quarta-feira, julho 31, 2019

Quem sofre manipulação digital? - HELIO BELTRÃO

FOLHA DE SP - 31/07

Agimos no mundo virtual como se deixássemos a chave de casa sob o capacho

Nos anos 1980, os hackers invadiam as secretárias eletrônicas alheias teclando rapidamente os seguintes algarismos em sucessão: 12345678987654321357924686429731474193366994488552277539596372582838491817161511026203040506070809001. Essa é a menor sequência de algarismos que percorre todas as combinações de dois dígitos que compunham a senha das secretárias eletrônicas.

Quem poderia imaginar que a antiquada caixa postal do celular nos exporia a todos em 2019?

Outro truque barato foi demonstrado durante a conferência hacker DEF COM, em 2018, em Las Vegas, para violar o PayPal, e foi usado pelohacker tupiniquim para violar centenas de contas do Telegram.

A receita é a seguinte: 1) obter o número de celular da vítima; 2)instalar o Telegram (ou outra rede social) utilizando como login o número da vítima; 3) ao indicar que esqueceu a senha, solicitar sua redefinição por meio de chamada de voz gravada (em vez de SMS); 4) ato contínuo, inundar o telefone da vítima com chamadas para ocupar a linha e assim direcionar a gravação de voz com a senha provisória para a caixa postal. A partir daí, basta entrar na caixa postal da vítima e capturar a senha. Voilà!

Se no mundo real protegemos bens e dinheiro com cadeados e chaves e zelando por nossas carteiras, na internet a obtenção fraudulenta de senhas abre as portas para nossos segredos e intimidades, e, no caso de cartões de crédito e senha de banco, para nosso patrimônio.

Serviços gratuitos como Facebook e Gmail se monetizam por meio de anúncios individualizados baseados nos dados de comportamento dos usuários. Quanto mais dados coletados e processados, melhor se preveem as intenções de consumo.

Essa coleta e tratamento maciço de dados assusta muita gente. A tese de Shoshana Zuboff em seu recente livro "The Age of Surveillance Capitalism" é que nossos comportamentos são coletados e vendidos aos "capitalistas vigilantes", principalmente Facebook e Google, que, por sua vez, nos subjugam.

Argumento similar é abordado em "The Great Hack", documentário alarmista de esquerda no qual o usuário de rede social é descrito como manejável, com comportamento manipulado por propaganda microcustomizada à sua personalidade. Isso explicaria as vitórias de Trump, Bolsonaro e o brexit. Bobagem.

Não considero que a microcustomização seja a vilã das eleições. Propaganda, fake news, malícia e carisma existem há séculos, e uma regulamentação não os fará desaparecer. Sim, a propaganda funciona, mas só perdura se vinculada a um bom produto. Em vez de criticar a propaganda, os adversários deveriam trabalhar em um produto superior.

A microcustomização pode gerar alguns anúncios indesejados, mas em geral atende uma necessidade real. Os usuários parecem acreditar que a troca de seus dados pelo uso gratuito da rede social compensa. Aquele que discordar pode usar outra rede social. É uma decisão difícil, mas é toda do usuário.

Acima de tudo, costumamos ser desleixados, agindo no mundo virtual como se mantivéssemos as janelas do banheiro escancaradas para o vizinho ou deixássemos a chave de casa embaixo do capacho. É fundamental, portanto, traçar o limite de sua vida privada e defender seus tesouros.

Chama a atenção no recente episódio do hackeamento o descuido de pessoas do alto escalão do poder púbico com sua segurança digital. Esquecem-se de lições básicas como fazer as atualizações, não usar wi-fi de terceiros ou públicos, habilitar a autenticação de dois fatores, criptografar seus backups e procurar usar soluções criptografadas.

Não basta mais desabilitar a caixa postal.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

O corte de cabelo fatal - MATHIAS ALENCASTRO

FOLHA DE SP - 31/07

Ao humilhar superministro francês, Bolsonaro arrisca sabotar acordo Mercosul-UE



O governo do presidente francês Emmanuel Macron é ideologicamente a favor do tratado com o Mercosul. Ele permite consolidar a aliança comercial da União Europeia, confrontada à ascensão nacionalista. O acordo também ajuda a vencer resistências internas ao projeto político de Macron, que tem na inserção internacional da França a sua principal agenda programática.

A França tem um longo histórico de pragmatismo nas relações internacionais. Raramente hesitou em colaborar com regimes autoritários no oriente médio e na África subsaariana para assegurar os seus interesses estratégicos.

