GAZETA DO POVO - 06/05
O crucial era que Cunha perdesse os poderes de coação que posição de presidente da Câmara lhe conferia. Como mero deputado esse poder se reduziria drasticamente
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar, por unanimidade, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato parlamentar e da presidência da Câmara dos Deputados foi descrita como histórica por juristas e políticos, embora tenha sido também classificada por alguns como um polêmico precedente. Com a deliberação da Corte, Cunha fica suspenso do cargo de deputado enquanto durar o risco de interferir nos processos em trâmite contra si, mas ainda mantém o foro especial.
O deputado já deveria ter sido afastado da presidência da Câmara há muito tempo. Há quase cinco meses, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou medida pedindo ao STF o afastamento cautelar do mandato e da presidência. O procurador-geral da República apontou na ocasião 11 fatos que demostrariam que Cunha agia para atrapalhar e, até mesmo, obstruir as investigações contra si em trâmite no Supremo, bem como no Conselho de Ética, onde é alvo de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Foi, portanto, com estranheza que só agora Teori tenha decidido pela suspensão, no mesmo dia em que precisamente seria levado para análise, sob outros fundamentos, um pedido protocolado pela Rede para que o deputado deixasse a presidência da Câmara.
Mas Teori foi além, não afastou Cunha apenas da presidência, algo que já deveria ter feito há meses. Suspendeu Cunha também do exercício do mandato, sem, no entanto, cassá-lo. Aqui a situação merece algumas ponderações. A Constituição Federal, no artigo 55, VI, estabelece que deputado ou senador perde mandato em caso de condenação criminal com “sentença transitada em julgado”. O Código Penal, em consonância com o preceito constitucional, dispõe no artigo 92, I, que um dos efeitos da condenação é “a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”.
Ora, no caso de Cunha não há condenação criminal que enseje o afastamento do mandato. Mais do que isso. Não parece totalmente claro que o afastamento seja fundamental para assegurar que as investigações prossigam sem interferências. O crucial era que Cunha perdesse os poderes de coação que posição de presidente da Câmara lhe conferia. Como mero deputado esse poder se reduziria drasticamente.
A questão não é meramente formal, de cumprimento da letra da Constituição. É com relação a seu próprio espírito, de proteção ao mandato democraticamente conferido pelo povo. O precedente fragiliza a força dos mandatos, o que pode ser delicado sobretudo em momentos que surjam pretensões autoritárias.
O plenário do Supremo confirmou a liminar de Teori. A decisão coloca o deputado numa espécie de limbo jurídico por tempo indefinido, num meio termo entre a cassação e o mandato, algo sem previsão constitucional. O próprio Teori Zavascki, na decisão liminar, declara que não há previsão específica na Constituição para a suspensão cautelar do mandato de deputado. Mas o ministro admite ser medida “extraordinária, excepcional”, e que o “imponderável é que legitima os avanços civilizatórios endossados pelas mãos da justiça”.
Ao assim ponderar, Teori talvez não tenha considerado com mais cuidado a importância do princípio democrático. A democracia pressupõe um governo exercido por representantes do povo em eleições periódicas, que só podem ser removidos do cargo por expressas previsões constitucionais e legais.
É claro que todos os brasileiros de bem anseiam por ver Cunha desterrado da vida pública. Mas, ainda assim, como diz o ditado, é sábio dar o benefício da lei ao próprio demônio se se quer proteger a sociedade.
Em circunstâncias de crise aguda é natural que surjam problemas de tal intensidade que a ponderação exata da melhor solução requeira uma ampla discussão e muita lucidez. O mais importante é que essas reflexões contribuam para o fortalecimento do sistema democrático.
sexta-feira, maio 06, 2016
Renúncia de Cunha é a melhor alternativa - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 06/04
STF justifica de forma competente a punição de dirigente de outro poder, e agora é preciso reduzir a tensão no Legislativo à espera de um possível governo Temer

Um julgamento em que, por diversas vezes, ministros ressaltaram a excepcionalidade da decisão do apoio unânime ao voto do relator Teori Zavascki, Eduardo Cunha teve ontem suspenso, de forma preventiva, o mandato de deputado federal e, por decorrência, perdeu a presidência da Casa.
O cuidado do Pleno do Supremo Tribunal Federal se justificou pelo fato de a Corte, ao punir Cunha, como desejava a Procuradoria-Geral da República, na defesa do Estado Democrático de Direito, ter sido obrigada a transitar sobre a camada fina de gelo que delimita os espaços próprios de cada instituição. E agiu como era imprescindível. Agora, só resta a Eduardo Cunha a renúncia ao mandato.
Não se poderá arguir qualquer interferência indevida do Judiciário no Legislativo, neste caso, pelos argumentos reunidos por Zavascki e referendados pelos demais dez ministros.
Em um voto de 73 páginas, com algumas citações de veredictos anteriores proferidos no Supremo, o ministro se baseou na ideia básica de que a independência entre os poderes não pode servir de escudo para atitudes que atropelem a Constituição. Assim como a presidente da República sofre processo de impeachment no Legislativo, por crimes de responsabilidade, o presidente da Câmara pode ser punido pelo Supremo por transformar preceitos constitucionais em trapos.
Como defende Zavascki: “Poderes são politicamente livres para se administrarem, para se policiarem e governarem, mas não para se abandonarem ao descaso para a Constituição. (...) Os poderes da República são independentes entre si, mas jamais poderão ser independentes da Constituição.”
O ministro também levou em conta, no voto, a coincidência de um deputado réu em ação penal (na Lava-Jato, também no STF) presidir a Câmara no momento em que a presidente da República pode ser afastada do cargo. Neste caso, Cunha seria o segundo na linha de substituição do presidente num possível governo Michel Temer.
Seria uma ilegalidade, porque a Carta impede réu pelo Código Penal de assumir a Presidência. O partido Rede impetrara uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADF) contra Cunha, com este argumento. Pautado também para ontem, o julgamento foi adiado por motivos óbvios.
O voto de Zavascki reproduz delinquências de Cunha alinhadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no pedido de afastamento do deputado. São ocorrências em que fica evidente o uso que Eduardo Cunha fez do mandato e dos poderes de presidente da Casa, inclusive usando outros parlamentares, para achacar empresários, cobrar propinas e ainda sabotar os trabalho do Conselho de Ética em que tramita pedido de sua cassação.
Não é do estilo belicoso de Cunha, mas ele precisa renunciar. O momento político do país assim exige. O provável governo Michel Temer, a assumir semana que vem, necessita de um Congresso distendido, minimamente apaziguado, para analisar e aprovar propostas estratégicas de reformas de que o país precisa. É crucial baixar a tensão. Basta o impeachment.
Um julgamento em que, por diversas vezes, ministros ressaltaram a excepcionalidade da decisão do apoio unânime ao voto do relator Teori Zavascki, Eduardo Cunha teve ontem suspenso, de forma preventiva, o mandato de deputado federal e, por decorrência, perdeu a presidência da Casa.
O cuidado do Pleno do Supremo Tribunal Federal se justificou pelo fato de a Corte, ao punir Cunha, como desejava a Procuradoria-Geral da República, na defesa do Estado Democrático de Direito, ter sido obrigada a transitar sobre a camada fina de gelo que delimita os espaços próprios de cada instituição. E agiu como era imprescindível. Agora, só resta a Eduardo Cunha a renúncia ao mandato.
Não se poderá arguir qualquer interferência indevida do Judiciário no Legislativo, neste caso, pelos argumentos reunidos por Zavascki e referendados pelos demais dez ministros.
Em um voto de 73 páginas, com algumas citações de veredictos anteriores proferidos no Supremo, o ministro se baseou na ideia básica de que a independência entre os poderes não pode servir de escudo para atitudes que atropelem a Constituição. Assim como a presidente da República sofre processo de impeachment no Legislativo, por crimes de responsabilidade, o presidente da Câmara pode ser punido pelo Supremo por transformar preceitos constitucionais em trapos.
Como defende Zavascki: “Poderes são politicamente livres para se administrarem, para se policiarem e governarem, mas não para se abandonarem ao descaso para a Constituição. (...) Os poderes da República são independentes entre si, mas jamais poderão ser independentes da Constituição.”
O ministro também levou em conta, no voto, a coincidência de um deputado réu em ação penal (na Lava-Jato, também no STF) presidir a Câmara no momento em que a presidente da República pode ser afastada do cargo. Neste caso, Cunha seria o segundo na linha de substituição do presidente num possível governo Michel Temer.
Seria uma ilegalidade, porque a Carta impede réu pelo Código Penal de assumir a Presidência. O partido Rede impetrara uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADF) contra Cunha, com este argumento. Pautado também para ontem, o julgamento foi adiado por motivos óbvios.
O voto de Zavascki reproduz delinquências de Cunha alinhadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no pedido de afastamento do deputado. São ocorrências em que fica evidente o uso que Eduardo Cunha fez do mandato e dos poderes de presidente da Casa, inclusive usando outros parlamentares, para achacar empresários, cobrar propinas e ainda sabotar os trabalho do Conselho de Ética em que tramita pedido de sua cassação.
Não é do estilo belicoso de Cunha, mas ele precisa renunciar. O momento político do país assim exige. O provável governo Michel Temer, a assumir semana que vem, necessita de um Congresso distendido, minimamente apaziguado, para analisar e aprovar propostas estratégicas de reformas de que o país precisa. É crucial baixar a tensão. Basta o impeachment.
quinta-feira, maio 05, 2016
Desafios imediatos de primeiro grau - MURILLO DE ARAGÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 05//05
Nas próximas semanas, salvo acidentes de percurso de gravidade excepcional, o vice-presidente Michel Temer assumirá a Presidência da República, nos termos da letra constitucional. E não há que falar em golpe contra a democracia, uma vez que, além das evidências robustas de “pedaladas fiscais” e de “contabilidade criativa”, houve uma estonteante manifestação de apoio ao processo de impeachment na Câmara dos Deputados. A admissibilidade na comissão especial do Senado deverá ser aprovada e em plenário, também.
O que acontecerá mais adiante? De um lado, Dilma Rousseff e os órfãos do “lulismo” encastelados no Palácio do Alvorada tentarão sabotar o governo Temer. As sabotagens virão de quatro formas: por meio da mobilização de setores dos movimentos sociais, da guerrilha jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), da grita internacional contra o “golpe” e do corpo a corpo com os senadores. Não deve dar certo. O governo Dilma Rousseff se esfacela sob o peso de seus erros e de sua grave desinteligência política.
De outro lado, Temer terá de enfrentar tanto o desafio da crise legada por Dilma quanto as sabotagens mencionadas. Para isso só existe um caminho: assumir com uma agenda de impacto para buscar a credibilidade fiscal perdida e animar os agentes econômicos, que, em primeira instância, são os geradores de emprego e renda no País. É certo que Temer adotará medidas como corte de despesa, redução de ministérios e demissão de cargos de confiança, além de propor uma reforma previdenciária e, quem sabe, a venda da carteira de empréstimos do BNDES, o que reduziria imediatamente a dívida pública. Outras opções são a escolha de executivos de ponta para as empresas estatais, teto de despesas atreladas ao PIB e fim das vinculações orçamentárias, autonomia do Banco Central e criação da autoridade fiscal independente, entre outras iniciativas.
No período entre a admissibilidade e o julgamento do impeachment, o governo Temer desvendará outras vertentes da “contabilidade criativa” que predominou nos últimos meses e poderá revelar à Nação que o Brasil está quebrado. Provavelmente, sem a adoção de medidas extremas não haverá dinheiro para pagar ao funcionalismo público federal no fim do ano. Verdade ou não, o fato é que a crença de que faltará dinheiro para o pagamento da folha de pessoal já está consolidada entre a burocracia que cuida do Orçamento da União. A situação dos bancos estatais, em especial Caixa Econômica, causará imensa apreensão. A nova equipe econômica terá um enorme susto em alguns dias.
Outro imenso desafio será manter a maioria da base de apoio ao impeachment na Câmara no day after da confirmação de seu governo de transição. Foram 367 deputados a favor. É, porém, razoável acreditar que essa base possa encolher. Mas será preciso aglutinar os votos em torno de agregados com lideranças claramente identificadas. O ponto de partida seria a coalizão altamente fragmentada composta por uma miríade de partidos (PMDB, PSDB, DEM, PSB, PSD, PP, PR, PRB, PPS, PTB, SD, etc.), que poderá dar cerca de 325 votos firmes num universo de 513 para aprovar a agenda de saída da crise.
Além de construir uma coalizão operacionalmente eficiente, o novo governo ainda terá de buscar criar um Ministério com credibilidade e força política. Não adianta um Ministério de notáveis sem voto ou um Ministério de medíocres cujo valor seja o de apenas aportar votos na Câmara e no Senado. Reside aí o dilema central do governo Temer: construir um Ministério politicamente forte e socialmente acreditável. Como fazê-lo? No papel é razoavelmente simples, basta dividir os prováveis 24 ministérios que sobraram dos atuais 32 em quatro grupos: o núcleo político, o núcleo econômico, o núcleo estratégico e as demais pastas. Difícil é conciliar o desejo dos aliados por cargos com as exigências de um novo tempo, de um novo governo, e numa época em que a cidadania clama por uma nova política.
Como desafio suplementar, mas não menos relevante, Temer precisa construir um sólido núcleo jurídico no Ministério da Justiça, na AGU e na CGU, visando a dar estabilidade e transparência ao governo no andamento da Operação Lava Jato, que deve prosseguir com ampla liberdade institucional e dentro do marco jurídico e constitucional do País. A cidadania que apoiou amplamente o processo de impeachment deseja que as investigações continuem dentro da normalidade e cheguem a seu termo sem truques nem obstáculos.
Quais as chances de o período pós-admissibilidade no Senado dar certo para o Brasil? Isso vai depender sobretudo de como Temer vai enfrentar os três desafios citados: restabelecer alguma credibilidade na economia, consolidar uma nova maioria e assegurar o bom andamento da Lava Jato. Saindo-se razoavelmente bem nesses pontos, a situação será pacificada e nem mesmo a resistência de Lula e Dilma será capaz de impedir a confirmação do impeachment e um novo recomeço para o Brasil. Dilma será definitivamente afastada do poder e irá, juntamente com Lula, entrar em campanha a favor das eleições gerais, mantendo viva a narrativa do golpe.
O desafio seguinte será o de caracterizar o governo Temer como um processo de transição destinado a fazer o País chegar a 2018 em melhores condições econômicas. Até lá, depois de enfrentar os desafios econômicos e de governabilidade política, Temer deveria empenhar-se em propor e liderar uma ampla reforma institucional para atacar questões partidárias, eleitorais, federativa e de relacionamento entre os Poderes. Outros temas são a simplificação do sistema tributário, o fortalecimento dos acordos entre patrões e empregados na esfera trabalhista e uma radical desburocratização do investimento. Talvez não dê tempo. Mas não custa desejar.
* MURILLO DE ARAGÃO É ADVOGADO, CIENTISTA POLÍTICO E CONSULTOR, MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA E DOUTOR EM SOCIOLOGIA PELA UNB
Nas próximas semanas, salvo acidentes de percurso de gravidade excepcional, o vice-presidente Michel Temer assumirá a Presidência da República, nos termos da letra constitucional. E não há que falar em golpe contra a democracia, uma vez que, além das evidências robustas de “pedaladas fiscais” e de “contabilidade criativa”, houve uma estonteante manifestação de apoio ao processo de impeachment na Câmara dos Deputados. A admissibilidade na comissão especial do Senado deverá ser aprovada e em plenário, também.
O que acontecerá mais adiante? De um lado, Dilma Rousseff e os órfãos do “lulismo” encastelados no Palácio do Alvorada tentarão sabotar o governo Temer. As sabotagens virão de quatro formas: por meio da mobilização de setores dos movimentos sociais, da guerrilha jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), da grita internacional contra o “golpe” e do corpo a corpo com os senadores. Não deve dar certo. O governo Dilma Rousseff se esfacela sob o peso de seus erros e de sua grave desinteligência política.
De outro lado, Temer terá de enfrentar tanto o desafio da crise legada por Dilma quanto as sabotagens mencionadas. Para isso só existe um caminho: assumir com uma agenda de impacto para buscar a credibilidade fiscal perdida e animar os agentes econômicos, que, em primeira instância, são os geradores de emprego e renda no País. É certo que Temer adotará medidas como corte de despesa, redução de ministérios e demissão de cargos de confiança, além de propor uma reforma previdenciária e, quem sabe, a venda da carteira de empréstimos do BNDES, o que reduziria imediatamente a dívida pública. Outras opções são a escolha de executivos de ponta para as empresas estatais, teto de despesas atreladas ao PIB e fim das vinculações orçamentárias, autonomia do Banco Central e criação da autoridade fiscal independente, entre outras iniciativas.
No período entre a admissibilidade e o julgamento do impeachment, o governo Temer desvendará outras vertentes da “contabilidade criativa” que predominou nos últimos meses e poderá revelar à Nação que o Brasil está quebrado. Provavelmente, sem a adoção de medidas extremas não haverá dinheiro para pagar ao funcionalismo público federal no fim do ano. Verdade ou não, o fato é que a crença de que faltará dinheiro para o pagamento da folha de pessoal já está consolidada entre a burocracia que cuida do Orçamento da União. A situação dos bancos estatais, em especial Caixa Econômica, causará imensa apreensão. A nova equipe econômica terá um enorme susto em alguns dias.
Outro imenso desafio será manter a maioria da base de apoio ao impeachment na Câmara no day after da confirmação de seu governo de transição. Foram 367 deputados a favor. É, porém, razoável acreditar que essa base possa encolher. Mas será preciso aglutinar os votos em torno de agregados com lideranças claramente identificadas. O ponto de partida seria a coalizão altamente fragmentada composta por uma miríade de partidos (PMDB, PSDB, DEM, PSB, PSD, PP, PR, PRB, PPS, PTB, SD, etc.), que poderá dar cerca de 325 votos firmes num universo de 513 para aprovar a agenda de saída da crise.
Além de construir uma coalizão operacionalmente eficiente, o novo governo ainda terá de buscar criar um Ministério com credibilidade e força política. Não adianta um Ministério de notáveis sem voto ou um Ministério de medíocres cujo valor seja o de apenas aportar votos na Câmara e no Senado. Reside aí o dilema central do governo Temer: construir um Ministério politicamente forte e socialmente acreditável. Como fazê-lo? No papel é razoavelmente simples, basta dividir os prováveis 24 ministérios que sobraram dos atuais 32 em quatro grupos: o núcleo político, o núcleo econômico, o núcleo estratégico e as demais pastas. Difícil é conciliar o desejo dos aliados por cargos com as exigências de um novo tempo, de um novo governo, e numa época em que a cidadania clama por uma nova política.
Como desafio suplementar, mas não menos relevante, Temer precisa construir um sólido núcleo jurídico no Ministério da Justiça, na AGU e na CGU, visando a dar estabilidade e transparência ao governo no andamento da Operação Lava Jato, que deve prosseguir com ampla liberdade institucional e dentro do marco jurídico e constitucional do País. A cidadania que apoiou amplamente o processo de impeachment deseja que as investigações continuem dentro da normalidade e cheguem a seu termo sem truques nem obstáculos.
Quais as chances de o período pós-admissibilidade no Senado dar certo para o Brasil? Isso vai depender sobretudo de como Temer vai enfrentar os três desafios citados: restabelecer alguma credibilidade na economia, consolidar uma nova maioria e assegurar o bom andamento da Lava Jato. Saindo-se razoavelmente bem nesses pontos, a situação será pacificada e nem mesmo a resistência de Lula e Dilma será capaz de impedir a confirmação do impeachment e um novo recomeço para o Brasil. Dilma será definitivamente afastada do poder e irá, juntamente com Lula, entrar em campanha a favor das eleições gerais, mantendo viva a narrativa do golpe.
O desafio seguinte será o de caracterizar o governo Temer como um processo de transição destinado a fazer o País chegar a 2018 em melhores condições econômicas. Até lá, depois de enfrentar os desafios econômicos e de governabilidade política, Temer deveria empenhar-se em propor e liderar uma ampla reforma institucional para atacar questões partidárias, eleitorais, federativa e de relacionamento entre os Poderes. Outros temas são a simplificação do sistema tributário, o fortalecimento dos acordos entre patrões e empregados na esfera trabalhista e uma radical desburocratização do investimento. Talvez não dê tempo. Mas não custa desejar.
* MURILLO DE ARAGÃO É ADVOGADO, CIENTISTA POLÍTICO E CONSULTOR, MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA E DOUTOR EM SOCIOLOGIA PELA UNB
Temer, notáveis e notórios - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 05/04
Michel Temer planeja aprovar um plano ambicioso de reformas no Congresso, a julgar pela composição provável do seu governo ainda virtual. Ou não? Quais outros restos a pagar ainda estariam na conta do vice quase presidente?
A coalizão temerista deve ter mais votos que os 367 do impeachment na Câmara. Para tanto, o ministério que deveria ser de notáveis conta cada vez mais com notórios.
Dilma Rousseff começou o primeiro mandato com mais de 400 deputados em sua coalizão; Dilma 2, com nominais e, viu-se logo, fictícios 322 votos: foi derrotada e em seguida triturada no Congresso. Lula 2 começou com pouco mais de 350, aliança mais modesta, mas ainda bastante para aprovar emendas constitucionais com alguma folga.
Se ainda fosse necessário dizê-lo, percebe-se que comprar deputados em baciadas não é bem o único nó do rolo do Congresso. Temer firmou com as lideranças algum acordo de votação de um pacote mínimo de mudanças? Não, parece improvável.
Para começar, quem são as lideranças? Do quê? Existe um bloco chamado de "centrão", com uns 200 deputados. Quem lidera essa turma, até hoje, pelo menos, inspirada por Eduardo Cunha? Facções diferentes do PP, por exemplo, disputam cargos entre si. Há lamúrias fortes no PMDB de Temer, bidu.
