora, espraia-se a noção de que também aí não há milagre.

A pergunta à espera de resposta é se a economia real se move como nos Estados Unidos, apesar de Donald Trump e de suas trumpadas. A percepção geral é a de que se move sim, mas para trás. O desemprego atinge 13,4 milhões de pessoas, as novas projeções do PIB não são mais de avanço perto de 3,0% ao ano, mas de, no máximo, 1,49%, como se viu na última pesquisa Focus, do Banco Central. Com a demanda muito perto da estagnação e a indústria asfixiada, seria de esperar que a inflação resvalasse para a altura dos 3,5% em 12 meses, mas voltou a subir, para acima dos 4,0%. A economia argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil, está mergulhada na crise. E, agora, a ameaça de guerra comercial entre Estados Unidos e China ficou ainda mais forte, situação que multiplica as incertezas.

Um olhar atento ainda enxerga sinais de vitalidade. O agronegócio, por exemplo, embora tenha perdido alguma renda com a queda dos preços internacionais das commodities, segue com forte dinamismo. As contas externas, área que, no passado, foi a mais vulnerável, seguem robustas. Também se esperam bons resultados do setor do petróleo, sob pressão dos governadores, que não tiram os olhos das promessas com royalties: a produção nacional de óleo e gás aproxima-se dos 3 milhões de barris diários, mais que a dos Emirados Árabes, sétimo maior fornecedor do mundo. Os leilões de serviços públicos não caminham na velocidade desejada, mas caminham.

Não se sabe ainda o quanto esse lado encorajador está sendo contaminado pela onda de desalento. Qualquer pessoa sabe que um doente se recupera mais facilmente se estiver animado e engajado na cura da sua enfermidade. Com a economia também é assim, porque o desânimo tende a arrastar os investidores para a retranca, adia o consumo e segura o crédito.

A sociedade espera com ansiedade um clarão no horizonte que ilumine tudo e vire o jogo modorrento e perdedor de agora. Mas, para isso, é necessário que o presidente Jair Bolsonaro comece a governar.

Um governo de reféns - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 09/05

Pressão sobre Heleno motiva operação para abafar crise militar


Uma operação foi posta em curso ontem para baixar a temperatura da insatisfação militar com a opção preferencial do presidente da República pela cloaca de Olavo de Carvalho. Os bombeiros da crise agem no sentido de preservar o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, pressionado por parceiros de farda a tomar posição. A despeito do desconforto crescente em relação a seu silêncio, o general Heleno Ribeiro resiste a se posicionar por temer perda de interlocução com Bolsonaro, o que tornaria a situação dos militares no poder definitivamente insustentável.

O tuíte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ("o general continua a ser referência para quem, mesmo eventualmente discordando, sabe que a democracia precisa de gente corajosa e honesta como ele") e de vários parlamentares em defesa do general Eduardo Villas Boas sinalizou-lhes que o apoio civil às Forças Armadas, por encorpado, lhes permitiria recolher as armas.

A pressão sobre Heleno aumentara depois que Bolsonaro deixou de terceirizar a barricada contra os militares e assumiu sua titularidade. Depois de condecorar o detrator de suas tropas, o comandante em chefe das Forças Armadas repetiu gestões que o antecederam no corte ao orçamento da Defesa. Sinalizou ainda com uma reorganização que esvazia o poder de ministros militares do governo.

A recriação das pastas das Cidades e da Integração Nacional tira atribuições tanto do capitão do Exército, graduado em Agulhas Negras, Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura, quanto do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo que tem por atribuição negociar a execução de emendas parlamentares.

Se a reestruturação afasta o Congresso dos ministros militares, os cortes servem de trincheira ao presidente da República. Ao segui-los à risca, Jair Bolsonaro demonstra não querer ficar suscetível a pedaladas que já derrubaram uma presidente. Ao escolher a Educação como primeiro alvo de seus cortes, porém, o presidente dá combustível à guerra cultural dos olavistas do MEC, que arrisca levar a estudantada para rua e, com ela, a sociedade contra seu governo.

O depoimento de Abraham Weintraub no Senado não poderia ter sido mais claro sobre a vara curta com a qual as universidades estão sendo cutucadas. O ministro da Educação, que já havia usado a balbúrdia nas universidades como pretexto para cortes, agora resolveu chamar os estudantes de drogados ao dizer que a autonomia universitária não se confunde com uma soberania que impeça a polícia de lá entrar para inibir o consumo de drogas.

Ao escolher a Defesa como o segundo alvo da tesoura orçamentária, Bolsonaro lembra aos militares que é dele o controle sobre a bomba de combustível que abastece seus tanques. No Ministério da Defesa, o corte é tratado como 'bloqueio'. O termo não poderia ser mais preciso. A autonomia da pasta fica bloqueada e as liberações são feitas mediante negociação direta, rubrica a rubrica. O contingenciamento do ano passado, por exemplo, não os impediu de executar o orçamento previsto, mas isso aconteceu num governo em que os militares não enfrentavam um inimigo interno.

Se demonstra preocupação com sua vulnerabilidade, o presidente da República, ao manter a Defesa no topo dos ministérios atingidos, favorece a aproximação dos militares com o Congresso. Uma comitiva de deputados foi à base de Alcântara a convite do comandante da Aeronáutica. Um grupo de deputados petistas já esteve com o comandante da Marinha e outro se encontrará com o comandante do Exército, o general Edson Pujol, na próxima semana. A pauta, encabeçada pelo projeto de reestruturação de carreira, em tramitação na Casa, ganha, com o 'bloqueio', mais substância.

A negociação deveria estar a cargo do Ministério da Defesa, mas a manutenção das assessorias parlamentares das três Forças demonstra que a unificação sob um ministério civil nunca foi, de fato, concluída. A proximidade rega o terreno fértil de vivandeiras em que se transformou o Congresso Nacional. Na definição de um operador dessa aproximação, as Forças Armadas sempre foram e continuarão sendo parte da solução para um governo de impasse.

O tuíte do general Villas Boas que se seguiu à cloaca despejada por Olavo de Carvalho sobre Santos Cruz, o general de mais reconhecida carreira do Exército, serviu para dirimir quaisquer dúvidas que pudessem haver em relação à fronteira móvel entre militares da reserva que servem ao governo e aqueles da ativa. O ex-comandante do Exército, hoje assessor no Gabinete de Segurança Institucional, colocou todos sob o teto 'militares' ao defini-los como alvo. À 'impotência' daqueles que os atacam contrapôs a 'solidez' da farda.

O presidente da República parece agir sob o pressuposto de que esta simbiose entre os militares e o Estado os impede de abandoná-lo, por mais que, cada vez mais, Bolsonaro explicite sua opção pelos exércitos do olavismo ao mesmo tempo em que cede até aos morto-vivos do MDB para esvaziar o Congresso de suas vivandeiras. Não é prudente apostar em ruptura entre Bolsonaro e a farda, ainda que o casamento tenha rendido um desgaste na imagem dos militares já registrado pelas pesquisas de opinião.

Num encontro recente com empresários do agronegócio, o presidente da República foi cobrado a defender os militares contra Olavo. Não o fez, mas o encontro lhe mostrou que o olavismo movimenta núcleo barulhento mas delimitado no conjunto dos seus 57 milhões de eleitores.

Com os cortes orçamentários, Bolsonaro protege uma retaguarda importante de seu governo, mas tem um flanco do qual ainda não tem como se defender. O ex-assessor dos Bolsonaro, Fabrício Queiroz, é mantido em endereço incerto. O Ministério Público aceita suas respostas por escrito e, com o fim das conduções coercitivas, já não há como forçá-lo a dar as caras. É improvável, porém, que instituições da República, como a Polícia Federal e o Centro de Informações de Exército, não saibam do paradeiro do homem-bomba do presidente. Que uma esteja sob o comando do ministro-que-perde-todas, Sérgio Moro, e a outra, sob gerência da combalida farda, é parte do drama em que se meteu a República.

Teste de populismo - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 09/05

País sofre com a ausência de motores de curto e longo prazo para o crescimento


Cientistas sociais se esforçam para entender como agem os populistas e sua ascensão ao poder ao redor do globo. Barry Eichengreen ensina que o populismo é multi-facetado e distinguem-se também populistas de esquerda, críticos à elite, e de direita, críticos às minorias que seriam responsáveis pelas dificuldades enfrentadas por grupos dominantes.

Algumas características prevalecem no populismo, com ser “anti” várias coisas e acreditar em um salvador, propondo soluções simplistas e contraproducentes aos problemas, e com pouco apego a recomendações técnicas. Atacam políticos tradicionais, que são vistos como corruptos ou dominados por uma elite que conspira contra o bem-comum. Preferem a democracia direta à representativa. Demonstram independência e personalidade marcante, com discurso politicamente incorreto, como forma de mostrar seriedade de propósitos e de convencimento. O uso de novas mídias faz parte do pacote para driblar o establishment. Nas décadas de 1920-30, foi o rádio. Antes disso, na eleição de 1896 nos EUA, foi o telégrafo.

Para Eichengreen populistas emergem em situação de insegurança econômica, não pelo quadro econômico passado, mas pela falta de perspectiva de grupos que se sentem desamparados, deixados para trás.

O discurso de Jair Bolsonaro reúne características populistas, mas não de um populista tradicional, pois não é direcionado às classes mais populares. Ele contou mais com o voto da elite e é este grupo que melhor avalia seu governo, apesar do recuo desde janeiro. Para quem ganha mais de 5 salários mínimos, a aprovação está em 45%, com queda de 22%, segundo o Ibope. Os eleitores de renda mais baixa, de até 2 salários, por sua vez, estão reduzindo a aprovação do governo mais rapidamente: está na casa de 30%, com recuo de mais de 32%. Um possível populista pouco popular.

