domingo, março 06, 2011

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Pega geral
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

Anunciada um dia depois da aprovação do salário mínimo, a MP que corrigirá em 4,5% a tabela do Imposto de Renda ainda não foi enviada ao Congresso porque a equipe econômica segue debruçada sobre os números para definir de onde sairão os recursos. Assim como o reajuste do Bolsa Família, a alteração no IR não estava prevista no Orçamento deste ano.
Uma das opções em estudo é avançar na carne do Legislativo e do Judiciário. No próximo dia 20, o governo definirá o valor do contingenciamento nos dois Poderes. Quem acompanha as contas diz que ambos devem esperar por uma bela tesourada.

Exemplo 
Não será fácil para o governo reduzir as viagens ao "essencial", conforme anunciado. Dias atrás, servidora da Secretaria de Políticas para as Mulheres recebeu aval para ir ao Chile assistir a seminário sobre a "feminização da pobreza".

Curto-circuito
Enquanto o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) tenta emplacar Tito Cardoso de Oliveira Neto, diretor de gestão corporativa da Eletronorte, no comando da estatal, seu correligionário Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, trabalha para manter no cargo Josias Matos de Araújo.

Resta um 
Cesar Ribeiro Zani, diretor de Operações, pode ser o único a se salvar da faxina determinada por Dilma Rousseff na cúpula de Furnas. Zani é ligado ao petista Jorge Bittar, atual secretário de Habitação da Prefeitura do Rio de Janeiro. Foi Bittar quem entregou ao governo o dossiê que acabou precipitando a saída de aliados do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da estatal.

Herança maldita
Luiz Fux estreia no Supremo com um acervo de 2.000 processos, resultado da demora do governo em preencher a vaga de Eros Grau. E, como a distribuição ficou paralisada, o novo ministro entrará na Corte recebendo cerca de 700 novos processos por mês, contra 300 dos colegas.

Ilusionismo 1 
Em conversas com tucanos, Gilberto Kassab (DEM) critica Geraldo Alckmin (PSDB) por não entender que seus movimentos em busca de novo partido não visam prejudicá-lo em 2014, antes pelo contrário.

Ilusionismo 2 
Quem ouve, porém, sai com a impressão de que, no caso, não falta esperteza ao governador. É o prefeito que estaria tentando ser esperto demais.

Bancada 
Na disputa pelo controle do PSDB paulistano e premiado pela simpatia de parte dos vereadores tucanos por Kassab, Alckmin está empenhado em construir uma chapa à vereança fortemente identificada com seu grupo. A ideia é turbinar o potencial dos candidatos alckmistas instalando-os em postos estratégicos no governo paulista desde já.

Meio a meio 
Na reaproximação com o Bandeirantes, o PMDB-SP alertou tucanos de que eventual participação no segundo escalão do governo se traduzirá em apoio na Assembleia, mas está dissociada de compromisso eleitoral para 2012. Dirigentes peemedebistas consideram "irreversível" uma composição com o PT na disputa pelas prefeituras.

Puxadinho 
O governo paulista pretende retomar neste ano o Pró-Lar, programa desidratado na gestão Serra que oferece crédito de R$ 5.000 para pequenas reformas de moradias.

Cerco 
A exemplo da campanha antifumo, a Vigilância Sanitária de SP atuará na fiscalização de estabelecimentos que vendem bebida alcoólica para menores.

com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Em vez de cortar na própria carne, o governo continua a transferir o arrocho para o contribuinte. Depois da farra, fala em rigor, mas é só pra inglês ver."
DO DEPUTADO ACM NETO (DEM-BA), sobre a anunciada disposição de reduzir à metade os gastos com viagens, que no primeiro bimestre cresceram 32%.

contraponto

Me chama que eu vou


O exemplo de Gilberto Kassab, que planeja fundar uma legenda apenas para conseguir abandonar o DEM sem ser incomodado pela Justiça, atiça o ânimo dos políticos. Dias atrás, o deputado Sandes Júnior procurou o presidente do PP, Francisco Dornelles, para manifestar descontentamento com os rumos da sigla em Goiás, sua base eleitoral. E ameaçou:
-Se continuar assim, vou pro partido do Kassab!
O veterano senador não se abalou:
-Pra onde você for, eu vou! Me leve com você...

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Mattel quer o Brasil entre os três maiores mercados
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

O novo presidente da Mattel do Brasil, o mexicano Ricardo Ibarra, chegou ao cargo com uma meta "fácil", brinca. "Colocar o Brasil entre os três maiores mercados para a Mattel." Hoje, o Brasil está entre os oito primeiros.
A maior fabricante mundial de brinquedos não revela a exata posição de cada país, mas sabe-se que os EUA estão na liderança.
Para chegar lá, o plano de Ibarra é diversificar ainda mais os produtos da marca.
"Nosso negócio não é só brinquedo." Um rápido olhar pela sala ultracolorida na sede da empresa em São Paulo dá uma ideia da variedade. Roupas, sandálias, estojos, cadernos e até chocolates se misturam a uma infinidade de bonecas e carrinhos.
"A porta de entrada é o brinquedo, mas depois expandimos o leque de produtos com as nossas marcas. Trabalhamos com 60 empresas no Brasil que fazem o que desenvolvemos", diz. "Vendemos 200 milhões de unidades no país, a metade feita aqui. E exportamos daqui até para a Ásia."
O volume de produtos brasileiros tem crescido a dois dígitos ao ano, desde 2005. "Pesquisamos o que a criança quer. Ela é parecida no mundo todo; mudam os canais de distribuição."
O resultado das vendas brutas ao consumidor em 2010 no país foi de R$ 1,5 bilhão. "E o pagamento de impostos, cerca de R$ 650 milhões ao ano", números que a empresa não costumava divulgar antes da posse do novo presidente.

O QUE ESTOU LENDO
Steven W. McLaughlin, pró-reitor do Georgia Institute of Technology (EUA)

O pró-reitor do Georgia Institute of Technology (EUA), Steven W. McLaughlin, lê "How: Why How We Do Anything Means Everything... in Business (and in Life)", de Dov Seidman -na versão em português, da editora DVS, o livro se chama "Como: Por Que o Como Fazer Algo Significa Tudo... nos Negócios (e na Vida)".
"É uma abordagem inovadora que coloca a liderança em torno da ideia de que o mundo de hoje é hipertransparente e "como" você age é mais importante do que nunca. Uma leitura muito inspiradora", diz McLaugh- lin, da maior escola de engenharia dos EUA.

COM OBAMAUm total de 300 executivos, 150 CEOs americanos e 150 CEOs brasileiros, estarão reunidos em Brasília, no próximo dia 19, durante a visita do presidente Barack Obama ao Brasil.
O evento está sendo coordenado pelo Itamaraty, pela CNI, pela Casa Branca e pela US Chamber.
Durante o encontro, haverá painéis sobre infraestrutura, energia e crescimento sustentável no Brasil. A economia americana e as relações bilaterais também estarão na pauta.
O encontro será encerrado com uma palestra de cerca de 45 minutos do próprio presidente dos EUA.
Os convites serão enviados pela US Chamber.