Segundo, nem na República do Jaburu se sabe muito bem que pacote de reformas econômicas vai ao Congresso, até porque Henrique Meirelles, em tese, ficou de dar um formato geral na coisa, que ainda será passada pela peneira do comitê central de Temer, PMDB puro-sangue.
Havendo "base aliada", essa expressão cafona, passaria boi e boiada no Congresso, argumenta-se. Dados os cargos, tudo bem. Tanto faz que ainda em março 402 deputados votassem contra um dos planos principais de Temer, a desvinculação de gastos em saúde. Os deputados seriam perfeitamente maleáveis, pelo menos enquanto exista esperança de que a popularidade Temer suba.
Suponha-se que a barganha de ministérios com uma coalizão negocista produza maiorias confiáveis no Congresso. Esse ministério será capaz de administrar incêndios e ruínas deixados por Dilma Rouseff? Ressalte-se: ministérios e coalizão são praticamente os mesmos da presidente ora no cadafalso.
Temer pode "dar diretrizes firmes", ou o nome que se dê a delírios sobre os poderes e as convicções de qualquer presidente. Nem de longe basta, claro. Dado esse ministério mais notório do que notável, haverá gente tecnicamente capaz de tocar o barco?
Não se presta muita atenção ao fato de que governos lidam com assuntos reais e sérios, que exigem dúzias de equipes qualificadas e relativamente autônomas para resolver problemas. O descrédito do serviço público e dos governos é tamanho que tudo por lá parece apenas ficção para inglês ver e roubança.
Não se trata apenas de administrar, mas reconstruir setores centrais do governo da economia, se não os mais devastados, pelo menos os cruciais para atenuar a recessão, sem o que Temer corre o risco de adernar. Com a barca avariada e tantos alvos notórios, torna-se ainda mais provável que os nomeados notórios comecem a levar tiros: crise.
Enfim, a esperteza de nomear notórios demais pode sair logo pela culatra.
Michel Temer planeja aprovar um plano ambicioso de reformas no Congresso, a julgar pela composição provável do seu governo ainda virtual. Ou não? Quais outros restos a pagar ainda estariam na conta do vice quase presidente?
A coalizão temerista deve ter mais votos que os 367 do impeachment na Câmara. Para tanto, o ministério que deveria ser de notáveis conta cada vez mais com notórios.
Dilma Rousseff começou o primeiro mandato com mais de 400 deputados em sua coalizão; Dilma 2, com nominais e, viu-se logo, fictícios 322 votos: foi derrotada e em seguida triturada no Congresso. Lula 2 começou com pouco mais de 350, aliança mais modesta, mas ainda bastante para aprovar emendas constitucionais com alguma folga.
Se ainda fosse necessário dizê-lo, percebe-se que comprar deputados em baciadas não é bem o único nó do rolo do Congresso. Temer firmou com as lideranças algum acordo de votação de um pacote mínimo de mudanças? Não, parece improvável.
Para começar, quem são as lideranças? Do quê? Existe um bloco chamado de "centrão", com uns 200 deputados. Quem lidera essa turma, até hoje, pelo menos, inspirada por Eduardo Cunha? Facções diferentes do PP, por exemplo, disputam cargos entre si. Há lamúrias fortes no PMDB de Temer, bidu.
Segundo, nem na República do Jaburu se sabe muito bem que pacote de reformas econômicas vai ao Congresso, até porque Henrique Meirelles, em tese, ficou de dar um formato geral na coisa, que ainda será passada pela peneira do comitê central de Temer, PMDB puro-sangue.
Havendo "base aliada", essa expressão cafona, passaria boi e boiada no Congresso, argumenta-se. Dados os cargos, tudo bem. Tanto faz que ainda em março 402 deputados votassem contra um dos planos principais de Temer, a desvinculação de gastos em saúde. Os deputados seriam perfeitamente maleáveis, pelo menos enquanto exista esperança de que a popularidade Temer suba.
Suponha-se que a barganha de ministérios com uma coalizão negocista produza maiorias confiáveis no Congresso. Esse ministério será capaz de administrar incêndios e ruínas deixados por Dilma Rouseff? Ressalte-se: ministérios e coalizão são praticamente os mesmos da presidente ora no cadafalso.
Temer pode "dar diretrizes firmes", ou o nome que se dê a delírios sobre os poderes e as convicções de qualquer presidente. Nem de longe basta, claro. Dado esse ministério mais notório do que notável, haverá gente tecnicamente capaz de tocar o barco?
Não se presta muita atenção ao fato de que governos lidam com assuntos reais e sérios, que exigem dúzias de equipes qualificadas e relativamente autônomas para resolver problemas. O descrédito do serviço público e dos governos é tamanho que tudo por lá parece apenas ficção para inglês ver e roubança.
Não se trata apenas de administrar, mas reconstruir setores centrais do governo da economia, se não os mais devastados, pelo menos os cruciais para atenuar a recessão, sem o que Temer corre o risco de adernar. Com a barca avariada e tantos alvos notórios, torna-se ainda mais provável que os nomeados notórios comecem a levar tiros: crise.
Enfim, a esperteza de nomear notórios demais pode sair logo pela culatra.
Tem jeito - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 05/05
Situação é melhor do que logo após o impeachment de Collor. A recessão é mais profunda e mais longa, mas a economia é maior
Fazer reformas será difícil, mas país já passou por fortes mudanças. Para voltar a crescer de maneira sustentada, ou seja, por vários anos seguidos, o Brasil não escapa de uma série de reformas estruturais. Pois esse é o problema, dizem. A cultura política brasileira não favorece esse tipo de reformas, ao contrário, bloqueia.
Isso é verdade em muitos momentos, mas a sociedade brasileira já passou por mudanças intensas, todas votadas e aprovadas no Congresso Nacional. E muitas das chamadas impopulares.
Nos dois governos FH (1995/2003), essa mudança foi vertiginosa. A gente nem acredita quando se faz a lista. Eis aqui: — Lei e instituto da Responsabilidade Fiscal, com superávit primário;
— metas de inflação com BC autônomo na prática; — câmbio flutuante; — solução da dívida dos estados e municípios, que passam a ter orçamentos equilibrados;
— quebra do monopólio da Petrobras e lei das concessões de exploração de petróleo; — fator previdenciário; — lei da suspensão temporária do contrato de trabalho;
— reforma administrativa (agências reguladoras e profissionalização na gestão de estatais);
— programa de saneamento do sistema financeiro privado;
— capitalização e profissionalização da gestão do BB e da Caixa;
— fechamento e privatização de bancos estaduais;
— privatizações (mineração, siderurgia, transportes, energia elétrica, telecom).
Reparem, são reformas que atingem todos os setores sensíveis: previdência, legislação trabalhista, funcionalismo público e privatizações. No nível macro, foi renegociada e pacificada a dívida externa.
Houve ainda mudanças microeconômicas, como a criação do mercado atacadista de energia e a criação do sistema tributário Simples para pequenas e médias empresas.
Também começaram os programas sociais, como o Bolsa Escola.
Isso criou as bases da estabilidade que Lula manteve em seu primeiro mandato e a elas acrescentou um extenso programa de melhoria no ambiente de negócios, pró-mercado. Tudo tocado por uma equipe econômica ortodoxa. Eis as principais: — Conta corrente e poupança simplificadas; — crédito consignado; — alienação fiduciária para imóveis e patrimônio de afetação para empresas, regras que turbinaram o crédito imobiliário;
— contribuição previdenciária para funcionários aposentados; — nova lei de falências; — portabilidade do crédito; — Supersimples; — Lei das SAs. Foi longe e, de novo, em pontos considerados sensíveis.
Toda essa construção — que, com a ajuda da China, permitiu os anos dourados de crescimento com inflação perto da meta — começou a ser demolida a partir do segundo mandato de Lula. Foi quando o ex-presidente, sentindo-se seguro, resolveu fazer do “jeito do PT”.
Dilma foi meticulosa nesse desmonte, a tal ponto que hoje é preciso fazer tudo de novo: restabelecer a responsabilidade fiscal; sanear os bancos públicos; reformas previdenciária e trabalhista; desaparelhar a administração pública e as estatais; recuperar a credibilidade do Banco Central; voltar a privatizar; salvar as estatais, quebradas de novo; destravar o ambiente de negócios.
Ainda assim, a situação hoje é melhor do que a verificada logo após o impeachment de Collor. Verdade que a recessão atual é mais profunda e mais longa, mas a economia é maior, mais diversificada e, pois, com boa capacidade de recuperação.
A inflação, embora ainda alta, é um problema muito menor. As contas externas voltam ao equilíbrio. Reparem aqui: em 1993, o Brasil exportou menos de US$ 40 bilhões. No ano passado, mesmo com a queda de preços das commodities, foram US$ 200 bilhões. Já batemos US$ 250 bilhões (2011). Ou seja, a capacidade de recuperação via comércio externo é superior.
E, finalmente, no pós-Collor não tínhamos moeda. Hoje, o real está meio atacado, mas sobrevive, assim como os instrumentos de gestão econômica. Foram esquecidos, quebrados, mas estão aí.
Na política, muita gente pergunta quem seria o FH de Temer. Na verdade, não precisa. A tarefa hoje é restabelecer a confiança e retomar políticas econômicas conhecidas, o que é mais simples do que criar uma nova moeda e todas suas bases. Antes de FH, Itamar teve três ministros da Fazenda em menos de um ano. Hoje, Henrique Meirelles assume o comando em condições melhores.
Resumo da ópera: não é verdade que as reformas são impossíveis. O Brasil tem jeito.
Mas vai dar trabalho. E depende de Michel Temer conquistar credibilidade para encaminhar as reformas e um governo mais eficiente. Não vai conseguir isso com um governo parecido com o de Dilma e vulnerável à Lava-Jato.
Situação é melhor do que logo após o impeachment de Collor. A recessão é mais profunda e mais longa, mas a economia é maior
Fazer reformas será difícil, mas país já passou por fortes mudanças. Para voltar a crescer de maneira sustentada, ou seja, por vários anos seguidos, o Brasil não escapa de uma série de reformas estruturais. Pois esse é o problema, dizem. A cultura política brasileira não favorece esse tipo de reformas, ao contrário, bloqueia.
Isso é verdade em muitos momentos, mas a sociedade brasileira já passou por mudanças intensas, todas votadas e aprovadas no Congresso Nacional. E muitas das chamadas impopulares.
Nos dois governos FH (1995/2003), essa mudança foi vertiginosa. A gente nem acredita quando se faz a lista. Eis aqui: — Lei e instituto da Responsabilidade Fiscal, com superávit primário;
— metas de inflação com BC autônomo na prática; — câmbio flutuante; — solução da dívida dos estados e municípios, que passam a ter orçamentos equilibrados;
— quebra do monopólio da Petrobras e lei das concessões de exploração de petróleo; — fator previdenciário; — lei da suspensão temporária do contrato de trabalho;
— reforma administrativa (agências reguladoras e profissionalização na gestão de estatais);
— programa de saneamento do sistema financeiro privado;
— capitalização e profissionalização da gestão do BB e da Caixa;
— fechamento e privatização de bancos estaduais;
— privatizações (mineração, siderurgia, transportes, energia elétrica, telecom).
Reparem, são reformas que atingem todos os setores sensíveis: previdência, legislação trabalhista, funcionalismo público e privatizações. No nível macro, foi renegociada e pacificada a dívida externa.
Houve ainda mudanças microeconômicas, como a criação do mercado atacadista de energia e a criação do sistema tributário Simples para pequenas e médias empresas.
Também começaram os programas sociais, como o Bolsa Escola.
Isso criou as bases da estabilidade que Lula manteve em seu primeiro mandato e a elas acrescentou um extenso programa de melhoria no ambiente de negócios, pró-mercado. Tudo tocado por uma equipe econômica ortodoxa. Eis as principais: — Conta corrente e poupança simplificadas; — crédito consignado; — alienação fiduciária para imóveis e patrimônio de afetação para empresas, regras que turbinaram o crédito imobiliário;
— contribuição previdenciária para funcionários aposentados; — nova lei de falências; — portabilidade do crédito; — Supersimples; — Lei das SAs. Foi longe e, de novo, em pontos considerados sensíveis.
Toda essa construção — que, com a ajuda da China, permitiu os anos dourados de crescimento com inflação perto da meta — começou a ser demolida a partir do segundo mandato de Lula. Foi quando o ex-presidente, sentindo-se seguro, resolveu fazer do “jeito do PT”.
Dilma foi meticulosa nesse desmonte, a tal ponto que hoje é preciso fazer tudo de novo: restabelecer a responsabilidade fiscal; sanear os bancos públicos; reformas previdenciária e trabalhista; desaparelhar a administração pública e as estatais; recuperar a credibilidade do Banco Central; voltar a privatizar; salvar as estatais, quebradas de novo; destravar o ambiente de negócios.
Ainda assim, a situação hoje é melhor do que a verificada logo após o impeachment de Collor. Verdade que a recessão atual é mais profunda e mais longa, mas a economia é maior, mais diversificada e, pois, com boa capacidade de recuperação.
A inflação, embora ainda alta, é um problema muito menor. As contas externas voltam ao equilíbrio. Reparem aqui: em 1993, o Brasil exportou menos de US$ 40 bilhões. No ano passado, mesmo com a queda de preços das commodities, foram US$ 200 bilhões. Já batemos US$ 250 bilhões (2011). Ou seja, a capacidade de recuperação via comércio externo é superior.
E, finalmente, no pós-Collor não tínhamos moeda. Hoje, o real está meio atacado, mas sobrevive, assim como os instrumentos de gestão econômica. Foram esquecidos, quebrados, mas estão aí.
Na política, muita gente pergunta quem seria o FH de Temer. Na verdade, não precisa. A tarefa hoje é restabelecer a confiança e retomar políticas econômicas conhecidas, o que é mais simples do que criar uma nova moeda e todas suas bases. Antes de FH, Itamar teve três ministros da Fazenda em menos de um ano. Hoje, Henrique Meirelles assume o comando em condições melhores.
Resumo da ópera: não é verdade que as reformas são impossíveis. O Brasil tem jeito.
Mas vai dar trabalho. E depende de Michel Temer conquistar credibilidade para encaminhar as reformas e um governo mais eficiente. Não vai conseguir isso com um governo parecido com o de Dilma e vulnerável à Lava-Jato.
Base do impeachment - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 05/05
Anastasia defende a Lei Fiscal, que é a garantia da inflação baixa. O voto do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que admite justa causa para o processo de impeachment da presidente Dilma, fortalece a lei fiscal do país, a base da estabilidade. É um passo a mais na longa jornada para se ter uma moeda estável. “Está em risco neste momento a preservação de um regime de responsabilidade fiscal conquistado a duras penas”, disse. Foi, de fato, a duras penas.
O descontrole das contas públicas levou o Brasil a ter índices de inflação de 5.000% ao ano, ambiente que afligia as famílias e as empresas. O país precisou travar várias batalhas, fazer planos seguidos, passar por momentos de extrema dificuldade para, enfim, derrubar aquelas taxas absurdas de inflação. A base do novo tempo foi construída com essas leis fiscais que se discutem agora. O assunto parece abstrato, mas a realidade é concreta. O governo Dilma cometeu um volume inacreditável de loucuras contábeis.
Não é um tecnicismo, disse Anastasia. “Está em jogo não um mandato, mas a preservação de um patrimônio inestimável à Nação de estabilidade fiscal e monetária”. Só não valoriza esse patrimônio quem não o entendeu, quem conspirou contra ele, quem, na luta anti-inflacionária, ficou do lado oposto ao desejo coletivo. A inflação crônica infelicitou o país, minou sua trajetória por décadas, e ficou o trauma. É nesse contexto de confirmação da vitória conquistada que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi editada. Por coincidência, ela foi publicada no dia 4 de maio de 2000 e sua vigência começou no dia 5 de maio. A LRF completa hoje 16 anos desafiando a todos que diziam que a lei não ia “pegar”.
O relator Antonio Anastasia, combatido pelo governo por razões político-partidárias, fez um voto técnico. Na primeira parte, contestou os argumentos jurídicos contra o impeachment. Ressaltou o curioso detalhe de que o governo ressalta na decisão do deputado Eduardo Cunha a delimitação que ele fez de dois fatos de 2015 como a causa do impeachment e não todos os fatos arrolados na denúncia apresentada. Disse que a defesa “ataca o que lhe convém”. Na segunda parte, ele dissecou as denúncias de desrespeito às leis fiscal e orçamentária do país.
Os gráficos que ele mostrou não deixam dúvidas. O governo vinha tendo superávit primário, até que o resultado desabou em 2014, virou um déficit, que piorou em 2015. No caso dos decretos suplementares, o problema não é eles terem sido editados sem autorização do Congresso, porque em determinadas circunstâncias isso pode acontecer. Mas eles não podem ser editados quando já se sabe que a meta fiscal não será cumprida. E foi o que aconteceu em 2015. Em julho, a área econômica pediu para mudar a meta e, em agosto, antes de ela ser aprovada, editou os primeiros decretos de aumentos de gastos. O governo estava com um déficit de R$ 2,8 bilhões, muito distante do superávit de R$ 55 bilhões, que era a meta em vigor naquele momento. O Orçamento previa um superávit de 1% do PIB e no fim do ano o governo estava com um déficit de R$ 118 bilhões, quase 2% do PIB. Foi neste contexto, de resultado desabando, que o governo editou, sem autorização do Congresso, cinco decretos.
No relatório, o senador Anastasia mostra como o governo descumpriu abertamente o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal nas operações que fez com os bancos públicos e disse que “os crimes classificados constituem crime de responsabilidade”. Em determinado momento, usou as palavras da própria presidente para provar esta irregularidade. Num comício em nove de dezembro do ano passado, ela defendeu as operações que fez com os bancos públicos e disse que quando atrasava pagava juros. Ocorre que a LRF proíbe que o governo tome empréstimo em bancos que controla. E Dilma disse: “nós somos os donos da Caixa, somos os únicos donos.” Pois é, exatamente por isso não poderia ficar devendo os R$ 40 bilhões que usou dos bancos públicos em 2014, nem ter continuado na mesma prática elevando o débito em 2015.
Os parlamentos foram instituídos para limitar o poder do rei sobre o que fazer com o dinheiro coletivo. O impeachment existe no presidencialismo exatamente para limitar o poder forte do presidente, quando ele comete abuso. E são esses abusos que estão em debate no Senado.
Anastasia defende a Lei Fiscal, que é a garantia da inflação baixa. O voto do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que admite justa causa para o processo de impeachment da presidente Dilma, fortalece a lei fiscal do país, a base da estabilidade. É um passo a mais na longa jornada para se ter uma moeda estável. “Está em risco neste momento a preservação de um regime de responsabilidade fiscal conquistado a duras penas”, disse. Foi, de fato, a duras penas.
O descontrole das contas públicas levou o Brasil a ter índices de inflação de 5.000% ao ano, ambiente que afligia as famílias e as empresas. O país precisou travar várias batalhas, fazer planos seguidos, passar por momentos de extrema dificuldade para, enfim, derrubar aquelas taxas absurdas de inflação. A base do novo tempo foi construída com essas leis fiscais que se discutem agora. O assunto parece abstrato, mas a realidade é concreta. O governo Dilma cometeu um volume inacreditável de loucuras contábeis.
Não é um tecnicismo, disse Anastasia. “Está em jogo não um mandato, mas a preservação de um patrimônio inestimável à Nação de estabilidade fiscal e monetária”. Só não valoriza esse patrimônio quem não o entendeu, quem conspirou contra ele, quem, na luta anti-inflacionária, ficou do lado oposto ao desejo coletivo. A inflação crônica infelicitou o país, minou sua trajetória por décadas, e ficou o trauma. É nesse contexto de confirmação da vitória conquistada que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi editada. Por coincidência, ela foi publicada no dia 4 de maio de 2000 e sua vigência começou no dia 5 de maio. A LRF completa hoje 16 anos desafiando a todos que diziam que a lei não ia “pegar”.
O relator Antonio Anastasia, combatido pelo governo por razões político-partidárias, fez um voto técnico. Na primeira parte, contestou os argumentos jurídicos contra o impeachment. Ressaltou o curioso detalhe de que o governo ressalta na decisão do deputado Eduardo Cunha a delimitação que ele fez de dois fatos de 2015 como a causa do impeachment e não todos os fatos arrolados na denúncia apresentada. Disse que a defesa “ataca o que lhe convém”. Na segunda parte, ele dissecou as denúncias de desrespeito às leis fiscal e orçamentária do país.
Os gráficos que ele mostrou não deixam dúvidas. O governo vinha tendo superávit primário, até que o resultado desabou em 2014, virou um déficit, que piorou em 2015. No caso dos decretos suplementares, o problema não é eles terem sido editados sem autorização do Congresso, porque em determinadas circunstâncias isso pode acontecer. Mas eles não podem ser editados quando já se sabe que a meta fiscal não será cumprida. E foi o que aconteceu em 2015. Em julho, a área econômica pediu para mudar a meta e, em agosto, antes de ela ser aprovada, editou os primeiros decretos de aumentos de gastos. O governo estava com um déficit de R$ 2,8 bilhões, muito distante do superávit de R$ 55 bilhões, que era a meta em vigor naquele momento. O Orçamento previa um superávit de 1% do PIB e no fim do ano o governo estava com um déficit de R$ 118 bilhões, quase 2% do PIB. Foi neste contexto, de resultado desabando, que o governo editou, sem autorização do Congresso, cinco decretos.
