sábado, agosto 10, 2019

Ueba! Bozo é o Pai do Ano! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 10/08

Se eu fosse filho do Bolsonaro, dava Activia de presente

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Minha atual posição política: EXAUSTO! Rarará! E adorei o chargista Duke num pingue-pongue com Bolsonaro: “Opositores?”. “Mata!” “Amazônia?” “Desmata!” “Familiares: MAMATA!”. Rarará!

Bafos da semana: “Maia e ACM Neto convidam Frota para o DEM!”. FRODEM! Tem que anexar o Fro de Frota: FRODEM! Rarará! E convidaram o Frota porque o partido precisa de mais penetração! Rarará!

“Dentes de Feliciano custam R$ 157 mil para Câmara.” Pra rir mais bonito da nossa cara! Ele botou ouro e pedras preciosas? Ele fez a boca no dentista ou na H. Stern? Evangélico Ostentação. Isso que é sair do armário! E R$ 157 mil? Quantos dentes tem esse demônio? Rarará!

Lula é transferido de Curitiba para Curitiba. #Morochateado. Mais um revés pro Moro!

“Ancine tem que seguir os valores cristãos da sociedade, diz porta-voz.”Agora é Ancinamentos de Cristo, “Bruna Santinha “e “Inri Cristo em Ritmo de Aventura”! Rarará!

E atenção! Dia dos Pais! “Vivo do passado porque de presente só ganho polo.” Dia Nacional da Polo! Tem um amigo que há quatro anos ganha polo! E agora tem família de pai e pai! Duas polos! E diz que pai só serve pra duas coisas: pagar pensão e emprestar o carro! Rarará!

E o pai do ano é o Bozo, o Jumito! Com seus três rebentos. Ops, ARREBENTOS! O laranja, o tuiteiro e o chapeiro! Filhocracia. Qual o regime no Brasil? Filhocracia! O Flávio vai dar uma laranja, o Eduardo vai dar um hambúrguer e o Carluxo vai dar um xilique! Rarará!

Se eu fosse filho do Bolsonaro, dava Activia de presente: pra ele parar de falar merda. Rarará!

“Carlos Bolsonaro teve funcionária por 14 anos que se declarava babá.” Tá certo, aí era necessário. Acho até pouco 14 anos. Devia ter babá eterna! Cargo vitalício!

E o Pan? Melhor notícia: “Argentina erra de uniforme, perde por WO e é eliminada do basquete”. E tem uma atleta chamada Andrea Boquete! Argentina é eliminada e Peru fica sem boquete! Rarará!

E a medalha é horrorosa: parece bolacha de chope! E Pan de brasileiro é pan com ovo, pan com mortadela e PANDAÍBA! Rarará!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Por um liberalismo limpinho: os liberais contra Bolsonaro - PAULO ROBERTO TELLECHEA SANCHOTENE

Instituto Liberal
Bolsonaro, evidentemente, não é liberal. “Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal”, escreve Elena Landau, do Livres, na conclusão de recente artigo publicado no Estadão. Nisso, há consenso.

Portanto, não estou aqui a “apelar para a agenda econômica para descobrir um presidente liberal.” Estou aqui para argumentar em favor da tese de que o Livres cometeu um erro estratégico grave ao evitar aliar-se ao Bolsonaro; um erro que muitos liberais, do Livres e do MBL, por exemplo, ainda teimam em negar.

No último pleito presidencial, os liberais sozinhos não chegariam ao segundo turno. Claro, houve quem tenha apoiado o João Amoêdo, do Novo, para marcar posição. No entanto, pragmaticamente, para poder exercer alguma influência num governo, é necessário optar por alguém capaz de vencer, ainda que não seja o “ideal”. Os liberais que entenderam assim dividiram-se entre o Bolsonaro e o Alckmin.