Numa reviravolta inesperada, Macron se prepara para receber um dos seus maiores desafetos, Vladimir Putin, dias antes do G7 de Biarritz, marcado para 28 de agosto. Visivelmente, o presidente francês chegou à conclusão que a defesa da democracia liberal não pode interferir nos negócios.

Verdadeira instituição ambulante, o ex-socialista Jean Yves Le Drian é um dos raros superministros de Macron com autoridade política incontestável.

A sua vinda a Brasília tinha tudo para selar uma aliança entre dois governos ideologicamente antagonistas.

Bolsonaro optou por humilhar Le Drian, cancelando o encontro bilateral na última hora e surgindo logo depois, numa live, cortando o cabelo.

Diante de tal comportamento niilista, o governo francês não terá escolha senão abandonar a tentativa de aproximação com o Brasil.

Ao sentar na cadeira giratória, Bolsonaro sabotou um acordo costurado durante décadas e alienou apoio de governos europeus e latino americanos. Esse episódio será certamente lembrado como um dos momentos mais absurdos da história da diplomacia nacional.

Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

O falso mito - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 31/07

Curupira, Boitatá, Saci-Pererê e outros querem processar Bolsonaro


Tinha de acontecer. Ao ver o presidente Jair Bolsonaro ser chamado de "Mito! Mito!" por claques profissionais e inocentes úteis, onde quer que apareça, os verdadeiros mitos brasileiros resolveram se unir e protestar contra o que consideram uma usurpação de seus direitos na lenda nacional. Os mitos são figuras simbólicas, que pertencem ao folclore —lendas construídas pelo povo, com o objetivo de nos ensinar ou explicar alguma coisa, mas sempre benignas.

A Mula-Sem-Cabeça, por exemplo, é uma mulher que foi seduzida por um padre e, por isso, nas noites de quarta-feira, transforma-se num animal que, apesar de sem cabeça, relincha e lança chispas pelas narinas. O Boto é o contrário. Nos fins de tarde na Amazônia, aparece para as moças como um rapaz de branco, engravida-as e, depois, novamente boto, volta para o rio. Os dois têm uma conotação moral, mas Bolsonaro só deve ver neles imoralidade.

O Saci-Pererê é o menino negro, de uma perna só, cachimbo na boca e carapuça vermelha, que dá o exemplo pelo contraste, tipo "não façam o que eu faço". Por isso cria confusão na floresta, assusta o gado, lança pistas falsas, joga uns contra os outros. É o que Bolsonaro está fazendo com o país, só que para valer.

Os mais revoltados são o Curupira e o Boitatá —por serem os protetores das florestas e de seus habitantes. O Curupira é o menino de cabelos ruivos e pés com os calcanhares para frente. Os pés ao contrário são para despistar os caçadores, pecuaristas, mineradores, grileiros e outros que não hesitam em devastar ou matar os que interferem com seus interesses. O Boitatá é a cobra-de-fogo, o fogo purificador, também guardião dos animais e das árvores. Gosta de aparecer à noite, quando os depredadores se julgam a salvo, para lhes infundir pavor.

Para eles, o mito Bolsonaro é não apenas falso, como prega e pratica o contrário do que se espera dos mitos dignos deste nome.

‘Lógica’ de Bolsonaro aguça conflitos e aprofunda mal-estar - CARLOS MELO

ESTADÃO - 31/07

A pergunta repetida é: o que pretende Bolsonaro? Difícil responder.


Após se certificar da aprovação da reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro se desvencilhou do bom senso e do comedimento exigidos ao chefe de Nação. Das declarações estapafúrdias a correspondentes estrangeiros até a agressão à memória das vítimas do regime militar, o Brasil se vê num processo vertiginoso em que o disparate do dia supera o anterior. Uma torrente de despautérios que deixa o País em transe.

A pergunta repetida é: o que pretende Bolsonaro? Difícil responder. No destempero habitual, fruto de personalidade autoritária, o presidente dá tiros a esmo. É o estilo do homem. Aparenta ser mais instintivo que estratégico. Mesmo assim, é claro que sua ação não deixa de ter aqui e ali objetivos e inevitáveis consequências.

O certo é que não fala para a Nação. Nem a totalidade dos 57 milhões de eleitores que o sufragaram sancionaria, na íntegra, o que tem dito. É interessante notar o número de visitas que, presidente, já fez ao Congresso Nacional. Seria a nostalgia dos tempos de deputado, quando qualquer declaração era impune? Estaria governando como se ainda deputado fosse?