No relatório, o senador Anastasia mostra como o governo descumpriu abertamente o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal nas operações que fez com os bancos públicos e disse que “os crimes classificados constituem crime de responsabilidade”. Em determinado momento, usou as palavras da própria presidente para provar esta irregularidade. Num comício em nove de dezembro do ano passado, ela defendeu as operações que fez com os bancos públicos e disse que quando atrasava pagava juros. Ocorre que a LRF proíbe que o governo tome empréstimo em bancos que controla. E Dilma disse: “nós somos os donos da Caixa, somos os únicos donos.” Pois é, exatamente por isso não poderia ficar devendo os R$ 40 bilhões que usou dos bancos públicos em 2014, nem ter continuado na mesma prática elevando o débito em 2015.
Os parlamentos foram instituídos para limitar o poder do rei sobre o que fazer com o dinheiro coletivo. O impeachment existe no presidencialismo exatamente para limitar o poder forte do presidente, quando ele comete abuso. E são esses abusos que estão em debate no Senado.
Novo normal ou olho do furacão? - MÁRIO MESQUITA
VALOR ECONÔMICO - 05/05
Ao ritmo atual, é possível que a posição em swaps cambiais seja totalmente zerada nos próximos meses
As reuniões de primavera e anual do FMI costumam ser utilizadas pelos investidores e analistas do mercado financeiro para trocar impressões e avaliações sobre o estado da conjuntura internacional e a perspectiva imediata. A divulgação das projeções globais pelo próprio FMI oferece um pano de fundo a partir do qual autoridades e o setor privado desenvolvem suas considerações.
A mais recente edição das "Perspectivas Econômicas Globais" (World Economic Outlook) do FMI mostra um quadro de ligeiro enfraquecimento da expansão da economia mundial, em relação às projeções vigentes em janeiro. Os economistas do Fundo enxergam um crescimento mundial de 3,2% no ano, ante 3,4% em janeiro, e de 3,5% em 2017 (anteriormente 3,6%).
Entre as principais economias, as maiores revisões negativas foram nas projeções para a Rússia (-0,8 p.p.), Japão (-0,5 p.p.) e Brasil (-0,3 p.p.), segundo o FMI, e é também consenso entre os analistas independentes, ostentaremos no biênio 2015-16 de longe o pior desempenho entre as grandes economias. Note-se, de passagem, que atribuir a um mundo que cresce acima de 3% ao ano a nossa profunda recessão só pode servir a um discurso político descolado da realidade, não podendo ser visto como análise séria.
Ainda que as revisões nas projeções do FMI sejam limitadas, o tom de sua avaliação do cenário é bem mais sombrio. Em particular, o Fundo vislumbra uma piora do balanço de riscos associados aos mercados financeiros e a fatores geopolíticos. Os economistas do Fundo observam que temos tido episódios recorrentes de fuga de ativos de risco, em especial aqueles de mercados emergentes, como o Brasil, no qual os agentes parecem ter reagido mais intensamente do que de costume a percebidas mudanças nos fundamentos econômicos.
Há o risco que essa turbulência financeira acabe influenciando negativamente o comportamento da economia. Somam-se a esses riscos financeiros um estado de riscos geopolíticos elevados. A crise dos refugiados do Oriente Médio adiciona estresse às relações entre os governos europeus, enquanto um certo nacionalismo introspectivo torna-se parte muito relevante, talvez dominante, do debate político no Reino Unido e também em alguma medida nos EUA. Em resumo, a "nova ordem mundial" baseada em crescente integração econômica (e, em algumas regiões, política) vem sendo crescentemente contestada.
As projeções do Fundo para a economia chinesa, em contraste com a visão sobre a economia global, apresentam revisão marginalmente positiva, para 6,5% e 6,2% em 2016 e 2017. Mas a perspectiva de estabilização do crescimento chinês no "novo normal" entre 6 e 7% ao ano pode estar baseada em alicerces precários. O governo chinês parece ter suspendido seu plano reformista - o susto ocasionado pelo enfraquecimento da economia e pela instabilidade financeira vistos em 2015 parece ter suscitado uma nova rodada de estímulos creditícios que, sob certos aspectos, se assemelha àquela que caracterizou a resposta à crise de 2008/9.
Um crescimento econômico calcado em doses crescentes de alavancagem não necessariamente acabará em uma crise, mas inevitavelmente tende a estolar em algum momento. Assim, a visão predominante entre os analistas presentes no encontro de primavera do Fundo é que o estímulo chinês pode estar comprando maior crescimento no curto prazo ao custo de alimentar riscos de médio prazo.
Houve também muito debate sobre as perspectivas para a política monetária nos EUA. Depois de um longo período de estabilidade, o Fed começou a normalizar a postura da política monetária em dezembro passado. Desde então, contudo, a piora das perspectivas para a economia mundial, certo desapontamento (de novo no primeiro trimestre) com o ritmo da atividade doméstica, bem como um comportamento visto como benigno da inflação, levaram a uma pausa que tem se mostrado prolongada.
Ocorre que o desemprego segue em baixa, o que, em dado momento, irá ensejar aumento das pressões salariais e inflacionárias, que já começam a emergir, podendo levar o Fed a retomar as altas de juros e, talvez, acelerar o processo.
A combinação de uma economia chinesa resiliente e política monetária bem frouxa nos EUA tem constituído um pano de fundo favorável para os ativos e a economia brasileira, desde o minério de ferro ao índice de preços de ações. Mas esse quadro benigno pode se alterar de forma pronunciada nos próximos trimestres.
Nesse contexto, a atuação do Banco Central no mercado cambial é correta. Utilizando a oportunidade apresentada pelo contexto internacional temporariamente benigno e pela mudança de sentimento derivada da evolução do cenário político doméstico, as autoridades já reduziram em mais de um terço a exposição líquida na posição de swaps cambiais, e tendem a fazer mais. Nessa toada não é impossível que a posição seja integralmente zerada ao longo dos próximos meses.
Caso o cenário benigno persista nos trimestres à frente, podemos mesmo chegar à situação em que o Banco Central terá que considerar se volta ou não a incrementar as reservas internacionais - o custo fiscal das reservas argumenta que não, mas a prudência, diante de um cenário externo que pode se complicar significativamente, atua na direção oposta.
As reuniões de primavera e anual do FMI costumam ser utilizadas pelos investidores e analistas do mercado financeiro para trocar impressões e avaliações sobre o estado da conjuntura internacional e a perspectiva imediata. A divulgação das projeções globais pelo próprio FMI oferece um pano de fundo a partir do qual autoridades e o setor privado desenvolvem suas considerações.
A mais recente edição das "Perspectivas Econômicas Globais" (World Economic Outlook) do FMI mostra um quadro de ligeiro enfraquecimento da expansão da economia mundial, em relação às projeções vigentes em janeiro. Os economistas do Fundo enxergam um crescimento mundial de 3,2% no ano, ante 3,4% em janeiro, e de 3,5% em 2017 (anteriormente 3,6%).
Entre as principais economias, as maiores revisões negativas foram nas projeções para a Rússia (-0,8 p.p.), Japão (-0,5 p.p.) e Brasil (-0,3 p.p.), segundo o FMI, e é também consenso entre os analistas independentes, ostentaremos no biênio 2015-16 de longe o pior desempenho entre as grandes economias. Note-se, de passagem, que atribuir a um mundo que cresce acima de 3% ao ano a nossa profunda recessão só pode servir a um discurso político descolado da realidade, não podendo ser visto como análise séria.
Ainda que as revisões nas projeções do FMI sejam limitadas, o tom de sua avaliação do cenário é bem mais sombrio. Em particular, o Fundo vislumbra uma piora do balanço de riscos associados aos mercados financeiros e a fatores geopolíticos. Os economistas do Fundo observam que temos tido episódios recorrentes de fuga de ativos de risco, em especial aqueles de mercados emergentes, como o Brasil, no qual os agentes parecem ter reagido mais intensamente do que de costume a percebidas mudanças nos fundamentos econômicos.
Há o risco que essa turbulência financeira acabe influenciando negativamente o comportamento da economia. Somam-se a esses riscos financeiros um estado de riscos geopolíticos elevados. A crise dos refugiados do Oriente Médio adiciona estresse às relações entre os governos europeus, enquanto um certo nacionalismo introspectivo torna-se parte muito relevante, talvez dominante, do debate político no Reino Unido e também em alguma medida nos EUA. Em resumo, a "nova ordem mundial" baseada em crescente integração econômica (e, em algumas regiões, política) vem sendo crescentemente contestada.
As projeções do Fundo para a economia chinesa, em contraste com a visão sobre a economia global, apresentam revisão marginalmente positiva, para 6,5% e 6,2% em 2016 e 2017. Mas a perspectiva de estabilização do crescimento chinês no "novo normal" entre 6 e 7% ao ano pode estar baseada em alicerces precários. O governo chinês parece ter suspendido seu plano reformista - o susto ocasionado pelo enfraquecimento da economia e pela instabilidade financeira vistos em 2015 parece ter suscitado uma nova rodada de estímulos creditícios que, sob certos aspectos, se assemelha àquela que caracterizou a resposta à crise de 2008/9.
Um crescimento econômico calcado em doses crescentes de alavancagem não necessariamente acabará em uma crise, mas inevitavelmente tende a estolar em algum momento. Assim, a visão predominante entre os analistas presentes no encontro de primavera do Fundo é que o estímulo chinês pode estar comprando maior crescimento no curto prazo ao custo de alimentar riscos de médio prazo.
Houve também muito debate sobre as perspectivas para a política monetária nos EUA. Depois de um longo período de estabilidade, o Fed começou a normalizar a postura da política monetária em dezembro passado. Desde então, contudo, a piora das perspectivas para a economia mundial, certo desapontamento (de novo no primeiro trimestre) com o ritmo da atividade doméstica, bem como um comportamento visto como benigno da inflação, levaram a uma pausa que tem se mostrado prolongada.
Ocorre que o desemprego segue em baixa, o que, em dado momento, irá ensejar aumento das pressões salariais e inflacionárias, que já começam a emergir, podendo levar o Fed a retomar as altas de juros e, talvez, acelerar o processo.
A combinação de uma economia chinesa resiliente e política monetária bem frouxa nos EUA tem constituído um pano de fundo favorável para os ativos e a economia brasileira, desde o minério de ferro ao índice de preços de ações. Mas esse quadro benigno pode se alterar de forma pronunciada nos próximos trimestres.
Nesse contexto, a atuação do Banco Central no mercado cambial é correta. Utilizando a oportunidade apresentada pelo contexto internacional temporariamente benigno e pela mudança de sentimento derivada da evolução do cenário político doméstico, as autoridades já reduziram em mais de um terço a exposição líquida na posição de swaps cambiais, e tendem a fazer mais. Nessa toada não é impossível que a posição seja integralmente zerada ao longo dos próximos meses.
Caso o cenário benigno persista nos trimestres à frente, podemos mesmo chegar à situação em que o Banco Central terá que considerar se volta ou não a incrementar as reservas internacionais - o custo fiscal das reservas argumenta que não, mas a prudência, diante de um cenário externo que pode se complicar significativamente, atua na direção oposta.
Enfrentando a crise - EVERARDO MACIEL
O ESTADÃO - 05/05
O governo de Michel Temer enfrentará grandes turbulências, enquanto perdurar o julgamento do impeachment no Senado.
Qualquer erro será fatal, tendo em vista que, a despeito do afastamento da Presidente Dilma, os partidos que a apoiam e suas linhas auxiliares farão uso de qualquer meio, sem nenhum limite, para incomodar a interinidade de Temer.
Algumas sugestões ao novo governo: a) é indispensável a consciência que se trata de uma transição, sob pena de não conseguir aglutinar o indispensável apoio político; b) as ações devem, em primeiro plano, ter em conta a superação dos grandes problemas conjunturais e somente tratar das questões estruturais, quando reunir suficientes credibilidade popular e apoio político, ainda assim sem pretensões megalomaníacas que podem suscitar conflitos de razão; c) apoiar ostensivamente a Operação Lava-Jato, sem dispensar iniciativas próprias de investigação de outros focos de corrupção; d) anunciar disposição de colaborar na resolução da crise fiscal dos Estados e Municípios, cuja dramaticidade é tamanha que tem sido capaz de interromper o pagamento dos aposentados e o funcionamento da rede pública de saúde; e) ampla divulgação dessas medidas, com absoluta transparência.
A transição não será bem-sucedida, entretanto, sem o imediato enfrentamento da crise fiscal, cuja verdadeira dimensão somente será conhecida depois de contabilizadas as medidas irresponsáveis, adotadas nos estertores atual governo, e identificados os esqueletos fiscais espalhados nos bancos oficiais e empresas estatais.
Nesse enfrentamento, há os que se apressam em proclamar a inevitabilidade do aumento de tributos, no pressuposto de que gastos obrigatórios inviabilizam a redução de despesas.
A obrigatoriedade das despesas, entretanto, não decorre de édito divino ou de cláusula pétrea constitucional, mas de normas sujeitas à revisão.
Alega-se que é difícil, politicamente, proceder-se à revisão da obrigatoriedade. Retruco dizendo que essa dificuldade política também se aplica à elevação de tributos.
A Desvinculação de Receitas da União (DRU), como prevê emenda constitucional prestes a ser promulgada, é um exemplo de que é possível afastar-se a obrigatoriedade.
Outra providência recomendável seria a vedação à indexação de gastos sociais ao salário mínimo, o que facultaria uma maior focalização na atenção à pobreza.
Há, além disso, gastos não obrigatórios que poderiam ser reduzidos ou eliminados, a exemplo das verbas de publicidade, subsídios a forças auxiliares de partidos políticos - autodesignadas "movimentos sociais" -, cancelamento de restos a pagar de despesas não executadas, fechamento de representações diplomáticas sem relevância política ou econômica, etc.
Ainda com o objetivo de reduzir despesas, deveria ser implementado um programa de eficiência na administração pública, tendo como símbolo inicial a redução do número de ministérios.
A alienação de participações acionárias em empresas públicas, a intensificação das concessões e permissões em projetos de infraestrutura, e a revisão das regras de exploração do pré-sal são medidas que produzem receitas e dinamizam a economia.
Os incentivos fiscais devem ser reavaliados, inclusive para detectar os previsíveis casos de corrupção.
Na União, os créditos inscritos em dívida ativa se elevam a R$ 1,4 trilhão, aos quais se acrescentam R$ 590 bilhões em discussão administrativa.
Não parece crível que não se possa conferir liquidez a 10% desse montante, o que implicaria resolver o déficit fiscal deste ano. Para isso é necessário recorrer a soluções não convencionais, como transações que envolvam a construção de regimes tributários de transição ou o perdão de multas, condicionado a um bom comportamento fiscal futuro.
A lei relativa à regularização de ativos no Exterior é complexa, tem vícios de inconstitucionalidade e traz insegurança para os virtuais destinatários, em desfavor da expectativa de receitas extraordinárias. Não hesitaria em refazê-la integralmente, em regime de urgência.
Everardo Maciel foi secretário da Receita Federal.
O governo de Michel Temer enfrentará grandes turbulências, enquanto perdurar o julgamento do impeachment no Senado.
Qualquer erro será fatal, tendo em vista que, a despeito do afastamento da Presidente Dilma, os partidos que a apoiam e suas linhas auxiliares farão uso de qualquer meio, sem nenhum limite, para incomodar a interinidade de Temer.
Algumas sugestões ao novo governo: a) é indispensável a consciência que se trata de uma transição, sob pena de não conseguir aglutinar o indispensável apoio político; b) as ações devem, em primeiro plano, ter em conta a superação dos grandes problemas conjunturais e somente tratar das questões estruturais, quando reunir suficientes credibilidade popular e apoio político, ainda assim sem pretensões megalomaníacas que podem suscitar conflitos de razão; c) apoiar ostensivamente a Operação Lava-Jato, sem dispensar iniciativas próprias de investigação de outros focos de corrupção; d) anunciar disposição de colaborar na resolução da crise fiscal dos Estados e Municípios, cuja dramaticidade é tamanha que tem sido capaz de interromper o pagamento dos aposentados e o funcionamento da rede pública de saúde; e) ampla divulgação dessas medidas, com absoluta transparência.
A transição não será bem-sucedida, entretanto, sem o imediato enfrentamento da crise fiscal, cuja verdadeira dimensão somente será conhecida depois de contabilizadas as medidas irresponsáveis, adotadas nos estertores atual governo, e identificados os esqueletos fiscais espalhados nos bancos oficiais e empresas estatais.
Nesse enfrentamento, há os que se apressam em proclamar a inevitabilidade do aumento de tributos, no pressuposto de que gastos obrigatórios inviabilizam a redução de despesas.
A obrigatoriedade das despesas, entretanto, não decorre de édito divino ou de cláusula pétrea constitucional, mas de normas sujeitas à revisão.
Alega-se que é difícil, politicamente, proceder-se à revisão da obrigatoriedade. Retruco dizendo que essa dificuldade política também se aplica à elevação de tributos.
A Desvinculação de Receitas da União (DRU), como prevê emenda constitucional prestes a ser promulgada, é um exemplo de que é possível afastar-se a obrigatoriedade.
Outra providência recomendável seria a vedação à indexação de gastos sociais ao salário mínimo, o que facultaria uma maior focalização na atenção à pobreza.
Há, além disso, gastos não obrigatórios que poderiam ser reduzidos ou eliminados, a exemplo das verbas de publicidade, subsídios a forças auxiliares de partidos políticos - autodesignadas "movimentos sociais" -, cancelamento de restos a pagar de despesas não executadas, fechamento de representações diplomáticas sem relevância política ou econômica, etc.
Ainda com o objetivo de reduzir despesas, deveria ser implementado um programa de eficiência na administração pública, tendo como símbolo inicial a redução do número de ministérios.
A alienação de participações acionárias em empresas públicas, a intensificação das concessões e permissões em projetos de infraestrutura, e a revisão das regras de exploração do pré-sal são medidas que produzem receitas e dinamizam a economia.
Os incentivos fiscais devem ser reavaliados, inclusive para detectar os previsíveis casos de corrupção.
Na União, os créditos inscritos em dívida ativa se elevam a R$ 1,4 trilhão, aos quais se acrescentam R$ 590 bilhões em discussão administrativa.
Não parece crível que não se possa conferir liquidez a 10% desse montante, o que implicaria resolver o déficit fiscal deste ano. Para isso é necessário recorrer a soluções não convencionais, como transações que envolvam a construção de regimes tributários de transição ou o perdão de multas, condicionado a um bom comportamento fiscal futuro.
A lei relativa à regularização de ativos no Exterior é complexa, tem vícios de inconstitucionalidade e traz insegurança para os virtuais destinatários, em desfavor da expectativa de receitas extraordinárias. Não hesitaria em refazê-la integralmente, em regime de urgência.
Everardo Maciel foi secretário da Receita Federal.
O peso da História - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 05/05
Relatório do impeachment se torna público nos 16 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma coincidência histórica bem apropriada: ontem, na mesma data em que o senador Antonio Anastasia leu seu relatório a favor do impeachment da presidente Dilma, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que baseou o pedido, fez exatos 16 anos, editada que foi em 2000.
Para o economista José Roberto Afonso, um dos autores da lei, após tudo o que aconteceu, o importante agora é refundar a LRF, fechar brechas e evitar que erros se repitam. Não basta mudar nomes, precisamos mudar regras, diz ele.
“Insisto que urge endurecer a LRF, uma tarefachave para Temer”. Anastasia chamou a atenção em seu relatório para o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que visa especialmente ao uso desmedido de força do controlador para se financiar pelos bancos públicos.
Essa é a explicação técnica para o fato de o Tribunal de Contas da União não ter considerado os atrasos pontuais dos governos Fernando Henrique ou Lula como enquadráveis na vedação do dispositivo. A explicação é um contraponto à alegação do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de que não há meia operação de crédito, como não há meia gravidez.
José Roberto Afonso vai mais longe, não aceita a tese de que Fernando Henrique “pedalou”. Ele diz que tanto FH quanto Lula “atrasaram dias, quando muito, e sobrava saldo nos outros dias; no governo Dilma, o atraso foi longo, crescente e não compensado”.
Como ficou demonstrado no relatório de Anastasia, não faz sentido usar o critério da anualidade para afirmar que a meta fiscal foi cumprida porque, no final do ano, o governo, com maioria no Congresso, conseguiu mudar a meta de um superávit para déficit. Seria dar um cheque em branco para o governante, que poderia estourar todas as metas fiscais e justificar no final do exercício com uma mudança radical de meta.
Da mesma maneira, o senador Anastasia aproveitou o relatório para dar uma lição de democracia ao refutar a tese do golpe. Segundo ele, a responsabilização faz parte da própria ideia de estado de direito e de República. “Senão, teríamos um poder absoluto do governante”.
Citando Rui Barbosa, o tucano disse que o impeachment “é mecanismo que dá ao presidencialismo possibilidade — ainda que tímida — de responsabilização política do presidente, sem rupturas institucionais”.
Presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos para o governo, ressaltou Anastasia: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. “Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”.
Anastasia refutou também como não sendo razoável a suposição de que a presidente “não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União”. Até mesmo porque, lembrou, esse endividamento foi utilizado como forma de financiamento de políticas públicas prioritárias.
“Não se trata, portanto, no presente caso, de se ‘pedir impeachment porque alguém rouba um grampeador’”, tal como disse Cardozo, rebateu o relator. O relatório, embora se circunscreva aos atos cometidos em 2015, lembra que esses procedimentos vinham de antes.
Apesar da vedação imposta pelo art. 36 da LRF, a União acumulou um passivo de R$ 17,5 bilhões ao final de 2014 junto ao BNDES. Os montantes devidos continuam a crescer ao longo de 2015 até alcançarem o valor de R$ 21,3 bilhões em novembro.
Ao contrário do relatório do deputado Jovair Arantes na Câmara, o de Anastasia foi sóbrio e técnico, sem entrar mais profundamente em questões políticas ou se aprofundar no “conjunto da obra”, embora a ligação dos atos de 2015 com os de anos anteriores, caracterizando um método de governo, tenha sido ressaltada.