VÍTIMA DA COLEÇÃO
A coleção de 850 corujas na sala do publicitário começou por acaso. Foi um brinde que recebeu de uma empresa, há mais de 25 anos, quando a agência Agnelo Pacheco ainda não existia.
"Uma agência resolveu mandar para as pessoas sete corujas, uma por ano. Diziam que era para dar sorte."
Agnelo as deixou sobre a mesa. No terceiro ano, um amigo deduziu que ele era um colecionador e lhe deu mais uma de presente.
"Eu, que gosto de ganhar gravatas, comecei a ganhar corujas. Fiquei vítima."
Estabelecida a coleção, o publicitário passou a se presentear também. "Se eu ficar mais de cinco dias em uma cidade onde nunca estive, compro uma", diz. "Gravatas com coruja, já ganhei várias."

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e ANDRÉA MACIEL

MÍRIAM LEITÃO

Baile de máscaras 
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/03/11

Se fossem num programa de humor, as escolhas do Congresso pareceriam ironia exagerada. Maluf para a Comissão de Reforma Política; Tiririca para a da Educação; João Paulo, réu do mensalão, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Ruralistas no comando das comissões de meio ambiente. Atitudes do Congresso brasileiro estão erodindo a fé na democracia.
Vamos por partes neste filme de absurdos, começando pela mais inofensiva delas. Ainda há controvérsias sobre as habilidades do deputado Tiririca na leitura e escrita; mas mesmo que ficasse comprovado que ele não saber ler ou escrever, isso não o transformaria em portador de algo grave e insolúvel. Corrupção é incurável; analfabetismo, não. A dúvida que paira até agora sobre o deputado é do segundo problema e não do primeiro, felizmente. Se ele quiser, poderá evoluir na capacidade e destreza da leitura e será exemplo para milhões de brasileiros. Tiririca tem dito que quando a imprensa fala sobre essas limitações dele está incorrendo em preconceito. Não concordo. Há muito tempo ele faz sucesso e tem tido recursos suficientes para ter voltado aos estudos, que um dia interrompeu prematuramente. Tomara que ele se aplique nos estudos, mas definitivamente hoje ele não está preparado para discutir a fundamental questão da educação. A indicação mostra falha do próprio Congresso.

Há casos muito piores. É cristalino que um réu não pode presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Absolutamente óbvio. O deputado João Paulo Cunha está respondendo à Justiça. Na dúvida, sempre se deve estar a favor do réu, ensina o Direito. Isso é completamente diferente de abrigar nessa Comissão pessoas que ainda terão que provar sua inocência em processos a serem julgados no Supremo Tribunal Federal. Há outros réus na comissão. No mínimo, por recato e respeito à Justiça, deveriam aguardar antes de buscar a indicação que obtiveram.

O Brasil tem 22 partidos com representantes na Câmara dos Deputados, a maioria não tem qualquer substância, propósito ou ideias. A fórmula de cálculo eleitoral é tão falha que permite injustiças, como vimos na última eleição. Deputados sem votos levados pelos puxadores de legenda; e políticos com votos, e boas contribuições ao país, como Luciana Genro, fora do Congresso. Há inúmeras evidências de que o sistema de representação política do país não está funcionando bem. Isso é parte do debate nacional faz tempo, mas quando aparece alguma proposta é só para agravar o problema. O voto em lista fechada não tem a qualidade que seus defensores apregoam, de fortalecer os partidos, e tira do eleitor o direito de saber em quem votou. Isso é até pior do que o fenômeno do esquecimento do eleitor em quem votou, como acontece atualmente. Não satisfeitos em receitar remédio que agrava os sintomas da doença, e ainda fortalece os feudos e os caciques partidários, os políticos brasileiros optam pelo deboche puro e simples. Pessoas de passado notório como o de Paulo Maluf, e outros dessa esquisita Comissão, não podem receber a tarefa de reformar o sistema político brasileiro.

O caso dos ruralistas nas comissões de meio ambiente, na Câmara e no Senado, tem natureza diferente. Eles representam um setor econômico importante para o país. Produzem alimentos para o Brasil e garantem o resultado positivo da balança comercial. Geram renda, emprego, impostos. Mas alguns deles têm demonstrado um anacronismo crônico em relação ao tema ambiental, inclusive até negando a existência das mudanças climáticas. Alguns são militantes da causa de que floresta boa é floresta derrubada; são arcaicos e raivosos inimigos da ideia da conciliação da produção com os limites do meio ambiente. Os ruralistas devem estar na comissão. O que está errado é a atitude corsária de tomar a comissão de assalto para impedir o diálogo e os avanços. O Brasil e o mundo estão diante de gigantescos desafios na área ambiental. O melhor para o agronegócio brasileiro é aceitar limites que estão se tornando padrão no mundo dos seus clientes. Uma pecuária que cria seu gado em área desmatada não terá espaço em mercado nobre. Soja comprada de fornecedores com flagrantes de mau comportamento será barrada. As certificações dos produtos aumentarão sua credibilidade. A lista suja dos que praticam trabalho escravo, contra a qual a CNA de Kátia Abreu se insurge, permite avanço do agronegócio e não o contrário. Quem tem mais a perder com a destruição do meio ambiente e suas consequências é exatamente os que usam a terra para produzir.

O custo da destruição ambiental hoje é alto demais. Se a economia soubesse como é econômico ser sustentável, seria sustentável só por economia. As mudanças da legislação têm que levar em conta os riscos que corre hoje a humanidade e os recursos necessários para refazer o que for destruído. Mais do que o acesso ao mercado, as exigências de limites são impostas pelo próprio Planeta. Portanto, ruralistas com visão arcaica devem guardar distância de uma comissão como a de meio ambiente.

A impropriedade de que o Senado seja presidido pelo senador José Sarney não é uma questão pessoal. É institucional. Político algum pode assumir o mesmo cargo pela quarta vez. A eternização nos cargos não é compatível com o bom funcionamento da democracia.

Se tudo isso for um programa de humor e o objetivo for ridicularizar o voto, o cidadão, o sistema de representação política e o Congresso, os parlamentares brasileiros devem insistir nesse caminho. Eles estão sendo bem sucedidos. Só que este filme já vimos: a confiança na democracia morre no final.