Tematicamente, é possível. Mesmo assim, há inegável salto político: dirigindo-se apenas aos que aprovam seu governo – em torno de 30%, de acordo com as pesquisas –, Bolsonaro forja e consolida um relevante campo eleitoral. Na desorientação da oposição e na fragmentação do centro, confiando no alheamento político-eleitoral e na perplexidade das instituições, os destemperos do presidente mantêm sua tropa unida, agregam e dão sentido a setores tão reacionários quanto ele.

Está longe de ser a maioria, mas acaba por somar um contingente que, hoje, o coloca como a principal força política do País. Nada mau para quem há um ano não tinha maiores perspectivas e ainda hoje carece de propostas. O problema é que essa lógica aguça conflitos, aprofunda o mal-estar, no Brasil e no exterior, assusta e afugenta investidores. Pior, pode ao final desagregar o que ainda entendemos como Nação.

CARLOS MELO É CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

Não se governa com o verbo - ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

O Estado de S.Paulo - 31/07

Há um ditado da sabedoria mineira que diz: quem fala muito dá bom dia a cavalo


Governa-se, ou deveria ser assim, com ações. As palavras servem para explicar e justificar as condutas. Ambas, ações e palavras, devem ser precedidas de reflexões, análises e ponderações. A palavra pode preceder a ação, mas se esta não for efetivada ou se não estiver consentânea com o que foi dito e anunciado, a palavra será desvalorizada, e o seu autor ficará desacreditado.

Ademais, pensamentos e ideias devem estar previamente alinhados com projetos de interesse coletivo, e não representar desejos pessoais, desalinhados dos anseios da sociedade. Não havendo esse alinhamento, melhor seria o silêncio.

No entanto, como não se tem silenciado, ao menos em respeito ao dia que começa, as entrevistas nos cafés da manhã deveriam ser transferidas para os chás da tarde. Em vez de permanecerem vivas na lembrança dos interlocutores durante todo o dia, essas entrevistas dadas no final da tarde só maltratariam a memória por poucas horas.

Por vezes o conteúdo dos pronunciamentos não é confirmado no dia seguinte, a pretexto de terem sido mal interpretados, ou de terem sido deturpados pela imprensa. Quando a matéria escapa de seu entendimento, ele cria polêmicas por meio de questionamentos incabíveis e inadequados, ou a substitui por questões menores e sem interesse. Em ambas as hipóteses todos os que tomaram conhecimento de sua fala ficam perplexos e confusos.

Uma marca desses pronunciamentos é a capacidade que têm criar desavenças e desarmonias. Em regra contêm um caráter negativo, contestatório de conceitos e opiniões que já estão sedimentados na cultura social.

Temas os mais variados, alguns singelos e de fácil compreensão, outros complexos, passaram a ser alvo de contestação desprovida de explicação racional, que acaba provocando acirradas polêmicas e um grande desconforto, que atinge até mesmo os seus mais próximos colaboradores.

Em lúcido, oportuno e esclarecedor editorial, O esgarçamento do tecido social (21/7, A3) O Estado de S. Paulo retratou com exatidão as consequências desse comportamento que utiliza a palavra a esmo, sem base fática ou sem uma exata correspondência com a realidade. A primeira delas é a disseminação de um clima de intolerância, polarização, discriminação, “diminuição das liberdades e tantos outros retrocessos civilizatórios”. Esses efeitos atingem de maneira frontal, conforme com razão afirma o jornal, um dos objetivos da República, que é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3.º, I, da Constituição). Após ponderar que o estímulo à dissidência e à divisão do País não é iniciativa atual, pois governos anteriores já dele se utilizaram, o editorial realça que tal fato não autoriza a sua repetição, ao contrário, obriga à sua extirpação como política e método de atuação.

Qual misterioso motivo o leva a contrariar o bom senso, o senso comum, enfim, a racionalidade, e a transformar suas ideias e palavras em manifestações de absoluto nonsense.

Assim, o fim do controle da velocidade nas estradas, a desnecessidade de cadeiras para as crianças nos automóveis, o apoio ao trabalho infantil, o seu desejo de substituir as tomadas trifásicas, a não cobrança de taxas em Fernão de Noronha (todos os países do mundo cobram em lugares turísticos), a pouca ou nenhuma preocupação com o meio ambiente, com a educação e com a saúde colocam-no como se observa, na contra mão do querer da sociedade. Ademais, parece que tudo o que lembra democracia, liberdade e aprimoramento das instituições e da sociedade não é do seu agrado: participação popular nos conselhos, existência de conselhos de controle profissional, existência do Exame de Ordem, sua aversão pelas ONGs, ataque à imprensa e a certos jornalistas, indisposição com governadores de regiões do País, pregação contra o “perigo do comunismo”, que não passa de mera invencionice, desapreço pela cultura e pela liberdade de criação artística.