Não ficou muito espaço para os governistas contestarem as razões para a aceitação do impeachment, embora seja previsível que hoje o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em mais uma defesa, tentará manter a tese de nulidade das acusações.
Nada, porém, que mude o rumo dos acontecimentos, especialmente depois que o próprio Cardozo e Dilma foram denunciados pelo procurador-geral da República por tentativas de obstrução da Justiça nas investigações da Lava-Jato.
Relatório do impeachment se torna público nos 16 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma coincidência histórica bem apropriada: ontem, na mesma data em que o senador Antonio Anastasia leu seu relatório a favor do impeachment da presidente Dilma, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que baseou o pedido, fez exatos 16 anos, editada que foi em 2000.
Para o economista José Roberto Afonso, um dos autores da lei, após tudo o que aconteceu, o importante agora é refundar a LRF, fechar brechas e evitar que erros se repitam. Não basta mudar nomes, precisamos mudar regras, diz ele.
“Insisto que urge endurecer a LRF, uma tarefachave para Temer”. Anastasia chamou a atenção em seu relatório para o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que visa especialmente ao uso desmedido de força do controlador para se financiar pelos bancos públicos.
Essa é a explicação técnica para o fato de o Tribunal de Contas da União não ter considerado os atrasos pontuais dos governos Fernando Henrique ou Lula como enquadráveis na vedação do dispositivo. A explicação é um contraponto à alegação do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de que não há meia operação de crédito, como não há meia gravidez.
José Roberto Afonso vai mais longe, não aceita a tese de que Fernando Henrique “pedalou”. Ele diz que tanto FH quanto Lula “atrasaram dias, quando muito, e sobrava saldo nos outros dias; no governo Dilma, o atraso foi longo, crescente e não compensado”.
Como ficou demonstrado no relatório de Anastasia, não faz sentido usar o critério da anualidade para afirmar que a meta fiscal foi cumprida porque, no final do ano, o governo, com maioria no Congresso, conseguiu mudar a meta de um superávit para déficit. Seria dar um cheque em branco para o governante, que poderia estourar todas as metas fiscais e justificar no final do exercício com uma mudança radical de meta.
Da mesma maneira, o senador Anastasia aproveitou o relatório para dar uma lição de democracia ao refutar a tese do golpe. Segundo ele, a responsabilização faz parte da própria ideia de estado de direito e de República. “Senão, teríamos um poder absoluto do governante”.
Citando Rui Barbosa, o tucano disse que o impeachment “é mecanismo que dá ao presidencialismo possibilidade — ainda que tímida — de responsabilização política do presidente, sem rupturas institucionais”.
Presidencialismo sem impeachment é querer, mais uma vez, o melhor de dois mundos para o governo, ressaltou Anastasia: o Executivo forte do presidencialismo, mas sem a possibilidade de retirada do poder em caso de abuso. “Presidencialismo sem possibilidade de impeachment é monarquia absoluta, é ditadura, por isso que o mecanismo foi previsto em todas as nossas Constituições, e inclusive já utilizado sem traumas institucionais”.
Anastasia refutou também como não sendo razoável a suposição de que a presidente “não soubesse que uma dívida da ordem de R$ 50 bilhões junto a bancos públicos federais pairava na atmosfera fiscal da União”. Até mesmo porque, lembrou, esse endividamento foi utilizado como forma de financiamento de políticas públicas prioritárias.
“Não se trata, portanto, no presente caso, de se ‘pedir impeachment porque alguém rouba um grampeador’”, tal como disse Cardozo, rebateu o relator. O relatório, embora se circunscreva aos atos cometidos em 2015, lembra que esses procedimentos vinham de antes.
Apesar da vedação imposta pelo art. 36 da LRF, a União acumulou um passivo de R$ 17,5 bilhões ao final de 2014 junto ao BNDES. Os montantes devidos continuam a crescer ao longo de 2015 até alcançarem o valor de R$ 21,3 bilhões em novembro.
Ao contrário do relatório do deputado Jovair Arantes na Câmara, o de Anastasia foi sóbrio e técnico, sem entrar mais profundamente em questões políticas ou se aprofundar no “conjunto da obra”, embora a ligação dos atos de 2015 com os de anos anteriores, caracterizando um método de governo, tenha sido ressaltada.
Não ficou muito espaço para os governistas contestarem as razões para a aceitação do impeachment, embora seja previsível que hoje o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em mais uma defesa, tentará manter a tese de nulidade das acusações.
Nada, porém, que mude o rumo dos acontecimentos, especialmente depois que o próprio Cardozo e Dilma foram denunciados pelo procurador-geral da República por tentativas de obstrução da Justiça nas investigações da Lava-Jato.
O 'rei' está nu - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 05/05
Mais de dez anos depois de iniciadas as investigações sobre o escândalo do mensalão que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a condenar por corrupção a cúpula que então dirigia o PT, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, finalmente anunciou o que todos os brasileiros sempre souberam: Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da “organização criminosa” que desde o início de seu primeiro mandato na Presidência da República tomou de assalto a administração federal para perpetuar o PT no poder. Lula, garante Janot, é o chefão que “mantém o controle das decisões mais relevantes, inclusive no que concerne às articulações espúrias para influenciar o andamento da Operação Lava Jato, à sua nomeação ao primeiro escalão (como chefe da Casa Civil de Dilma), à articulação do PT com o PMDB”.
Janot foi categórico: “Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse”. É uma acusação extremamente grave, embora nada surpreendente, escorada na autoridade do chefe do Ministério Público Federal e nas extensas e minuciosas investigações que a força-tarefa da Lava Jato desenvolve há mais de dois anos.
O chefe do Ministério Público Federal encaminhou na terça-feira ao STF três importantes expedientes relativos à Operação Lava Jato: a denúncia contra Lula no inquérito que investiga a tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, já condenado pelo juiz Sérgio Moro; o pedido de inclusão do nome do ex-presidente no “inquérito-mãe” daquela operação, com mais 29 investigados, inclusive componentes do primeiro escalão do atual governo; e, finalmente, o pedido de autorização para abertura de inquérito destinado a investigar a participação da presidente Dilma Rousseff, de Lula e do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em tentativa de obstrução da Justiça.
Essas iniciativas do procurador-geral da República, há algum tempo esperadas e anunciadas às vésperas da decisão do Senado que pode afastar Dilma Rousseff provisoriamente do governo enquanto o processo de seu impeachment é julgado naquela Casa do Congresso, tiveram na cena política o forte impacto que se poderia imaginar, em desfavor da chefe do governo. É inevitável que Dilma Rousseff tenha a imagem de probidade que insiste em alardear de algum modo enodoada pela suspeita de comportamento ilícito que parte não da oposição, mas do comando da importante instituição da República que tem, entre outras, a responsabilidade de investigar e denunciar desvios de conduta de autoridades federais.
O País vive um delicado momento de transição política. Está em jogo uma renovação de comando na qual a maioria esmagadora dos brasileiros deposita a esperança de dias melhores, se não pelo entusiasmo despertado pelos prováveis novos governantes, ao menos pelo enorme alívio que significa o afastamento dos responsáveis pelo atual caos econômico e consequente sofrimento social. Note-se que é tal o desprestígio de Lula, de Dilma e da tigrada que o avanço das investigações da Lava Jato e operações congêneres nem de longe oferece o risco de tumultuar e complicar ainda mais o ambiente político, em prejuízo da estabilidade que é condição essencial ao esforço de união nacional que o momento reclama.
Ao contrário, a Lava Jato tende a aliviar, na alma e na mente do povo brasileiro, o peso que carrega de ter-se deixado iludir por gente que se dedicou sistematicamente a roubar o Tesouro. É assim que a Nação absorve com serenidade o impacto de revelações chocantes – embora, vale repetir, nada surpreendentes, pelo menos para pessoas minimamente informadas – como a de que o maior mito político do Brasil contemporâneo é o chefe daquela quadrilha. Essa triste história vinha se arrastando há pelo menos uma década. Mas, finalmente, o “rei” está nu. E isso alimenta a esperança de que personagens menores, mas igualmente vorazes e caiados, também sejam despidos.
Mais de dez anos depois de iniciadas as investigações sobre o escândalo do mensalão que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a condenar por corrupção a cúpula que então dirigia o PT, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, finalmente anunciou o que todos os brasileiros sempre souberam: Luiz Inácio Lula da Silva é o chefe da “organização criminosa” que desde o início de seu primeiro mandato na Presidência da República tomou de assalto a administração federal para perpetuar o PT no poder. Lula, garante Janot, é o chefão que “mantém o controle das decisões mais relevantes, inclusive no que concerne às articulações espúrias para influenciar o andamento da Operação Lava Jato, à sua nomeação ao primeiro escalão (como chefe da Casa Civil de Dilma), à articulação do PT com o PMDB”.
Janot foi categórico: “Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse”. É uma acusação extremamente grave, embora nada surpreendente, escorada na autoridade do chefe do Ministério Público Federal e nas extensas e minuciosas investigações que a força-tarefa da Lava Jato desenvolve há mais de dois anos.
O chefe do Ministério Público Federal encaminhou na terça-feira ao STF três importantes expedientes relativos à Operação Lava Jato: a denúncia contra Lula no inquérito que investiga a tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, já condenado pelo juiz Sérgio Moro; o pedido de inclusão do nome do ex-presidente no “inquérito-mãe” daquela operação, com mais 29 investigados, inclusive componentes do primeiro escalão do atual governo; e, finalmente, o pedido de autorização para abertura de inquérito destinado a investigar a participação da presidente Dilma Rousseff, de Lula e do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em tentativa de obstrução da Justiça.
Essas iniciativas do procurador-geral da República, há algum tempo esperadas e anunciadas às vésperas da decisão do Senado que pode afastar Dilma Rousseff provisoriamente do governo enquanto o processo de seu impeachment é julgado naquela Casa do Congresso, tiveram na cena política o forte impacto que se poderia imaginar, em desfavor da chefe do governo. É inevitável que Dilma Rousseff tenha a imagem de probidade que insiste em alardear de algum modo enodoada pela suspeita de comportamento ilícito que parte não da oposição, mas do comando da importante instituição da República que tem, entre outras, a responsabilidade de investigar e denunciar desvios de conduta de autoridades federais.
O País vive um delicado momento de transição política. Está em jogo uma renovação de comando na qual a maioria esmagadora dos brasileiros deposita a esperança de dias melhores, se não pelo entusiasmo despertado pelos prováveis novos governantes, ao menos pelo enorme alívio que significa o afastamento dos responsáveis pelo atual caos econômico e consequente sofrimento social. Note-se que é tal o desprestígio de Lula, de Dilma e da tigrada que o avanço das investigações da Lava Jato e operações congêneres nem de longe oferece o risco de tumultuar e complicar ainda mais o ambiente político, em prejuízo da estabilidade que é condição essencial ao esforço de união nacional que o momento reclama.
Ao contrário, a Lava Jato tende a aliviar, na alma e na mente do povo brasileiro, o peso que carrega de ter-se deixado iludir por gente que se dedicou sistematicamente a roubar o Tesouro. É assim que a Nação absorve com serenidade o impacto de revelações chocantes – embora, vale repetir, nada surpreendentes, pelo menos para pessoas minimamente informadas – como a de que o maior mito político do Brasil contemporâneo é o chefe daquela quadrilha. Essa triste história vinha se arrastando há pelo menos uma década. Mas, finalmente, o “rei” está nu. E isso alimenta a esperança de que personagens menores, mas igualmente vorazes e caiados, também sejam despidos.
Crise e descaso - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 05/05
Para este ano, o rombo orçamentário da União está estimado em R$ 96,6 bilhões. Segundo as projeções mais otimistas, o Brasil precisará de uma década para equilibrar despesas e receitas. No ocaso da era petista, a presidente Dilma Rousseff reajustou em 9% o pagamento médio do Bolsa Família, que impactará no caixa a partir do próximo mês. Corrigiu em 5% a tabela do Imposto de Renda, percentual muito aquém das reais necessidades dos contribuintes, que rebaterá no caixa em 2017. Não bastasse, prorrogou os contratos do Programa Mais Médicos e autorizou a construção de 25 mil moradias pelo Minha Casa Minha vida.
O conjunto de providências tem apelo populista e em nada contribui para amenizar os impactos dos equívocos cometidos pelo governo na condução da política econômica. Hoje, o país está à beira do colapso. A atividade econômica está estagnada. Mais de 11 milhões de trabalhadores estão desempregados, a inflação saiu do controle, os investidores, cautelosos, adiaram os planos de investimento. Ou seja, os ganhos sociais alcançados, ainda que tímidos, estão se deteriorando em ritmo avassalador.
Ao longo de quase seis anos, a presidente não fez as correções de rumo exigidas para manter o país em rota de desenvolvimento social e econômico. Gastou mais do que poderia e empurrou o país para uma crise sem precedentes nas últimas duas décadas. Essa opção não pode ser atribuída à oposição. Ao contrário. O Executivo não conseguiu tomar providências práticas para reduzir os próprios gastos com a máquina pública, que foi inflada para abrigar aliados. O passo foi maior do que as pernas.
O pacote de bondades anunciado significa inflar um legado ainda mais nefasto para o sucessor. Como equilibrar as contas públicas, se mais despesas são criadas sem o devido lastro financeiro e quando as previsões de arrecadação ficam abaixo do esperado? Buscar solução para essa equação será tarefa para o próximo governo.
A recuperação das finanças públicas, diante de tamanho desarranjo, não será trabalho fácil para o iminente governo de Michel Temer. O preço maior, no entanto, será pago por aqueles que, hoje, são beneficiários programas sociais. Nos últimos meses, a retração vem sendo sentida em setores essenciais, como saúde e educação.
Em momento tão crucial para o país, o mínimo que se poderia esperar dos que estão à frente do Executivo é mais responsabilidade. Anunciar medidas que estão ameaçadas por falta de dinheiro em caixa é prática ilusionista. A conta dos desatinos pesará sobre os ombros dos trabalhadores, comprometerá ainda mais a prestação de serviços essenciais - praticamente falidos - à população e com repercussão na vida de geração futura, hoje, em formação.
Para este ano, o rombo orçamentário da União está estimado em R$ 96,6 bilhões. Segundo as projeções mais otimistas, o Brasil precisará de uma década para equilibrar despesas e receitas. No ocaso da era petista, a presidente Dilma Rousseff reajustou em 9% o pagamento médio do Bolsa Família, que impactará no caixa a partir do próximo mês. Corrigiu em 5% a tabela do Imposto de Renda, percentual muito aquém das reais necessidades dos contribuintes, que rebaterá no caixa em 2017. Não bastasse, prorrogou os contratos do Programa Mais Médicos e autorizou a construção de 25 mil moradias pelo Minha Casa Minha vida.
O conjunto de providências tem apelo populista e em nada contribui para amenizar os impactos dos equívocos cometidos pelo governo na condução da política econômica. Hoje, o país está à beira do colapso. A atividade econômica está estagnada. Mais de 11 milhões de trabalhadores estão desempregados, a inflação saiu do controle, os investidores, cautelosos, adiaram os planos de investimento. Ou seja, os ganhos sociais alcançados, ainda que tímidos, estão se deteriorando em ritmo avassalador.
Ao longo de quase seis anos, a presidente não fez as correções de rumo exigidas para manter o país em rota de desenvolvimento social e econômico. Gastou mais do que poderia e empurrou o país para uma crise sem precedentes nas últimas duas décadas. Essa opção não pode ser atribuída à oposição. Ao contrário. O Executivo não conseguiu tomar providências práticas para reduzir os próprios gastos com a máquina pública, que foi inflada para abrigar aliados. O passo foi maior do que as pernas.
O pacote de bondades anunciado significa inflar um legado ainda mais nefasto para o sucessor. Como equilibrar as contas públicas, se mais despesas são criadas sem o devido lastro financeiro e quando as previsões de arrecadação ficam abaixo do esperado? Buscar solução para essa equação será tarefa para o próximo governo.
A recuperação das finanças públicas, diante de tamanho desarranjo, não será trabalho fácil para o iminente governo de Michel Temer. O preço maior, no entanto, será pago por aqueles que, hoje, são beneficiários programas sociais. Nos últimos meses, a retração vem sendo sentida em setores essenciais, como saúde e educação.
Em momento tão crucial para o país, o mínimo que se poderia esperar dos que estão à frente do Executivo é mais responsabilidade. Anunciar medidas que estão ameaçadas por falta de dinheiro em caixa é prática ilusionista. A conta dos desatinos pesará sobre os ombros dos trabalhadores, comprometerá ainda mais a prestação de serviços essenciais - praticamente falidos - à população e com repercussão na vida de geração futura, hoje, em formação.
MP inclui Lula na ‘organização’ de Dirceu - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 05/05
A ideia de que o lulopetismo agiu de forma organizada no mensalão e no petrolão volta com a nova denúncia de Janot, que coloca o ex-presidente no mesmo grupo
Nove anos depois de o procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza denunciar José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do presidente Lula, como “chefe da organização criminosa” do mensalão, um sucessor de Antônio Fernando na PGR, Rodrigo Janot, inclui na “organização criminosa” do petrolão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em denúncia encaminhada na terça-feira ao Supremo.
Naquele momento em que mensaleiros foram encaminhados ao STF para julgamento, houve extremo cuidado com o líder Lula, ainda na Presidência e em elevada e crescente conta junto ao eleitorado. A oposição preferiu aguardar a desidratação política dele, para ganhar as eleições de 2006. Não deu certo.
De Antônio Fernando de Souza a Rodrigo Janot muita coisa aconteceu, até se chegar a este ponto em que mensalão e petrolão parecem ser obras da mesma “organização criminosa”. Afinal, já se sabe que os dois esquemas de desvio de dinheiro público para financiar o projeto de poder lulopetista transcorreram de forma simultânea. Enquanto mensaleiros desfalcavam dinheiro dos cofres do Banco do Brasil, o grupo do petrolão garimpava no bilionário filão dos contratos da Petrobras com empreiteiras, sendo que o esquema se estendeu ao setor elétrico. Um personagem comum aos dois golpes é José Dirceu.
Cabe ao Ministério Público, como sempre, provar as acusações. No caso de Lula, a de atuar na manobra de tentativa de compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme relato do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) na sua colaboração premiada à Lava-Jato. O caso é parte do principal inquérito da operação, no qual estão incluídos, entre outros, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli; o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto; o assessor especial de Dilma, Giles de Azevedo; José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula etc. O ex-presidente ainda é denunciado pelo MP paulista de ocultar patrimônio com a mal explicada história do sítio em Atibaia e o tríplex no Guarujá.
Com esta última relação de denúncias feitas pela PGR ao Supremo, a presidente Dilma deixará de se arvorar uma pessoa acima de qualquer suspeita, porque foram pedidas investigações sobre sua possível tentativa de obstruir o trabalho da Lava-Jato, com a suposta nomeação de um ministro para o STJ em troca da aceitação de pedidos de habeas corpus de empreiteiros. Outra denúncia de Delcídio. Não tem qualquer relação com o processo de impeachment, mas não ajuda Dilma nas votações no Senado.
Na fase de recursos ao julgamento do mensalão, a Corte, com nova composição, desmontou a ideia de que havia a tal “organização”, e portanto livrou o ex-ministro da denúncia de tê-la chefiado.
No fim, restou um ato criminoso bem organizado, sem haver uma organização, tampouco chefia. A questão volta agora à agenda da Corte. Ela tem chance de voltar atrás.
A ideia de que o lulopetismo agiu de forma organizada no mensalão e no petrolão volta com a nova denúncia de Janot, que coloca o ex-presidente no mesmo grupo
Nove anos depois de o procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza denunciar José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do presidente Lula, como “chefe da organização criminosa” do mensalão, um sucessor de Antônio Fernando na PGR, Rodrigo Janot, inclui na “organização criminosa” do petrolão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em denúncia encaminhada na terça-feira ao Supremo.
Naquele momento em que mensaleiros foram encaminhados ao STF para julgamento, houve extremo cuidado com o líder Lula, ainda na Presidência e em elevada e crescente conta junto ao eleitorado. A oposição preferiu aguardar a desidratação política dele, para ganhar as eleições de 2006. Não deu certo.
De Antônio Fernando de Souza a Rodrigo Janot muita coisa aconteceu, até se chegar a este ponto em que mensalão e petrolão parecem ser obras da mesma “organização criminosa”. Afinal, já se sabe que os dois esquemas de desvio de dinheiro público para financiar o projeto de poder lulopetista transcorreram de forma simultânea. Enquanto mensaleiros desfalcavam dinheiro dos cofres do Banco do Brasil, o grupo do petrolão garimpava no bilionário filão dos contratos da Petrobras com empreiteiras, sendo que o esquema se estendeu ao setor elétrico. Um personagem comum aos dois golpes é José Dirceu.
Cabe ao Ministério Público, como sempre, provar as acusações. No caso de Lula, a de atuar na manobra de tentativa de compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme relato do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) na sua colaboração premiada à Lava-Jato. O caso é parte do principal inquérito da operação, no qual estão incluídos, entre outros, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli; o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto; o assessor especial de Dilma, Giles de Azevedo; José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula etc. O ex-presidente ainda é denunciado pelo MP paulista de ocultar patrimônio com a mal explicada história do sítio em Atibaia e o tríplex no Guarujá.
Com esta última relação de denúncias feitas pela PGR ao Supremo, a presidente Dilma deixará de se arvorar uma pessoa acima de qualquer suspeita, porque foram pedidas investigações sobre sua possível tentativa de obstruir o trabalho da Lava-Jato, com a suposta nomeação de um ministro para o STJ em troca da aceitação de pedidos de habeas corpus de empreiteiros. Outra denúncia de Delcídio. Não tem qualquer relação com o processo de impeachment, mas não ajuda Dilma nas votações no Senado.