O apoio de liberais ao Bolsonaro foi costurado antes de a campanha começar. É como o Paulo Guedes entra no time. Boa parte dos liberais votou no Bolsonaro já no primeiro turno. Bolsonaro venceu; Alckmin e Amoedo fizeram votações de figurantes. De um ponto de vista pragmático, os liberais que buscaram Bolsonaro estavam certos.
Os liberais que fizeram outras opções estão reclamando agora. Tentam justificar a escolha equivocada, boicotando um governo que promove a agenda liberal, como se houvesse alternativa. Não há. Deve-se reclamar do governo, sim, mas é preciso ter ciência de que essas reclamações são feitas por dentro da base; não, em oposição.

Eu jamais imaginei que o Bolsonaro pudesse vencer uma eleição para síndico, que dirá para presidente — quanto mais com o meu voto. No entanto, no ano passado, não havia alternativa. Pode-se não gostar do Bolsonaro, mas isso não importa. Mesmo entendendo que o governo dele venha excedendo minhas (irrisórias) expectativas, o relevante é não se poder brigar com a realidade. Atualmente, só há direita no Brasil no bolsonarismo ou aliada ao bolsonarismo.

Pode-se argumentar que o liberalismo não seja de direita e nem de esquerda. Landau o faz ao dizer: “o liberalismo não é nem um nem outro, mas os dois.” De fato, isso é verdade; mas política, por ser dividida entre governo e oposição, tem uma tendência dicotômica. Se liberalismo não é de direita e nem de esquerda, a tendência é de os liberais dividirem-se entre a direita e a esquerda. Individualmente, é preciso escolher entre um dos dois.

Eu, admito, sempre fui de direita. Em 2000, num congresso de estudantes de Direito em Salvador, com milhares de inscritos, o comentário foi “a direita chegou” quando apareci sozinho. Naquele fim de semana, senti-me “La Droite c’est moi.” A escolha do lado, para mim, foi natural.

Que direita era essa que eu representava, da qual faço parte? A direita de pessoas as quais, nas palavras de Landau, “a oposição [ao governo FHC] apelidou… de ‘neoliberais’, de forma depreciativa”. Trata-se da direita das pessoas que a própria esquerda reconhece estarem do outro lado. O problema do apelido para mim sempre esteve no “neo”; jamais, no “liberal”. E tal alcunha nunca me pareceu depreciativa.

Se em 2000, a direita era pequena, como meu exemplo acima sugere, a realidade de 2018 era distinta. No contexto político hodierno tupiniquim, após quase quinze anos de governos petistas, um impeachment e uma crise socioeconômica de proporções bíblicas, o momento era de ressurgimento da direita. Era, e ainda é, uma direita desorganizada e inconsistente; porém, tinha um trunfo – um candidato.

Quem escolheu o Bolsonaro como candidato foi a esquerda, ao passar afirmando algo equivalente a “o nosso oposto é o Bolsonaro.” No período entre 2013 e 2018, Bolsonaro usou isso como capital político. Foi agregando apoio e, no fim, o único nome viável era o dele. Foi como bem descreveu Landau: “Por mais absurdo que pareça, a polarização que marcou as eleições do ano passado fez de Bolsonaro símbolo da candidatura liberal em oposição a Fernando Haddad, que reafirmava o modelo estatizante. Era a opção para encerrar o ciclo PT.”

Foi nesse cenário, como “a opção para encerrar o ciclo do PT”, em que o atual presidente ingressou no PSL. O Partido Social Liberal é uma sigla de aluguel controlada por Luciano Bivar. A razão de Bolsonaro ter escolhido o PSL foi a mesma adotada por um grupo de liberais não muito antes – o “Livres”, de Elena Landau. O movimento, criado em 2016, começara a fomentar a filiação de seus membros no PSL para tomar o partido para si e transformá-lo no seu veículo de participação político-partidária.