Existem muitas outras manifestações que se colocam contra o bom senso, contra a lógica e contra a vontade popular. A lista é interminável, pois diariamente é acrescida de afirmações, comentários, conclusões, ataques impensados e improcedentes, lançados sem nenhuma objetividade e finalidade. As palavras utilizadas, desprovidas de reflexão, são jogadas ao léu. No entanto, preocupam, pois, embora por vezes desprovidas de lógica e de racionalidade, elas acarretam consequências, pela relevância do cargo ocupado por quem as pronuncia. Causam apreensão, discórdia, insegurança e por vezes temor.

Saliente-se que a sua intensa atividade verbal se mantém sempre distante das reais necessidades, dos anseios e das aspirações do povo brasileiro.

Estava me esquecendo das armas. O mundo quer o desarmamento. Em pesquisa recente a sociedade brasileira mostrou igualmente ser contra as armas. No entanto, promessa de campanha e conteúdo de discursos, a apologia da sociedade armada transformou-se num dos principais acordes da orquestra governamental. O maestro e seus músicos pregam que a sociedade estará mais segura se os seus integrantes, da criança ao idoso, estiverem bem municiados e treinados.

Alardeiam que armados nos poderíamos defender. Talvez, se os assaltantes nos avisassem com antecedência do assalto e pudéssemos nos entrincheirar... E aí teríamos no País intermináveis e emocionantes tiroteios. Como eles não nos comunicam do ataque, continuaremos a ficar impotentes, ou seremos mortos caso reajamos.

Aliás, se pudéssemos ouvir o grande e inesquecível Garrinha, ele diria do alto de sua sabedoria de homem primário e tosco, mas intuitivo e de bom senso: “Andar armado, só se combinarmos com os russos antes”.

Há um ditado, verdadeira máxima, reflexo da sabedoria mineira, que diz: “Quem fala muito dá bom dia a cavalo”. Significa que o excesso no falar transforma a fala em nonada, pois de tanto se falar ninguém mais dá valor à palavra falada.

A política da raiva - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 31/07

Um governo que não respeita o passado e a convivência democrática não anuncia bom futuro.


O destampatório de Jair Bolsonaro nos últimos dias – especialmente virulento mesmo para os padrões do presidente – contribui para ampliar o seu isolamento político. Afinal, grande parte do eleitorado que sufragou o nome de Bolsonaro nas urnas no ano passado não o fez para que ele, uma vez na Presidência, passasse seus dias a alimentar violentos antagonismos com diversos setores da sociedade, dificultando consideravelmente a governabilidade. Mesmo entre os políticos que se elegeram na onda do bolsonarismo já há os que procuram manter uma distância prudente do presidente, pois temem ser identificados com a irresponsabilidade que tem caracterizado o comportamento de Bolsonaro.

Se entusiasmam os devotos mais fiéis da seita bolsonarista, as diatribes do presidente colaboram para anuviar ainda mais o sombrio horizonte político e econômico do País. O homem encarregado pelas urnas de dirigir os destinos nacionais choca diariamente a maioria dos brasileiros com declarações absurdas, baseadas em nada além de devaneios e despejadas sem qualquer respeito pelas normas da democracia e mesmo da civilidade. Tal comportamento irrefletido torna imprevisível tudo o que emana do gabinete presidencial. Hoje, sob esse comando irracional, é impossível dizer para onde vai o País.

Não à toa, as forças políticas no Congresso há algum tempo parecem se organizar para fazer avançar as reformas das quais o Brasil depende para evitar o colapso fiscal e ter alguma chance de retomar o crescimento econômico. Para o setor produtivo, o mais importante no momento é que o País reencontre o caminho da recuperação, colocando em segundo plano o destempero do presidente Bolsonaro, por mais infame que seja em algumas ocasiões.

Não é possível conceber, contudo, que um governo possa continuar indefinidamente na dependência dos humores do Congresso e, muito menos, da instabilidade emocional do presidente, que a cada dia se mostra menos preparado para o cargo que exerce. E esse despreparo não se manifesta apenas por sua patente e muitas vezes assumida ignorância a respeito dos principais desafios da administração do País. O maior sinal de que Bolsonaro não é vocacionado para a Presidência da República é sua incapacidade de aceitar os limites institucionais do regime democrático.

Em mais de uma ocasião, Bolsonaro agiu como se sua vontade pessoal fosse superior à Constituição, assinando decretos e medidas provisórias eivadas de ilegalidades. O presidente parece considerar que sua eleição transformou automaticamente em lei suas promessas de campanha e seus arroubos retóricos, bastando somente traduzi-los em linguagem jurídica.