Na fase de recursos ao julgamento do mensalão, a Corte, com nova composição, desmontou a ideia de que havia a tal “organização”, e portanto livrou o ex-ministro da denúncia de tê-la chefiado.
No fim, restou um ato criminoso bem organizado, sem haver uma organização, tampouco chefia. A questão volta agora à agenda da Corte. Ela tem chance de voltar atrás.
quarta-feira, maio 04, 2016
O grande jogo - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 04.05
Não pense numa revoada de pássaros. Dileto leitor, por maior que seja a sua boa vontade para com este escriba, se você leu a frase anterior, é cognitivamente impossível que não tenha pensado numa revoada de pássaros.
Num nível apenas um pouquinho menos dramático, o juiz que instrui o júri a ignorar uma prova incriminadora mas inválida que tenha sido exibida por descuido quase certamente será ignorado. Os jurados podem até jurar que chegaram ao veredicto de culpado sem considerar aquela prova, mas seus neurônios não conseguem "esquecer" o que viram, e o novo conhecimento inevitavelmente influiu na decisão.
Com o impeachment é a mesma coisa. Embora a peça jurídica que fundamenta o pedido de afastamento de Dilma esteja circunscrita a pedaladas e decretos, é praticamente impossível que os senadores não levem em conta o conjunto da obra na hora de julgá-la —exatamente como fizeram os deputados quando autorizaram a abertura do processo.
Isso transforma boa parte das oitivas e procedimentos a que assistimos num grande teatro. As pessoas falam, expõem suas razões e contrarrazões, mas, ao fim e ao cabo, os senadores farão o que tiverem vontade. Adeptos da teoria do golpe já verão aí motivos para impugnações e nulidades, mas, fugindo um pouco do campo das paixões políticas, é possível argumentar que o próprio direito não passa de um grande teatro, ainda que funcionalmente útil.
Um dos campeões dessa visão é o historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945). Para ele, a ideia de jogo está por trás de todas as instituições culturais, incluindo filosofia, linguagem, arte e, claro, o direito. Traços disso estão por todos os lados. Na Inglaterra advogados e juízes ainda usam perucas (por aqui só sobrou a toga). A coisa funciona porque aceitamos os resultados desses jogos como legítimos e não os contestamos de forma violenta.
Não pense numa revoada de pássaros. Dileto leitor, por maior que seja a sua boa vontade para com este escriba, se você leu a frase anterior, é cognitivamente impossível que não tenha pensado numa revoada de pássaros.
Num nível apenas um pouquinho menos dramático, o juiz que instrui o júri a ignorar uma prova incriminadora mas inválida que tenha sido exibida por descuido quase certamente será ignorado. Os jurados podem até jurar que chegaram ao veredicto de culpado sem considerar aquela prova, mas seus neurônios não conseguem "esquecer" o que viram, e o novo conhecimento inevitavelmente influiu na decisão.
Com o impeachment é a mesma coisa. Embora a peça jurídica que fundamenta o pedido de afastamento de Dilma esteja circunscrita a pedaladas e decretos, é praticamente impossível que os senadores não levem em conta o conjunto da obra na hora de julgá-la —exatamente como fizeram os deputados quando autorizaram a abertura do processo.
Isso transforma boa parte das oitivas e procedimentos a que assistimos num grande teatro. As pessoas falam, expõem suas razões e contrarrazões, mas, ao fim e ao cabo, os senadores farão o que tiverem vontade. Adeptos da teoria do golpe já verão aí motivos para impugnações e nulidades, mas, fugindo um pouco do campo das paixões políticas, é possível argumentar que o próprio direito não passa de um grande teatro, ainda que funcionalmente útil.
Um dos campeões dessa visão é o historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945). Para ele, a ideia de jogo está por trás de todas as instituições culturais, incluindo filosofia, linguagem, arte e, claro, o direito. Traços disso estão por todos os lados. Na Inglaterra advogados e juízes ainda usam perucas (por aqui só sobrou a toga). A coisa funciona porque aceitamos os resultados desses jogos como legítimos e não os contestamos de forma violenta.
A primeira mosca - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 04/05
Bruno Santos/Folhapress

A presidente Dilma Rousseff durante a comemoração da CUT do Dia do Trabalhador, em São Paulo
RIO DE JANEIRO - Uma sequência do fotógrafo Bruno Santos na primeira página da Folha de segunda-feira (2) mostra a presidente Dilma Rousseff perturbada por uma mosca em seu rosto durante ato promovido em São Paulo pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), no Dia do Trabalho. Nas primeiras fotos, Dilma parece apenas contrariada pelo inseto impertinente que insiste em passear sem audiência marcada por nariz e boca presidenciais. Na última foto, Dilma aparece com a mão espalmada, pronta a aplicar um safanão na mosca e mandá-la, literalmente, para o espaço.
A mosca não sabia com quem estava se metendo. Foi atazanar a vida de uma mulher que nunca precisou de motivo para desferir safanões verbais em quem estivesse à sua volta e, agora, tem motivos reais para isto. Em poucos dias, descerá do posto a que foi levada por 54 milhões de eleitores — dos quais, a julgar pelas últimas manifestações a seu favor, não lhe restam nem 4 milhões — para submeter-se a 180 dias de férias forçadas, com grandes possibilidades de que estas se prolonguem pelos próximos oito anos.
Por outro lado, a dita mosca podia apenas fazer parte de uma equipe exploratória — uma batedora avançada do batalhão de moscas que deverá fazer companhia à futura ex-presidente no palácio da Alvorada, onde cumprirá um doce exílio entre seus próprios lençóis e fronhas. As perspectivas são as de que não terá muitas visitas enquanto estiver afastada — ninguém de fato a estima, nem entre os seus colaboradores mais íntimos, e os correligionários que ainda a defendem o fazem apenas em nome de uma estratégia política.
Limitada nos próximos tempos a presidir um sofá ou uma cômoda e impossibilitada de continuar quebrando o país, Dilma será grata a qualquer um que se interesse em ir vê-la.
Um bom presente a levar-lhe: um mata-moscas.
Bruno Santos/Folhapress
A presidente Dilma Rousseff durante a comemoração da CUT do Dia do Trabalhador, em São Paulo
RIO DE JANEIRO - Uma sequência do fotógrafo Bruno Santos na primeira página da Folha de segunda-feira (2) mostra a presidente Dilma Rousseff perturbada por uma mosca em seu rosto durante ato promovido em São Paulo pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), no Dia do Trabalho. Nas primeiras fotos, Dilma parece apenas contrariada pelo inseto impertinente que insiste em passear sem audiência marcada por nariz e boca presidenciais. Na última foto, Dilma aparece com a mão espalmada, pronta a aplicar um safanão na mosca e mandá-la, literalmente, para o espaço.
A mosca não sabia com quem estava se metendo. Foi atazanar a vida de uma mulher que nunca precisou de motivo para desferir safanões verbais em quem estivesse à sua volta e, agora, tem motivos reais para isto. Em poucos dias, descerá do posto a que foi levada por 54 milhões de eleitores — dos quais, a julgar pelas últimas manifestações a seu favor, não lhe restam nem 4 milhões — para submeter-se a 180 dias de férias forçadas, com grandes possibilidades de que estas se prolonguem pelos próximos oito anos.
Por outro lado, a dita mosca podia apenas fazer parte de uma equipe exploratória — uma batedora avançada do batalhão de moscas que deverá fazer companhia à futura ex-presidente no palácio da Alvorada, onde cumprirá um doce exílio entre seus próprios lençóis e fronhas. As perspectivas são as de que não terá muitas visitas enquanto estiver afastada — ninguém de fato a estima, nem entre os seus colaboradores mais íntimos, e os correligionários que ainda a defendem o fazem apenas em nome de uma estratégia política.
Limitada nos próximos tempos a presidir um sofá ou uma cômoda e impossibilitada de continuar quebrando o país, Dilma será grata a qualquer um que se interesse em ir vê-la.
Um bom presente a levar-lhe: um mata-moscas.
Senta, o leão é manso - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 04/05
O PT é bom de grito, todo mundo sabe, é inegável essa competência. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva, então, esbraveja como ninguém. Quesito no qual a presidente Dilma Rousseff tem se mostrado digna de graduação.
Mestre em ameaçar fazer e acontecer quando acuado pelas evidências, o grupo não tem tido o mesmo êxito - louve-se aos céus - no tocante à eficácia de suas (más) intenções. Muito provavelmente porque elas se chocam com a lei e contradizem a realidade. No mundo das palavras tudo é possível, já no mundo das ações há regras a serem obedecidas e circunstâncias a serem observadas.
Quando os habitantes de um universo tentam atuar no outro sem mudar instrumentos nem critérios, o resultado é o fracasso. Isso quando não incorrem na perda do senso de ridículo.
O PT iniciou essa travessia já na época do mensalão, quando tentou imprimir a seus correligionários condenados por crimes comuns pelo Supremo Tribunal Federal a aura de presos políticos e se dispôs a recorrer a cortes internacionais para rever a decisão e fazer crer a estrangeiros incautos que o STF era um tribunal de exceção. Nada aconteceu.
Anos antes de cumprir sentença por corrupção, José Dirceu havia deixado a Casa Civil anunciando que retomaria o mandato de deputado para “comandar”, do Congresso, o governo. Não conseguiu sequer terminar o discurso que fez da tribuna no dia da volta, tal a sorte de apartes contestadores por parte do plenário, que pouco tempo depois aprovaria sua cassação.
Transitado em julgado o processo, Lula anunciou que como ex-presidente dedicaria seu tempo e energia para provar que o mensalão não existiu. O desmonte da “farsa”, como se viu, era a farsa em si. Lula não provou nem tentou. Por impossibilidade fática, a tal da “narrativa” caiu no vazio.
Foi retomada com força total e acrescida de novas alegorias agora que o fim do ciclo do PT no poder se aproxima e se dá em cenário de triste espetáculo. A presidente da República prestando-se ao papel de revolucionária sem causa, transformando o Palácio do Planalto em trincheira de resistência imaginária, improvisando um governo de esquerda “fast-food”, com medidas destinadas a reunir as tropas militantes ao arrepio das contas públicas, cuja implosão já se encarregara de comandar.
O ex-presidente Lula, o habilidoso articulador político, desprovido do proverbial tirocínio, deixa São Bernardo para entrar no Palácio do Planalto como dono de uma jogada de excelência para sair dele prisioneiro da arapuca em que se transformou sua nomeação para ministro-chefe da Casa Civil.
De lá, seguiu para um quarto de hotel em Brasília, de onde comandaria a “virada” de votos na Câmara, evitando a admissibilidade do impeachment. Não levou uma nem duas, mas várias rasteiras dos “picaretas” que acreditava serem ainda seus súditos.
Nesse meio tempo, houve o anúncio de fogosa resistência. A militância iria para as ruas e nelas montariam barricadas pelas quais o impeachment não passaria. Passou e continua seu caminho, indiferente à denúncia internacional do “golpe” à qual nem o Itamaraty aderiu.
A solução quase final de recorrer à proposta de eleição direta já não conseguiu a concordância sequer dos aliados. Alguns deles por uma questão de bom senso, outros pela convicção de que isso daria a impressão de que a presidente estaria considerando seu afastamento inevitável. Como se houvesse a possibilidade de outro desfecho.
Mas, claro, é preciso resistir. Como? Com a mobilização das entidades que não terão mais verbas públicas para se mobilizar e a montagem de um bunker no Palácio da Alvorada, onde darão expediente Dilma, 15 assessores e os funcionários domésticos que atendem à residência oficial.
De onde, sentemo-nos que o leão é manso.
O PT é bom de grito, todo mundo sabe, é inegável essa competência. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva, então, esbraveja como ninguém. Quesito no qual a presidente Dilma Rousseff tem se mostrado digna de graduação.
Mestre em ameaçar fazer e acontecer quando acuado pelas evidências, o grupo não tem tido o mesmo êxito - louve-se aos céus - no tocante à eficácia de suas (más) intenções. Muito provavelmente porque elas se chocam com a lei e contradizem a realidade. No mundo das palavras tudo é possível, já no mundo das ações há regras a serem obedecidas e circunstâncias a serem observadas.
Quando os habitantes de um universo tentam atuar no outro sem mudar instrumentos nem critérios, o resultado é o fracasso. Isso quando não incorrem na perda do senso de ridículo.
O PT iniciou essa travessia já na época do mensalão, quando tentou imprimir a seus correligionários condenados por crimes comuns pelo Supremo Tribunal Federal a aura de presos políticos e se dispôs a recorrer a cortes internacionais para rever a decisão e fazer crer a estrangeiros incautos que o STF era um tribunal de exceção. Nada aconteceu.
Anos antes de cumprir sentença por corrupção, José Dirceu havia deixado a Casa Civil anunciando que retomaria o mandato de deputado para “comandar”, do Congresso, o governo. Não conseguiu sequer terminar o discurso que fez da tribuna no dia da volta, tal a sorte de apartes contestadores por parte do plenário, que pouco tempo depois aprovaria sua cassação.
Transitado em julgado o processo, Lula anunciou que como ex-presidente dedicaria seu tempo e energia para provar que o mensalão não existiu. O desmonte da “farsa”, como se viu, era a farsa em si. Lula não provou nem tentou. Por impossibilidade fática, a tal da “narrativa” caiu no vazio.
Foi retomada com força total e acrescida de novas alegorias agora que o fim do ciclo do PT no poder se aproxima e se dá em cenário de triste espetáculo. A presidente da República prestando-se ao papel de revolucionária sem causa, transformando o Palácio do Planalto em trincheira de resistência imaginária, improvisando um governo de esquerda “fast-food”, com medidas destinadas a reunir as tropas militantes ao arrepio das contas públicas, cuja implosão já se encarregara de comandar.
O ex-presidente Lula, o habilidoso articulador político, desprovido do proverbial tirocínio, deixa São Bernardo para entrar no Palácio do Planalto como dono de uma jogada de excelência para sair dele prisioneiro da arapuca em que se transformou sua nomeação para ministro-chefe da Casa Civil.
De lá, seguiu para um quarto de hotel em Brasília, de onde comandaria a “virada” de votos na Câmara, evitando a admissibilidade do impeachment. Não levou uma nem duas, mas várias rasteiras dos “picaretas” que acreditava serem ainda seus súditos.
Nesse meio tempo, houve o anúncio de fogosa resistência. A militância iria para as ruas e nelas montariam barricadas pelas quais o impeachment não passaria. Passou e continua seu caminho, indiferente à denúncia internacional do “golpe” à qual nem o Itamaraty aderiu.
A solução quase final de recorrer à proposta de eleição direta já não conseguiu a concordância sequer dos aliados. Alguns deles por uma questão de bom senso, outros pela convicção de que isso daria a impressão de que a presidente estaria considerando seu afastamento inevitável. Como se houvesse a possibilidade de outro desfecho.
Mas, claro, é preciso resistir. Como? Com a mobilização das entidades que não terão mais verbas públicas para se mobilizar e a montagem de um bunker no Palácio da Alvorada, onde darão expediente Dilma, 15 assessores e os funcionários domésticos que atendem à residência oficial.
De onde, sentemo-nos que o leão é manso.
A Petrobras não quer socorro - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 04/05
A conta da dívida pública deixada pelo governo Dilma Rousseff vai ser maior do que aparece nas estatísticas já horríveis, estimam economistas de peso e a cúpula de alguns dos maiores bancos do país.
Quem prevê desastre adicional crê que será preciso cobrir rombos na Petrobras, na Caixa e nos Estados, para ficar em exemplos maiores.
A direção da Petrobras tem negado publicamente e com ênfase que pretenda recorrer ao Tesouro a fim de reduzir seu endividamento dramático. A conversa na empresa não mudou. Mesmo com a eventual mudança do governo, não há intenção alguma de pedir dinheiro com o objetivo de acelerar o refazimento da petroleira. Ao contrário.
A conversa na Petrobras é fazer com que a empresa viva com os próprios meios, corte custos, venda patrimônio e enfrente vencimentos de parcelas de dívidas que serão crescentes até 2019. Acredita-se por lá que o endividamento relativo da empresa (dívida em relação à receita) pare de crescer neste ano.
Por enquanto, a empresa não trabalha com mudança de planos. Não houve conversa formal alguma com o governo de transição virtual de Michel Temer.
Mas, tanto no comitê temerista como na petroleira, se diz que "houve um recado" de que, por enquanto, não há previsão de mexer na cúpula da Petrobras. O trabalho de reestruturação estaria sendo bem avaliado, dizem temeristas, e "não convém intervir, sem mais" em "algo complexo".
Por que a Petrobras não quereria dinheiro do governo? Porque tal presente faria a petroleira relaxar na disciplina da restruturação que, diz-se por lá, pretende transformá-la em uma empresa capaz de caminhar com as próprias pernas no mercado.
No entanto, o rumor da capitalização perdura. Em miúdos simples, capitalização significa aumentar o tamanho da empresa. Vendem-se mais ações, o governo compra um tanto (injeta dinheiro); acionistas privados podem comprar outro.
Em tempos não muito anormais, acionistas detestam esse tipo de coisa, pois têm de colocar mais capital na empresa caso queiram evitar que se reduza sua fatia nas ações. Devem gostar menos ainda depois de escaldados pelos anos Dilma, pois a empresa foi governada à matroca até 2014, sujeita a intervenções loucamente arbitrárias e ruinosas, e enfim, não tem distribuído lucros.
O economista Armínio Fraga, por exemplo, acredita que é difícil evitar um recapitalização da empresa. Foi o que disse em entrevista no programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira (2).
A dívida da Petrobras cresceu brutalmente nos anos Dilma. Em 2010, a dívida líquida da empresa equivalia a uma vez o Ebitda (grosso modo, dinheiro que entra, receita antes do abatimento de juros, impostos, depreciação e amortização), um indicador convencional de endividamento. Ao final de 2015, a dívida líquida chegou a R$ 392 bilhões. A relação dívida líquida/Ebitda saltara para mais de 5 vezes. Noutra medida convencional aceita pela praça, essa relação fica suspeita de grande demais quando passa de 3.
O plano é fazer com que a Petrobras reduza a sua dívida até esse limite de suspeição lá por volta de 2019 ou 2020. Mas a empresa pretende "deixar claro" que a tendência será de queda do endividamento, a partir deste ano.
A conta da dívida pública deixada pelo governo Dilma Rousseff vai ser maior do que aparece nas estatísticas já horríveis, estimam economistas de peso e a cúpula de alguns dos maiores bancos do país.
Quem prevê desastre adicional crê que será preciso cobrir rombos na Petrobras, na Caixa e nos Estados, para ficar em exemplos maiores.
A direção da Petrobras tem negado publicamente e com ênfase que pretenda recorrer ao Tesouro a fim de reduzir seu endividamento dramático. A conversa na empresa não mudou. Mesmo com a eventual mudança do governo, não há intenção alguma de pedir dinheiro com o objetivo de acelerar o refazimento da petroleira. Ao contrário.
A conversa na Petrobras é fazer com que a empresa viva com os próprios meios, corte custos, venda patrimônio e enfrente vencimentos de parcelas de dívidas que serão crescentes até 2019. Acredita-se por lá que o endividamento relativo da empresa (dívida em relação à receita) pare de crescer neste ano.
Por enquanto, a empresa não trabalha com mudança de planos. Não houve conversa formal alguma com o governo de transição virtual de Michel Temer.
Mas, tanto no comitê temerista como na petroleira, se diz que "houve um recado" de que, por enquanto, não há previsão de mexer na cúpula da Petrobras. O trabalho de reestruturação estaria sendo bem avaliado, dizem temeristas, e "não convém intervir, sem mais" em "algo complexo".
Por que a Petrobras não quereria dinheiro do governo? Porque tal presente faria a petroleira relaxar na disciplina da restruturação que, diz-se por lá, pretende transformá-la em uma empresa capaz de caminhar com as próprias pernas no mercado.
No entanto, o rumor da capitalização perdura. Em miúdos simples, capitalização significa aumentar o tamanho da empresa. Vendem-se mais ações, o governo compra um tanto (injeta dinheiro); acionistas privados podem comprar outro.
Em tempos não muito anormais, acionistas detestam esse tipo de coisa, pois têm de colocar mais capital na empresa caso queiram evitar que se reduza sua fatia nas ações. Devem gostar menos ainda depois de escaldados pelos anos Dilma, pois a empresa foi governada à matroca até 2014, sujeita a intervenções loucamente arbitrárias e ruinosas, e enfim, não tem distribuído lucros.
O economista Armínio Fraga, por exemplo, acredita que é difícil evitar um recapitalização da empresa. Foi o que disse em entrevista no programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira (2).
A dívida da Petrobras cresceu brutalmente nos anos Dilma. Em 2010, a dívida líquida da empresa equivalia a uma vez o Ebitda (grosso modo, dinheiro que entra, receita antes do abatimento de juros, impostos, depreciação e amortização), um indicador convencional de endividamento. Ao final de 2015, a dívida líquida chegou a R$ 392 bilhões. A relação dívida líquida/Ebitda saltara para mais de 5 vezes. Noutra medida convencional aceita pela praça, essa relação fica suspeita de grande demais quando passa de 3.
O plano é fazer com que a Petrobras reduza a sua dívida até esse limite de suspeição lá por volta de 2019 ou 2020. Mas a empresa pretende "deixar claro" que a tendência será de queda do endividamento, a partir deste ano.
Malaise - MONICA DE BOLLE
O ESTADÃO - 04/05
Malaise, martírio, padecimento, mal-estar. Sensação profunda de desconforto, de desilusão, suor frio de angústia no corpo, gelado pelo desespero que procura os limites do intervalo entre duas felicidades. Enquanto o Brasil discute as coisas da política e a insensatez de nossa governante, o sofrimento da população é desnudado pelos indicadores econômicos, dados que expõem com frieza exata histórias de desalento e amargura, histórias de um cotidiano de desvarios.