GOSTOSA

ELIO GASPARI

A má aula da London School of Economics
ELIO GASPARI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

A escola inglesa recebeu um capilé de Gaddafi e, com tantos professores, levou uma lição da Maison Dior


QUAL A DIFERENÇA entre a Maison Dior e a London School of Economics? Uma delas mostrou que é rápida e séria. Ambas são casas de grife. Uma ensina os povos a se vestir. A outra ensina as nações a gerir suas economias. Depois da Segunda Guerra, Dior mandou as mulheres vestirem saias longas, rodadas, e assim elas fizeram, da duquesa de Windsor a Evita Perón.
Com 16 prêmios Nobel no currículo, a London School of Economics era a casa de Friedrich Hayek quando ele escreveu "O Caminho da Servidão" ensinando que o planejamento central da economia levava os países à ditadura e à ruína. Infelizmente, não o ouviram logo. Passaram pela LSE John Kennedy, José Guilherme Merquior e o atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. FHC ganhou um título de doutor honoris causa e Mick Jagger, matriculado, caiu fora.
Nas últimas semanas, tanto a Maison Dior como a LSE foram confrontadas com maus passos. O estilista John Galliano (uma espécie de Tiririca da alta-costura), deu-se a comentários antissemitas e, em duas semanas, foi suspenso e posto na rua. Já a LSE teve que explicar por que deu um titulo de doutorado a Saif al Islam, o filho querido de Muammar Gaddafi, e levou dois anos para comprovar que ele praticara pelo menos 17 plágios.
Em 2009, depois de ter diplomado o moço, a LSE aceitou uma promessa de US$ 2,45 milhões feita por Gaddafi e Saif deu à escola mais US$ 488 mil. Se isso fosse pouco, o professor David Held, orientador do herdeiro, fez uma viagem à Líbia às custas de um programa do papai.
O diretor da LSE, Sir Howard Davies, amealhou US$ 50 mil assessorando o fundo soberano líbio. Levou o capilé em 2007, mas se esqueceu de contar. Na sexta-feira, apanhado, pediu demissão, dizendo que "foi um erro". Erro nada, foi cobiça colonial.
A LSE anunciou que devolveria o dinheiro líbio. Demitir gente como a Maison Dior fez com Galliano, nem pensar. Investigar os critérios que a escola usa para receber doações, muito menos. Fez-se tudo à moda dos clubes. Gaddafi sempre foi Gaddafi, a LSE é que não era exatamente o que se pensava.
Quando a poeira da Líbia assentar, talvez se comece a discutir as relações incestuosas entre universidades, centros de pesquisa e órgão de imprensa com ditadores. Príncipes sauditas espargem dinheiro em instituições americanas como se fossem tâmaras.
O Cazaquistão abarrota publicações respeitáveis com parolagens autocongratulatórias que elas classificam como "informes especiais". Isso para não se falar nos seminários de fancaria frequentemente montados nas capitais do circuito Elizabeth Arden. Se cada seminário desses anunciar quanto custa cada sábio-palestrante, lances como o da LSE dificilmente se repetirão.
A sabedoria convencional ensina que na Jordânia e na Síria funcionam governos policiais e corruptos. Está entendido que o rei Abdula 2º e o presidente Assad são ditadores, mas suas mulheres parecem Cinderelas de um novo tempo. A rainha Rania é ambientalista e tuiteira, com MBA pela Universidade Americana do Cairo, passagens pelo Citibank e pela Apple. É amiga de Nicole Kidman e da infalível Naomi Campbell. Festejou seus 40 anos com 600 convidados globais. Eles brindaram no deserto, pisando em areias umedecidas por jorros de pipas d'água.
Na Síria reina Asma, mulher do presidente Assad. Estudou no King's College de Londres e passou pelo fundo de derivativos do Deutsche Bank e pelo JP Morgan.
Ela se dedica a amparar o desenvolvimento rural. É o rosto cosmopolita do governo. Seu marido tem outros interesses: com tecnologia pirata paquistanesa e assistência da Coreia do Norte, montava um reator nuclear que produziria plutônio, e, com ele, umas bombinhas. Em setembro de 2007, a aviação israelense detonou-o.
Os ditadores de todo o mundo sabem que universidades ilustres e empresários endinheirados gostam de polir celebridades. O filho de Gaddafi só se tornou um quindim azedo para a London School of Economics porque ela aceitou seu dinheiro na época errada. Seus doutores precisam de uma consultoria da Maison Dior.


MEMÓRIA
O Itamaraty diz que foi surpreendido porque Muammar Gaddafi listou o Brasil entre os eternos amigos da sua Líbia. Gaddafi pode ser louco, mas devia ter motivos para achar que a diplomacia brasileira estava ao seu lado.
Noves fora ter sido chamado por Lula de "amigo, irmão e líder", Gaddafi deve saber do que Nosso Guia estava falando quando afirmou o seguinte, em dezembro de 2003: "Quero dizer ao presidente Gaddafi que, ao longo dessa trajetória política, assumi muitos compromissos políticos. Fizemos alguns adversários e muitos amigos. Hoje, como presidente da República do Brasil, jamais esqueci os amigos que eram meus amigos quando eu ainda não era presidente da República".
Do que Lula não esqueceu, e hoje ninguém quer lembrar, só ele e Gaddafi sabem.

O SONHO DA PRAIA
Se e quando o companheiro Obama vier ao Brasil, ele gostaria de passar alguns momentos numa praia do Rio. Tarefa aparentemente fácil, exigirá atenção do Itamaraty, pois em 2004 o presidente russo Vladimir Putin tinha o mesmo interesse e, enfurecido, perdeu o programa.
Ele foi retido por Nosso Guia no Planalto, chegou ao almoço no Itamaraty com duas horas de atraso, comeu batatas fritas frias e só desceu no Rio à noitinha.
Putin, como muitos turistas russos, queria realizar o sonho do personagem do romance satírico "As 12 Cadeiras" obcecado por uma caminhada pela praia do Rio, todo vestido de branco.
Bender foi retido pelo regime soviético. Putin, pela etiqueta retardatária de Nosso Guia.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e o companheiro Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, é medico, mas acha que entende de economia.
Rebatendo o argumento demófobo segundo o qual a patuleia gasta a ajuda do Bolsa Família comprando cachaça, ele disse que "mesmo que uma família compre uma cachaça por mês, são 11 ou 12 milhões de garrafas de cachaça. Isso ajuda toda a economia"."
O idiota sabe que Vaccarezza não bebeu antes de dizer isso e acredita que pode colaborar com o Carnaval do doutor, repassando-lhe a letra de uma marchinha dos anos 50:
"Você pensa que cachaça é água?
Cachaça não é água, não.
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão.
Pode me faltar tudo na vida:
Arroz, feijão e pão.
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta, não.
Pode me faltar o amor
Isso até acho graça.
Só não quero que me falte
A danada da cachaça""

REPRISE
Se os fuzileiros americanos desembarcarem na Líbia, estarão revivendo uma ação militar lembrada todas as vezes em que é cantado o hino dos "marines". Sua letra começa louvando os soldados que ocuparam "dos salões de Montezuma às praias de Trípoli".
Em 1801, o presidente Thomas Jefferson atacou a Líbia, enfrentando os piratas que infestavam o sul do Mediterrâneo. Pela primeira vez, a bandeira americana foi hasteada no estrangeiro. O trecho do hino incomoda até hoje os nacionalistas árabes e mexicanos, por conta da referência à tomada de sua capital, em 1847.
Foi Carnaval
JANIO DE FREITAS  
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

Parte do Carnaval carioca foi parar nos recantos mais discretos e menos frequentados da história