Os bolsonaristas mais radicais, contudo, acreditam que Bolsonaro foi eleito justamente para questionar os pilares do sistema democrático, que para eles está inteiramente corrompido. Nessa campanha de saneamento nacional vale tudo, inclusive fraudar o passado, como fez recentemente o presidente ao atribuir a morte de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, um dissidente do regime militar, ao grupo de esquerda do qual ele fazia parte, embora o próprio Estado brasileiro admita, em documentos oficiais, que esse dissidente desapareceu depois de ter sido preso pela polícia política.

Para Bolsonaro, contudo, esses documentos são, simplesmente, “balela”. O presidente segue assim o padrão de duvidar de tudo o que contraria sua visão de mundo, mesmo que tenha sido produzido por autoridades de dentro de seu próprio governo ou por especialistas sem qualquer vinculação partidária.

Assim, o presidente Bolsonaro tenta usar sua autoridade de chefe de Estado para transformar em letra morta a base factual da história brasileira, o que tornaria legítima qualquer opinião acerca do passado, mesmo as mais estapafúrdias e aquelas que se prestam a alimentar laivos liberticidas. Esse lamentável episódio não foi apenas um ataque isolado à memória de um dissidente político, mas uma demonstração cabal de que Bolsonaro não se sente constrangido por nenhuma das normas de convivência democrática. Um governo com esse espírito, que não respeita o passado, não anuncia um bom futuro.


A ‘realidade paralela’ de Bolsonaro - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 31/07

Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, tinha família constituída, emprego público e domicílio sabido


Se Jair Bolsonaro conversasse com os septuagenários veteranos da “tigrada” da ditadura, não teria chamado o general da reserva Luiz Rocha Paiva de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro). Ele foi um dos principais colaboradores na manutenção do site Terrorismo Nunca Mais. Talvez também não tivesse sugerido que Fernando Santa Cruz, desaparecido desde 1974, quando tinha 26 anos, foi executado por militantes de esquerda. Fernando era o pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que tinha menos de 2 anos quando ele desapareceu.

O caso de Fernando Santa Cruz exemplifica, como poucos outros, o assassinato de uma pessoa que tinha vida legal, família constituída e domicílio conhecido. Ele morreu no último mês do governo Médici. A política de extermínio das organizações armadas brasileiras que agiam nas cidades já tinha esfriado, pois elas haviam sido esmigalhadas. Em novembro, um comando do DOI de São Paulo matou Sônia Maria Lopes de Moraes, da Ação Libertadora Nacional, e Antônio Carlos Bicalho Lana, que se escondiam no litoral paulista. Em dezembro, o Centro de Informações do Exército sequestrou em Buenos Aires e matou no Rio o ex-major Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, que haviam militado na Vanguarda Popular Revolucionária. Depois disso, nada. (Do Natal de 1973 ao final de 1974, mataram cerca de 40 militantes do PCdoB nas matas do Araguaia, inclusive os que se renderam. Ou, numa realidade paralela, foram todos resgatados por um disco voador albanês) Nesse período, deu-se a decapitação da liderança do Partido Comunista, que não pegou em armas.

Fernando Santa Cruz havia sido preso no Recife em 1966, quando era menor de idade. Desde 1968 tinha vida legal. Trabalhou no Ministério do Interior e mudou-se para São Paulo, onde trabalhava no Departamento de Águas e Energia Elétrica. Durante o carnaval de 1974, Fernando estava no Rio e marcou um encontro com o amigo Eduardo Collier, militante da APML. Temia ser preso e falou disso com a família.

Um policial de apelido “Marechal” disse que ele estava preso num quartel da guarnição de São Paulo. Daí em diante, nada. A mãe de Fernando, Elzita Santa Cruz, morta há pouco, foi uma leoa e bateu em todas as portas. Os senadores Franco Montoro e Amaral Peixoto perguntaram pelo paradeiro de Fernando da tribuna da Casa. Elzita escreveu ao comandante da guarnição do Rio e ao marechal Juarez Távora. O velho tenente de 1930 enviou a carta ao general Golbery, chefe do Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel, que assumira em março. Meses depois, ela interpelou o próprio Golbery. Na busca por Fernando, teve a ajuda do marechal Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia da FEB na Itália. Nada. O ministro da Justiça, Armando Falcão, informava que estava foragido, vivendo “na clandestinidade”. Mentira.

Nenhuma família de militante executado fingiu que ele desapareceu.