Economistas valem-se de artifícios diversos para medir o bem-estar de diferentes sociedades: do PIB à distribuição de renda, dos subjetivos “índices de felicidade” ao concreto índice de desenvolvimento humano. Mas este não é um artigo sobre o bem-estar. Este artigo é sobre o mal-estar, a malaise que assola toda a população brasileira, sobretudo a classe média vulnerável, a classe C, aquela que desaparece depois de tanto furor.
O Índice de Mal-Estar, ou Misery Index, foi criado pelo economista americano Arthur Okun com o intuito de medir a qualidade de vida do cidadão médio de um país. Trata-se de indicador simples, da soma entre a taxa média de inflação de determinado período com a taxa de desemprego do mesmo período. O Índice de Mal-Estar dos EUA, depois de atingir 11,2 em 2010, caiu mais da metade, para 5,3 no ano passado. Em 2015, o Índice de Mal-Estar da China era de 7,2, do México, 6,9; da Colômbia, 13,8. O Índice de Mal-Estar do Brasil, usando os dados da Pnad Contínua trimestral do IBGE, foi de 19,7 em 2015, ou quase o dobro do ano anterior. Ou seja, a aguda acentuação da malaise é inequívoca. Interpelada dia desses aqui nos EUA sobre o porquê de não estarmos vendo tantos defensores de Dilma nas ruas, estridências golpistas à parte, respondi em números. Meu interlocutor preferiu não brigar com os dados, um sábio.
A tragédia brasileira vai ainda mais longe do que expus. O Índice de Mal-Estar brasileiro tal qual calculado dá uma ideia do que acontece com a economia como um todo. Mas e as classes mais desfavorecidas? E a classe média vulnerável? Afinal, o que tem ocorrido com a classe C? Ainda usando os dados abertos da Pnad Contínua do IBGE e utilizando o IPC-C1 compilado pela Fundação Getúlio Vargas, isto é, a chamada “inflação da baixa renda” frequentemente citada nos jornais, constata-se o seguinte: 16,2% da camada da população brasileira com ensino médio incompleto ou equivalente estava desempregada no último trimestre de 2015 - no mesmo período de 2014, a taxa de desemprego para essa faixa da sociedade era de 11,6%. Se tomarmos essa camada da população como proxy para a chamada classe C, e levarmos em conta que a inflação medida pelo IPC-C1 da FGV em 2015 foi de 11,5%, ou seja, cerca de 1 ponto porcentual maior do que a inflação para o ano medida pelo IPCA, chegamos a um Índice de Mal-Estar de 27,7 para esse estrato da população brasileira.
Tal constatação merece destaque. Enquanto o Índice de Mal-Estar Nacional subiu espantosamente entre 2014 e 2015, apenas em 2015 o Mal-Estar, o sofrimento, a malaise da classe C foi cerca de 40% maior do que se viu em todo o País. Trocando em miúdos, a classe C, aquela que surgiu gloriosa nos anos do lulopetismo em razão de políticas que claramente não tinham sustentação de longo prazo é, hoje, a que mais sofre as consequências do desastre econômico brasileiro, conforme muitos de nós alertamos.
Dilma insiste em vender a quem ainda lhe der ouvidos a ideia de que os problemas do desemprego no Brasil são fruto da crise externa. Contudo, a classe C sofrida, essa cujo mal-estar clama pela trégua, pelo fim da desgraça, não perdeu empregos por causa da crise internacional. A classe C perdeu empregos, sobretudo, nos setores de serviços e comércio, estrangulados pela recessão. Eis, portanto, mais um desafio para o governo que vier: o resgate urgente de uma classe C reduzida a pó pela grande mentira do lulopetismo.
Deixo-os, leitores, com duas reflexões:
“O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.” (Vinicius de Moraes)
“Suporta-se com paciência a cólica dos outros.” (Machado de Assis)
Escolham a sua preferida.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Johns Hopkins University
Malaise, martírio, padecimento, mal-estar. Sensação profunda de desconforto, de desilusão, suor frio de angústia no corpo, gelado pelo desespero que procura os limites do intervalo entre duas felicidades. Enquanto o Brasil discute as coisas da política e a insensatez de nossa governante, o sofrimento da população é desnudado pelos indicadores econômicos, dados que expõem com frieza exata histórias de desalento e amargura, histórias de um cotidiano de desvarios.
Economistas valem-se de artifícios diversos para medir o bem-estar de diferentes sociedades: do PIB à distribuição de renda, dos subjetivos “índices de felicidade” ao concreto índice de desenvolvimento humano. Mas este não é um artigo sobre o bem-estar. Este artigo é sobre o mal-estar, a malaise que assola toda a população brasileira, sobretudo a classe média vulnerável, a classe C, aquela que desaparece depois de tanto furor.
O Índice de Mal-Estar, ou Misery Index, foi criado pelo economista americano Arthur Okun com o intuito de medir a qualidade de vida do cidadão médio de um país. Trata-se de indicador simples, da soma entre a taxa média de inflação de determinado período com a taxa de desemprego do mesmo período. O Índice de Mal-Estar dos EUA, depois de atingir 11,2 em 2010, caiu mais da metade, para 5,3 no ano passado. Em 2015, o Índice de Mal-Estar da China era de 7,2, do México, 6,9; da Colômbia, 13,8. O Índice de Mal-Estar do Brasil, usando os dados da Pnad Contínua trimestral do IBGE, foi de 19,7 em 2015, ou quase o dobro do ano anterior. Ou seja, a aguda acentuação da malaise é inequívoca. Interpelada dia desses aqui nos EUA sobre o porquê de não estarmos vendo tantos defensores de Dilma nas ruas, estridências golpistas à parte, respondi em números. Meu interlocutor preferiu não brigar com os dados, um sábio.
A tragédia brasileira vai ainda mais longe do que expus. O Índice de Mal-Estar brasileiro tal qual calculado dá uma ideia do que acontece com a economia como um todo. Mas e as classes mais desfavorecidas? E a classe média vulnerável? Afinal, o que tem ocorrido com a classe C? Ainda usando os dados abertos da Pnad Contínua do IBGE e utilizando o IPC-C1 compilado pela Fundação Getúlio Vargas, isto é, a chamada “inflação da baixa renda” frequentemente citada nos jornais, constata-se o seguinte: 16,2% da camada da população brasileira com ensino médio incompleto ou equivalente estava desempregada no último trimestre de 2015 - no mesmo período de 2014, a taxa de desemprego para essa faixa da sociedade era de 11,6%. Se tomarmos essa camada da população como proxy para a chamada classe C, e levarmos em conta que a inflação medida pelo IPC-C1 da FGV em 2015 foi de 11,5%, ou seja, cerca de 1 ponto porcentual maior do que a inflação para o ano medida pelo IPCA, chegamos a um Índice de Mal-Estar de 27,7 para esse estrato da população brasileira.
Tal constatação merece destaque. Enquanto o Índice de Mal-Estar Nacional subiu espantosamente entre 2014 e 2015, apenas em 2015 o Mal-Estar, o sofrimento, a malaise da classe C foi cerca de 40% maior do que se viu em todo o País. Trocando em miúdos, a classe C, aquela que surgiu gloriosa nos anos do lulopetismo em razão de políticas que claramente não tinham sustentação de longo prazo é, hoje, a que mais sofre as consequências do desastre econômico brasileiro, conforme muitos de nós alertamos.
Dilma insiste em vender a quem ainda lhe der ouvidos a ideia de que os problemas do desemprego no Brasil são fruto da crise externa. Contudo, a classe C sofrida, essa cujo mal-estar clama pela trégua, pelo fim da desgraça, não perdeu empregos por causa da crise internacional. A classe C perdeu empregos, sobretudo, nos setores de serviços e comércio, estrangulados pela recessão. Eis, portanto, mais um desafio para o governo que vier: o resgate urgente de uma classe C reduzida a pó pela grande mentira do lulopetismo.
Deixo-os, leitores, com duas reflexões:
“O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.” (Vinicius de Moraes)
“Suporta-se com paciência a cólica dos outros.” (Machado de Assis)
Escolham a sua preferida.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Johns Hopkins University
As consequências econômicas de Dilma - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 04/05
O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história. Não é fácil receber um país crescendo decentemente, contas públicas razoavelmente em ordem (com tarefas a cumprir, registre-se), histórico de inflação ao redor da meta, contas externas controladas e, em meros quatro anos, demolir esse legado, construído ao longo de mais de uma década por vários governos.
Não é por outro motivo que sua administração, assim como seus cúmplices, tem imensa dificuldade para assumir a responsabilidade pelo desastre. Originalmente a desculpa era a crise externa, convenientemente deixando de lado que o crescimento mundial de 2011 a 2014 foi igual ao registrado nos quatro anos anteriores, enquanto a relação entre os preços das coisas que exportamos e as que importamos (os termos de troca) foi a melhor da história recente, algo como 24% superior à sua média de 38 anos.
A desculpa agora é a oposição, que não teria compactuado com "as propostas de ajuste das contas públicas", eufemismo para aumento de impostos, em particular a CPMF. Nas palavras da presidente, os opositores "são responsáveis pela economia brasileira estar passando por uma grande crise".
Nada é dito, claro, sobre o aumento dos gastos observado sob seu governo, muito menos sobre seu papel no extermínio (em 2005, ainda no governo Lula) da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, formulada pela equipe de Antonio Palocci e fulminada por ela como se fosse uma "proposta rudimentar" sob o argumento de que "gasto corrente é vida".
Pelo que me lembro, também não foi a oposição quem baixou, na marra, as tarifas de energia, medida elogiada à época por ninguém menos que Delfim Netto, o mesmo que hoje reconhece o erro da política, apenas se esquecendo de dizer que estava entre os que a aplaudiram.
Desconheço também qualquer papel da oposição na decisão de aumentar o volume de crédito do BNDES em R$ 212 bilhões (a preços de hoje) entre 2010 e 2014, valor integralmente financiado por créditos do Tesouro Nacional, que se endividou no mesmo montante para beneficiar um punhado de setores e empresas selecionadas por critérios muito pouco transparentes.
Da mesma forma, a oposição não parece ter sido ouvida quando o governo decidiu segurar artificialmente os preços dos combustíveis, levando não apenas a Petrobras a uma situação delicada do ponto de vista de seu endividamento (limitando assim sua capacidade de investimento) como também, de quebra, desarticulando o setor sucroalcooleiro.
A lista poderia se estender ainda mais, tendo como fator comum a ausência de deliberação da oposição em decisões que, ao final das contas, caíam todas na esfera governamental. Não deve restar dúvida de que há um único responsável pelo desastre econômico em que o país se encontra: o governo federal, sob comando da presidente Dilma Rousseff.
E que não se exima o PT, que apoiou entusiasticamente a política econômica (assim como os keynesianos de quermesse que hoje fingem não ter nada a ver com assunto), mas se opõe ferozmente às tentativas de corrigir a Previdência ou atacar vinculações orçamentárias.
A oposição não é grande coisa, mas há apenas um culpado pela crise: o atual governo, presidente à frente e PT no apoio. O resto é apenas covardia e (mais) mentira para a campanha de 2018.
O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história. Não é fácil receber um país crescendo decentemente, contas públicas razoavelmente em ordem (com tarefas a cumprir, registre-se), histórico de inflação ao redor da meta, contas externas controladas e, em meros quatro anos, demolir esse legado, construído ao longo de mais de uma década por vários governos.
Não é por outro motivo que sua administração, assim como seus cúmplices, tem imensa dificuldade para assumir a responsabilidade pelo desastre. Originalmente a desculpa era a crise externa, convenientemente deixando de lado que o crescimento mundial de 2011 a 2014 foi igual ao registrado nos quatro anos anteriores, enquanto a relação entre os preços das coisas que exportamos e as que importamos (os termos de troca) foi a melhor da história recente, algo como 24% superior à sua média de 38 anos.
A desculpa agora é a oposição, que não teria compactuado com "as propostas de ajuste das contas públicas", eufemismo para aumento de impostos, em particular a CPMF. Nas palavras da presidente, os opositores "são responsáveis pela economia brasileira estar passando por uma grande crise".
Nada é dito, claro, sobre o aumento dos gastos observado sob seu governo, muito menos sobre seu papel no extermínio (em 2005, ainda no governo Lula) da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, formulada pela equipe de Antonio Palocci e fulminada por ela como se fosse uma "proposta rudimentar" sob o argumento de que "gasto corrente é vida".
Pelo que me lembro, também não foi a oposição quem baixou, na marra, as tarifas de energia, medida elogiada à época por ninguém menos que Delfim Netto, o mesmo que hoje reconhece o erro da política, apenas se esquecendo de dizer que estava entre os que a aplaudiram.
Desconheço também qualquer papel da oposição na decisão de aumentar o volume de crédito do BNDES em R$ 212 bilhões (a preços de hoje) entre 2010 e 2014, valor integralmente financiado por créditos do Tesouro Nacional, que se endividou no mesmo montante para beneficiar um punhado de setores e empresas selecionadas por critérios muito pouco transparentes.
Da mesma forma, a oposição não parece ter sido ouvida quando o governo decidiu segurar artificialmente os preços dos combustíveis, levando não apenas a Petrobras a uma situação delicada do ponto de vista de seu endividamento (limitando assim sua capacidade de investimento) como também, de quebra, desarticulando o setor sucroalcooleiro.
A lista poderia se estender ainda mais, tendo como fator comum a ausência de deliberação da oposição em decisões que, ao final das contas, caíam todas na esfera governamental. Não deve restar dúvida de que há um único responsável pelo desastre econômico em que o país se encontra: o governo federal, sob comando da presidente Dilma Rousseff.
E que não se exima o PT, que apoiou entusiasticamente a política econômica (assim como os keynesianos de quermesse que hoje fingem não ter nada a ver com assunto), mas se opõe ferozmente às tentativas de corrigir a Previdência ou atacar vinculações orçamentárias.
A oposição não é grande coisa, mas há apenas um culpado pela crise: o atual governo, presidente à frente e PT no apoio. O resto é apenas covardia e (mais) mentira para a campanha de 2018.
Crédito: ser ou não ser - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 04/05
Uma das razões da existência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi acabar com a relação promíscua entre o governo e os bancos públicos. O controlador é forte demais, nomeia a diretoria, então normalmente os bancos não cobram dos governantes. Essa era a ideia que levou à formulação do artigo 36 da LRF. A Lei proibiu que houvesse qualquer tipo de operação de crédito entre eles. A história econômica do Brasil derruba a tese de que não há nada de errado com aquela montanha de dinheiro que o governo ficou devendo. Aquilo é, evidentemente, um empréstimo camuflado. Como eram as AROs.
Uma das teses da defesa da presidente Dilma repetida na Comissão de Impeachment pelo professor Ricardo Lodi é que a dívida do governo junto a bancos públicos era inadimplência contratual e não empréstimo. “A Lei de Responsabilidade Fiscal não inventa o que é uma operação de crédito”, disse Lodi, argumentando que um empréstimo é uma transação específica.
As AROs também não eram oficialmente uma operação de crédito, ainda que de fato fossem. Os bancos estaduais, e federais, por financiarem seus controladores, acabaram quebrados. O governo FHC saneou os bancos, federalizou as instituições estaduais, privatizou e propôs a LRF para impedir que novos fatos como aqueles acontecessem com os bancos federais. Esse é o espírito da lei, e o gráfico abaixo derruba totalmente a tese de um simples atraso no contrato. Ele mostra a que ponto se chegou e prova que os atrasos ocorreram também em 2015.
Os advogados que falaram em defesa do governo disseram que nem se deve discutir se houve culpa da presidente porque não houve a ação em si. Os decretos de aumento de despesa teriam seguido uma cadeia hierárquica, e a presidente apenas concordou depois de ouvir os especialistas. “A presidente assinou depois de uma hierarquia de decisões, portanto é uma ação neutra, da qual nem se deve discutir se há dolo ou não”, disse o professor Geraldo Mascarenhas Prado.
Ele deu o exemplo de um dos decretos que é um pedido de aumento de gastos apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça em favor da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Como foi assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, o professor argumenta que o ministro então deveria ser também responsabilizado. O problema é que o chefe do Executivo é que tem a prerrogativa exclusiva de tomar decisão de baixar ou não o decreto.
Os defensores do governo sustentam que os decretos de aumentos de gastos não estouraram a meta porque ela foi alterada no fim do ano. É o princípio da anualidade, dizem. A acusação diz que se no fim do ano for aprovado um número que legaliza todo o estouro ocorrido anteriormente, a meta deixa de fazer sentido.
O ex-presidente da OAB Marcelo Lavanère atribui o impeachment à tentativa da elite de derrubar um “projeto popular” de governo. Os números conspiram contra a tese. A maior parte das pedaladas é transferência de renda aos proprietários de terra ou às grandes empresas através dos empréstimos subsidiados do BB e do BNDES. Respeito às leis fiscais não tem ideologia. É fundamental para qualquer projeto de governo.
Ânimo! Só faltam mais sete dias... - JOSÉ NÊUMANNE
O ESTADÃO - 04/05
Ao contrário do que se imagina e muito se cita em discursos e textos clássicos ou comuns, a matriz do pensamento da esquerda ocidental contemporânea não é mais o comunismo de Marx e Engels nem a teoria da revolução proletária de Lenin. Mas se inspira numa frase do filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Ante a angústia de ter de decidir como viver a própria vida, o ser humano, como fica explícito em sua peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), habitua-se a delegar ao “outro” a responsabilidade pela própria existência. A militância esquerdista, desde a adesão do pai do existencialismo à tirania pós-stalinista do chinês Mao Tsé-tung, assumiu a fraqueza humana como justificativa para as próprias vilezas.
Mesmo não sendo o autor de O Ser e o Nada o melhor exemplo de caráter ilibado, seria injusto conceber que ele possa ser o maior responsável pelo comportamento do lulodilmopetismo na exacerbação amoral e imoral desse raciocínio. Como Lula se orgulha de detestar ler e Dilma tem dificuldade de entender o que ouve, lê e repete, é mais sensato constatar que esse paradigma da apropriação do bem que o outro faz e da responsabilidade deste sobre os próprios delitos é um acréscimo prático às lições de Nicolau Maquiavel aos cruéis príncipes da Florença renascentista. Durante a bonança da primeira gestão Lula, os benéficos resultados da revolução social planejada, gerada, produzida e gerida nas administrações de Itamar Franco e Fernando Henrique foram tratados como “herança maldita”. E os bens causados pelo equilíbrio fiscal e monetário, incluídos no legado “bendito” dopadim dos oprimidos.
Apresentada a conta dos frutos podres desse pomar, onde foram queimados em fogo-fátuo o suor e as lágrimas dos desvalidos, especialmente dos 10,9% de desempregados, hoje eles passam a usar mentiras maledicentes contra quem ouse denunciar seus crimes. E a tratar suas vítimas como cúmplices no que as prejudicaram, forçando-as a perdoá-los.
Acolitada por Lula e repetindo o discurso à Goebbels do marqueteiro João Patinhas Santana, Dilma vendeu o paraíso na terra na campanha pela reeleição, em 2014. Mas desde o primeiro dia do segundo governo iniciou a transferência para os derrotados da própria culpa pelo inferno da maior crise econômica da História. O PT e seus aliados formaram, em 13 anos e quatro meses de desgoverno, uma organização criminosa que esvaziou os cofres da República, feito um Robin Hood às avessas. Assim, a crise moral que assolou as máquinas burocráticas federal e estaduais, roendo as conquistas do Plano Real, a maior revolução social da História, produziu a maior crise econômica de todos os tempos.
Flagrado tapando, de forma ilícita, rombos do Tesouro com saques em aberto em bancos públicos, o bando no poder, sob o comando de madama, cometeu crimes de responsabilidade e tornou o impeachment dela uma urgência para a salvação nacional. Ao longo dos quatro anos do primeiro mandato, ela moeu a maioria no Congresso, herdada do antecessor e padroeiro, com sua inusitada incapacidade de conviver com membros de outros Poderes, gerada no ventre da serpente de seu trato truculento e intolerável com outrem.
Demonstrando enorme desapreço pela Constituição, revelado quando só a assinaram a contragosto, seus correligionários petistas tentaram, em vão, espalhar pelo mundo a hipótese estapafúrdia de que “impeachment sem crime é golpe”. Esse slogan parte de duas mentiras grosseiras: a de que ela é inocente e a da possibilidade de êxito de uma conspiração tramada nos porões (como os da tortura na ditadura militar) por 61% da população, representada por milhões nas ruas, 69% dos deputados federais, 61% dos senadores (conforme revela o placar doEstadão publicado nesta edição) e pela maioria do Supremo Tribunal Federal (STF).
O absurdo, que chacoalha o esqueleto de Aristóteles, não resiste a fatos. Os brasileiros que querem apeá-la do poder são em maior número do que o total dos que nela votaram. A oposição, que ela acusa de culpa pela crise por ter aprovado pautas-bombas que tornaram inviável seu insustentável ajuste (?) fiscal, é minoria insignificante no Congresso. E dos 11 juízes do Supremo, oito foram nomeados por Lula e por ela.
A insistência com que sua defesa mente tira a harmonia do samba de uma nota só do “golpe”. José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, de fato seu causídico pessoal, já arengou tanto no Congresso, no STF e na “mídia” que merece uma citação no Guinness como o mais loquaz camicase na história dos “golpes”.
Não só de acusações à oposição sobrevive sem governar o atual desgoverno. Quem não apoia tal desvario tem sido açoitado no pelourinho petralha. A professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Janaína Paschoal teve de explicar à “bancada do chororô” na comissão de impeachment no Senado por que defendeu um procurador que bateu na mulher. Seus detratores, que ainda a acusaram de ser “tucana”, não refutaram um só argumento válido à acusação por ela lida. Nem se lembraram da sentença romana de que acusados devem gozar da presunção de inocência, tão citada pelo PT para defender cúmplices na roubalheira.