Difícil mudar este quadro à luz da frágil economia, sendo que o estilo de governar de Bolsonaro não ajuda na recuperação. Além do discurso anti-política e o compromisso frouxo com reformas, a cizânia entre os diferentes grupos no governo reduz o foco na agenda econômica. As pautas extremistas nos costumes e na segurança contraria o perfil de centro do Congresso e da sociedade, contaminando a pauta legislativa. O resultado é o difícil avanço das matérias no Congresso e a indefinição da agenda econômica.

As incertezas na política ceifam a confiança do setor privado. Há uma decepção para aqueles que acreditavam que, passada a eleição, contratações e projetos de investimento seriam destravados, pela melhora da confiança. Esta, no entanto, se esvai no lento avanço na agenda de reformas.

Há um cheiro de recessão no ar. Novas revisões para baixo nas projeções de crescimento do PIB, agora em 1,5%, estão praticamente contratadas. Como sempre, quem puxa o movimento é a produção industrial, que ensaia uma tendência de queda.

Falar em crescimento lento da indústria este ano parece otimismo, e sua fraqueza contamina os demais setores e o emprego.

O País sofre com a ausência de motores de curto e longo prazo para puxar o crescimento. No curto prazo, soma-se à incerteza política o limitado espaço (se é que ele existe) para políticas anticíclicas, como a expansão de gastos públicos e o corte dos juros pelo Banco Central. No longo prazo, os conhecidos gargalos limitam o potencial de crescimento.

Diferentemente do que teme parcela despreparada e inconsequente da oposição, a reforma da Previdência nem irá gerar folga de recursos para gastar – irá apenas conter o crescimento da despesa -, nem irá produzir grande impulso ao crescimento e popularidade ao presidente. Pelo contrário. Vale citar que a pesquisa Ibope revelou que 73% dos entrevistados discordam de que as pessoas devem se aposentar mais tarde por estarem vivendo mais.

A aprovação do governo poderá cair bastante. A reação de Bolsonaro, mais nas ações e menos na retórica, será o teste se o presidente é de fato populista ou não.

Economista-chefe da XP Investimentos

Um país em tumulto e inércia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/05

Oposição se exila na falta de imaginação; economia não deve ter novidade por meses



O Banco Central sussurrou que pode baixar a taxa de juros a partir de julho. Isto é, caso se confirme que a lerdeza econômica tende à paralisia e, ao mesmo tempo, se aprove algum conserto nas contas públicas (desde que o mundo lá fora não se torne mais inóspito para países como o Brasil).

Uma Selic menor não faria efeito algum neste 2019, afora o de poupar um troco em juros da dívida pública. Como vai se saber do destino da reforma da Previdência lá por julho, o BC tomaria um atitude lá pelo terceiro trimestre, se tanto. Uma taxa de juros menor faria efeito, se algum, em 2020.

Trocando em miúdos, a política monetária na prática estará na prateleira da inércia em que repousa catatônica quase toda a vida econômica. Quanto tempo mais o país vai esperar sentado para ver como é que fica?

Não é pergunta retórica. Não há índice de sofrimento ou bem-estar econômico que ajude a predizer revoltas, que o diga Junho de 2013. Tampouco há movimento político organizado que dê sentido ou voz aos aflitos. Oposição, em português claro.

“Indicadores recentes da atividade econômica sugerem que o arrefecimento observado no final de 2018 teve continuidade no início de 2019”, escreveu o pessoal do BC ao explicar nesta quarta-feira (8) a decisão de manter a Selic onde está faz quase 15 meses, em 6,5% ano. O comunicado de março dizia que “...a economia brasileira segue em processo de recuperação gradual”.

Não há motivo para esperar nada muito diferente de “arrefecimento” até pelo menos o trimestre final deste 2019 (quase a mesma situação por quase três anos, ainda dentro do buraco da recessão cavada em 2015-2016).

Há, portanto, inércia política e de atividade. Por quanto tempo os insatisfeitos serão distraídos pela confusão do show de calouros ferozes do governo?

Não há inflação, mas os preços da comida aumentam como não se via desde 2016, na maior parte devido a tempo ruim.

Devem continuar um pouco pressionados por causa do custo das carnes, que vai subir, pois os porcos chineses estão morrendo de doença e a China vai ao mercado mundial cobrir a escassez. O povo miúdo sente a inflação de alimentos perto de 9%.

A queda de um tico do desemprego será notada apenas na estatística, o subemprego ainda se dissemina, e o salário médio cresce devagar. Empresas adiam ou cortam planos de investimentos, se ouve e já aparece nas estatísticas.

Índices e indícios de confiança econômica vão mal. O gasto mensal dos brasileiros com pagamentos de suas dívidas diminui desde 2016, mas não há animação de consumo (trata-se daqui da média nacional). O endividamento total, ainda no nível médio e alto desta década, empregos ruins e incerteza devem explicar a reticência.

Não há medida resumida e recente da qualidade dos serviços públicos, de saúde em particular, assunto sempre no pódio das prioridades populares. Há histórias de falta de remédios, lotação maior de hospitais, cortes em merendas escolares. No geral, é difícil de acreditar em melhoras, dados a falência de cada vez mais estados e o começo evidente da asfixia do governo federal.

A oposição, exilada na sua falta de imaginação e de projeto alternativo, espera sentada que a gota d’água seja justamente essa, serviços públicos à míngua. Espera manifestações de estudantes e professores contra o corte de verbas ou algum rumorejo contra a reforma da Previdência, no entanto algo menos impopular.

O país está em tumulto, mas inerte.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

A marcha da estupidez - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 09/05

O presidente Jair Bolsonaro incentiva luta política que lhe é prejudicial

Jair Bolsonaro avançou um passo importante rumo a um isolamento que lhe poderá custar caro na hora em que precisar de aliados além da militância virtual de redes sociais. Não conseguiu convencer ninguém de que não tem participação na cascata de ataques contra alguns generais em seu governo, que culminou em baixaria inominável contra o ex-comandante do Exército general Villas Bôas, personalidade admirada nos mais variados setores. “Herói nacional”, disse Sérgio Moro.

A ação contra os militares é apenas a mais recente ilustração do fato de que os “ideólogos” que conduzem o presidente enxergam a defesa de instituições – papel que os militares vêm desempenhando – como um obstáculo a ser eliminado no que eles consideram “revolução conservadora”. A distância que essa percepção tem do que realmente acontece nas ruas é enorme e, provavelmente, será fatal para os grupos bolsonaristas da extrema franja do espectro político. Eles vão perder, mas o problema está no dano que já estão causando.

O perigoso isolamento político do presidente se dá quando ele faz de conta ignorar uma luta política que afeta também a credibilidade do chefe de Estado, na medida em que alguns de seus colaboradores mais próximos são desqualificados com palavrões por alguém que o próprio chefe de Estado elogia APÓS a sequência de ataques. O que transparece dessa atitude é a sensação de falta de liderança. E de perda de autoridade.

Boa parte das reações do mundo político caminhou nessa trilha: a de que o presidente não lidera ou, no mínimo, não é capaz de controlar ou sequer de perceber um jogo que lhe é prejudicial. Parte das dificuldades que ele enfrenta no Congresso tem como origem o mesmo tipo de percepção: a de que Bolsonaro se engaja de maneira insuficiente em questões essenciais (como a crise fiscal) e se dedica a administrar de maneira confusa crises que ele ou gente à volta dele criou.

Há uma certa incredulidade no ar. Os primeiros números de atividade econômica sob Bolsonaro, e não apenas os que ele herdou, não empolgam ninguém. Podem ainda ser tratados pelo governo como fase passageira que será logo suplantada por crescimento e desenvolvimento, assim que for aprovada a reforma da Previdência (é a aposta de Paulo Guedes). Da mesma maneira, considera-se que mais liberdade econômica almejada pela recente MP desburocratizante e os programas de concessões e desestatização trarão logo investimento, emprego e renda – um necessário e esperado alívio, sem dúvida.

Mas é pouquíssimo para uma economia que, ao fim do ano, estará ainda abaixo do patamar de 2014. Nas regiões brasileiras de maior densidade do eleitorado, a recuperação dos setores de indústria e serviço é muito lenta e, na comparação com 2014, o PIB de seus Estados estará ainda mais baixo do que o PIB nacional. As lições para Bolsonaro não estão na Venezuela, mas, sim, na Argentina, país no qual (simplificando) a política travou a economia, bloqueou reformas necessárias e colocou a “walking dead” Cristina Kirchner de novo no palco.

Economistas tendem a afirmar que essa realidade dos fatos, especialmente os cofres públicos quebrados, se imporá sobre as decisões dos políticos. Trata-se de esperança ou de crença. O apego de Bolsonaro ao conjunto de postulados levados adiante pelos “ideólogos” impõe enorme desafio intelectual aos economistas, para os quais não cabe dúvida de que o foco deveria ser quase que exclusivamente a estagnação de décadas da economia, da produtividade e da competitividade do País. Em seus modelos numéricos, os economistas ainda não conseguiram incluir um espaço para a estupidez de decisões humanas.

É preciso cuidado com a democracia - FERNANDO SCHULER

FOLHA DE SP - 09/05

Quem ganhou a eleição que governe e quem perdeu que aprenda algo com a derrota


Volta e meia alguém ralha comigo por ter tentado argumentar, durante a campanha malcriada de 2018, que a democracia brasileira não estava em risco, qualquer que fosse o resultado das eleições.

Nunca acreditei, por exemplo, que Fernando Haddad, caso eleito, fosse de fato regular a mídia, como constava no programa do PT. Nunca acreditei nas palavras vazias da resolução do diretório nacional petista, após o impeachment, dizendo que um dos grandes erros do partido, no governo, foi não ter "modificado o currículo das academias militares" e promovido os oficiais certos.