Bolsonaro pode ter sua realidade paralela, mas o general Rocha Paiva nunca foi “melancia”, nem Fernando Santa Cruz foi executado pela APML. Por falar nisso, Rubens Paiva não foi resgatado por comparsas. Quem diz isso são oficiais que estavam no quartel da PE do Rio em 1971.

Bolsonaro ainda não assumiu a Presidência - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/07

Afirmações em desacordo com o cargo que ocupa formalmente prejudicam o governo e o país


Integrante da bancada do baixo clero durante 28 anos, o deputado e ex-capitão Jair Bolsonaro notabilizou-se pelo histrionismo. Sempre defendeu a ditadura militar e sua violência contra opositores, e trabalhou em favor de demandas corporativistas dos militares. Mas soube aproveitar ventos favoráveis para se tornar um candidato viável em 2018.

Teve a seu favor o cansaço com o lulopetismo e a esquerda em geral, assim como a impossibilidade de outras forças políticas lançarem um candidato competitivo de centro.

Outra sorte foi disputar o segundo turno com o representante do PT, Fernando Haddad. Assim, Bolsonaro ganhou uma eleição plebiscitária, atraindo muito eleitor mais pela rejeição à esquerda do que por apoio à sua agenda na totalidade.

Eleito, pensava-se que Bolsonaro abandonaria o figurino do baixo clero, o histrionismo dos tempos de Câmara, entendendo o seu papel. Não é o que se vê. O presidente mantém o comportamento de baixo clero, e configurava-se o que se temia: ele é uma das maiores ameaças ao próprio governo.

Há pouco, microfones captaram um comentário preconceituoso seu sobre os governadores nordestinos, os “paraíba”, em especial Flávio Dino, do PCdoB do Maranhão. Em viagem à Bahia, pelo menos esforçou-se numa tentativa de reduzir o dano, até com chapéu de couro na cabeça.

O recuo de nada adiantou. Agora, ao criticar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e seu presidente, Felipe Santa Cruz, por não ter sido possível quebrar os sigilos do defensor da pessoa que o esfaqueou — é prerrogativa legal e estatutária da OAB defender imunidades dos associados —, o presidente resolveu comentar o desaparecimento do pai de Felipe, Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP).

Apesar de ser um caso já rastreado, Bolsonaro disse que se Felipe quisesse saber o que houve com o pai, lhe perguntasse. Na versão insustentável de Bolsonaro, Fernando foi “justiçado” por companheiros. Não importa para o presidente que na semana passada o próprio governo tenha emitido o atestado de óbito do pai do presidente da OAB, vítima de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.

Ao atacar a Comissão da Verdade, em que tramitam os casos de torturas, mortes e desaparecimentos, Bolsonaro tachou de “balela” documentos como os que lastreiam a certidão de óbito.

Se houvesse assumido de fato a Presidência, hoje Bolsonaro estaria preocupado com o fim do recesso do Congresso, na semana que vem, quando será retomado o debate sobre a reforma da Previdência, para que seja votada em segundo turno na Câmara. Estes, sim, são assuntos que deveriam preocupar Bolsonaro, cujo futuro político está sendo jogado nesta e nas demais reformas. Decide-se também a estabilidade do país.

Um presidente detestável - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/07

Falta a Bolsonaro a decência mínima, que nos faz reconhecer o próximo como semelhante


Já tivemos ditadores como Getúlio Vargas, Médici e Geisel, que ordenaram ou pelo menos toleraram crimes muito mais graves do que Jair Bolsonaro jamais cometerá, mas nenhum deles se revelou um ser humano tão destestável quanto o atual presidente. Falta ao chefe do Executivo aquela decência mínima, que nos faz reconhecer o próximo como um semelhante.

Não ignoro que, na política, é preciso às vezes levantar bandeiras polêmicas e antagonizar adversários. Só que existem modos e modos de fazê-lo. Se o presidente insiste em defender o golpe de 64, não precisaria enaltecer a tortura institucionalizada, que representa a forma mais covarde de violência que o Estado pode infligir contra o indivíduo. Se acha que as políticas identitárias foram longe demais, poderia apenas dizê-lo, sem necessidade de disparar ofensas contra minorias.

De modo análogo, se Bolsonaro deseja criticar um jornalista, o que é pleno direito seu, poderia questionar aspectos técnicos de seu trabalho ou mesmo seus pressupostos filosóficos. Quando opta por atacar sua vida pessoal, dá mostras de que ou não entendeu a dinâmica da liberdade de imprensa ou tem problemas de caráter mesmo.