Repito, quando Bolsonaro entrou no PSL, foi como se o candidato mais viável a vencer a eleição caísse de paraquedas no colo do Livres! O que aconteceu? Segundo registra a Folha de São Paulo em matéria de 4/8: “Às voltas com a possibilidade de receber o então presidenciável, o presidente da sigla, Luciano Bivar, ouviu um ultimato do grupo [Livres]: ou ele ou nós.” Em suma, o Livres recusou o presente! E recusou, nas palavras de Paulo Gontijo, atual presidente do movimento, por achar ser “um risco que se confunda liberalismo com governo Bolsonaro. Não é.”

Ainda assim, apesar do esforço do Livres em preservar a pureza do liberalismo, o risco se mantém. Por quê? Gontijo responde: “é como disse o próprio [Paulo] Guedes, este é um governo de coalizão entre alguns liberais e conservadores”. O jornalista arremata: “descreve Gontijo, com algum desânimo.” Sem o Livres, o candidato Bolsonaro ainda costurou o apoio de “alguns liberais” para a formação da coalizão que ora compõe o atual governo.

Política não é purista. Devem-se pesar as circunstâncias. Houve liberais que procuraram Bolsonaro e ele aceitou as condições para o apoio. Portanto, o “governo marcado pela intolerância” e de “viés autoritário”, segundo palavras da Landau, apesar de não ser liberal, cedeu parte importante da sua agenda aos liberais.

Bolsonaro poderia ter recusado o apoio em nome de um “purismo” conservador, mas não o fez. Entendeu, seja lá por qual motivo, que purismo seria ruim para ele. Entendeu bem. Purismo é o que há de pior na política. Já os autodeclarados tolerantes do Livres, “com algum desânimo”, lamentam que isso tenha ocorrido. Afinal, é “melhor deixar o liberalismo fora disso.”

Por “disso”, imagino que seja “do governo”. Landau registra: “Hoje as previsíveis dificuldades de levar adiante mudanças profundas sem o envolvimento direto do presidente da República são evidentes.” Para reforçar seu argumento, Landau coloca os méritos das mudanças alcançadas sobre Rodrigo Maia – um liberal de carteirinha, por certo. Pergunto, mas são previsíveis por quê?

Se o governo tem dificuldade de passar reformas liberais no Congresso, a culpa não é do antiliberalíssimo do presidente, como Landau acusa – ainda que possa haver algum fundamento no libelo. Nem Landau, tampouco Gontijo, nenhum menciona o fato de que o PSL elegeu a segunda maior bancada da câmara, com 52 deputados. O Livres, fora do PSL, conseguiu emplacar quatro: “O Livres está representado em Brasília pelos deputados federais Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Franco Cartafina (PP-MG), além do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).”

Com 4 deputados, fica bem difícil exercer influência sobre legislação e políticas públicas. No ano passado, as pessoas votaram em qualquer nome que tivesse um “17” do lado. Teriam votado em peso em candidatos do Livres. A bancada liberal no Congresso seria muito maior do que é.

É preciso que se diga: se o governo não é mais liberal do que vem sendo, a responsabilidade é toda do Livres; se a bancada do PSL é péssima, a culpa é toda do Livres. Bolsonaro fez a parte dele. Quem deliberadamente boicotou a causa liberal foi o Livres!

Eu não cito nomes para não magoar ninguém aqui com algum lapso, mas foi graças ao esforço de outros liberais, pessoas com senso político e de oportunidade, pragmáticos e sem nojo, que o governo brasileiro defende e age em prol de pautas liberais. Esses liberais são o porquê de o Bolsonaro ter conseguido vencer a eleição e representar a direita inteira. É pela iniciativa deles que, mesmo comandado por um porra-louca sem papas na língua, ao menos temos um governo engajado com reformas liberais.

O governo poderia ser ainda mais engajado nisso. Se não o é, é por causa dos próprios liberais. No entanto, há muitos que seguem buscando razões para evitar reconhecer o óbvio; que seguem forçando a concretização de uma profecia autorrealizável. Fazem isso para que não sejam obrigados a encarar seu próprio erro.