Na dita sessão, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, chamou os brasileiros de caloteiros, ao perguntar quem nunca deixou de pagar uma conta, ousando comparar a irresponsabilidade da chefona com o estado de extrema necessidade do desempregado que não consegue manter o crédito na praça porque perdeu o salário. Ocupada em contar reses, não sabe que ninguém entende mais de crédito do que o pobre, incapaz de sobreviver sem ele.
Contra tantas ignomínias, com as quais Sartre nada tem que ver, há uma salvação: o emprego de Dilma e o protagonismo de seu partido estão a sete dias do fim anunciado. Amém!
Ao contrário do que se imagina e muito se cita em discursos e textos clássicos ou comuns, a matriz do pensamento da esquerda ocidental contemporânea não é mais o comunismo de Marx e Engels nem a teoria da revolução proletária de Lenin. Mas se inspira numa frase do filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Ante a angústia de ter de decidir como viver a própria vida, o ser humano, como fica explícito em sua peça Huis Clos (Entre Quatro Paredes), habitua-se a delegar ao “outro” a responsabilidade pela própria existência. A militância esquerdista, desde a adesão do pai do existencialismo à tirania pós-stalinista do chinês Mao Tsé-tung, assumiu a fraqueza humana como justificativa para as próprias vilezas.
Mesmo não sendo o autor de O Ser e o Nada o melhor exemplo de caráter ilibado, seria injusto conceber que ele possa ser o maior responsável pelo comportamento do lulodilmopetismo na exacerbação amoral e imoral desse raciocínio. Como Lula se orgulha de detestar ler e Dilma tem dificuldade de entender o que ouve, lê e repete, é mais sensato constatar que esse paradigma da apropriação do bem que o outro faz e da responsabilidade deste sobre os próprios delitos é um acréscimo prático às lições de Nicolau Maquiavel aos cruéis príncipes da Florença renascentista. Durante a bonança da primeira gestão Lula, os benéficos resultados da revolução social planejada, gerada, produzida e gerida nas administrações de Itamar Franco e Fernando Henrique foram tratados como “herança maldita”. E os bens causados pelo equilíbrio fiscal e monetário, incluídos no legado “bendito” dopadim dos oprimidos.
Apresentada a conta dos frutos podres desse pomar, onde foram queimados em fogo-fátuo o suor e as lágrimas dos desvalidos, especialmente dos 10,9% de desempregados, hoje eles passam a usar mentiras maledicentes contra quem ouse denunciar seus crimes. E a tratar suas vítimas como cúmplices no que as prejudicaram, forçando-as a perdoá-los.
Acolitada por Lula e repetindo o discurso à Goebbels do marqueteiro João Patinhas Santana, Dilma vendeu o paraíso na terra na campanha pela reeleição, em 2014. Mas desde o primeiro dia do segundo governo iniciou a transferência para os derrotados da própria culpa pelo inferno da maior crise econômica da História. O PT e seus aliados formaram, em 13 anos e quatro meses de desgoverno, uma organização criminosa que esvaziou os cofres da República, feito um Robin Hood às avessas. Assim, a crise moral que assolou as máquinas burocráticas federal e estaduais, roendo as conquistas do Plano Real, a maior revolução social da História, produziu a maior crise econômica de todos os tempos.
Flagrado tapando, de forma ilícita, rombos do Tesouro com saques em aberto em bancos públicos, o bando no poder, sob o comando de madama, cometeu crimes de responsabilidade e tornou o impeachment dela uma urgência para a salvação nacional. Ao longo dos quatro anos do primeiro mandato, ela moeu a maioria no Congresso, herdada do antecessor e padroeiro, com sua inusitada incapacidade de conviver com membros de outros Poderes, gerada no ventre da serpente de seu trato truculento e intolerável com outrem.
Demonstrando enorme desapreço pela Constituição, revelado quando só a assinaram a contragosto, seus correligionários petistas tentaram, em vão, espalhar pelo mundo a hipótese estapafúrdia de que “impeachment sem crime é golpe”. Esse slogan parte de duas mentiras grosseiras: a de que ela é inocente e a da possibilidade de êxito de uma conspiração tramada nos porões (como os da tortura na ditadura militar) por 61% da população, representada por milhões nas ruas, 69% dos deputados federais, 61% dos senadores (conforme revela o placar doEstadão publicado nesta edição) e pela maioria do Supremo Tribunal Federal (STF).
O absurdo, que chacoalha o esqueleto de Aristóteles, não resiste a fatos. Os brasileiros que querem apeá-la do poder são em maior número do que o total dos que nela votaram. A oposição, que ela acusa de culpa pela crise por ter aprovado pautas-bombas que tornaram inviável seu insustentável ajuste (?) fiscal, é minoria insignificante no Congresso. E dos 11 juízes do Supremo, oito foram nomeados por Lula e por ela.
A insistência com que sua defesa mente tira a harmonia do samba de uma nota só do “golpe”. José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, de fato seu causídico pessoal, já arengou tanto no Congresso, no STF e na “mídia” que merece uma citação no Guinness como o mais loquaz camicase na história dos “golpes”.
Não só de acusações à oposição sobrevive sem governar o atual desgoverno. Quem não apoia tal desvario tem sido açoitado no pelourinho petralha. A professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Janaína Paschoal teve de explicar à “bancada do chororô” na comissão de impeachment no Senado por que defendeu um procurador que bateu na mulher. Seus detratores, que ainda a acusaram de ser “tucana”, não refutaram um só argumento válido à acusação por ela lida. Nem se lembraram da sentença romana de que acusados devem gozar da presunção de inocência, tão citada pelo PT para defender cúmplices na roubalheira.
Na dita sessão, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, chamou os brasileiros de caloteiros, ao perguntar quem nunca deixou de pagar uma conta, ousando comparar a irresponsabilidade da chefona com o estado de extrema necessidade do desempregado que não consegue manter o crédito na praça porque perdeu o salário. Ocupada em contar reses, não sabe que ninguém entende mais de crédito do que o pobre, incapaz de sobreviver sem ele.
Contra tantas ignomínias, com as quais Sartre nada tem que ver, há uma salvação: o emprego de Dilma e o protagonismo de seu partido estão a sete dias do fim anunciado. Amém!
Nada favorável - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 04/05
A situação não está tranquila nem favorável para o ex- presidente Lula. Denunciado pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot, como o verdadeiro chefe do esquema de corrupção da Petrobras, ele também está em outro processo, sobre obstrução da Justiça, e o pedido de prisão feito pelos procuradores do Ministério Público de São Paulo, devido ao processo sobre o tríplex do Guarujá, finalmente chegou ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
Caberá ao ministro do Supremo Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no STF, decidir que processos ficarão com a primeira instância em Curitiba e os que continuarão no Supremo, mesmo Lula não tendo foro privilegiado.
Todos os processos sobre Lula estão no STF “por conexão”, já que muitos dos envolvidos têm foro privilegiado, e até mesmo a presidente Dilma está envolvida, no caso da obstrução da Justiça.
O mais provável é que o Supremo fique com este e mais o do Lava- Jato, e mande para Moro o processo sobre o tríplex do Guarujá. Os componentes da Lava- Jato estavam investigando também os indícios de lavagem de dinheiro e ocultação de bens em relação não apenas ao tríplex do Guarujá, mas também ao sítio de Atibaia, e deve ser este o primeiro indiciamento contra Lula, sem que necessariamente ele seja preso num primeiro momento.
Custou, mas, afinal, as condições políticas necessárias para denunciar o ex- presidente Lula como o verdadeiro chefe da organização criminosa que atua à sombra do Planalto foram alcançadas.
O que não foi possível fazer em 2007, quando 40 pessoas ligadas ao governo petista tornaram- se réus de processo criminal no STF, sem que o então presidente Lula fosse sequer citado, desta vez Janot não poupou palavras agora em sua denúncia.
Segundo ele, a organização criminosa na Petrobras “jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva dela participasse”.
Como já é consenso entre os investigadores que o mensalão nada mais foi do que uma parte do petrolão, que continuou vigorando mesmo depois que o primeiro esquema foi desvendado e seus cabeças foram para a prisão, conclui- se que a Justiça brasileira levou mais de dez anos para poder identificar Lula como o verdadeiro chefe do esquema, o que era fácil presumir desde o início.
A organização criminosa, segundo Janot, era verticalizada, o que quer dizer que Lula comandava o esquema de cima e, mesmo fora do governo, fez “articulações espúrias” para interferir na Operação Lava- Jato.
Os diálogos interceptados com autorização judicial não deixam dúvidas, para o procurador- geral da República, de que o ex- presidente Lula manteve o controle das decisões mais relevantes. Ao citar entre as ações “espúrias” a nomeação de Lula como chefe da Casa Civil, Rodrigo Janot dá indicações claras de que também denunciará a presidente Dilma Rousseff, pois, além da gravação com a combinação sobre o termo de posse, há também a acusação do ainda senador Delcídio do Amaral de que a presidente pediu sua ajuda para tentar tirar da cadeia os presidentes das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez.
O ex- presidente Lula também está sendo acusado de tramar o esquema para comprar o silêncio do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme Delcídio alegou depois de ter sido preso devido à gravação feita pelo filho de Cerveró.
Como Janot incluiu nas denúncias todos aqueles que Delcídio inculpou em sua delação premiada, é previsível que em breve também a presidente Dilma estará sendo denunciada.
O outro Odebrecht
As negociações para a delação premiada da empreiteira Odebrecht seguem em bons termos em Curitiba, mas não é Marcelo Odebrecht quem está à frente, e, sim, seu pai, Emílio Odebrecht. A ideia central é salvar a empresa.
A situação não está tranquila nem favorável para o ex- presidente Lula. Denunciado pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot, como o verdadeiro chefe do esquema de corrupção da Petrobras, ele também está em outro processo, sobre obstrução da Justiça, e o pedido de prisão feito pelos procuradores do Ministério Público de São Paulo, devido ao processo sobre o tríplex do Guarujá, finalmente chegou ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba.
Caberá ao ministro do Supremo Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no STF, decidir que processos ficarão com a primeira instância em Curitiba e os que continuarão no Supremo, mesmo Lula não tendo foro privilegiado.
Todos os processos sobre Lula estão no STF “por conexão”, já que muitos dos envolvidos têm foro privilegiado, e até mesmo a presidente Dilma está envolvida, no caso da obstrução da Justiça.
O mais provável é que o Supremo fique com este e mais o do Lava- Jato, e mande para Moro o processo sobre o tríplex do Guarujá. Os componentes da Lava- Jato estavam investigando também os indícios de lavagem de dinheiro e ocultação de bens em relação não apenas ao tríplex do Guarujá, mas também ao sítio de Atibaia, e deve ser este o primeiro indiciamento contra Lula, sem que necessariamente ele seja preso num primeiro momento.
Custou, mas, afinal, as condições políticas necessárias para denunciar o ex- presidente Lula como o verdadeiro chefe da organização criminosa que atua à sombra do Planalto foram alcançadas.
O que não foi possível fazer em 2007, quando 40 pessoas ligadas ao governo petista tornaram- se réus de processo criminal no STF, sem que o então presidente Lula fosse sequer citado, desta vez Janot não poupou palavras agora em sua denúncia.
Segundo ele, a organização criminosa na Petrobras “jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva dela participasse”.
Como já é consenso entre os investigadores que o mensalão nada mais foi do que uma parte do petrolão, que continuou vigorando mesmo depois que o primeiro esquema foi desvendado e seus cabeças foram para a prisão, conclui- se que a Justiça brasileira levou mais de dez anos para poder identificar Lula como o verdadeiro chefe do esquema, o que era fácil presumir desde o início.
A organização criminosa, segundo Janot, era verticalizada, o que quer dizer que Lula comandava o esquema de cima e, mesmo fora do governo, fez “articulações espúrias” para interferir na Operação Lava- Jato.
Os diálogos interceptados com autorização judicial não deixam dúvidas, para o procurador- geral da República, de que o ex- presidente Lula manteve o controle das decisões mais relevantes. Ao citar entre as ações “espúrias” a nomeação de Lula como chefe da Casa Civil, Rodrigo Janot dá indicações claras de que também denunciará a presidente Dilma Rousseff, pois, além da gravação com a combinação sobre o termo de posse, há também a acusação do ainda senador Delcídio do Amaral de que a presidente pediu sua ajuda para tentar tirar da cadeia os presidentes das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez.
O ex- presidente Lula também está sendo acusado de tramar o esquema para comprar o silêncio do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, conforme Delcídio alegou depois de ter sido preso devido à gravação feita pelo filho de Cerveró.
Como Janot incluiu nas denúncias todos aqueles que Delcídio inculpou em sua delação premiada, é previsível que em breve também a presidente Dilma estará sendo denunciada.
O outro Odebrecht
As negociações para a delação premiada da empreiteira Odebrecht seguem em bons termos em Curitiba, mas não é Marcelo Odebrecht quem está à frente, e, sim, seu pai, Emílio Odebrecht. A ideia central é salvar a empresa.
Sobre cuspe e fezes - RODRIGO CRAVEIRO
CORREIO BRAZILIENSE - 04/05
Existe atitude mais baixa e repugnante do que uma cusparada em alguém? Ainda mais por discordar de suas opiniões. A cena envolvendo dois deputados, no último dia 17, foi replicada por petistas e por opositores de Jair Bolsonaro, o alvo da saliva armada. Dias depois, um ator global renomado cuspiu em opositores do Partido dos Trabalhadores (PT). Sentiu-se ofendido, mas perdeu toda e qualquer razão.
Como no Brasil muitos têm criatividade de menos, o "cuspe politizado" virou modismo. Manifestantes reunidos diante do prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e sentados do alto de seus banquinhos miravam saliva - e, pasmem, forçavam o vômito - nas fotos de políticos pelos quais sentiam antipatia. O cúmulo da falta do senso de ridículo e da bizarrice ficou por conta de uma mulher que se agachou sobre uma imagem de Bolsonaro, urinou e defecou nela em via pública, também diante do vão do Masp. O pior: ainda foi aplaudida por outros ativistas.
Quem cospe, vomita e defeca na suposta intolerância se mostra tão ou mais intolerante do que o pretenso alvo. Tal demonstração escatológica revela que o grotesco e a ofensa tomaram lugar do debate inteligente e civilizado. Como querer defender seus ideais e pensamentos com fezes e cuspe? Como desejar ser respeitado e ouvido transgredindo-se os limites do bom senso e do razoável? Como exigir padrões mais altos de políticos se alguns eleitores se mostram extremamente rasteiros?
Não vejo nenhum ato político nos gestos do deputado, que se diz defensor da diversidade, e da "ativista" que defeca em via pública. Na minha opinião, isso não tem outro termo a não ser uma retumbante falta de educação. Tais imagens envergonham a nação e nos fazem questionar se não fazemos por merecer a estirpe que governa nosso destino. Também fomentam o ódio e a irracionalidade, em um momento em que qualquer fagulha pode provocar uma explosão.
O direito à livre manifestação é considerado sagrado e está resguardado pela Constituição. Sair às ruas e exigir mudanças, como o fim da corrupção, é algo imperioso. Desde que o protesto não seja ofensivo, não ameace a ordem pública e nem transgrida a ética e a moral. Cuspe e fezes em nada acrescentam ao debate político, apenas contribuem para a vilania, a falta de argumentos inteligentes e o extremismo.
Existe atitude mais baixa e repugnante do que uma cusparada em alguém? Ainda mais por discordar de suas opiniões. A cena envolvendo dois deputados, no último dia 17, foi replicada por petistas e por opositores de Jair Bolsonaro, o alvo da saliva armada. Dias depois, um ator global renomado cuspiu em opositores do Partido dos Trabalhadores (PT). Sentiu-se ofendido, mas perdeu toda e qualquer razão.
Como no Brasil muitos têm criatividade de menos, o "cuspe politizado" virou modismo. Manifestantes reunidos diante do prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e sentados do alto de seus banquinhos miravam saliva - e, pasmem, forçavam o vômito - nas fotos de políticos pelos quais sentiam antipatia. O cúmulo da falta do senso de ridículo e da bizarrice ficou por conta de uma mulher que se agachou sobre uma imagem de Bolsonaro, urinou e defecou nela em via pública, também diante do vão do Masp. O pior: ainda foi aplaudida por outros ativistas.
Quem cospe, vomita e defeca na suposta intolerância se mostra tão ou mais intolerante do que o pretenso alvo. Tal demonstração escatológica revela que o grotesco e a ofensa tomaram lugar do debate inteligente e civilizado. Como querer defender seus ideais e pensamentos com fezes e cuspe? Como desejar ser respeitado e ouvido transgredindo-se os limites do bom senso e do razoável? Como exigir padrões mais altos de políticos se alguns eleitores se mostram extremamente rasteiros?
Não vejo nenhum ato político nos gestos do deputado, que se diz defensor da diversidade, e da "ativista" que defeca em via pública. Na minha opinião, isso não tem outro termo a não ser uma retumbante falta de educação. Tais imagens envergonham a nação e nos fazem questionar se não fazemos por merecer a estirpe que governa nosso destino. Também fomentam o ódio e a irracionalidade, em um momento em que qualquer fagulha pode provocar uma explosão.
O direito à livre manifestação é considerado sagrado e está resguardado pela Constituição. Sair às ruas e exigir mudanças, como o fim da corrupção, é algo imperioso. Desde que o protesto não seja ofensivo, não ameace a ordem pública e nem transgrida a ética e a moral. Cuspe e fezes em nada acrescentam ao debate político, apenas contribuem para a vilania, a falta de argumentos inteligentes e o extremismo.
A farra petista no Fies - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 04/05
Proposta de subir renda para acesso ao Fies é fim de feira e favorece empresários. O comissário Aloizio Mercadante anunciou que o Ministério da Educação estuda a elevação, de 2,5 para 3,5 salários- mínimos ( de R$ 2.200 para R$ 3.080), do teto de renda familiar para o acesso de jovens ao financiamento público de seus cursos universitários. É uma proposta desonesta, baseada em argumentos falsos, destinada a beneficiar empresários afortunados.
A proposta é desonesta porque se a elevação do teto fosse necessária, o comissário deveria ter começado os estudos em janeiro de 2012, quando assumiu o Ministério da Educação pela primeira vez. Se o doutor quer estudar, tudo bem. Se resolver tomar a medida no ocaso de um governo, trata- se de puro fim de feira.
O tema carrega argumentos falsos porque, segundo o governo, há “vagas remanescentes” nas faculdades privadas. Nas palavras de Mercadante, “houve uma frustração, uma oferta muito superior à demanda”. Na conta das empresas que operam nesse mercado, seriam 140 mil as tais “vagas remanescentes”. Assim como um vendedor de berinjelas fecha a feira sem vender todos os seus legumes, os donos de faculdades privadas ofereceram vagas em suas escolas e não tiveram compradores ao preço que pediam. São apenas vagas ociosas em seus empreendimentos; o Fundo de Financiamento Estudantil, Fies, não tem nada a ver com isso.
Dizer que há “vagas remanescentes” no Fies é o mesmo que dizer que há BMWs remanescentes numa concessionária. O Fies não gera vagas, gera financiamentos, e em 2014 eles chegaram a R$ 14 bilhões. Nessa época de vacas burras, um aluno tirava zero em redação e conseguia o empréstimo. Esse foi um dos poucos erros admitidos por Dilma Rousseff, depois de tê- lo corrigido.
A maior parte das faculdades privadas pertence a grupos empresariais abonados, muitos deles com ações na Bolsa de Valores. No ano passado, o Anhanguera- Kroton recebeu do Fies R$ 947 milhões, desbancando todas as outras empresas do setor privado. Arrecadou mais que todas as empreiteiras juntas.
O dinheiro do Fies não encolheu. O que o governo fez, com toda a razão, foi condicionar o acesso aos financiamentos, obrigando as faculdades e os estudantes a mostrar desempenho. À época, o doutor Gabriel Mario Rodrigues, atual presidente do conselho do grupo Kroton, combateu a ideia, chamando-a de “uma cagada”.
A exigência do desempenho limitou o acesso à bolsa da Viúva, fechando a torneira com a qual as faculdades se empanturravam de bolsistas, livrando-se da inadimplência do setor. As escolas estimularam a migração de seus alunos para o Fies. Achou- se uma faculdade em São Caetano do Sul que tinha 1.272 alunos, mas só quatro pagavam suas mensalidades.
O que poderia ser um problema gerou uma solução e surgiu um mercado de financiamentos privados. Cobra juros mais altos e quer fiador confiável, uma condição que o filtro do Fies despreza. Em apenas um ano, ele quintuplicou e concedeu 180 mil créditos.
Em tese, o teto da renda familiar de R$ 3.080 pode ser razoável, mas adotálo em fim de governo com argumentos falsos para tirar da cena as pessoas jurídicas imediatamente beneficiadas é um truque de má qualidade. Se Mercadante disser aos empresários interessados que só poderá decidir no segundo semestre, eles não poderão se zangar.
Proposta de subir renda para acesso ao Fies é fim de feira e favorece empresários. O comissário Aloizio Mercadante anunciou que o Ministério da Educação estuda a elevação, de 2,5 para 3,5 salários- mínimos ( de R$ 2.200 para R$ 3.080), do teto de renda familiar para o acesso de jovens ao financiamento público de seus cursos universitários. É uma proposta desonesta, baseada em argumentos falsos, destinada a beneficiar empresários afortunados.
A proposta é desonesta porque se a elevação do teto fosse necessária, o comissário deveria ter começado os estudos em janeiro de 2012, quando assumiu o Ministério da Educação pela primeira vez. Se o doutor quer estudar, tudo bem. Se resolver tomar a medida no ocaso de um governo, trata- se de puro fim de feira.