DIZEM QUE O Carnaval do Rio renasceu. É engano.
O Carnaval matriz dos carnavais, o Carnaval das marchinhas e as marchinhas do Carnaval, os pés e as gingas e o êxtase dos foliões, e os próprios foliões, não estão mais aqui. Não é que tenham morrido.
Ninguém os viu em agonia, nem os viu mortos. Foram-se de repente, sem escândalo e sem resistir, compreensivos e conformados, como quem já não se sente à vontade no ambiente que era seu e, deslocado, sai até por delicadeza com os novos presentes, sai sem ruído e sem adeus.
Parte do Carnaval carioca foi parar nos recantos mais discretos e menos frequentados da história. As marchinhas tomaram os caminhos sinuosos e incertos da memória. Às vezes, da nostalgia.
Na ocasião, nem deu para perceber muito bem a mudança. Os ares gerais não eram favoráveis à malícia das marchinhas e a celebrações de alegria, o verde-oliva contrapondo-se ao colorido da vida, os tambores das bandas alijando os tamborins, o passo da ordem unida ferindo o chão dos passos do samba.
O Sambódromo tentou ser uma compensação. Seu bom propósito trouxe o mau resultado de uma distância a distinguir a rua do povo, transmudado de partícipe em espectador, e o samba, transformado em espetáculo alheio.
Tudo coincidente, na forma e no modo, com a era do "Brasil Grande", do "pra frente Brasil", "milagre do crescimento", a Hollywood suburbana de Joãosinho Trinta a criar o adequado e falsamente luxuoso gigantismo do novo gênero. Nada a ver com o Carnaval do Rio, nada mais da identidade carioca, tudo a gosto da TV. E não rejeite imitações.
As escolas são companhias de um espetáculo anual. O samba de escola deu lugar a um ritmo que não se sabe o que é, não tem nome, uma espécie de corrida rítmica, para empurrar a maratona que se desenrola em disparada à frente da bateria. E o velho samba no pé? É como os pisadinhos aflitos da tentativa de matar umas baratinhas penetras na sala. De vez em quando, um giro bem-vindo da moça para mostrar o outro lado da lua.
Talvez nada disso tenha importância alguma para o que sucedeu ao Carnaval do Rio. As escolas de samba, as autênticas, eram uma parte de uma só noite do Carnaval carioca. Os blocos, já na saída do trabalho sexta-feira, e depois de manhã, à tarde e à noite até a entrada da Quarta-Feira de Cinzas, os blocos eram o Carnaval carioca.
Até, ou por isso mesmo, o Bloco do Eu Sozinho. Por toda a cidade, os blocos de apenas dezenas ou pouco mais, nem sempre com sua pequena bateria, faziam a comunhão de alegria e humor que levava às últimas e melhores consequências a malícia das marchinhas e o feitiço fervente do samba. Inimitável. Carioca. Carioca da gema.
E os bailes incontáveis. Eram a rua levada aos salões. Alguns, só para quem não desceria, jamais, a pisar a calçada e a rua comuns. Os demais, pela cidade afora, nas quadras, nos galpões, a invasão de todos os espaços.
Dizem que o Carnaval do Rio renasceu trazido por um ressurgimento numeroso dos blocos. Não são blocos. São passeatas. Milhares de pessoas assardinhadas, tangidas por um trio elétrico que abaiana e desencarioca em definitivo a passeata arritmada, sem marchinha na alma e sem samba no pé.
Fica a impressão de que o importante é dizer, depois, eu fui, eu estava lá, eu saí no... Inclusão social da zona sul é assim. Vale para todas as modas.
Qual é o mal do que chamam de ressurgimento do Carnaval do Rio? Em si mesmo, nenhum. É só uma pequena parte de um todo imenso em movimento não sabe para onde. É uma fase, e, é próprio das fases, passará. Como passou o Carnaval verdadeiro, que não renasceu nem pode voltar: seu lugar na gente do Rio não existe mais.

CLÓVIS ROSSI

Nunca antes? Nada disso
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

GENEBRA - Reinaldo Gonçalves é professor titular de economia internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos raros acadêmicos de esquerda que não se deixou cooptar por uma boquinha no governo ou até por menos, como um convite para jantar com os poderosos de turno.
Fez o que deve ser o papel do intelectual: mergulhou nos dados do IBGE e do Fundo Monetário Internacional para desafiar a propaganda governamental sobre as incríveis façanhas do governo Lula.
Montou tabelas que mostram o seguinte, em resumo apertado:
1 - Os 4% de crescimento médio do governo Lula colocam-no apenas em 19º no campeonato nacional de progresso econômico, entre os 29 presidentes desde a proclamação da República.
Perde, por exemplo, para Itamar Franco e José Sarney.
2 - Quando começou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Quando terminou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Portanto, estagnou na competição global. E ficou longe dos 3,91% de 1980.
3 - Em matéria de variação comparativa do PIB, no período 2003/ 2010, o Brasil fica em humilhante 96º lugar, entre 181 países. Está no meio da tabela e abaixo até da média mundial de crescimento, que foi, no período, de 4,4%.
4 - Em matéria de renda per capita, a do Brasil evoluiu de US$ 7.547 para US$ 10.894, entre 2003 e 2010. Mas a sua posição no ranking mundial só piorou. Estávamos em 66º lugar e caímos para 71º.
Só para cutucar o cotovelo dos "argentinofóbicos", a renda per capital da Argentina é cerca de 50% maior que a do Brasil, com seus US$15.064. E ela melhorou, do 61º lugar para o 51º.
Não quer dizer com toda a numeralha que o governo Lula foi um desastre. Ao contrário. Mas tampouco foi o milagre que a sua propaganda apregoa. Simples assim.

DILMA CABEÇA OCA

MARCELO GLEISER

A internet como força mítica
MARCELO GLEISER 
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

Mitos unem povos, como faziam poemas homéricos, e hoje as redes sociais têm como marca a força mítica


O MUNDO, e em particular o Oriente Médio e o norte da África, está em polvorosa. Na Tunísia, no Egito e, agora, na Líbia, uma enorme mobilização social está levando a mudanças políticas dramáticas.
Cientistas políticos de naipes diversos preveem que essas ações marcam o começo de uma profunda transformação mundial, não apenas localizada no sul e leste do Mediterrâneo: uma democratização global, uma nova ordem, talvez semelhante em parte às revoluções que varreram a Europa em 1848.
A mobilização parte, principalmente, de jovens que vivem nas autocracias seculares de países muçulmanos -desempregados apesar de um bom nível educacional, desesperançados- que decidiram, corajosamente, redefinir seu destino com suas próprias mãos.
É bem verdade que o desfecho das manifestações nesses países, e possivelmente em outros (como Bahrein e Iêmen), permanece incerto. Por outro lado, o desejo de derrubar tiranos que estão no poder por décadas em regimes brutais está crescendo irreversivelmente e não será abafado pela violência.
Uma mobilização transnacional dessa grandeza seria inimaginável dez, ou mesmo cinco, anos atrás. Por trás das manifestações, unindo os descontentes, está a internet, em particular os programas de interação social Facebook e Twitter.
Jovens do mundo inteiro, de Bali à Rússia, do Quênia à Jordânia, trocam informações e criam alianças usando meios totalmente novos.
Uma mensagem de texto tem precedência sobre um telefonema; uma mensagem no Twitter resume uma atividade ou um grito de ação comunitária; uma página no Facebook define valores sociais, laços familiares, grupos religiosos, esportivos, políticos, unindo pessoas, ganhando uma estatura mítica.
Penso na Grécia Antiga e no poder mítico da poesia de Homero, autor dos poemas épicos "A Odisseia" e "A Ilíada", obras que definiam, em grande parte, o que significava ser grego em torno do século 7º a. C., quando a "Grécia" se espalhava em forma de ferradura desde o sul da Itália até o norte da África.
A poesia de Homero distinguia os valores de um povo, criando um senso de identidade. "Sou grego, pois Homero é meu bardo." Mitos unem povos, e os programas de interação social têm hoje uma força mítica.
Ser jovem é saber como participar no Twitter e no Facebook, é entender o novo código de conduta digital e segui-lo. Quando surgiu o rádio e, depois, a TV, muita gente achou que seria o fim da civilização. O mesmo com a internet e suas mídias sociais.
Na rede, a liberdade pode ser virtual, mas tem gosto de real. E aqueles que sentem o seu gosto, que veem a importância de pensar criticamente sobre a sociedade e a possibilidade de manifestar posições contrárias ao regime sem ser morto ou preso não querem ter as asas cortadas.
Ninguém poderia ter previsto que a invenção do Eniac, o primeiro computador eletrônico, de 1946, levaria ao PC, à internet, ao Facebook. Uma vez que uma ideia toma corpo, ela se espalha de formas imprevisíveis, redefinindo o possível.
Que a luta desses milhões de pessoas leve a resultados concretos e duradouros. Também querem contribuir na criação da nova ordem mundial. E têm todo o direito de buscar esse objetivo.