Eu disse não haver alternativa. Bem, se dependesse dos liberais puristas, do Livres e outros tantos, estaríamos hoje todos nós felizes e limpinhos fazendo oposição ao Haddad…

Trump está certo sobre Baltimore? Vamos ver alguns fatos - WALTER E. WILLIAMS

Gazeta do povo - PR/The Daily Signal - 10/08

Baltimore tem a segunda maior taxa de homicídios dos EUA, com 55,8 assassinatos por 100 mil habitantes.| Foto: Imagem de Bruce Emmerling por Pixabay



Eis o que o presidente Donald Trump twittou sobre um congressista de Baltimore e sua cidade: “Elijah Cummings (deputado pelo Partido Democrata) tem se comportado como um fanfarrão, provocando os grandes homens e mulheres da Patrulha da Fronteira sobre as condições na fronteira Sul, quando na verdade seu distrito de Baltimore é muito pior e mais perigoso. Seu distrito é considerado o pior dos EUA”.

"Como foi provado na semana passada durante uma visita do Congresso, a fronteira é limpa, eficiente e bem administrada, apenas muito cheia", acrescentou Trump. “O distrito de Cummings é uma bagunça infestada de ratos. Se ele passasse mais tempo em Baltimore, talvez pudesse ajudar a limpar este lugar imundo e muito perigoso.”

As alegações de Trump, sugerindo que o distrito democrata de Baltimore, em Maryland, é "considerado o pior e mais perigoso", foram chamadas de racistas.

Mas é fácil saber se as alegações de Trump têm algum mérito. É só recorrer aos fatos. Vamos ver alguns.

Em 2018, Baltimore foi classificada como uma das "Cidades mais infestadas por ratos" no país pela empresa de controle de pragas Orkin. Embora tenha havido progresso nos últimos anos, Baltimore ocupa o nono lugar em infestação de ratos, abaixo da sua sexta posição há dois anos na lista de Orkin.

E quanto à segurança?
Em 2017, St. Louis teve a maior taxa de homicídios do país, com 66,1 homicídios por 100.000 habitantes. Baltimore ficou em segundo lugar, com 55,8 assassinatos por 100 mil pessoas. O fato desagradável é que as cidades predominantemente negras e democratas têm os piores registros de segurança pública.

A Trace, uma organização independente de notícias sem fins lucrativos, usando os dados de 2017 do programa Uniform Crime Reporting do FBI, listou as 20 maiores cidades dos EUA com as maiores taxas de homicídio. Depois de St. Louis e Baltimore, Detroit ficou em terceiro lugar, com 39,8 assassinatos por 100 mil pessoas.

Outras cidades com altas taxas de homicídio incluíam Nova Orleans; Kansas City (Missouri); Cleveland; Memphis (Tennessee); e Newark (Nova Jersey). Com 24,1 assassinatos por 100.000 habitantes, Chicago ficou em nono lugar no país, seguida por Cincinnati e Filadélfia. Washington, D.C., foi a 17º.

E quanto à educação em Baltimore?
Em 2016, em 13 das 39 escolas secundárias de Baltimore, nem um único aluno obteve proficiência no exame de matemática do estado. Em outras seis escolas secundárias, apenas 1% conseguiu proficiência em matemática. Em números brutos, 3.804 estudantes de Baltimore fizeram o teste de matemática do estado e 14 conseguiram a proficiência. Apenas 15% dos estudantes de Baltimore passaram no teste de inglês do estado.

Dinheiro não é o problema. Dos 100 maiores sistemas escolares do país, as escolas de Baltimore ocupam o terceiro lugar em gastos por aluno.

Os alunos negros de Baltimore recebem diplomas que atestam que podem atuar em um nível equivalente ao segundo grau completo, quando, na verdade, podem não ser capazes de fazê-lo em um nível de sexta, sétima ou oitava série. Embora não suspeitem, na prática os diplomas desses estudantes são fraudulentos.