O tema carrega argumentos falsos porque, segundo o governo, há “vagas remanescentes” nas faculdades privadas. Nas palavras de Mercadante, “houve uma frustração, uma oferta muito superior à demanda”. Na conta das empresas que operam nesse mercado, seriam 140 mil as tais “vagas remanescentes”. Assim como um vendedor de berinjelas fecha a feira sem vender todos os seus legumes, os donos de faculdades privadas ofereceram vagas em suas escolas e não tiveram compradores ao preço que pediam. São apenas vagas ociosas em seus empreendimentos; o Fundo de Financiamento Estudantil, Fies, não tem nada a ver com isso.
Dizer que há “vagas remanescentes” no Fies é o mesmo que dizer que há BMWs remanescentes numa concessionária. O Fies não gera vagas, gera financiamentos, e em 2014 eles chegaram a R$ 14 bilhões. Nessa época de vacas burras, um aluno tirava zero em redação e conseguia o empréstimo. Esse foi um dos poucos erros admitidos por Dilma Rousseff, depois de tê- lo corrigido.
A maior parte das faculdades privadas pertence a grupos empresariais abonados, muitos deles com ações na Bolsa de Valores. No ano passado, o Anhanguera- Kroton recebeu do Fies R$ 947 milhões, desbancando todas as outras empresas do setor privado. Arrecadou mais que todas as empreiteiras juntas.
O dinheiro do Fies não encolheu. O que o governo fez, com toda a razão, foi condicionar o acesso aos financiamentos, obrigando as faculdades e os estudantes a mostrar desempenho. À época, o doutor Gabriel Mario Rodrigues, atual presidente do conselho do grupo Kroton, combateu a ideia, chamando-a de “uma cagada”.
A exigência do desempenho limitou o acesso à bolsa da Viúva, fechando a torneira com a qual as faculdades se empanturravam de bolsistas, livrando-se da inadimplência do setor. As escolas estimularam a migração de seus alunos para o Fies. Achou- se uma faculdade em São Caetano do Sul que tinha 1.272 alunos, mas só quatro pagavam suas mensalidades.
O que poderia ser um problema gerou uma solução e surgiu um mercado de financiamentos privados. Cobra juros mais altos e quer fiador confiável, uma condição que o filtro do Fies despreza. Em apenas um ano, ele quintuplicou e concedeu 180 mil créditos.
Em tese, o teto da renda familiar de R$ 3.080 pode ser razoável, mas adotálo em fim de governo com argumentos falsos para tirar da cena as pessoas jurídicas imediatamente beneficiadas é um truque de má qualidade. Se Mercadante disser aos empresários interessados que só poderá decidir no segundo semestre, eles não poderão se zangar.
Malícia ou civismo - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 04/05
As condições impostas pelo PSDB para integrar um eventual governo de Michel Temer (PMDB), reunidas num programa que o partido chama de “princípios e valores para um novo Brasil”, indicam que os tucanos continuam a fazer cálculos eleitoreiros no momento em que, diante da gravidade da crise, é urgente a união das forças políticas interessadas em primeiro lugar na salvação nacional.
O programa tucano lembra a agenda de Juscelino Kubitschek, presidente cujo grande slogan de administração era “50 anos em 5”. O nome mais apropriado para o documento do PSDB seria “50 anos em 2”, pois, no curtíssimo período do provável governo de Temer, os tucanos exigem que se realizem todas as reformas que nem eles foram capazes de fazer ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Quase todos os pontos apresentados pelo PSDB são exatamente aqueles defendidos pela maioria absoluta dos brasileiros razoavelmente bem informados. Não se trata, portanto, de questionar o conteúdo das reivindicações tucanas, perfeitamente legítimas, e sim de criticar o modo e o momento de sua apresentação.
Aliás, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, parece não saber muito bem o que quer para si, para seu partido e para o País. Num único momento, ele diz temer que o futuro governo se “pareça” com o de Dilma Rousseff – o que é uma declaração de guerra a Michel Temer –, mas também que “confiamos no presidente Michel Temer, na sua capacidade de dar ao Brasil de novo esperança”. Um mínimo de firmeza de propósitos não faria mal a ninguém nesse momento.
A lista de exigências tucanas é tão extensa quanto inexequível. Logo de saída, cobra de Temer a liderança de uma reforma política “que busque garantir máxima legitimidade e representatividade aos eleitos”, com a imposição de cláusula de desempenho eleitoral mínimo, voto distrital misto e o fim das coligações proporcionais. Não está claro como se encaminhará essa reforma, que certamente encontrará forte rejeição do Congresso.
O PSDB também cobra o “combate incessante ao fisiologismo e à ocupação do Estado por pessoas sem critérios de competência”. No momento em que Temer monta seu futuro Ministério procurando acomodar as forças políticas que lhe prometem apoio, numa negociação em que certamente os critérios técnicos ficam em segundo plano, a exigência tucana é uma clara forma de se desvincular de um governo que faz o possível para escapar do toma lá dá cá em vigor na política nacional, e não pode fazer mais que isso, até porque não conta com o apoio indispensável das forças políticas que proclamam sua própria retidão.
Além disso, o PSDB diz que “é imperativo que o novo governo proponha, em regime de urgência, uma agenda de reformas estruturais que criem condições para que o Brasil volte a ser um país competitivo, com melhores condições de gerar emprego, renda e bem-estar para as pessoas, e com equilíbrio nas contas públicas”. É o que todo o País anseia, mas, do modo como está no documento, os tucanos consideram que tal iniciativa cabe apenas ao “novo governo”, do qual o PSDB não se sente parte.
Esse descompromisso fica ainda mais evidente nos trechos em que os tucanos cobram que o Executivo apresente “nos primeiros 60 dias do novo governo” uma “proposta de simplificação radical da carga tributária”. O mesmo tom de ultimato é dado em relação à apresentação de medidas “para a recuperação do equilíbrio das contas públicas”. Nesse caso, o PSDB deu “no máximo 30 dias”. Não está claro o que os tucanos pretendem fazer se essas medidas não forem apresentadas no prazo exigido. Agem como se o País não atravessasse a mais grave crise fiscal vista por esta geração.
O PSDB defende ainda o “combate irrestrito à corrupção”, com garantia de continuidade da Lava Jato. Nem deveria haver dúvida sobre isso.
O documento parece ser feito unicamente para marcar posição eleitoral. Ao cobrar de Temer que se comprometa a realizar nos próximos dois anos tudo o que não foi feito nas últimas décadas, o PSDB cria desde já uma “porta de saída” caso seja necessário desembarcar de um governo eventualmente fracassado. Política se faz ou com malícia ou com legítimo espírito cívico. As lideranças do PSDB precisam se decidir sobre o caminho a trilhar.
As condições impostas pelo PSDB para integrar um eventual governo de Michel Temer (PMDB), reunidas num programa que o partido chama de “princípios e valores para um novo Brasil”, indicam que os tucanos continuam a fazer cálculos eleitoreiros no momento em que, diante da gravidade da crise, é urgente a união das forças políticas interessadas em primeiro lugar na salvação nacional.
O programa tucano lembra a agenda de Juscelino Kubitschek, presidente cujo grande slogan de administração era “50 anos em 5”. O nome mais apropriado para o documento do PSDB seria “50 anos em 2”, pois, no curtíssimo período do provável governo de Temer, os tucanos exigem que se realizem todas as reformas que nem eles foram capazes de fazer ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Quase todos os pontos apresentados pelo PSDB são exatamente aqueles defendidos pela maioria absoluta dos brasileiros razoavelmente bem informados. Não se trata, portanto, de questionar o conteúdo das reivindicações tucanas, perfeitamente legítimas, e sim de criticar o modo e o momento de sua apresentação.
Aliás, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, parece não saber muito bem o que quer para si, para seu partido e para o País. Num único momento, ele diz temer que o futuro governo se “pareça” com o de Dilma Rousseff – o que é uma declaração de guerra a Michel Temer –, mas também que “confiamos no presidente Michel Temer, na sua capacidade de dar ao Brasil de novo esperança”. Um mínimo de firmeza de propósitos não faria mal a ninguém nesse momento.
A lista de exigências tucanas é tão extensa quanto inexequível. Logo de saída, cobra de Temer a liderança de uma reforma política “que busque garantir máxima legitimidade e representatividade aos eleitos”, com a imposição de cláusula de desempenho eleitoral mínimo, voto distrital misto e o fim das coligações proporcionais. Não está claro como se encaminhará essa reforma, que certamente encontrará forte rejeição do Congresso.
O PSDB também cobra o “combate incessante ao fisiologismo e à ocupação do Estado por pessoas sem critérios de competência”. No momento em que Temer monta seu futuro Ministério procurando acomodar as forças políticas que lhe prometem apoio, numa negociação em que certamente os critérios técnicos ficam em segundo plano, a exigência tucana é uma clara forma de se desvincular de um governo que faz o possível para escapar do toma lá dá cá em vigor na política nacional, e não pode fazer mais que isso, até porque não conta com o apoio indispensável das forças políticas que proclamam sua própria retidão.
Além disso, o PSDB diz que “é imperativo que o novo governo proponha, em regime de urgência, uma agenda de reformas estruturais que criem condições para que o Brasil volte a ser um país competitivo, com melhores condições de gerar emprego, renda e bem-estar para as pessoas, e com equilíbrio nas contas públicas”. É o que todo o País anseia, mas, do modo como está no documento, os tucanos consideram que tal iniciativa cabe apenas ao “novo governo”, do qual o PSDB não se sente parte.
Esse descompromisso fica ainda mais evidente nos trechos em que os tucanos cobram que o Executivo apresente “nos primeiros 60 dias do novo governo” uma “proposta de simplificação radical da carga tributária”. O mesmo tom de ultimato é dado em relação à apresentação de medidas “para a recuperação do equilíbrio das contas públicas”. Nesse caso, o PSDB deu “no máximo 30 dias”. Não está claro o que os tucanos pretendem fazer se essas medidas não forem apresentadas no prazo exigido. Agem como se o País não atravessasse a mais grave crise fiscal vista por esta geração.
O PSDB defende ainda o “combate irrestrito à corrupção”, com garantia de continuidade da Lava Jato. Nem deveria haver dúvida sobre isso.
O documento parece ser feito unicamente para marcar posição eleitoral. Ao cobrar de Temer que se comprometa a realizar nos próximos dois anos tudo o que não foi feito nas últimas décadas, o PSDB cria desde já uma “porta de saída” caso seja necessário desembarcar de um governo eventualmente fracassado. Política se faz ou com malícia ou com legítimo espírito cívico. As lideranças do PSDB precisam se decidir sobre o caminho a trilhar.
A falácia da defesa dos gastos sociais pelo PT - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 04/05
A irresponsabilidade fiscal, assumida em nome do combate à pobreza, termina levando o próprio governo a fazer o que não gostaria: a reduzir estas mesmas despesas

Acuada no Palácio do Planalto enquanto avança a tramitação do pedido de seu impeachment no Senado, a presidente Dilma não deixaria passar o 1º de Maio sem se defender.
Foi à concentração da CUT em São Paulo e, sem ter ao lado o ex-presidente Lula, seu mentor, ausente por uma alegada afonia, Dilma repetiu o mantra do “golpe” — cujo efeito se circunscreve cada vez mais à militância —, e fez, num gesto populista, o anúncio de bondades com recursos de um Tesouro quebrado.
O aumento médio de 9% do Bolsa Família, mais 25% mil moradias no Minha Casa Minha, e o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física realizados na conjuntura em que se encontra o país, com um déficit público recorde próximo de 10% do PIB, reafirmam o que já se sabe há tempos: o descompromisso de Dilma com a responsabilidade fiscal. Tanto que o país se encontra em péssima situação, e ela poderá ser afastada do cargo, pelo Senado, na semana que vem.
Muito eficiente em agitação e propaganda, o hegemonista PT buscou se apropriar do discurso da defesa das despesas sociais, existentes no país há muito tempo. Mas a prática lulopetista nem sempre foi coerente com este discurso.
Afinal, se existe um fator decisivo para inviabilizar programas sociais, e quaisquer outros, é a própria irresponsabilidade fiscal. Quando, portanto, decidiu não mais seguir regras de prudência na gestão das contas públicas, inclusive em nome dos “pobres”, Lula, no seu segundo governo, e depois Dilma agiam em sentido oposto. Trabalhavam contra os mais necessitados.
Na edição de domingo, O GLOBO, com base em estudo feito pela assessoria técnica do DEM, sobre dados de dotações de 2016 e 2015, identificou cortes, alguns profundos, em vários programas sociais do governo, todos trombeteados na propaganda oficial e partidária como boias de salvação decisivas para milhões de pessoas.
Mesmo a joia da coroa dos programas lulopetistas, o Bolsa Família, não escapou da tesoura: corrigida pela inflação, o orçamento do BF para este ano havia encolhido em 5,5% — antes do reajuste anunciado em 1º de maio.
Apesar do slogan “Pátria Educadora”, criado para o segundo mandato de Dilma, recursos destinados ao setor — por exemplo, Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), verbas para a construção de creches, Pronatec, este para o ensino profissionalizante — foram reduzidos, na contramão do discurso do tudo pelo social, inclusive a irresponsabilidade fiscal.
A análise feita pelo DEM sobre dados oficiais comprova que mesmo um governo comprometido, por motivos políticos, eleitorais e ideológicos, com as despesas sociais não consegue preservá-las se não fizer bem o dever de casa de manter as contas sob controle. Dilma não conseguiu atender a este imperativo, foi obrigada a cortar onde não gostaria de fazê-lo e ainda passou a enfrentar um processo de impeachment.
A irresponsabilidade fiscal, assumida em nome do combate à pobreza, termina levando o próprio governo a fazer o que não gostaria: a reduzir estas mesmas despesas
Acuada no Palácio do Planalto enquanto avança a tramitação do pedido de seu impeachment no Senado, a presidente Dilma não deixaria passar o 1º de Maio sem se defender.
Foi à concentração da CUT em São Paulo e, sem ter ao lado o ex-presidente Lula, seu mentor, ausente por uma alegada afonia, Dilma repetiu o mantra do “golpe” — cujo efeito se circunscreve cada vez mais à militância —, e fez, num gesto populista, o anúncio de bondades com recursos de um Tesouro quebrado.
O aumento médio de 9% do Bolsa Família, mais 25% mil moradias no Minha Casa Minha, e o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física realizados na conjuntura em que se encontra o país, com um déficit público recorde próximo de 10% do PIB, reafirmam o que já se sabe há tempos: o descompromisso de Dilma com a responsabilidade fiscal. Tanto que o país se encontra em péssima situação, e ela poderá ser afastada do cargo, pelo Senado, na semana que vem.
Muito eficiente em agitação e propaganda, o hegemonista PT buscou se apropriar do discurso da defesa das despesas sociais, existentes no país há muito tempo. Mas a prática lulopetista nem sempre foi coerente com este discurso.
Afinal, se existe um fator decisivo para inviabilizar programas sociais, e quaisquer outros, é a própria irresponsabilidade fiscal. Quando, portanto, decidiu não mais seguir regras de prudência na gestão das contas públicas, inclusive em nome dos “pobres”, Lula, no seu segundo governo, e depois Dilma agiam em sentido oposto. Trabalhavam contra os mais necessitados.
Na edição de domingo, O GLOBO, com base em estudo feito pela assessoria técnica do DEM, sobre dados de dotações de 2016 e 2015, identificou cortes, alguns profundos, em vários programas sociais do governo, todos trombeteados na propaganda oficial e partidária como boias de salvação decisivas para milhões de pessoas.
Mesmo a joia da coroa dos programas lulopetistas, o Bolsa Família, não escapou da tesoura: corrigida pela inflação, o orçamento do BF para este ano havia encolhido em 5,5% — antes do reajuste anunciado em 1º de maio.
Apesar do slogan “Pátria Educadora”, criado para o segundo mandato de Dilma, recursos destinados ao setor — por exemplo, Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), verbas para a construção de creches, Pronatec, este para o ensino profissionalizante — foram reduzidos, na contramão do discurso do tudo pelo social, inclusive a irresponsabilidade fiscal.
A análise feita pelo DEM sobre dados oficiais comprova que mesmo um governo comprometido, por motivos políticos, eleitorais e ideológicos, com as despesas sociais não consegue preservá-las se não fizer bem o dever de casa de manter as contas sob controle. Dilma não conseguiu atender a este imperativo, foi obrigada a cortar onde não gostaria de fazê-lo e ainda passou a enfrentar um processo de impeachment.
terça-feira, maio 03, 2016
Um governo de propaganda - KIM KATAGUIRI
FOLHA DE SP - 03/05
O governo de Dilma Rousseff se tornou uma grande campanha eleitoral. Como toda campanha petista, não apresenta nenhuma proposta, mas promove um verdadeiro espetáculo de demonização do adversário. O partido, que chegou ao poder envolto numa falsa aura de honestidade e defesa dos mais pobres –e, uma vez lá, se mostrou corrupto e elitista–, agora tenta renovar a própria mística atacando inimigos imaginários.
Nas eleições de 2014, o PT aterrorizava o eleitorado em suas propagandas, mostrando que o Brasil governado pela oposição seria um país "das elites, do desemprego, da inflação, dos juros altos, dos cortes na Saúde, na Educação e nos programas sociais".
A realidade do segundo governo de Dilma Rousseff reproduz a caricatura que ela fazia dos seus adversários: benesses para grandes bancos e empreiteiras; desemprego de 10,9%; inflação de 10,67%, a maior desde 2002; juros em 14,25%, a maior taxa em quase dez anos; cortes bilionários na Saúde e na Educação –a redução no orçamento de programas sociais pode chegar a 87%.
Agora o PT quer fazer a população acreditar que, num eventual governo de Michel Temer, haveria corrupção institucionalizada e interferências na Operação Lava Jato.
Ora, que ironia! Não foi o próprio PT que transformou a corrupção em método de governo? Que excluiu do próprio dicionário a palavra "democracia" e instaurou a ditadura da propina?
Além disso, segundo a delação do senador Delcídio do Amaral, a própria presidente Dilma interferiu na Operação Lava Jato: teria nomeado Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que este votasse a favor da soltura de Marcelo Odebrecht e de Otávio Marques de Azevedo, além de tentar, junto ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convencer o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a mudar os rumos da operação.
Se nem o PT, que teve mais de 13 anos para aparelhar o Estado e estruturar seu esquema de compra de base parlamentar, foi capaz de acabar com a Operação Lava Jato, como poderia fazê-lo um governo recém-chegado, com um país totalmente quebrado a recuperar, que precisará de amplo apoio do Congresso para sobreviver e que estará sob constante vigilância de uma sociedade que nunca antes priorizou tanto o combate à corrupção?
O PT aprendeu a projetar em seus adversários tudo aquilo que ele mesmo é. O partido o fez em sua ascensão e o está fazendo em sua derrocada. E assim, aos trancos e barrancos, a legenda sobrevive, recebendo na veia doses reforçadas de narrativa financiada por dinheiro público.
Não precisamos de um gigantesco Ministério da Propaganda, precisamos de um governo. A propaganda governista não amedronta. O que dá medo, de verdade, é a realidade que o governo nos impôs.
O governo de Dilma Rousseff se tornou uma grande campanha eleitoral. Como toda campanha petista, não apresenta nenhuma proposta, mas promove um verdadeiro espetáculo de demonização do adversário. O partido, que chegou ao poder envolto numa falsa aura de honestidade e defesa dos mais pobres –e, uma vez lá, se mostrou corrupto e elitista–, agora tenta renovar a própria mística atacando inimigos imaginários.
Nas eleições de 2014, o PT aterrorizava o eleitorado em suas propagandas, mostrando que o Brasil governado pela oposição seria um país "das elites, do desemprego, da inflação, dos juros altos, dos cortes na Saúde, na Educação e nos programas sociais".
A realidade do segundo governo de Dilma Rousseff reproduz a caricatura que ela fazia dos seus adversários: benesses para grandes bancos e empreiteiras; desemprego de 10,9%; inflação de 10,67%, a maior desde 2002; juros em 14,25%, a maior taxa em quase dez anos; cortes bilionários na Saúde e na Educação –a redução no orçamento de programas sociais pode chegar a 87%.
Agora o PT quer fazer a população acreditar que, num eventual governo de Michel Temer, haveria corrupção institucionalizada e interferências na Operação Lava Jato.
Ora, que ironia! Não foi o próprio PT que transformou a corrupção em método de governo? Que excluiu do próprio dicionário a palavra "democracia" e instaurou a ditadura da propina?
Além disso, segundo a delação do senador Delcídio do Amaral, a própria presidente Dilma interferiu na Operação Lava Jato: teria nomeado Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que este votasse a favor da soltura de Marcelo Odebrecht e de Otávio Marques de Azevedo, além de tentar, junto ao então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convencer o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a mudar os rumos da operação.
Se nem o PT, que teve mais de 13 anos para aparelhar o Estado e estruturar seu esquema de compra de base parlamentar, foi capaz de acabar com a Operação Lava Jato, como poderia fazê-lo um governo recém-chegado, com um país totalmente quebrado a recuperar, que precisará de amplo apoio do Congresso para sobreviver e que estará sob constante vigilância de uma sociedade que nunca antes priorizou tanto o combate à corrupção?
O PT aprendeu a projetar em seus adversários tudo aquilo que ele mesmo é. O partido o fez em sua ascensão e o está fazendo em sua derrocada. E assim, aos trancos e barrancos, a legenda sobrevive, recebendo na veia doses reforçadas de narrativa financiada por dinheiro público.
Não precisamos de um gigantesco Ministério da Propaganda, precisamos de um governo. A propaganda governista não amedronta. O que dá medo, de verdade, é a realidade que o governo nos impôs.
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