MÔNICA BERGAMO

ANA: "ELE NÃO MERECE"
MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

"Cadê o dono da casa?", pergunta a ministra da Cultura Ana de Hollanda ao chegar à casa de Gilberto e Flora Gil no Horto Florestal, em Salvador, ontem, às 15h50, acompanhada da filha, Ruth, e da neta, Ana, de quatro anos. "Nem sabia que você tinha uma filha desse tamanho!", diz Gil.

"Nossa, a senhora é a ministra da Cultura que mais investe na moda. Tudo que veste fica lindo!", diz Paulo Borges, idealizador da São Paulo Fashion Week. O vestido laranja com desenhos, conta, é da grife baiana Goya. A netinha, Ana, usa a mesma roupa tamanho infantil.

A ministra almoça salada verde com peixe Agulha ao molho de amêndoas. Toma uma taça de prosecco. Quando questionada sobre como vê o governo Dilma, pede aos jornalistas licença para comer. "Vieram também com essas questões pra mim. Eu disse: É Carnaval", conta Gil. "É, né, vamos relaxar um pouco", diz Ana.

Ana e Gil evitam as polêmicas do ministério. Conversam sobre morar em Brasília. "Eu ficava muito sozinho, Flora não ia pra lá. Você dorme e vai pro trabalho. Não tinha vida. Não ia pra restaurante, nada disso", lembra Gil. "Não tem o prazer de relaxar", responde a ministra.

Às 17h, Gil avisa que precisa tomar banho para ir ao camarote Expresso 2222. "Bom trabalho, boa sorte. Tô torcendo (risos)."

Sobre o episódio com Emir Sader, que em entrevista à Folha, a chamou de "meio autista" e não foi mais confirmado à frente da Casa de Cultura Rui Barbosa, ela diz: "Ele não merece, não vou falar disso". Ana afirma que a nomeação de Wanderley Guilherme dos Santos partiu dela e não do PT. "Ele é meu amigo. Sei que a Dilma e o Lula acharam ótimo."

Já Gil coloca panos quentes. "É o estilo dele [Sader]. Foi o jeito dele dizer que ela é desligada. Não posso atribuir àquilo a intenção de hostilizá-la." E completa: "É difícil. Na época de ministro, tive muitos embates e julgamentos. Fui chamado até de Goebbels [Joseph, ministro de propaganda de Adolf Hitler]".

Sobre os primeiros 60 dias de governo, ela diz: "É sempre duro começar. Tem uma ansiedade e uma insegurança naturais das pessoas. Elas sempre questionam: "O que ela vai fazer?" Até terem certeza de quem eu sou, leva tempo". LÍGIA MESQUITA, de Salvador

LIBEROU GERAL

Os atores Fernanda Souza, Rodrigo Hilbert e a apresentadora Fernanda Lima passaram a sexta de Carnaval no camarote de Ivete Sangalo, em Salvador. Cauã Reymond e Rodrigo Lombardi circularam pelo espaço Ação.

SÃO PAULO

TERNO E GAROA
NA FOLIA PAULISTA


Em meia hora, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), aterrissou e decolou do camarote da prefeitura, no sambódromo do Anhembi, anteontem. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) estranhou a saída ligeira: "Mas já?" "Preciso. Tô indo pro Recife."

A turnê de lançamento da campanha "Sem camisinha não dá", do ministério, passa também por Salvador e Rio de Janeiro, onde Padilha "se esconde" por dois dias.

O presidente da SPTuris, Caio Carvalho, cochicha no ouvido do prefeito que a previsão de tempo para sábado é de chuva. "Iiiiixi!", responde Kassab. No fim da festa, o prefeito escapuliria para Cannes, na França, para um "evento imobiliário".

Sem tréguas o prefeito ouvia perguntas sobre sua mudança de partido. "Vamos cuidar do Carnaval." Padilha apoia a movimentação de Kassab. "Já temos ótima relação. Se ele vier para um partido da base, será excelente."

No camarote vizinho, do Bar Brahma, Geisy Arruda é a primeira "convidada VIP" a chegar. Distribui beijinhos. Ela não revela se recebe cachê pela presença: "Se disser que não, vão achar que não precisam me pagar. Mas se disser que sim... Ah! Cobro baratinho! Pode por aí!"

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) chega com dona Lu e o primeiro-ministro do Timor Leste, Kay Rala Xanana Gusmão. Jantavam juntos no Palácio dos Bandeirantes, também com José Serra. "Isso aqui é uma escola [de samba]... Eles estão fazendo uma alegoria de teatro...", explica o governador. "Só posso dizer que é fantástico. Um trabalho incrível de imaginação, de criação, de inspiração", diz Xanana.

À 1h, Serra telefona ao sambódromo e avisa que, gripado, não irá.

A apresentadora Luisa Mell se aproxima de Alckmin. "Ela é protetora dos animais", diz o governador. Luisa fala que seu projeto "avançou muito" com Serra. "Você vai ter que fazer alguma coisa!", diz ao governador.

"Gê, aqui!". Dona Lu aponta ao marido a próxima câmera que irá fotografá-lo. O deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) aborda Alckmin. Descreve várias de suas novas atribuições na Câmara. "Fiquei muito feliz de, logo no primeiro mandato, assumir todos estes cargos". Alckmin ouve. "Podemos criar uma agenda positiva juntos", diz Protógenes. "Torço por sua reeleição." E o governador: "Nós podemos fazer boas parcerias".

Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da OAB-SP, afirma que "meu sonho é criar uma escola de samba da OAB, com impeachment [de Collor] e Diretas-Já no enredo. Conversei com a Vai-Vai. Acharam ótimo. Mas precisamos de um patrocinador."