Resultado: se não conseguirem passar em um concurso público, acusarão o exame de ser racista. Quando recebem notas baixas na faculdade e fracassam, eles atribuem sua situação ao racismo.

A informação que esses estudantes negros têm é que eles, assim como estudantes brancos, têm um diploma do ensino médio e a única explicação que eles vêem para resultados desiguais é o racismo. A mesma história de resultados pobres da educação pode ser contada sobre a maioria das cidades com grandes populações negras.

Os problemas que os negros enfrentam independem de quem é o presidente dos EUA. Esses problemas não foram amenizados quando Barack Obama era presidente. Esses problemas não serão amenizados pela presidência de Trump, embora a taxa de desemprego negro seja consideravelmente menor.

A lição para os negros é que os políticos e o governo não são soluções. Se fossem, com um gasto público que ultrapassa US $ 22 trilhões nos últimos 50 anos, os negros não enfrentariam os problemas de hoje.

Walter E. Williams é colunista do The Daily Signal e professor de economia na George Mason University.

Redes sociais, democracia e a sociedade hiperconectada - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG - 10/08

Tempos confusos, tempos conturbados, mudança multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas redes sociais.

Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada, exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.

A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a vida em suas dimensões econômica, social e política.

A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.

A internet e as redes sociais propiciaram um enorme aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e controle social sobre os processos de decisão.

Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana, assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O “vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.

Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil, onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de instituições fundamentais.

A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.

O problema não está na ferramenta, um monumental avanço. Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural dos seus usuários.


O trilema cambial - RODRIGO ZEIDAN

FOLHA DE SP - 10/08

Para o Brasil, o objetivo é tentar não virar dano colateral de uma guerra cambial


A guerra comercial entre Estados Unidos e China está virando uma guerra cambial. Nos últimos dias, o Federal Reserve americano baixou os juros, Pequim desvalorizou sua moeda e Washington voltou a acusar os chineses de manipulação cambial.

Na década passada, tal acusação fazia algum sentido. Hoje, com um novo sistema cambial depois de o banco central chinês ceder ao ataque especulativo de 2015/16, perpetrado em grande parte pelas estatais chinesas, não faz nenhum. Uma guerra cambial pode levar o mundo a uma recessão.

O ataque especulativo veio por um erro de política econômica chinesa: ignorar as restrições do "trilema" de economia internacional, um conjunto de restrições que afetam todos os países, incluindo os EUA.

Governos podem escolher duas, e somente duas, dentre as três opções:liberdade de mandar dinheiro para fora do país, autonomia do banco central para decidir a taxa de juros da economia e sistema de câmbio fixo.

Nos EUA, assim como no Brasil, a escolha é pelas duas primeiras opções. O dólar, assim como o real, é flutuante. Pode haver impostos, mas não há limites de envio de dinheiro para o exterior.

O Banco Central e o Federal Reserve mexem os juros quantas vezes quiserem. No mercado de câmbio, a única diferença é que o BC brasileiro, de vez em quando, intervém para conter uma brusca desvalorização.

O trilema já nos fez mudar de rota uma vez. Em janeiro de 1999, o governo brasileiro escolheu abandonar o sistema de câmbio fixo para manter liberdade de capitais e autonomia de política monetária.

Na China, até 2006, o governo mantinha o yuan artificialmente desvalorizado, à taxa de 8,3 por dólar. Havia controle de capitais (similar ao que vigorava no Brasil na década de 1980): empresas precisavam de autorização da autoridade monetária chinesa para enviar dinheiro para fora.

De 2006 a 2014, a autoridade monetária chinesa foi deixando o yuan se valorizar (o câmbio chegou a 6 yuans por dólar). Com US$ 4 trilhões de reserva, as autoridades cometeram um erro: afrouxaram os controles de saída de capital, achando que o excesso de reservas blindava o país de um ataque especulativo.