Nunca acreditei, da mesma forma, nas bravatas vindas do lado vencedor das eleições, do tipo "um cabo e um soldado", da sugestão sem nexo de colocar mais uns dez ministros no STF, ou mesmo que as simpatias do atual presidente pela ditadura militar representassem, por si só, um risco à democracia.

Se admiração a ditaduras fosse critério de risco democrático, dificilmente teríamos sobrevivido a uma década e meia de poder petista, a menos que só exista risco na simpatia pelas ditaduras do lado errado.

Igualmente, nunca confundi a chamada agenda conservadora, defendida pelo atual presidente, com alguma ameaça à democracia. Pode-se não gostar da tal agenda, mas seus pontos centrais, incluindo itens como a flexibilização da posse de armas e a redução da maioridade penal, foram exaustivamente apresentados na campanha.

Se esta agenda ganhou as eleições, é porque obteve apoio da maioria. Ela é uma expressão de nossa democracia e não um sinal de sua fraqueza.

É evidente que há um longo caminho para que uma agenda se torne realidade. É preciso passar pelo Congresso, enfrentar o debate público, e por fim submeter-se à supervisão do Supremo. É este o longo caminho da democracia, sistema complexo de freios e contrapesos. É por isso que insisti na ideia da democracia como uma máquina de moderar posições. Não porque ela faça com que as pessoas se tornem mais gentis, mas pela sua capacidade de aproximar contrários e criar consensos provisórios na tomada de decisões.

Foi exatamente isso que aconteceu, nestes quatro meses do novo governo. A embaixada do Brasil iria para Jerusalém. Não foi. O projeto Escola sem Partido iria ser implantado. Não foi. A idade penal iria para 17 anos. Não foi. O ministro da Educação iria perfilar os alunos, nas escolas, para ouvir o hino nacional. Não perfilou.

O que aconteceu, como fina ironia, é que a ameaça real à democracia vivida nestes meses veio exatamente daquela que deveria ser a instituição guardiã de nossas liberdades, o Supremo, quando censurou uma revista e puniu cidadãos brasileiros por delito de opinião.

É previsível que os defensores da tese do risco democrático irão continuar encontrando, a cada instante, algum cheiro de autocracia no ar. O professor Yascha Mounk chegou ao Brasil, nesta semana, dizendo que "Bolsonaro ataca a liberdade de expressão".

Inútil perguntar qual o dado empírico que sustenta este tipo de afirmação. A tese do risco democrático é uma dessas ideias fixas que, de tão boa, torna a realidade dispensável. Seu argumento preferido é o de que as democracias podem morrer desde dentro. Não seriam necessários golpes ou violência, apenas a lenta e por vezes imperceptível sabotagem dos próprios governantes.

A tese descreve bem muitos processos históricos, mas quando generalizada torna-se a senha perfeita para todo tipo de invencionice. Uma frase, um tuíte, um corte de recursos, qualquer coisa da qual alguém discorde ou ache um risco à democracia é, por definição, um risco à democracia.

De minha parte, prefiro pensar com um pouco mais de cuidado. Acabamos de sair de uma eleição presidencial que produziu uma ampla renovação política, há reformas estruturais e um debate aberto no Congresso, os poderes funcionam de modo independente, a imprensa é livre e poucas vezes se discutiu tanto, ainda que talvez com tão pouca educação como hoje em dia.

Se alguém quiser ajudar a melhorar a democracia, no Brasil, que aprenda a aceitar a legitimidade do outro. É disso no fundo que é feita a democracia. Quem ganhou a eleição governe e quem perdeu que trate de aprender alguma coisa com a derrota. Um pouco de humildade diante da vida pode ajudar a uns e a outros.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo

Passando dos limites - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 09/05

O presidente Jair Bolsonaro é o único responsável pela escalada da crise gerada pelas opiniões desairosas do ex-astrólogo Olavo de Carvalho a respeito de integrantes do governo e das Forças Armadas. As ofensas proferidas por aquele cidadão não têm rigorosamente nenhuma importância, mas ganharam visibilidade porque não foram devidamente repelidas pelo presidente da República do qual ele se diz guru inspirador. Ao contrário, Bolsonaro continua a dispensar ao ex-astrólogo um tratamento extremamente reverente.

Na semana em que Olavo de Carvalho mais uma vez usou palavras de baixo calão para se referir ao ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, o presidente condecorou o ex-astrólogo com a Ordem do Rio Branco, em seu mais alto grau, a Grã-Cruz. Conforme o Itamaraty, essa comenda é atribuída pelo presidente a personalidades que, “por seus serviços ou méritos excepcionais”, tenham se tornado “merecedoras dessa distinção”. Não é possível saber que “serviços excepcionais” Olavo de Carvalho prestou ao País, mas o simples fato de que Bolsonaro o tenha julgado merecedor da distinção, mesmo ofendendo militares da reserva que estão no governo, autoriza a concluir que o presidente se considera em profunda dívida com o ex-astrólogo.

Ora, se Jair Bolsonaro tem alguma dívida com Olavo de Carvalho, que pague do próprio bolso, e não às expensas do governo e da tranquilidade pública. É preocupante saber que o presidente da República considera mais importante manter boas relações com um indivíduo sem relevância do que defender seus ministros de ofensas movidas por interesses de um grupo que, no Brasil, macaqueia a chamada “franja lunática” que compõe a extrema direita dos Estados Unidos. Desde a posse de Bolsonaro, aliás, a “franja lunática” brasileira tem afetado proximidade com seus padrinhos norte-americanos, e os ataques de Olavo de Carvalho fazem parte dessa intrujice – com apoio explícito e entusiasmado dos filhos de Jair Bolsonaro, sem que este levante a voz para contê-los.

Mesmo depois que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, veio a público para dizer que Olavo de Carvalho “já vem passando do ponto há muito tempo, agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas” e “está prestando um enorme desserviço ao País”, o presidente Bolsonaro voltou a reverenciar o ex-astrólogo da Virgínia. “Continuo admirando o Olavo”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais. “Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecido por mim”, declarou o presidente, referindo-se ao anticomunismo feroz que Olavo de Carvalho abraçou depois de abandonar a astrologia. E completou: “Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse ao governo, sem a qual o PT teria retornado ao poder”.

Bolsonaro afirmou esperar que “os desentendimentos ora públicos” entre os militares e Olavo de Carvalho sejam “uma página virada por ambas as partes” – como se ambos estivessem no mesmo patamar.

A situação permanece a mesma: Olavo de Carvalho fala o que quer, o presidente o reverencia e os militares e ministros respondem como podem, já que não serão defendidos pelo presidente da República. Como a comprovar isso, no mesmo momento em que Bolsonaro dizia considerar o episódio superado, Olavo de Carvalho foi às redes sociais para dizer que o ministro Santos Cruz é “politicamente analfabeto” e que “os generais, para voltar a merecer o respeito popular, só têm de fazer o seguinte: arrepender-se, pedir desculpas e passar a obedecer o presidente sem tentar mudar o curso dos planos dele”. Por fim, Olavo de Carvalho queixou-se de que “altos oficiais militares” por ele criticados foram “buscar proteção escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas” – referência ao general Villas Bôas, que sofre de doença degenerativa. E ainda não se ouviu, da parte do presidente Bolsonaro, nenhuma palavra de censura diante de tão ultrajante declaração.

quarta-feira, maio 08, 2019

Xixi na cama etc. - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 08/05

Um governo com fixações fálicas e anais


Há uma regra não escrita segundo a qual não se imaginam pessoas de certa representatividade —monges budistas, papas, missionários, almirantes, juízes, diplomatas— rebaixando-se a funções tão íntimas, como usar fio dental, aplicar desodorante, coçar-se, soltar pum ou mesmo fazer xixi. Eu não disse que não fazem isto —disse apenas que não nos compete imaginá-las fazendo. Aliás, o grau de santidade ou de autoridade de que têm de se despir para executar essas funções é de tal ordem que nem elas devem acreditar que, às vezes, precisam desempenhá-las. Para não falar na quantidade de roupas que têm de tirar —vide os repolhudos ministros do STF.

Em tese, os presidentes da República também deveriam fazer parte dessa linhagem de entes quase incorpóreos. E alguns devem ter feito. Quero crer, por exemplo, que Rodrigues Alves (1902-1906) e Affonso Penna (1906-1909) nunca tiraram ouro do nariz e o grudaram debaixo da cadeira. Quanto aos demais, não juro por ninguém —os caricaturistas, inclusive, não perdoavam suas idiossincrasias.

Mas nenhum se expôs tão brutal, repetida e espontaneamente quanto Jair Bolsonaro. Seu mandato mal começou e já sabemos, por ele próprio, que fez xixi na cama até os cinco anos, que se preocupa com a lavagem do pênis com água e sabão e que, como declarou a Silvio Santos, continua “na ativa e sem aditivos”. Sem falar na sua descoberta do “golden shower”, a partir do vídeo escatológico que disseminou pelas redes sociais no Carnaval. É uma permanente preocupação fálica e urinária, a merecer, talvez, a atenção dos especialistas.

Já a fixação de seu líder e inspirador, o astrólogo Olavo “Bocage” de Carvalho, é mais embaixo. Suas postagens e entrevistas são um festival de referências ao cu, com conotações tanto eróticas quanto fecais. Quando ele superará a fase anal?

É fatal. Com tantos mijando fora do penico, só pode dar merda.

Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

A realidade pede passagem - MONICA DE BOLLE

O Estado de S.Paulo - 08/05

A baixa produtividade da mão de obra resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País


O governo de apenas quatro meses de Jair Bolsonaro é um poço de intrigas. Há as brigas entre os olavetes e os não olavetes. Há as brigas entre os filhos que controlam e descontrolam os meios de comunicação do pai e os militares. Há as brigas entre o filósofo presidencial e os generais. Há as brigas entre o presidente da República e o prefeito de Nova York, essa quiçá a mais surreal. Tão surreal que dia desses acabei cantarolando o refrão de música antiga de Lulu Santos, “não vá para Nova York amor, não vá”. Em meio à balbúrdia do governo Bolsonaro – afinal, cada governo tem a sua palavra, seu mot juste – a realidade vem se impondo de forma dramática.