Se nutre uma desavença com alguém, deveria circunscrever sua animosidade contra o adversário. Ao insultar seus familiares, que já não podem defender-se, exibe uma faceta cruel e desumana. Traduzindo isso para uma linguagem que o presidente talvez seja capaz de alcançar: "a mãe não, pô!".

A principal missão de um governante é produzir bem-estar e distribuí-lo de forma tão equânime quanto possível. Historicamente, porém, alguns dirigentes se destacaram por atuar como reserva moral da nação, equilibrando sabedoria e compaixão para levantar e arbitrar questões decisivas. Ainda é cedo para dizer se Bolsonaro conseguirá cumprir o primeiro objetivo, mas no segundo ele já fracassou —como líder e como ser humano.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Até o amargo fim - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 31/07

Sem chance para impeachment ou intervenção militar

Jair Bolsonaro caminhou rapidamente, em apenas seis meses, para a beira do precipício e, lá chegando, fez o previsível para pessoas do seu tipo: se atirou. Não satisfeito, começou a cavar sofregamente mais fundo, para continuar a deliciosa vertigem rumo ao nada.

Seu desempenho está mil vezes pior do que quando era um deputado apenas fanfarrão. Ali ninguém era obrigado a ficar ouvindo. Agora é o presidente da República em um país onde o governo invadiu de forma direta e inexorável a vida cotidiana do cidadão. Não dá para ignorar. São declarações absurdas, uma após a outra, e se escora na ala terrível de seu eleitorado, a escória que defende a tortura, dispensando conselhos de outros grupos de apoiadores, gente séria que também integra seu eleitorado. A preferência é do caráter.

As suas intervenções sobre qualquer assunto de qualquer área vão esvaziando sua autoridade. São propostas equivocadas, conceitos estapafúrdios, opiniões draconianas ditas de forma agressiva. É possível ter um presidente impopular em alguns momentos, mas cheio de razão e legitimidade, exercendo com dignidade sua função. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viveu períodos assim. É difícil, porém, exercer o cargo quando se tem popularidade mas é olhado com desprezo. Quando o presidente passa a ficar no cargo porque não tem outro jeito, já perdeu a autoridade. Assim está o Brasil, com um presidente sem condições políticas, psicológicas, sociais e morais de governar e liderar sequer seu público votante, quanto mais exercer o governo de todos, como a praxe exige. Qual a solução para o vácuo de poder, de credibilidade e equilíbrio necessários a manter os cidadãos livres e bem de saúde mental?

A pergunta é insistentemente feita no Executivo, Legislativo e Judiciário, três Poderes perplexos: não seria o caso de impeachment por falta de decoro? E a resposta é também consensual: não.

Se essa for a única saída dos cidadãos para abreviar a agonia de um desgoverno num país das dimensões deste, prepararem-se para navegar em tormenta até 2022. E, se a economia reagir ao efeito do gás paralisante que inalou, melhor contar com solução só em 2026, depois do segundo mandato. Presidente popular não perde disputa de reeleição, mesmo que tenha feito pacto com o diabo.

Se lá na frente vai surgir ou não uma alternativa que não existe agora nem existiu em 2018 é uma incógnita. Enquanto isso pode-se alimentar expectativa para fugir da solução rápida, porém inviável.

O impeachment está descartado, nas condições do momento atual, como solução para o fim do pesadelo vivido pela sociedade brasileira. Começa por não ter quem colocar no lugar de Jair Bolsonaro. Quando Michel Temer reagiu ao governo Dilma Rousseff, já estava preparado: contava com o apoio do Centrão, tinha um plano de trabalho, a adesão de vários ministros do governo a ser deposto e a condição constitucional de ser o vice-presidente eleito.

Hoje não há nada disso. O general Hamilton Mourão, vicepresidente eleito, tem apenas essa condição legal. É pouco. Diante da atuação e do comportamento presidencial, o Congresso, com Centrão à frente e mais direita ou esquerda, recolheu-se à sua própria agenda, mais útil ao país do que ficar respondendo a insultos e divagações presidenciais. Os ministros agarram-se aos galhos, alguns podres, da árvore do governo para não cair, e em maioria agem à semelhança do chefe, dele dependendo para sobreviver na política. Quando uma celebridade da ética como Sergio Moro amarra seu destino ao de Jair Bolsonaro e dele passa a depender para livrar-se de problemas, se o mundo da política não acabou, está acabando.