As empresas chinesas foram às compras. Mas, com a mudança de cenário em 2015 e o medo generalizado de uma crise global, as estatais chinesas começaram a mandar dinheiro para fora apostando que o governo não aguentaria manter o câmbio fixo, agora valorizado.

Em poucos meses as reservas caíram em mais de US$ 1 trilhão. O governo chinês cedeu, desvalorizou o câmbio, reformou o sistema para deixar o yuan (ainda semifixo) flutuar mais e trouxe de volta com força o controle de capitais.

Hoje, o banco central chinês mantém seu valor bem próximo do que seria se a moeda pudesse flutuar livremente; o yuan não é mais artificialmente desvalorizado.

A queda desta semana, com a taxa de câmbio ultrapassando 7 yuans por dólar, não muda isso, já que a economia chinesa está desacelerando. Mas isso não parece importar para os americanos. A acusação sem fundamentos pode levar a mais reações protecionistas dos dois lados.

Aqui, isso geraria mais desvalorização e inflação. Nossa escolha por liberdade de capitais e autonomia de definir a taxa básica de juros significa que estamos conectados ao ciclo mundial para o bem e, como vemos hoje, para o mal. Pior é saber que essa guerra é escolha política e que não haverá vencedores.

Só há um objetivo para o Brasil: tentar não virar dano colateral.

Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

Lava Jato no espelho - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/08

Mensagens vazadas oferecem oportunidade para reforçar limites de investigadores


Passados dois meses desde que as mensagens vazadas de integrantes da Lava Jato começaram a ser divulgadas, é possível tirar três conclusões sobre o procurador Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa à frente da operação em Curitiba.

Nos anos em que o ministro Sergio Moro foi o juiz responsável pelo caso, o procurador desenvolveu relação de grande proximidade com ele, em que trocaram informações, debateram estratégias e discutiram decisões fora dos autos.

Ficou evidente que Dallagnol lucrou com a fama alcançada, dando palestras sobre corrupção para empresas e associações privadas. Pode ter faturado com elas quantias superiores aos rendimentos que recebe como servidor público.

Surgiram indícios de abuso de poder. As mensagens obtidas pelo site The Intercept expõem diversas situações em que o coordenador da força-tarefa incentiva colegas a investigar ministros do Supremo Tribunal Federal sigilosamente, com desprezo aos limites legais.

Caberá ao Judiciário e ao Conselho Nacional do Ministério Público, responsável pela fiscalização do trabalho dos procuradores, examinar as condutas de Dallagnol, determinar o que há de impróprio nelas e decidir se merecem punição.

Mas os danos causados pelos vazamentos à credibilidade do procurador são difíceis de reparar, e sua continuidade nas atuais funções parece ter se tornado inviável.

Mesmo que se considere a origem ilícita do material, obtido por jornalistas após a invasão de aparelhos celulares por um hacker, é impossível ignorar o conteúdo dos diálogos e as suspeitas que levantam sobre as ações da Lava Jato.

Para evitar debater a substância das revelações, Dallagnol tem lançado dúvidas sobre a autenticidade das mensagens e atacado os críticos, que acusa de defender a impunidade de corruptos e poderosos. Trata-se de estratégia diversionista e provavelmente inócua.

Ninguém despreza os resultados da Lava Jato, mas eles não podem servir de escudo para proteger os participantes da operação e impedir que sejam coibidos abusos como os revelados pelo vazamento.

Há certamente uma oportunidade para aperfeiçoar o controle do trabalho dos procuradores, exercido atualmente com tibieza pelo CNMP. Suas normas poderiam impor rigor e transparência a atividades como as palestras de Dallagnol.

Há espaço para que o Congresso e o Supremo reforcem os limites que devem ser respeitados pelos investigadores, sem ignorar a proteção garantida pela Constituição à independência do Ministério Público e de seus membros.

As mensagens vazadas oferecem um espelho incômodo para os que participaram de excessos da Lava Jato. O futuro do combate à corrupção dependerá das lições que souberem extrair dessa reflexão.