Desde dezembro do ano passado, a inflação subiu quase um ponto porcentual – passando de 3,8% para 4,6% agora. O número em si não chega a assustar, sobretudo porque está dentro da meta do Banco Central. Contudo, a alta súbita da inflação em uma economia que ainda não dá sinais de ter saído do lugar e que pode até ter encolhido um pouco no primeiro trimestre do ano, é preocupante . No entanto, sabemos que a produção industrial encolheu nos primeiros três meses do ano e que outros indicadores econômicos deram claros os sinais de fragilidade. A taxa de desemprego continuou a subir nesse início de 2019, alcançando 12,7 %, o que significa 13,5 milhões de desempregados.

Para complicar a situação para lá de vulnerável do Brasil, a economia mundial não está ajudando muito, como alertara o FMI. Os mais recentes indícios de que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos não deve acabar tão cedo está tirando fôlego dos cenários de crescimento global ainda que a economia norte-americana continue a apresentar bons números para o crescimento e para o mercado de trabalho. Curiosidade que poucos sabem é que os economistas têm muitas dificuldades para traduzir a guerra comercial em números concretos que mostrem o impacto sobre o crescimento global. Isso porque os modelos matemáticos e estatísticos de projeção para medir o impacto de tarifas e retaliações sobre o comércio internacional, sobre os empregos, e o impacto em setores específicos de diferentes países não são compatíveis com os modelos matemáticos e estatísticos usados por macroeconomistas para produzir projeções para o crescimento global. O que isso significa é que sabemos que a guerra comercial não é boa para ninguém. Porém, não sabemos quantificar a magnitude do quão perversa ela pode ser para o mundo e para países específicos.

No caso brasileiro, alguns setores se beneficiaram da conflagração – a China andou comprando mais grãos, mais soja de nós nos últimos meses, e isso nos ajuda. Não nos ajuda de forma permanente, mas qualquer mãozinha é bem-vinda nesse momento tão complicado. O problema é que o Brasil, embora seja um exportador de peso de soja e outros grãos, não é parrudo o suficiente no mercado internacional para determinar o preço dessas exportações. Ultimamente, como resultado de uma série de fatores, os preços dos grãos e da soja têm caído nos mercados internacionais. Isso significa que podemos até exportar mais em volume, mas o valor do que exportamos não tem aumentado tanto assim. Portanto, nem temporariamente se pode afirmar que a guerra comercial tenha sido um maná de Trump e Xi.

Tenho escrito nesse espaço que a reforma da Previdência tampouco será a bala de prata para destravar o investimento no Brasil. Embora haja investidores estrangeiros que estejam à espera da reforma para voltar a destinar recursos para o País, a verdade é que a guerra comercial e a possibilidade de que continue já que, antes de tudo, trata-se de um tema importante para a campanha de Trump nas eleições de 2020, aumenta as incertezas e deixa todos ressabiados. Além, é claro, da reforma em si não ser suficiente para resolver de uma tacada só todos os problemas que hoje impedem o Brasil de crescer, muitos dos quais são estruturais e levam anos para serem adequadamente solucionados. A baixa produtividade da mão de obra, por exemplo, resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País. Claramente, não estamos encaminhando as questões relativas à educação de forma adequada.

Dizia no início desse artigo que cada governo tem a sua palavra. A palavra do governo Dilma foi “estarrecida” ou “estarrecido”. Pelo visto o governo Bolsonaro acabará nos trazendo combinação de palavras. Ficaremos todos estarrecidos com a balbúrdia enquanto a economia padece no vácuo.

Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

A boa notícia do Inmetro - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 08/05


Em uma iniciativa sensata, a presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Angela Furtado, anunciou um projeto de revisão do emaranhado de regras relacionadas à qualidade, à segurança e ao desempenho dos produtos comercializados no País. A autarquia é vinculada ao Ministério da Economia e o projeto faz parte de um amplo programa de modernização da legislação sobre a ciência da medição, que afeta o cotidiano das empresas e dos cidadãos.

A ciência da medição envolve o cálculo da velocidade de um automóvel, do tempo de cozimento de alimentos, da temperatura de uma geladeira e do consumo de energia elétrica, por exemplo. Também permite saber se a quantidade de arroz na embalagem é a mesma mencionada no rótulo e se os valores informados na bomba de combustível ou na balança de um supermercado e de uma padaria são corretos.

Atualmente, há em vigor cerca de 300 regulamentos baixados pelo Inmetro. Eles cobrem 647 tipos distintos de produtos, o que dá mais de uma regra para cada duas categorias. Na área de produtos para crianças, por exemplo, existem quase 300 mil marcas certificadas pelo órgão. Segundo as estimativas do Inmetro, o volume de vendas de produtos que estavam dentro de sua jurisdição regulatória, em 2015, totalizou R$ 460 bilhões.

A implementação do projeto está prevista para o segundo semestre e a primeira medida será a desburocratização dos processos de registro e autorização de produtos. A estratégia foi inspirada no modelo de regulação adotado na União Europeia. Em vez de ter um regulamento específico para cada produto, como ocorre entre nós, a ideia é ter regras e dispositivos mais amplos, abrangendo categorias de produtos.

Hoje, brinquedos, berços e artigos de festas têm um regulamento específico para cada item. Já na União Europeia, com apenas 22 regulamentos gerais, eles integram a categoria de produtos infantis. Dependendo do setor, como o químico, o elétrico e o metalúrgico, os regulamentos gerais podem, quando for o caso, ser eventualmente complementados por normas específicas.

Com a desburocratização e a substituição de regulamentos específicos por normas gerais, o Inmetro pretende mudar sua forma de atuação. Em vez de concentrar a atenção no controle prévio de cada produto, que resulta num imenso cipoal regulatório, o objetivo é adotar uma vigilância posterior mais rigorosa, por meio de acordos de fiscalização com entidades de classe e entidades privadas. “Regulação mais flexível não se confunde com bagunça e anarquia”, afirmou a presidente do Inmetro em entrevista ao jornal Valor.

Quando a implementação do projeto estiver concluída, diz ela, os fabricantes ou importadores poderão fazer uma autodeclaração de que seus produtos estão de acordo com a regulamentação. Pela legislação em vigor, esses certificados dependem de testes e ensaios em laboratórios, o que leva tempo e tem um alto custo. Em média, um registro no Inmetro demora pelo menos seis meses. E, dependendo do setor, o prazo pode chegar a dois anos, o que é incompatível com os produtos que têm um ciclo de vida útil de três anos.

Pelo projeto, quando houver necessidade, fabricantes e importadores poderão fazer testes numa rede de 2 mil laboratórios autorizados pelo órgão. Só os produtos com riscos específicos, como os dos setores químico e elétrico, passarão obrigatoriamente pelo processo de certificação com base em ensaios. Já o trabalho de vigilância será feito com base na análise de bancos de dados com informações sobre acidentes de consumo e no monitoramento de plataformas digitais que divulgam reclamações e avaliações de consumidores.

A iniciativa do Inmetro se insere no rol de reformas microeconômicas de que o Brasil tanto necessita para reduzir os custos de produção e diminuir a insegurança jurídica causada por uma malha normativa anacrônica e asfixiante. Ela favorece consumidores e produtores, ao mesmo tempo que propicia melhorias no ambiente de negócios.

Bolsonaro deve eleição a Moro, Lava Jato e Adélio, não a Olavo. E a fosseta - REINALDO AZEVEDO

PORTAL UOL - 08/05

A serpente e a fosseta loreal: Bolsonaro deve ser um daqueles mutantes de uma antiga novela da Record. Ninguém sabia que ele era dotado de tal órgão e que engole sapos por ali…


O autointitulado professor e filósofo Olavo de Carvalho fez na manhã desta terça o mais covarde de todos os ataques aos militares, dirigido, no caso, contra Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete da Segurança Institucional. Disparou: "Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente." Villas Bôas é portador de uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla "ELA", que implica graves restrições físicas, mas não afeta o intelecto. Ninguém se surpreendeu. Ele é capaz de muito mais. A agressão revoltou o Alto Comando das Forças Armadas e os generais da reserva que compõem o governo. Todos, no entanto, decidiram silenciar.

Não pensem que se ouviu de Bolsonaro alguma palavra de solidariedade ao general. Ao contrário. Depois de uma impressionante saraivada de agressões e baixarias disparada por Carvalho, o presidente publicou o seguinte texto no Facebook e no Twittrer:

"- Cheguei na Câmara em 1991 e encontrei-a tomada pela esquerda num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristã (SIC).
– Aos poucos outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho.
– Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos.
– Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim.
– Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder.
– Sempre o terei nesse conceito, continuo admirando o Olavo.
– Quanto aos desentendimentos ora públicos contra militares, aos quais devo minha formação e admiração, espero que seja uma página virada por ambas as partes.
– Jair Bolsonaro/Presidente da República."


A gramática como sempre é encantadora. Como se nota, o presidente não sabe a diferença entre "fã" e "ídolo". Afirmar que a Câmara, em 1991 ou em 2019, é hostil "às nossas tradições judaico-cristãs" não incide apenas na tolice. Trata-se também de uma mentira. Nota à margem: não é de hoje que implico com as tais "tradições judaico-cristãs". Por óbvio: ou são judaicas ou são cristãs, como sabem judeus e cristãos. Ainda que Cristo fosse efetivamente judeu, assim como Saul, o perseguidor de cristãos, que virou Paulo depois da conversão.