Mourão está contido pela intimidação e não tem apoio de ministros, nem mesmo dos generais do Planalto, divididos entre si. Os militares que povoam o governo não vão evitar mas também não vão precipitar um desfecho. Estão, como Mourão, fracos, distanciados do presidente e com muitas razões para não tentar consertar o que está torto. Bolsonaro os trata muito mal, não são eles que tutelam o presidente mas são por ele tutelados. Bolsonaro os demite, quanto mais laureados, melhor, saboreando o prazer indescritível que deve ser um capitão dominar um general. Bolsonaro disputa com eles a liderança das tropas: não perde uma formatura, um dia do paraquedista, da infantaria, da cavalaria, da engenharia, do aviador, do fuzileiro, uma só das milhares de solenidades que dão movimento aos quartéis.

Os militares, também, não podem sair do governo. Para fazer o quê? Além do atestado de fracasso e do erro da aposta, ainda seriam responsáveis por deixar o governo vagando sem equipe. E, para o presidente, qualquer um é alvo. Não tem Santos Cruz, com seu currículo internacional. Tem um capitão ressentido indo à desforra. O general Villas Bôas está mudo, recolhido. O general Augusto Heleno, outrora poderoso, está precisando gritar para se fazer notar.

O sentimento de disciplina impede a revolta, fora o fato de que temem duas armas realmente letais de Bolsonaro: os filhos, boquirrotos como o pai, que dizem qualquer coisa e fazem qualquer coisa, e o nicho mais violento de seus apoiadores na Internet, que não observam limites de nenhuma espécie.

Se o Congresso está tocando seu próprio plano, o vice-presidente sem condições de liderança e os militares falsamente abúlicos para não tomar uma iniciativa que represente solução, a marcha segue no ritmo da insensatez atual.

Se a economia, ainda que pareça pálida, vagarosa e insuficiente, começar a fazer o movimento inverso daquele de Bolsonaro e procurar a superfície, será possível encontrar um lenitivo. Ainda que mínimo. Podem surgir novas razões para crença de que será mantido, para o segundo mandato, o eleitorado sem alternativa do primeiro. Também uma massa social menos insegura e um Congresso menos perplexo como efeito do bem estar econômico. A solução por essa via, porém, é incerta e demorada. Pode ser facilmente contaminada, no governo, pelo método, ideologia e conceitos peculiares do presidente.

Espiral de infâmias - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 31/07

Em declarações, Bolsonaro escancara leviandade e inclinação autoritária


Numa escalada sem precedentes de insultos às normas de convívio democrático, aos fatos históricos, às evidências científicas e aos direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aguçou nos últimos dias as tensões e incertezas em torno de sua administração.

Se no início de mandato declarações e medidas estapafúrdias ainda podiam, com boa vontade, ser vistas como tentativa de satisfazer o eleitorado mais fiel e ideológico, o que se verifica agora é um padrão de atitudes que ofendem o Estado de Direito, reforçam preconceitos e aprofundam as divisões políticas.

Além de expor o despreparo do chefe do Executivo para desempenhar suas funções num quadro de coexistência com as diferenças, a insistência na agressão e na boçalidade revela uma personalidade sombria que parece se reconhecer, com júbilo, nas trevas dos porões da ditadura militar.

As insinuações sórdidas acerca do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz —morto, segundo as investigações, sob a guarda do poder autoritário—, são um exemplo da pequenez e da leviandade a que pode chegar o presidente.

Não espanta, aliás, que tenha classificado como “balela” documentos oficiais sobre abusos cometidos pelo regime. Já eram, afinal, conhecidos seus elogios ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, bem como suas simpatias pelas violações praticadas no submundo dos órgãos de repressão.

Enganou-se, infelizmente, quem esperou que a condição de presidente da República levaria o ex-deputado nanico a moderar o discurso e buscar alguma conciliação.

Pelo contrário, são os traços intolerantes e obscurantistas do mandatário que saltam aos olhos nos ataques e afirmações falsas dirigidos aos jornalistas Miriam Leitão e Glenn Greenwald, nas imposturas acerca do desmatamento da Amazônia, nas ameaças de censura ao cinema, no tratamento injurioso aos nordestinos e no desdém pelo massacre de presos no Pará.

Talvez transtornado com as críticas à indicação vexatória de um filho à embaixada em Washington, ou com as investigações que envolvem outro, Bolsonaro aprofunda a estratégia populista e acentua a retórica de confrontação.

Com índices de aprovação aquém dos obtidos por seus antecessores em igual período do mandato, o presidente desperta crescente apreensão quanto a seu desempenho nos anos vindouros.

Para alguns analistas, os destemperos verbais já começam a fornecer munição para um eventual enquadramento em crime de responsabilidade, por procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

Não se vê nenhum movimento nesse sentido, e a perspectiva de reforma da Previdência dá fôlego ao governo. Entretanto a recente espiral de infâmias não poderá se perpetuar sem consequências.