Afif está aflito para ir embora. Quer ir para a praia da Baleia, no litoral norte. O pânico de ficar preso no congestionamento também aflige o vice-governador. "Minha filha ficou seis horas no carro!", diz. Por isso, ele vai pegar a estrada às 2h da manhã. THAIS BILENKY, de São Paulo

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Silêncios que falam
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/03/11

Líderes de esquerda e progressistas precisam gritar pela liberdade


Desde quando vivi de muito perto a experiência da "revolta dos estudantes" de maio de 1968 em Paris, comecei a duvidar das teorias que aprendera sobre as mudanças sociais no mundo capitalista. Estas estavam baseadas na visão da História como uma sucessão de lutas entre as classes sociais visando ao controle do Estado para, por intermédio dele, seja manter a dominação de classes, seja destruir todas elas e construir a "sociedade do futuro" sem classes e, portanto, sem que os partidos tivessem função relevante. A qual seria crucial, na visão dos revolucionários do século 20 de inspiração leninista, apenas na "transição", quando se justificaria até mesmo a ditadura do proletariado, exercida pelo partido.

Pois bem, nas greves estudantis da Universidade de Paris, em Nanterre e na Sorbonne (assim como nos câmpus universitários americanos, com outras motivações), que acabaram por contaminar a França inteira e repercutiram pelo mundo afora, vi, perplexo, que as palavras de ordem não falavam em "anti-imperialismo" e só remotamente mencionavam os trabalhadores, mesmo quando estes, atônitos, entravam nos auditórios estudantis "ocupados" pelos ativistas jovens. Falava-se em liberdade, em ser proibido proibir, em amor livre, em valorizar o indivíduo contra o peso das instituições burocratizadas, e assim por diante. É verdade que nas passeatas havia bandeiras negras (dos velhos anarquistas) e vermelhas (dos bolcheviques). Faltavam os símbolos do novo e mais, na confusão ideológica geral, pouco se sabia sobre o que seria novo nas sociedades, isto é, nas estruturas sociais, do futuro. Por outro lado, o estopim da revolta não foram as greves trabalhistas, que ocorreram depois, nem choques no plano institucional, mas pequenos-grandes anseios de jovens universitários que, como num curto-circuito, incendiaram o conjunto do país.

Só que, logo depois, De Gaulle, vendo seu poder posto à prova, foi buscar apoio nos paraquedistas franceses sediados na Alemanha e, com a cumplicidade do Partido Comunista, restabeleceu a antiga e "boa" norma. Por que escrevo essas reminiscências? Porque desde então o mundo mudou muito, principalmente com a revolução informática. Crescentemente as "ordens estabelecidas" desmoronam sem que se perceba a luta entre as classes. Foi assim com o desmoronamento do mundo soviético, simbolizado pela queda do Muro de Berlim. Está sendo assim hoje no norte da África e no Oriente Médio. Cada vez mais, em silêncio, as pessoas se comunicam, murmuram e, de repente, se mobilizam para "mudar as coisas". Neste processo, as novas tecnologias da comunicação desempenham papel essencial.

Até agora, ficaram duas lições. Uma delas é que as ordens sociais no mundo moderno se podem desfazer por meios surpreendentes para quem olha as coisas pelo prisma antigo. A palavra, transmitida a distância, a partir da soma de impulsos que parecem ser individuais, ganha uma força sem precedentes. Não se trata do panfleto ou do discurso revolucionário antigo nem mesmo de consignas, mas de reações racionais-emocionais de indivíduos.

Aparentemente isolados, estão na verdade "conectados" com o clima do mundo circundante e ligados entre si por intermédio de redes de comunicação que se fazem, desfazem e refazem ao sabor dos momentos, das motivações e das circunstâncias. Um mundo que parecia ser basicamente individualista e regulado pela força dos poderosos ou do mercado de repente mostra que há valores de coesão e solidariedade social que ultrapassam as fronteiras do permitido.

Mas ficou também a outra lição: a reconstrução da ordem depende de formas organizacionais, de lideranças e de vontades políticas que se expressem de modo a apontar um caminho. Na ausência delas, volta-se ao antigo - caso De Gaulle - ou, na iminência da desordem generalizada, há sempre a possibilidade de um grupo coeso e nem sempre democrático prevalecer sobre o impulso libertário inicial. Noutros termos: recoloca-se a importância da pregação democrática, da aceitação da diversidade, do direito "do outro".

Talvez seja este o enigma a ser decifrado pelas correntes que desejem ser "progressistas" ou "de esquerda". Enquanto não atinarem ao "novo" nas circunstâncias atuais - que supõe, entre outras coisas, a reconstrução do ideal democrático à base da participação ampliada nos circuitos de comunicação para forçar maior igualdade -, não contribuirão para que a cada surto de vitalidade em sociedades tradicionais e autocráticas surjam de fato formas novas de convivência política.




Agora mesmo, com as transformações no mundo islâmico, é hora de apoiar em alto e bom som os germens de modernização, em vez de guardar um silêncio comprometedor. Ou, pior, quebrá-lo para defender o indefensável, como Hugo Chávez ao dizer "que me conste, Kadafi não é assassino". Ou como Lula, que antes o chamou de "líder e irmão"! Para não falar dos intelectuais "de esquerda" que ainda ontem, quando eu estava no governo, viam em tudo o que era modernização ou integração às regras internacionais da economia um ato neoliberal de vende-pátria. Exigiam apoio a Cuba, apoio que não neguei contra o injusto embargo à ilha, mas que não me levou a defender a violação de direitos humanos. Será que não se dão conta de que é graças ao maior intercâmbio com o mundo - e principalmente com o mundo ocidental - que hoje as populações do norte da África e do Oriente Médio passam a ver nos valores da democracia caminhos para se libertarem da opressão? Será que vão continuar fingindo que "o Sul", nacional-autoritário, é o maior aliado de nosso desenvolvimento, quando o governo petista busca, também, maior e melhor integração do Brasil à economia global e ao sistema internacional, sem sacrifício dos nossos valores mais caros?

Há silêncios que falam, murmuram, contra a opressão. Mas há também silêncios que não falam porque estão comprometidos com uma visão que aceita a opressão. Não vejo como alguém se possa imaginar "de esquerda" ou "progressista" calando no momento em que se deve gritar pela liberdade.