A CÂMARA EM 1991
Também é mentira que a Câmara estivesse tomada pela esquerda. À época com 503 deputados, o PMDB elegeu 108; o PFL, 83; o PDS, 42; o PRN de Collor, 40, o PSDB, 38; o PTB, 38; o PDC, 22, o PL, 17; o PSC, 06; o PRS, 04; o PTR, 02; o PST, 2; o PSD, 01; o PMN, 01. De esquerda, apenas os 35 do PT, os 45 do PDT; os 5 do PCdoB, os 3 do PCB e, vá lá, os 11 do PSB, que sempre foi de centro. Ou por outra: dos 503 deputados, apenas 19,7% eram de esquerda. A isso o grande pensador chama "câmara tomada" por esquerdistas.

Só para comparar: hoje, as esquerdas somam 26,3%. Caso se considerem no grupo PPS, PV e Rede (não acho que sejam esquerdistas), chega-se a 28,8%. E olhem que estamos falando de uma maré conservadora, com forte viés reacionário, que certamente não se repetirá no país.

MORO, LAVA JATO E ADÉLIO
Afirmar que, sem Olavo de Carvalho, o PT teria chegado ao Poder é uma estupidez delirante. E também uma ingratidão episódica, embora ele tenha pagado a conta. Bolsonaro deve a sua eleição à Lava Jato, em particular a Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, e a Adélio Bispo de Oliveira, o homem que lhe desferiu a facada. Segundo o próprio Flávio Bolsonaro, ela foi bastante eficaz eleitoralmente.

A esmagadora maioria dos que votaram no atual presidente nunca ouviram falar do suposto pensador.

A FOSSETA DA COBRA
Depois de encontro com a cúpula das Forças Armadas, em que se tratou de um contingenciamento no Orçamento de R$ 5,8 bilhões, Bolsonaro falou sobre o ataque de Carvalho aos militares nestes termos:
"O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu, e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. Inclusive, olha só. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, OK?".

Sabe-se lá onde diabos foi buscar a expressão "fosseta lacrimal". Humanos têm fossas nasais e lacrimais. A tal "fosseta" — que é "loreal", e não lacrimal, porque fica no "loro" — uma região entre o olho e a boca ou bico de repteis, peixes e aves — é própria de algumas cobras peçonhentas.

Acho que os militares descobriram um tanto tarde que estavam lidando com alguém dotado de "fosseta loreal", não é mesmo?

Convém ter à mão o soro antiofídico do respeito à Constituição e às leis.

A cobra peçonhenta está por aí.

A Apex na guerra dos bolsonaristas - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 08/05

Agência de comércio, que nem é bem governo, vira objeto de disputa odienta


Pouca gente sabia o que era a Apex até que a instituição se tornasse campo de sangue das batalhas intestinas do governo de Jair Bolsonaro.

Nos últimos dias, a disputa pelo poder na agência foi o motivo da nova onda de fúria dos bolsonaristas puros contra os militares, em especial contra o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.

O que é que a Apex tem?

1) Dinheiro;

2) poder para fazer amigos no mundo empresarial.

3) está em território dominado pela ala antiestablishment do governo: no Itamaraty, sob influência de seguidores do youtuber Olavo de Carvalho.

Dois diretores ligados a Eduardo Bolsonaro foram demitidos pelo contra-almirante Sergio Segovia, terceiro presidente da Apex deste governo. A queda da diretora Leticia Catelani, bolsonarista de primeira hora, causou especial revolta, com campanha no Twitter e tudo.

Os bolsonaristas “raiz” dizem que Catelani despetizava a agência; dava cabo de gastos suspeitos e do esquerdismo. Ela mesma contou que resistia a pressões para manter “contratos espúrios” (de quem? Convém chamar a polícia). Teria caído por intervenção militar; Segovia seria apadrinhado de Santos Cruz, há semanas na caldeirinha das milícias virtuais.

A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, não é propriamente órgão de governo. Foi um filho temporão e bastardo do sistema “S” (Sesi, Sesc etc.), criado pelo governo de Lula da Silva em 2003.

É entidade de direito privado, bancada por contribuições obrigatórias de empresas, como no restante do sistema “S”. Mas, na Apex, a maioria dos votos no conselho deliberativo é do governo.

O ministério responsável, ora o Itamaraty, aprova seu orçamento. No ano passado, recebeu quase R$ 500 milhões em contribuições sobre a folha salarial. Não é pouco dinheiro, que de resto não está sujeito a corte pelo Ministério da Economia.

A agência promove exportações. Gasta a maior parte de sua verba em convênios com associações empresariais, além de financiar feiras, eventos, missões de divulgação e a publicidade na mídia lá fora. Na prática, a Apex é uma estatal a fundo perdido, por assim dizer.

É difícil de entender o motivo de o governo se meter nisso, em promoção comercial privada. Existem órgãos públicos responsáveis pela promoção dos interesses comerciais do país. Caso as empresas assim o desejem, podem se associar a esses esforços oficiais, pesando custos e benefícios da iniciativa —privada.

No entanto, a agência se tornou objeto de disputa política extremista. Para bolsonaristas antiestablishment, a nomeação do almirante Segovia faz parte de uma ofensiva militar que tem como objetivo derrubar os adeptos autênticos de Bolsonaro. O próximo alvo seria o ministro das Relações Exteriores.

Os militares seriam “traidores” do programa conservador nos costumes, nacionalista, antiesquerdista e liberal na economia.

Na melhor das hipóteses, os oficiais com postos no governo são “isentistas”, não se engajam na verdadeira causa presidencial.

No pior dos casos, são “positivistas”, “progressistas” em costumes, “cientificistas”, em última análise propensos a aceitar causas “globalistas” (do aborto ao ambientalismo), quando não instrumentos ou cúmplices da esquerda, que os manipula para dividir a direita.

A batalha da Apex seria mero pretexto. Os militares quereriam é acabar com a alma do bolsonarismo autêntico.

"Escola não é curral" - GUILHERME FIUZA

GAZETA DO POVO - PR
06/05

"Alunos estão filmando professores em sala de aula para denunciá-los. E a prática está se espalhando. Nesse clima, pode acontecer tudo no ambiente do aprendizado, menos aprendizado. E por que essa reação extrema e indesejável está ocorrendo? Porque o tal do aprendizado, ele mesmo, já andava passeando na zona de prostituição da educação nacional.

Seria ótimo se isso fosse apenas um surto paranoico, uma lenda urbana ou uma dessas teorias conspiratórias que circulam amplamente por aí com ares de verdade. Miseravelmente não é o caso. Qualquer leitor desse texto terá mais de um caso para contar – envolvendo estudantes jovens, adolescentes e até crianças, no ensino público ou privado, na capital ou no interior. A transformação da sala de aula em palanque é uma praga no Brasil – um crime hediondo contra a liberdade intelectual, que é a mãe de todas as liberdades.

Já seria terrível se essa prostituição do aprendizado viesse de delinquentes de várias tribos, cada uma disputando as mentes em formação com seu falso credo. Mas é pior: trata-se de uma tribo só, fazendo o mesmíssimo tipo de proselitismo em todo o território nacional – portanto sem contraditório nem na contravenção. PT, PSOL e genéricos montaram um cartel de contrabando intelectual.

São anos e anos de pedagogia pirata cabeça adentro da garotada: os picaretas do MST são heróis da moderna revolução campesina, o Plano Real corresponde ao neoliberalismo que oprimiu os pobres, Lula matou a fome do povo porque já passou por isso na vida, os sindicatos parasitários são a salvação do trabalhador, o capitalismo é mau que nem pica-pau, a Europa é perversa e a África é boazinha, os índios são humanos e os brancos são desumanos, privatizar é roubar a população e quem realmente roubou a população aparece lindo na fotografia da resistência democrática contra a ditadura militar… Por aí vai.

Os alunos brasileiros passaram a se dividir basicamente em dois grupos: os que têm consciência do estupro e os que nem isso tem. Não que a consciência revogue os danos, mas com ela você pode ao menos tentar correr atrás do prejuízo e do tempo perdido. Os que não sabem que foram moral e intelectualmente estuprados terão de contar com a sorte para escapar de ser idiotas.

Duvida? Então siga com atenção as instruções para a comprovação imediata do sucesso desse massacre: olhe em volta. Você dará de cara com uma sociedade refém de dogmas “progressistas” tão vagabundos e reacionários quanto a demagogia politicamente correta – que nada mais é do que a mais perfeita encarnação da idiotia. Para quem estiver nauseado, um consolo mórbido: não é só no Brasil.

E o que acontece com o aluno que, em pleno comício do seu professor, comete a heresia do contraditório? (Atenção: não estamos falando na hipótese de o aluno dizer que o comício é comício; estamos falando apenas do ato de discordar das premissas do professor). O que acontece em virtualmente 100% desses casos é que o professor militante adota uma ou mais das opções a seguir contra o aluno (escolha a sua):

1. Desqualifica;
2. Menospreza;
3. Vocifera;
4. Ridiculariza;
5. Humilha.

Não adianta reclamar com o coordenador, nem com o diretor, nem com o Papa. Está tudo dominado pelo sindicato, que por uma enorme coincidência apoia os candidatos e políticos do PSOL, do PT e genéricos (PCdoB, PSB, PDT, Rede e demais democratas cenográficos) – candidatos e políticos esses que, por outra sublime coincidência, aparecem lindos de morrer em perfis dos professores nas redes sociais, com panfletagem descarada entre os alunos que são docemente constrangidos a aderir ao perfil do professor engajado (quando não é, ele mesmo, o candidato).

Esta é a autópsia da educação brasileira neste século, e ninguém deve ter dúvidas de que alunos acuados cairão cada vez mais na guerrilha da filmagem. A não ser que o Brasil decida (não o governo, o país) fazer o que não fez nas últimas décadas: retomar as salas de aula das mãos dos pastores partidários. Até porque escola não é curral."

