segunda-feira, junho 01, 2020

Os sinais da desconfiança do capital externo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/06

Em abril, a soma de investimentos diretos foi de US$ 234 milhões, o menor valor para o mês em 25 anos


Sem rumo, o governo virou uma usina de instabilidades. Desperdiça um precioso tempo com o negacionismo da Ciência, em plena pandemia, e em discussões políticas estéreis, que só atrapalham a tomada de decisões vitais à recuperação da economia no segundo semestre.

É provável que não tenha percebido, mas o país já começou a pagar um preço político elevado por sua insistência em não discutir soluções e só multiplicar problemas.

Os investidores externos começaram a retirar o Brasil dos seus radares. Em abril, informa o Banco Central, a soma de investimentos diretos foi de US$ 234 milhões. Nesse mesmo mês, no ano passado, o fluxo havia sido de US$ 5,1 bilhões. É o menor valor de capital estrangeiro para o mês de abril em um quarto de século — desde 1995, quando ficou em US$ 168 milhões.

No primeiro quadrimestre, o fluxo chegou a US$ 18 bilhões, pouco menos que os US$ 23,3 bilhões registrados entre janeiro e abril do ano passado. Tomando-se o período de 12 meses encerrados em março, o estoque de investimentos externos ficou em US$ 73,2 bilhões, o equivalente a 4,31% do Produto Interno Bruto.

A pandemia, talvez, possa justificar o resultado de abril na quase totalidade. A despeito da postura negacionista do governo — a “gripezinha”, como definiu o presidente —, agravou as condições recessivas da economia brasileira e sinaliza um drama, se não houver rapidez, abrangência e eficácia no socorro federal às pessoas, a empresas, estados e municípios.

No quadro de abril percebe-se, também, um forte componente político: a desconfiança dos investidores em relação às chances de um governo estável, capaz e confiável na gerência da crise que se desenha no horizonte.

Diferente das aplicações em Bolsa, o investimento estrangeiro direto representa aporte de pessoas físicas ou jurídicas em empresas estabelecidas no país. É complementar à poupança nacional. Resulta de planejamento prévio, análise de perspectivas de mercado e de decisão tomada com base na avaliação de fatores de risco político, de segurança jurídica e de rigor na política ambiental. Nesses quesitos, hoje o Brasil só tem a oferecer incertezas.

O governo Jair Bolsonaro se transformou numa usina de crises, em permanente conflito com o Legislativo e o Judiciário. Seu melhor retrato está no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, onde se vê o presidente em autoconfissão: “O nosso barco tá indo, mas não sabemos ainda (...) pra onde tá indo nosso barco, pode tá indo em direção a um iceberg.”

Se quiser, Bolsonaro ainda tem tempo para recuar e reconquistar a confiança, dentro e fora do país. Mas vai precisar mudar rápido, com eficiência na ação e sob as premissas do respeito às instituições e da plena submissão à ordem constitucional.

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