GOSTOSA

ELIANE CANTANHÊDE

Copa e eleições, um passeio
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11

BRASÍLIA - Dilma ficou calada, enquanto Guido Mantega e Miriam Belchior anunciavam cortes fantásticos de R$ 50 bilhões que, até agora, ninguém sabe, ninguém viu -nem imagina quando, onde e se ocorrerão. Mas há suspeitas de como o governo vai acochambrar tudo: nos preparativos da Copa do Mundo de 2014.
Assim: remenda-se o que foi "cortado" e joga-se tudo no mesmo saco, o saco sem fundos da Copa. Exemplo: as polícias estaduais não terão condições de assumir sozinhas as implicadíssimas operações de segurança país afora. Chamem-se as Forças Armadas! Obviamente, recompondo os cofres do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
A Copa do Mundo vai servir, portanto, como um guarda-chuva para cobrir receitas e despesas e encobrir cortes que não são necessariamente cortes. Vale para a Defesa como para Cidades e Turismo, por exemplo, que também são fundamentais para a Copa e encabeçam a lista dos mais atingidos pelas tesouradas de Mantega e Belchior. Onde já se viu um empreendimento desse tamanho sem gastar em Cidades? E em Turismo?!
Nem importa, aí, se o ministro de Turismo é aquele octogenário das notas fiscais de motéis em situações e circunstâncias inimagináveis. E que, além disso, ou principalmente, é amigão e conterrâneo do mandachuva e do manda-cargos no governo Dilma tanto quanto foi no de Lula: José Sarney.
O mais impressionante, entretanto, é aquele detalhe que não sai da cabeça da gente: 2014 é ano de Copa, mas é também ano de eleição. Você, que sabe das coisas, pode imaginar que se gasta muito em Copas e que se gasta muitíssimo em anos eleitorais.
Os tribunais de Contas e todos os demais órgãos fiscalizadores vão precisar de muita gente, energia e verba para acompanhar o passeio do dinheiro entre obras e campanhas. Devem se esfalfar tanto quanto os atletas. E bem mais ostensivamente do que os políticos.

CLÁUDIO HUMBERTO

“É caro alugar um caminhão [para fazer a mudança]”
EX-DEPUTADO MÁRIO HERINGER (PDT-MG), QUE NÃO DEVOLVEU O APARTAMENTO FUNCIONAL

PCDOB JÁ ADMITE QUE ERROU MANTENDO ORLANDO 
O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, confessou internamente que foi um erro ter forçado a barra para manter Orlando Silva no Ministério do Esporte. Isso irritou a presidente Dilma e fragilizou o ministro. Agora, os comunistas já falam que o melhor seria encontrar uma saída honrosa para Orlando e nomear Luciana Santos em seu lugar. Agora é tarde. O PCdoB perdeu a Autoridade Pública Olímpica para o PMDB.

PAVÃO MISTERIOSO 
O ministro Antonio Palocci (Casa Civil) recusa todos os pedidos de entrevistas. Prefere a reputação como eminência parda, enigmática.

RESISTÊNCIA 
Ministro Paulo Bernardo (Comunicações) tenta barrar a indicação do PMDB de Renan Calheiros e José Sarney para a vaga na Anatel.

NEM TE LIGO 
Impressiona a distância entre Marta Suplicy e o chatonildo ex-marido, no Senado. Mal se cumprimentam. E ela não esconde sua má vontade.

A RECUSA DO CORONEL 
Tasso Jereissati não quer a presidência do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB. O deputado Sergio Guerra vai ao Ceará tentar convencê-lo.

DECISÃO DO STJ NÃO ALTERA SITUAÇÃO DE SEAN
É inócua a decisão que inclui a meio-irmã mais nova do garoto Sean Goldman no processo que levou o Supremo Tribunal Federal a devolvê-lo à guarda do pai americano. O princípio, dizem especialistas, válido para separação entre irmãos de mesma nacionalidade, não se aplicaria ao caso de Sean, conforme tratado internacional do qual o Brasil é signatário. Sean é americano e foi subtraído do pai ilegalmente.

SUBTRAÇÃO ILEGAL 
Sean é filho de pai americano com brasileira, que o trouxe ao Brasil em visita a familiares e não voltou aos EUA. Ela morreria dois anos depois.

PAU QUE DÁ EM CHICO... 
Assim como o STF devolveu Sean, a justiça americana repatriou em quatro anos 22 crianças levadas aos EUA à revelia de pais brasileiros.

RN BEM NA FOTO 
Entre os 16 líderes aliados da base de apoio ao governo Dilma há dois potiguares: Fabio Farias (PMN) e Henrique Eduardo Alves (PMDB).

PAPO SIGILOSO 
A presidente Dilma passa o carnaval na base da Barreira do Inferno, perto de Natal, com a filha, o neto Gabriel e o genro. Neste domingo, receberá o banqueiro Eduardo Safra em almoço.

AL MARE 
Com o corte do Orçamento, os italianos temem que o Brasil recue na construção conjunta das fragatas multimissão Fremm, de R$ 1 bilhão, cada – parte do acordo de US$3 bilhões por seis fragatas. 

BAIXARIA 
O deputado João Paulo pode trocar o PT pelo PTB para disputar à prefeitura de Recife em 2012. O confronto com o antigo aliado, prefeito João da Costa, impressiona pelas baixarias trocadas.

DINHEIRO EM CAIXA 
Os prefeitos não podem reclamar do governo Dilma. A Confederação Nacional dos Municípios revela que o Fundo de Participação cresceu 7,7% de janeiro para fevereiro. Mais de 25,5%, em relação a 2010.

É JOGO 
Sócio da espanhola Procupisa, o ex-campeão mundial Mauro Silva vendeu 400 casas para o Minha Casa, Minha Vida em São Paulo. A Próprio Lar, de Mauro, quer investir pesado no programa. 

INSULTO 
Após economizar água por 18 meses, um cliente da Caesb, estatal de águas do DF, quer devolver o bônus de R$ 5,42 (divididos em doze parcelas) a ser descontado de suas contas. Considerou-se insultado.

UM CHOPE GELADO 
Ao tomar conhecimento de que seu nome estava cotado para presidir a Agência Nacional de Aviação Civil, o baiano Sergio Gaudenzi, deve consultar o Waldir Pires, ex-ministro da Defesa, 81 anos, inseparável companheiro de rodas de chope em Salvador, e outra reserva moral.

VESPEIRO 
O vice Michel Temer tenta conciliar os interesses do vice-governador de Sergipe, Jackson Barreto, com o deputado Almeida Lima. Ambos querem o controle do PMDB e não param de brigar.

PENSANDO BEM... 
Gaddafi está dispensado de fantasia se baixar por aqui no carnaval. 

PODER SEM PUDOR 
O RETRATO DE CHE 
Ao quebrar um silêncio de 40 anos, a ex-primeira dama Maria Teresa Goulart revelou que, apesar de suas ligações com a esquerda, o maridão Jango detestava uma foto dela ao lado de Che Guevara, afixada na porta do quarto. Goulart sentia ciúmes da foto:
– Mas, para quê isso? Toda vez que entro nesse quarto tem esse homem aqui… Você não tem juízo?
A fotografia ficou na Granja do Torto, após o golpe de 64.