Esquecendo o necessário - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 08/05

Os governantes, e até mesma a sociedade, não tiveram a real percepção de que o Estado brasileiro cresceu e se atrofiou



No início deste mês de maio, o banco Goldman Sachs, com sede nos Estados Unidos, autor de análises de alto nível sobre a economia mundial, publicou um relatório sob o título O Brasil caminha para a segunda década perdida em 40 anos. O título é um pouco estranho, pois o banco diz textualmente que, em suas estimativas, o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) por habitante entre 1981 e 2020 deve ficar, na média, em torno de 0,8% ao ano. A considerar que o período abrangido são os últimos 40 anos, o crescimento medíocre mostra que o Brasil terá perdido quatro décadas, não duas. A afirmação do Goldman Sachs de que o país poderá ter a segunda década perdida decorre de que houve períodos de crescimento, mas duas décadas foram tão negativas – os anos 1981-1990 e os anos a 2011-2020 – que os períodos de crescimento foram anulados pelo tamanho da recessão dessas duas décadas em particular.

O relatório coloca alguns verbos no condicional mais por precaução redacional do que por haver possibilidade de o Brasil se recuperar e não incorrer em desempenho tão fraco. Essa cautela é apenas uma gentileza desnecessária, pois o país está diante de apenas um ano e oito meses para encerrar a atual década e não há milagre capaz de, até o fim de 2020, reverter o baixo crescimento médio dos últimos quarenta anos. Essa taxa média de 0,8% de aumento do PIB é tão mais pífia quando se considera que a população brasileira em 1980 era de 120 milhões e terminará 2020 com 209,7 milhões. É um resultado decepcionante para um país que dispunha das condições suficientes para crescer e superar a pobreza, mas terminará a segunda década deste século bastante atrasado e pobre.

Em editoriais anteriores neste espaço, este jornal já vinha alertando para a ocorrência do mau desempenho que o relatório do Goldman Sachs agora traz à tona, bem como sobre a necessidade de sociedade e governo trabalharem para que o Brasil pare de desperdiçar oportunidades de sair do estado de pobreza, o que depende de políticas, práticas e reformas cuja necessidade são um consenso nacional, mas que o país nunca concretiza. O economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirma que "a realidade marcante e desconfortável é que o crescimento da renda real per capita do Brasil desapontou durante as últimas quatro décadas", acrescentando que a expansão do PIB foi uma decepção em 2017 e 2018, a recessão de 2015 e 2016 foi a mais grave nos últimos 100 anos e a recuperação depois da recessão foi muito fraca.

O Ministro da Economia, Paulo Guedes, vem explicando a vários públicos que todos os governos das últimas cinco décadas cometeram o mesmo erro, cujo preço político foram derrotas eleitorais na sequência. Os efeitos desse erro estão no baixo crescimento do PIB, na pobreza e no atraso do país. Trata-se do fato de que todos os governos, ainda que tendo políticas econômicas diferentes, tiveram política fiscal frouxa, com déficits públicos crônicos, inchaço do setor público e explosão de dívida governamental, coisas que, Guedes lembra, geram inevitavelmente elevação de juros e elevação de impostos, o que transforma o país no paraíso de bancos e rentistas, enquanto prejudica empreendedores e desestimula a criação de negócios.

O ministro lembra que, mesmo na gestão de Fernando Henrique Cardoso, quando o país teve vitória espetacular no combate à inflação e uma política monetária eficiente, o governo não fez a reforma do Estado, não diminuiu o tamanho do setor público em seu conjunto, não eliminou os déficits fiscais, a dívida explodiu e o PSDB, partido do governo, perdeu as cinco eleições presidenciais seguintes. Lula e Dilma também incorreram no mesmo erro, além de outros peculiares a cada um deles, o governo cresceu, a máquina estatal inchou, os déficits fiscais continuaram e a dívida pública explodiu, e o PT terminou seus quatro mandatos de forma melancólica no campo econômico, no campo político e no campo jurídico-moral.

Pois, com outras palavras, é exatamente isso que diz o relatório do banco Goldman Sachs. Os governantes, e até mesma a sociedade, não tiveram a real percepção de que o Estado brasileiro cresceu e se atrofiou, tornando-se um monstro perdulário, endividado e caro para a sociedade. E o banco alerta que, enquanto o país não fizer a reforma fiscal e a reforma do Estado, as chances de crescer e superar o atraso são quase nulas. O não reconhecimento da falência estatal em todas esferas – municípios, estados e União – pode manter o país nessa situação de uma nação que, apesar de recursos naturais abundantes, patinará no subdesenvolvimento econômico e social. Tanto para o Ministro Paulo Guedes quanto para o banco Goldman Sachs, todos os governos dos últimos 50 anos esqueceram o necessário: o equilíbrio fiscal, o controle da dívida e o controle do crescimento do setor estatal.

Fardados caem na armadilha que montaram - IGOR GIELOW

Folha de S. Paulo - 08/05

Restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram



O imbróglio envolvendo os militares e a ala ideológica do governo Jair Bolsonaro retrata à perfeição a armadilha na qual as Forças Armadas caíram ao associarem-se ao capitão reformado.

Mesmo sem fazer campanha aberta ou sustentar a campanha, como a esquerda diz ter ocorrido, as Forças Armadas se viram irrefutavelmente ligadas ao então polêmico presidenciável.

Menos pela origem militar de Bolsonaro, que deixou o Exército com fama de indisciplinado, e mais pela crescente aproximação entre ele e os fardados de 2017 em frente.

Naquele ano, generais e outros oficiais da reserva, comandos por Augusto Heleno, abraçaram a candidatura. Previram com razão que ocupariam espaços importantes na administração, estruturaram ações de governo.

Até aí, é o que acontece em sociedades mais avançadas, como os Estados Unidos, onde quadros qualificados trocam fardas por roupas civis sem grandes constrangimentos.

As forças da ativa mantiveram uma distância desconfiada do movimento, temendo perder o capital de confiabilidade que amealharam após anos do que consideram humilhação pública durante a redemocratização pós-1985.

Quando ficou claro que Bolsonaro era a alternativa viável contra o PT, partido que se afastou dos militares após decisões desastrosas durante o governo Dilma Rousseff, a ativa obviamente não fez campanha, mas consolidou a bênção a Bolsonaro.

O capitão rebelde dos anos 1980 estava reabilitado, ainda que mesmo após a eleição comentários sobre sua falta de preparo como risco à imagem da instituição tomaram corpo. Foram enfim vocalizados em uma entrevista à Folha em novembro de 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, o então comandante do Exército.

Ali Villas Bôas tentou colocar uma linha separando as Forças do governo Bolsonaro. Tentou, pois mesmo lá já admitia a associação inevitável. Como ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça (7): a fatura de uma má gestão cairá no colo dos militares, ainda que em parte.

Começa o governo e o espraiamento dos fardados se dá como previsto. O antes contestado Hamilton Mourão acabou tornando-se um norte na cadeira de vice, por ser indemissível, embora ainda seja visto com reservas por oficiais das três Forças.

E formou-se a famosa ala militar, que na verdade são várias, inclusive aí a poderosa ativa encarnada em sua instância mais forte, o Alto Comando do Exército. Heleno sempre reclama do termo porque ele mesmo é uma ala em si, trabalhando de forma a mediar conflitos.

O insondável para os militares era o poder da ala ideológica —ou antiestablishment, como a nomeou o assessor de Bolsonaro Filipe Martins.

Ela tem no governo o Itamaraty e o Ministério da Educação, mas sua força real reside em 2 dos 3 filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo e o vereador Carlos.

E eles fizeram emergir o escritor Olavo de Carvalho, que da relativa obscuridade de seu retiro norte-americano foi alçado com as conhecidas táticas de guerrilha digital capitaneadas por Carlos ao posto de antagonista-mor dos militares em torno de Bolsonaro.

O vereador carioca fez sua parte no conflito, mirando especificamente Mourão, a quem acusa de ser um traidor à espera da hora de agir. Enquanto isso, Olavo fazia suas diatribes em rede social, irritando fardados e os fazendo cobrar o presidente por algum tipo de enquadramento do escritor e de seu filho.

Não conseguiram nada além de uma nota lida pelo general porta-voz de Bolsonaro, que ainda assim só reclamava levemente de Olavo. Nada sobre o filho. A crise só se agravou, culminando com a volta de Villas Bôas, dando um recado duro contra o escritor —que era direcionado, ao fim, ao grupo da família presidencial.

Bolsonaro deu de ombros e, no Twitter, defendeu Olavo na manhã desta terça. Fez o mesmo à tarde. O escritor, nesse sentido, virou um espantalho útil: incomoda os militares sem obrigá-los a criticar os filhos do presidente, se não ele próprio.

O ponto mais nevrálgico é a política externa, na qual os militares já intervieram para evitar que o alinhamento ao governo de Donald Trump faça maiores estragos.

Ainda assim, com limites: na véspera do último capítulo da crise venezuelana, o chanceler indicado por Olavo esteve em consultas com seus amigos em Washington.

Pela natureza destrutiva desse núcleo duro do bolsonarismo, retroalimentada por estratégias em redes sociais, restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram.

Alguns falam que os nomes da reserva deviam deixar o governo, proposição antes impensável e que abriria a "fatura" citada por Villas Bôas.

Os caminhos para os fardados hoje são essa ruptura, um acordo patrocinado por Bolsonaro com os ideológicos ou aceitar que são vistos como adversários pelo círculo íntimo do presidente.

Fábrica de crises - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 08/05

Bolsonaro atiça futricas e adula facção em cruzada delirante contra militares


Com o Brasil ameaçado pelo retorno da recessão, já deveria estar clara para as lideranças a relação entre fiasco econômico e instabilidade política. Deveria, mas não está, como o demonstra o comportamento do presidente da República.

Jair Bolsonaro (PSL) é fonte de incertezas. Sob seu comando, o Planalto desponta como a mais prolífica fábrica de crises nacionais.

O supremo mandatário estimula bate-bocas sobre o nada, promove futricas acerca de coisa nenhuma, desperdiça tempo a adular uma facção amalucada, na qual estão incluídos seus filhos, que deliram numa cruzada de botequim contra a elite das Forças Armadas.

Neste fim de semana, a comunicação do presidente da República foi o veículo de nova estocada dessa banda de lunáticos contra o ministroCarlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo).

Instado pela exumação de trecho de uma entrevista velha do general e pela leitura enviesada também inventada por aquela franja de boçais, de que ele ali defendera o controle de mídias sociais, o chefe do Executivo publicou uma admoestação oblíqua ao seu ministro.

Seu governo, escreveu Bolsonaro, não promoveria regulação das redes sociais. Àquela altura, Santos Cruz já era alvo de mais uma campanha de insultos, promovida entre outros pelo ideólogo Olavo de Carvalho, que nada costuma fazer apartado dos filhos do presidente, em especial do vereador Carlos.

A incapacidade, ou a falta de vontade, de Jair Bolsonaro de colocar um freio na sua turma reforçou-se nesta terça (7), quando voltou a divulgar palavras de admiração a Olavo, que fora criticado pela maior liderança moral do Exército, o ex-comandante e general da reserva Eduardo Villas Bôas.

O tal guru presidencial não se fez de envergonhado e pôs-se novamente a enxovalhar o comando do Exército, criticando-o por escudar-se num “doente preso a uma cadeira de rodas” —Villas Bôas sofre de uma doença degenerativa.

De um copo d’água, Jair Bolsonaro conseguiu fazer outra tempestade. Inimigos do Congresso, do Supremo e dos corpos regulares do Estado, os celerados do Twitter esfregam as mãos. Com a ajuda do presidente, expuseram oficiais das Forças Armadas, dentro e fora do governo, à humilhação.

A saída do governo de quadros como Santos Cruz significaria um triunfo para esse nicho autoritário. A sua permanência, no entanto, torna-se cada vez mais custosa, dada a doçura que o chefe de Estado dispensa aos arruaceiros que orquestram a difamação dos oficiais.

Tudo isso reforça a percepção geral de bagunça e falta de rumo no governo federal. O Brasil não retomará o crescimento nesse ambiente. Arrisca-se, pelo contrário, a enveredar por uma nova espiral de destruição de renda e empregos.

Um estranho estado de ânimo - PAULO DELGADO

O Estado de S. Paulo - 08/05


A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual



O mundo está adquirindo outra feição. A forte preferência política pela distração impôs a regra: todos viram, ninguém viu. A impressão que dá é que se alguém despertar tudo pode evaporar. Há algum tempo andorinhas não governam. Não é falha da razão, nem resultado da pobreza da curta experiência democrática. É um subproduto do fato de as atitudes predominantes na vida das pessoas se terem tornado cópias de comportamentos digitais. A moral moderna ainda não está codificada, mas seus memorandos presentes na navegação online, com a universalização de informações, ressentimentos diversos e a desatualização periódica de todos os sistemas de intermediação e valores, indicam uma formatação futura onde não haverá quem testemunhe pela testemunha. A internet é o inconsciente a céu aberto.

Volodymyr Zelenski, de 41 anos, toma posse como presidente da Ucrânia agora em maio. O comediante fez sua campanha nas redes sociais com um discurso sintetizado no último verso do soneto 121 de Shakespeare: o homem é mau e reina na maldade. Ganhou de lavada. A Ucrânia está no centro das disputas que se travam no mundo desde a crise econômica iniciada em 2008. Foi na Ucrânia que a Rússia usou o Exército para mandar um recado à Otan: tirem as botas do Leste Europeu. Em 2014 Moscou anexou a Crimeia, península ucraniana no Mar Negro.

A ascensão de Zelenski é mais um sintoma de uma baita crise sem solução iniciada pelo manejo econômico centralizado e impulsionada pelo desassossego (in)fértil da internet. É um presságio de que dias piores virão. Tudo começou quando Ben Bernanke, presidente do Banco Central americano (Fed) de 2006 a 2014, quis parecer a pessoa na hora certa, no lugar certo. Estudioso das recessões econômicas, Bernanke afirmou que não estava disposto a permitir uma segunda grande depressão nos EUA. No meio de um mundo em que o Estado, desorientado, briga com o capital, Bernanke tirou da cartola uma ideia chamada afrouxamento quantitativo e inundou o mundo do desejo de se aliviar, sem esforço.

A ideia foi comprada pelos sete países mais ricos. E empurrada garganta abaixo do G-20 como uma generosa decisão de fraternidade internacional. O Brasil não reagiu estrategicamente e saiu comprando carro sem ter garagem. Os bancos centrais dos países ricos passaram de cerca de US$ 3 trilhões de crédito a receber do mercado em 2007 para mais de US$ 14 trilhões em 2018. Operações de empréstimo a juro zero ou mesmo negativo viraram mantra. Quem recebeu o esplendoroso “afrouxamento” foram o sistema financeiro e suas conexões. Bernanke acreditava que inundar os ricos de dinheiro evitaria a estagnação econômica e o empobrecimento da população.

Como a economia não secou, funcionou artificialmente encharcada alguns anos até virar o estopim da crise global que dura até hoje. O vaso da economia mundial se estilhaçou, a política de potências esfarelou-se e a gula do mundo online explodiu, impondo aos jovens duas falácias desestruturantes: 1) basta a posse, deixe a propriedade comigo; 2) derrube tudo, o inimigo é a política. A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual. A crise não passa porque o mundo está querendo enfrentar ideias antigas, protecionistas ou antissociais, com mágica, ancorando gratuidade na concentração de renda e fazendo-se servil ao distributivismo digital. Mas a economia, diferente da política, só funciona se não tiver amigos.

Por quê? Porque riqueza não se produz nem de imediato, nem de graça. A globalização produtiva gera trabalho e oportunidade, é coisa real que traz valor, inovação e desenvolvimento. Contra isso os US$ 14 trilhões emprestados ao mercado foram tragados pelo laguinho egoísta do sistema financeiro e dos amigos da gratuidade. Agentes e grupos transnacionais estão intensificando suas brigas dentro de todos os países para impedir a cooperação internacional e o pacto pela nova sustentabilidade produtiva. Sem botar a cara de fora, por trás da santificada rede social, usam seus usuários, de graça, na luta pelo caos improdutivo.

Enquanto isso, o poder real vai aperfeiçoando os sistemas de mísseis, para botar ordem física na bagunça criada pela economia virtual. Anomias que engolem anomias e produzem novas anomias. Estamos vivendo as várias etapas de uma revolução suicida, em que quem ajuda a destruir o primeiro círculo é destruído pela segunda onda, que será então pela terceira, quarta, até chegar ao impasse violento. Tudo isso sem reflexão, a deusa da facilidade, simplesmente porque depois da internet ninguém olha mais para os pés.

Aqui voltamos à Rússia e à Ucrânia, que será governada por um contador de anedotas. O governo russo desde 2008 é o mais estável do mundo, com Putin, o maior apoiador dos movimentos digitais antiestablishment na Europa. Aliás, líderes desestabilizadores e estáveis somente ele e Netanyahu em Israel, outro homem das nuvens. A alemã Merkel balança, mas para manter a Alemanha no topo da Europa não se importa com a destruição da União Europeia. Algo que a aproxima de Trump, poderoso usuário dessa metralhadora online que vem limando a confiança do mundo em suas regras comuns e instituições coletivas.

Em meio à armadilha pelo afrouxamento quantitativo, Moscou vai semeando a discórdia onde pode para abalar as estruturas do disponível homem das redes. Apoia qualquer grupo comprometido com avacalhar e dilapidar o mundo que está aí. Inclusive com a eleição de Zelenski, que recebeu apoio de Israel, inimigo da Síria, aliada da Rússia...

Zelenski é nuvem caótica. Com a simpatia da Otan e o deslumbramento da população, tensiona o que ainda resta dos contornos do mundo das potências. Confusões nada liberais para provocar a inflexão final – quando será? – aproveitando o rastilho de pólvora que queima desde 2008.

Os sabotadores - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 08/05
O desgoverno é o caldeirão fervente e suas engrenagens


Neste circo em que se transformou o governo Bolsonaro (com pedido de perdão aos circos, ícones da infância mas aqui referidos como símbolos da fuzarca), onde têm espaço nobre o globo da morte, o engolidor de fogo, vamos reservar em banho-maria, por alguns momentos, Olavo, Carlos, Eduardo, Ernesto, Vélez, Weintraub e tantos outros personagens que invadiram a política brasileira e os escalões do serviço público, de armas e bagagem. Especialmente de armas, insultos, prepotência e outros ruídos nos quatro primeiros meses do ano.

É o presidente da República Jair Bolsonaro, e não eles, o principal responsável por tudo o que se passa: a disputa violenta de poder do grupo tuiteiro que liderou sua campanha; a paralisia da administração pública; a dissintonia com o Congresso; as crises pré-fabricadas uma após outra, com os mesmos ingredientes; a falta de comando.

Portanto, Bolsonaro não é vítima desse esquema de sabotagem ao governo formulado por Olavo de Carvalho e executado pelos filhos do presidente. É coautor. É agente ativo e, com sua frouxidão, participa do processo de humilhação impingido aos militares e ministros do núcleo de poder presidencial, atacados pelos que estão sob a proteção da distância virtual.

E por que os generais convidados por Bolsonaro a integrar o governo se submetem a isso? Aí estaria uma boa resposta para elucidar muito do que pensa o grupo sobre sua missão neste governo.