OMELETE COM OS OVOS DE LULA

DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Escolas de samba do Rio vendem carnaval no exterior
Folha: Brasil estuda mudar regra da Fifa sobre TV na Copa
Estadão: Maior ataque de Kadafi provoca mais de 100 mortes
Correio: MPF abrirá inquérito contra Jaqueline Roriz
Jornal do Commercio: O mesmo sucesso em novo roteiro
Zero Hora: Tragédia gaúcha em SC

sábado, março 05, 2011

ANTONIO GONÇALVES FILHO

Foucault e o islã, mistura explosiva
ANTONIO GONÇALVES FILHO
O Estado de S.Paulo - 05/03/11

Três livros sobre o filósofo francês, morto em 1984, são lançados simultaneamente; dois deles abordam o apoio dado pelo pensador à revolução iraniana liderada pelo aiatolá Khomeini em 1979
05 de março de 2011 | 0h 00

Pouco antes de morrer, o filósofo francês Michel Foucault (1926- 1984) escreveu um artigo em que defendeu ser perigoso confundir humanismo com Iluminismo. Segundo o pensador, a temática humanista seria "muito inconsistente para servir de eixo à reflexão". A frase provocou arrepios na feminista iraniana Janet Afary e no professor de sociologia americano Kevin B. Anderson, autores do livro Foucault e a Revolução Iraniana, que será lançado no dia 10 pela Editora É (o livro já se encontra em pré-venda na Livraria Cultura). Eles acreditam que "o resultado trágico da revolução iraniana deflagrada por Khomeini formou parte do pano de fundo desse derradeiro ensaio". E foram atrás de todos os artigos escritos por Foucault sobre o conflito que levou o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) ao poder, estabelecendo uma teocracia islâmica no Irã, em 1979.

Parece paradoxal que um pensador dedicado à causa libertária tenha apoiado, num primeiro momento, os fundamentalistas religiosos que derrubaram a monarquia autocrática pró-ocidental do xá Reza Pahlevi (1919-1980), discordando de seus pares, que viam na revolução islâmica a representação do confronto entre o mundo religioso arcaico e a modernidade laica. Em sua defesa, o historiador Paul Veyne, amigo e colaborador do filósofo, afirma que "esse pretenso esquerdista" - nem freudiano, nem marxista, segundo ele - "foi tocado pelo heroísmo das multidões iranianas diante da polícia e do Exército do xá". Foi por isso, crê Veyne, que Foucault "ultrapassou a neutralidade e tomou o partido dos revoltados, sem esperar para ver se o islamismo não daria razões para a indignação dignas de suscitar revoltas pontuais". Tal conclusão de Veyne se encontra em Foucault: Seu Pensamento, Sua Pessoa, lançado agora pela Civilização Brasileira.

Alimentando a polêmica e as homenagens aos 85 anos do nascimento do filósofo (e 50 da publicação do fundamental História da Loucura), chega às livrarias, no dia 25, outro estudo sobre ele, pela editora Zahar, Como Ler Foucault. O título revela que o objetivo da autora, Johanna Oksala, pesquisadora da Universidade de Helsinque, na Finlândia, é didático e bem diferente do de Veyne, que faz um esforço intelectual para traduzir o discurso de Foucault e ver em que ponto o nietzschiano filósofo aproxima-se de Heidegger - simpatizante e colaborador de outro regime obtuso, o nazista, nunca é demais lembrar. Por trás da obra filosófica de ambos, segundo o historiador francês, "esconde-se um não dito truístico e esmagador: o passado antigo e recente da humanidade não passa de um vasto cemitério de grandes verdades mortas".

A estrutura dos três livros é semelhante: os estudiosos partem para um face a face com as ideias do filósofo. Em cinco capítulos de Foucault e a Revolução Iraniana, seus autores discutem os paradoxos da filosofia foucaultiana, a sedução exercida pelo xiismo sobre o filósofo, suas controvérsias com membros da comunidade iraniana, a vista grossa que fez para os direitos das mulheres submetidas compulsoriamente ao véu e sua relativa ignorância sobre a cultura islâmica. Segundo os autores do livro, ele apontava as semelhanças entre o Corão e o Levítico sem lembrar que o capítulo 20 do livro bíblico determina a pena de morte para adúlteros e homossexuais, o que condenaria o próprio Foucault. Em 1978, quando visitou o Irã como correspondente do jornal Corriere della Sera, ele parecia acreditar que o islamismo iraniano aceitaria melhor a homossexualidade que o Ocidente moderno, segundo os autores do livro. Eles tiveram um testemunho dessa ingenuidade por meio de um depoimento do sociólogo Ehsan Naraghi, colega de Foucault no Collège de France, que ficou espantado com a ignorância do filósofo sobre o mundo muçulmano. Em tempo: Naraghi foi preso durante a revolução islâmica e escreveu um livro sobre o assunto.

Por outro lado, Foucault foi um pensador crítico das instituições sociais - em particular a psiquiatria -, que propôs um novo tratamento para os portadores de doenças mentais, abominando o confinamento e mostrando as semelhanças entre asilos, prisões, quartéis e escolas. Paul Veyne, em seu livro, afirma que ele não foi nem estruturalista, nem relativista e tampouco historicista. Foi, antes, um pensador "cético". Veyne repete inúmeras vezes o adjetivo, sem, no entanto, admitir que Foucault tenha sido um niilista. Quando História da Loucura foi publicado, há meio século, diz, alguns historiadores "não viram inicialmente o alcance do livro", embora o filósofo não fosse "tão marginalizado quanto queria crer". Philippe Ariès adorava seus livros, garante.

Foucault, segundo Veyne, autor do primeiro volume da coleção História da Vida Privada, seria igualmente tolerante com a obra alheia. Ele jamais condenou "a mais absurda das doutrinas", acentua, lembrando como o filósofo falava com prazer e simpatia de Santo Agostinho, embora "duvidasse de toda verdade demasiado geral e de todas as grandes verdades intemporais". Poderia alguém assim cético - mas não niilista - apontar algum caminho para a humanidade? Sim, responde o historiador, "porque seu ceticismo não duvida de tudo por princípio".

Um dado novo no livro de Veyne é a lembrança do nome de Wittgenstein para fazer par com Foucault - ambos acreditariam apenas em singularidades. Ele não explora essas semelhanças, mas mostra como Foucault considerava a "linguagem" dos animais irracionais, ao falar da inteligência de um gato que visitava os apartamentos do número 285 da rua de Vaugirard, em Paris, onde morava o filósofo. "Ele entende tudo", dizia o pensador ao historiador a propósito do felino. Para um empirista como Foucault, até um animal errático era capaz de compreender o que homem se recusa a engolir, ou seja, "que o sujeito não é soberano, mas filho do seu tempo". Foucault, define Veyne, não acredita nem Marx nem em Freud, nem na Revolução nem em Mao e "ria em privado dos bons sentimentos progressistas".

Para o historiador, Foucault viu na revolução iraniana a luta da libertação de um povo, a despeito de ter ouvido dele uma frase bombástica sobre Khomeini: "Ele me falou de seu programa de governo: se tomasse o poder, seria de uma idiotice de fazer chorar". Disse isso "erguendo piedosamente os olhos para o céu". O que esse gesto significou? Foucault desdenhava do aiatolá ou seria mais uma vítima de seu carisma? Os autores de Foucault e a Revolução Iraniana sugerem que a experiência do filósofo no Irã representou uma "guinada em seus escritos da década de 1980", fascinado que ficou pela apropriação dos mitos xiitas de martírio e rituais de penitência dos revolucionários. Foucault faria, sim, críticas tardias ao regime islâmico, mas, então, muitas cabeças já haviam rolado. Após maio de 1979, fez silêncio sobre o Irã. Sua busca de alternativas para a laicidade moderna acabara.