Na verdade, já havia notícias: os militares estavam cheios, pelo pescoço, elocubrando sobre rumo coletivo, mas os ataques que sofreram no último mês foram tão violentos e gratuitos, e o presidente ficou tão inerte, que até fortaleceram seus laços corporativos.

Até o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, considerado o conselheiro mais onipresente e próximo do presidente da República, já parecia entediado com a falta de impulso do governo e com a falta de pulso do presidente para lidar com as crises pré-fabricadas por Olavo Carvalho e Carlos Bolsonaro. A expectativa até a semana passada, quando o general foi fotografado de olhos fechados em duas solenidades, era que a perda de interesse tinha chegado ao seu ponto máximo, o enfado.

Parecem agora revigorados. Para isso contribuiu muito a reação do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que à falta de presidente assumiu a defesa dos militares e, portanto, do governo, partindo para a ofensiva contra Olavo.

Bolsonaro, porém, não assumiu nada explicitamente, nem o governo, e continua adulando o grupo de rebelados sem causa. Deu ao expoente da direita que ministra cursos na internet a maior condecoração que o governo poderia dar, no auge da violência verbal escatológica contra os ministros militares. Seu filho vereador vangloria-se das frituras que promoveu com sucesso. E o governo inteiro fica estático, assistindo ao espetáculo.

Os sabotadores não têm porque parar: fritaram Gustavo Bebianno, ele caiu: fritaram Ricardo Vélez, do seu grupo mas perdendo o controle do poder sobre a Educação, caiu e foi substituído por outro da estirpe; fritaram dois presidentes da Apex, que caíram; tentaram o impeachment do vice-presidente Hamilton Mourão pelas mãos do amigo de Olavo, deputado e pastor Marco Feliciano, mas a decisão era do presidente da Câmara, que engavetou. E agora concentram sua força na derrubada do ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.

O desgaste levou à perda de poder do grupo com cargos no Planalto e à insegurança com relação ao destino do governo. Mas não enfraqueceu só os militares. Reduziu o governo Bolsonaro a uma briga de baixo nível e desmoralizou a própria tropa olavista pela incapacidade de ter compostura numa disputa a sério.

É fácil ofender, insultar pela rede social. O professor da internet não consegue condensar em frases curtas exigidas pelo Twitter toda a sua vã filosofia. Parte para a ignorância, o murro, o soco. A galera da arquibancada bolsonarista gosta, bate palma e pede bis. Mas o governo não põe a cabeça fora dágua. A desproporção torna tudo muito irreal e a impressão é que isso não deve durar muito tempo mais, algo terá que acontecer, de bom ou de ruim. Pois a fábrica de crises continua de pé: Olavo inventa um alvo, um tema, e Carlos Bolsonaro executa. Com o pai impedido de agir abertamente, o irmão sempre aparece para socorrê-los.

O presidente concorda com o que faz o grupo, senão já teria seu governo profissionalizado com o afastamento dos que estão brincando de clube do tiro.

As notícias que saem do Planalto para o Congresso preocupam os partidos. Muitos acham que o caminho tomado pelo presidente está meio sem volta, já não tem conserto. Ninguém governa o presidente nem se nomeia conselheiro. Ele é senhor de sua atuação.

A paralisia do Executivo e do Congresso dão a impressão que ainda não houve posse. O Ministério da Economia, para onde corre Bolsonaro quando se vê sem chão, anda em círculos, anunciando medidas que se repetem e, no mês seguinte, se repetem de novo, e de novo.

O que está na cabeça de Bolsonaro não se consegue decifrar. Será que sabe onde isso vai parar? Será que acha que será obedecido quando der ordem aos generais para aguentarem tudo calados? Ele apoia Olavo cada vez mais, acaba de fazer a condecoração maior do governo a ele, no dia do ataque mais pesado aos generais. Apoia Fabio Wajngarten, representante dos filhos no comando da propaganda do governo subordinada ao general Santos Cruz; apoia Abraham Weintraub, o novo ministro da Educação que chegou barbarizando tanto quanto seu guru. Quando pressionado a se manifestar sobre o escárnio instalado sob seus olhos, sai-se por debaixo do braço de quem o acuou perguntando se o que querem é que rompa com seus filhos. A ignorância é vasta.

Como os políticos do governo Bolsonaro não existem e os líderes que têm poder não se dão com o ministro da Casa Civil, o caminho por essa via está impedido.

A situação é terrivelmente clara: Os militares não têm, neste momento, a metade da força que tiveram na transição e no início do governo Bolsonaro. A agenda do principal general do governo é fraca, Houve clara perda de substância.

O presidente escolhe os seus conselheiros, e escolhe de acordo com suas convicções, suas crenças, seus valores, com o que acha que é certo e errado. Afasta uns e aproxima outros. Bolsonaro aproximou-se dos sabotadores.

Por que Carvalho xinga tanto? - HELIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/05

Guru da família Bolsonaro não está só, palavrões são um universal humano


Se há uma marca no pensamento de Olavo de Carvalho, são os palavrões —e não sei se há muita coisa mais. Na última série de críticas que lançou contra os militares que estão no governo, o ideólogo radicado na Virgínia (EUA) aludiu à parte final do tubo digestivo de um general e se referiu a outro pelo nome mais vulgar da matéria fecal. Por que Carvalho xinga tanto?

Nisso o guru da família Bolsonaro não está só. Palavrões são um universal humano. Não há idioma que não conte com um arsenal de palavras-tabu, quase sempre recrutadas da mesma meia dúzia de campos semânticos: sexo (foda, caralho), excrementos (merda, porra), religião (diacho), doenças e morte (lazarento, cretino) e minorias desfavorecidas (bicha, puta).

Como ensina Steven Pinker em “Do Que É Feito o Pensamento”, o que distingue palavrões dos termos mais ordinários da linguagem é a carga emocional que os primeiros encerram. Basta que apareçam numa fala ou mesmo por escrito para que sequestrem nossa atenção. Psicólogos desenvolveram até métodos (uma adaptação do teste Stroop) para medir quanto.

Nosso relacionamento especial com palavrões está tão arraigado no cérebro que o discurso blasfemo parece ocupar vias neuronais exclusivas. Há casos de pessoas que sofrem lesões cerebrais que lhes tiram a faculdade de falar (afasia), mas não afetam a capacidade de praguejar.

Em termos funcionais, o xingamento serve a múltiplos propósitos, que vão da agressividade (provocar o conflito) até a catarse (soltar um “porra” depois de martelar o próprio dedo ou de desperdiçar um pênalti). Em qualquer hipótese, o uso de palavras-tabu se inscreve como uma modalidade de pensamento mágico. É como se a pessoa que recorre ao palavrão estivesse invocando encantamentos que teriam o dom de afetar o mundo. É óbvio que a realidade não funciona assim, mas é um modo de agir que combina bem com quem acredita em astrologia.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…

Bolsonaro precisa dizer de que lado está - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 08/05

Sequer ataque deplorável de Olavo de Carvalho a Villas Bôas recebe do presidente resposta à altura

O que na campanha apareceu como uma possibilidade, a interferência dos filhos do presidente Bolsonaro no governo, causando instabilidades, se confirma e até excede as expectativas. Com o “02”, Carlos, no comando, uma milícia digital bolsonarista ataca quem o grupo considere ameaça ao atingimento de algum objetivo, com o ideólogo Olavo de Carvalho na condição de inspirador-mor.

Hoje está claro que existe um bolsão de extrema direita ávido por poder atrás das cortinas da atuação do grupo. Já indicou, de forma clara, dois ministros — Ernesto Araújo, para o Itamaraty, e controla o MEC, no qual substituiu o nada inspirado Ricardo Vélez pelo linha-dura de direita Abraham Weintraub; avançou sobre a agência Apex e, desde a montagem do governo, tem especial atração pela Comunicação do Palácio.

É esta predileção que levou Carlos e Olavo a atacarem com fogo concentrado o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo, sob a qual está a Secom. Foi executada uma operação típica de criação de fake news para atingir Santos Cruz: tiraram de contexto uma frase sensata do ministro sobre o uso das redes sociais por grupos ideologicamente extremados e espalharam que ele deseja censurá-las. Um despropósito.

Seria apenas mais uma manobra do grupo — já grave e deplorável — se o presidente Bolsonaro não reforçasse de forma enviesada a interpretação de que houve defesa de censura, afirmando — o que é bem-vindo — que, no seu governo, não haverá censura à qualquer mídia. Mas pareceu um aval à distorção da frase de Santos Cruz, que no domingo foi ao Alvorada conversar com o presidente

Na segunda, Bolsonaro, como tem feito, tentou minimizar o problema, mas, desta vez, a ação de Olavo — até já condecorado pelo presidente — e Carlos ultrapassou os limites. Santos Cruz, general da reserva, é mais um dos militares do governo, atacados pela milícia digital. Antes, já fora o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, outro general da reserva. Para agravar a crise, o ex-comandante do Exército Villas Bôas, hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, divulgou nota sensata em favor da unidade do governo, sem deixar de identificar Olavo como “verdadeiro Trotski de direita”, um paralelo com o russo que defendia a revolução permanente.

Olavo, em resposta, cometeu ato de extrema deselegância e agressividade, para dizer o mínimo, tratando o ex-comandante do Exército como um “doente preso a uma cadeira de rodas” — Villas Bôas sofre de doença degenerativa.

Não é mais possível Bolsonaro continuar no jogo de tentar se manter distante de absurdos que partem da própria família, sem defender seus auxiliares. O presidente, na verdade, tem de estar na defesa do governo, por óbvio, e num momento grave em que assuntos de extrema relevância tramitam no Congresso, como a reforma da Previdência.

Bolsonaro sequer respondeu à nota ignóbil de Olavo na devida altura. E ainda elogiou o ideólogo, chamando-o de “ícone”, mesmo depois do ataque vil feito a Villas Bôas. Outra atitude reprovável. Bolsonaro precisa definir de que lado está.