quinta-feira, julho 25, 2019

A responsabilidade é sua, presidente - FERNANDO SCHÜLER

FOLHA DE SP - 25/07

Primeira tarefa é compreender que preside um país inteiro, não uma parte

Passei uma semana em Washington, em um seminário, e acompanhava flashes da política americana. O assunto do momento eram os tuítes de Trump dizendo que algumas deputadas democratas, de famílias de imigrantes, deviam “voltar para seus países quebrados e infestados pelo crime”. A partir daí, o bate boca infinito. Gente respeitável chamou o presidente de racista e pediu seu impeachment. Do outro lado, a multidão gritava “mande-a de volta”, no comício seguinte de Trump.

De volta ao Brasil, a sensação incômoda. Eventos distintos com uma lógica constrangedoramente parecida. O mundo político discute o uso do termo “paraíba”, pelo presidente, e se ocupa com as provocações de sempre de Bolsonaro, que vão de uma opinião irrelevante sobre o filme “Bruna Surfistinha” à sua (quase inacreditável) insistência em emplacar o filho como embaixador nos EUA.

De fato, há um problema aí. Em primeiro lugar, a lógica da guerra cultural continua dando as cartas em nosso jogo político. O Congresso pode discutir a reforma tributária, a MP da liberdade econômica ou as regras para o financiamento eleitoral, mas o que parece mobilizar a opinião pública é a futrica do dia sobre se o presidente foi ou não aplaudido em sua ida ao Nordeste ou seu último quiproquó com Gregorio Duvivier ou algum divergente.

O presidente é o principal responsável por esta lógica, em que pese esteja longe de ser o único. Não há o que estranhar nisso. Bolsonaro é um produto da guerra cultural. É neste terreno que ele foi eleito. Seu sucesso e seu estilo de fazer política são, em grande medida, o resultado de um país que já vinha polarizado há muito tempo. Apenas inverteu a mão.

É possível ir um pouco além e especular que este dualismo entre os temas “sérios” da política e o universo da estridência cultural seja uma marca da democracia atual. O que nos leva a um paradoxo: os temas menos relevantes para a vida real das pessoas são os que obtêm audiência e terminam por pautar o mundo político. Nunca é demais lembrar: o tuíte mais popular lançado por Bolsonaro foi precisamente o mais inútil e bizarro: o que é golden shower?

Em boa medida, isto sempre foi assim. Os cidadão comum tem pouco ou nenhum poder na formulação do novo mercado do gás, no programa de privatizações e nos temas complexos da política pública. E nenhuma responsabilidade na sua condução. Por que diabos alguém perderia um chope com os amigos para estudar este tipo de coisa?

O que de fato há de novo, hoje em dia, é que o cidadão comum ganhou voz ativa na política. Ele possui um teclado e uma câmara à sua disposição e pode dizer o que lhe dá na telha, sem filtros, todos os dias. E de alguma maneira passou a dar o tom da política.

O líder populista é o tipo que aprendeu mais rápido a lidar com este universo caótico e não por acaso está em alta nas democracias. É o caso de Bolsonaro. Sua lógica parece clara: vivemos em uma sociedade polarizada, sem consenso possível, e a estratégia política viável é dobrar a aposta na própria polarização. Neste plano, é ótimo que o governador da Bahia não vá na inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista e que tudo vire um bate-boca na internet. E está longe de ser um mau negócio dar uma declaração esdrúxula e ser chamado de “fascista” pela oposição de sempre.

Bolsonaro não apenas funciona como o ilusionista chefe, em nossa guerra cultural, como atrai seus opositores para o mesmíssimo jogo. O sistema político se retroalimenta da polarização. E nem de longe imaginem que a boa e velha imprensa profissional escapa desse cenário.

Quem sabe seja esta a cara da nova democracia e estejamos, enfim, todos felizes. O presidente no seu figurino de combate, a oposição fazendo as vezes de guardiã da democracia, enquanto o mundo digital se diverte.

O ponto é que isto tem um limite. Nossa democracia não está em risco, mas sua eficiência para produzir consensos mínimos e produzir decisões difíceis certamente está. Se todos são responsáveis por mudar os termos do jogo político, a verdade é que a maior responsabilidade cabe ao presidente. Ele é o ator central da dinâmica política, sendo sua primeira tarefa compreender que não preside um pedaço do país, mas um país por inteiro.

Não se trata propriamente de uma tarefa simples, mas a responsabilidade é intransferível. Ela é sua, presidente.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Ataque à paradeira com o FGTS - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 25/07

A medida é uma boa dose de decepção porque o governo mostrou improvisação e falta de avaliação prévia sobre o que foi inicialmente pretendido


E a montanha vai parir algo mais do que um rato. Mas a improvisação diz mais sobre a maneira como são tomadas (e anunciadas) certas decisões no governo do que sobre a disposição de virar a paradeira.

A primeira informação sobre a disposição do governo de liberar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para reforço do orçamento do consumidor sugeriu o despejo de R$ 42 bilhões no mercado, volume que poderia ajudar a reativar o consumo e, a partir daí, empurrar para um adicional de PIB em torno de 0,3%.

Mas aí vieram as pressões dos empresários da construção civil, que querem o uso quase exclusivo do FGTS para amortização da compra de moradia, portanto, para azeitar seu negócio. Assim, o governo aceitou com surpreendente facilidade certa desidratação da proposta original. Com isso, os saques ficarão limitados a R$ 500 por conta do FGTS e, ainda assim, em volume proporcional ao saldo em conta.

Como 81% dos 260 milhões de contas não têm saldo superior a esses R$ 500, para essa faixa a retirada de recursos acabará sendo inferior a uma diária de faxineira. Assim, o bolão de R$ 42 bilhões originais não deverá passar de R$ 28 bilhões, volume insuficiente para desencadear uma onda de otimismo no mercado de consumo.

A opção não foi combater a seca no canavial com irrigação de pivô, mas com aspersões de água de torneira. Sempre haverá quem argumente que pouco é sempre melhor do que nada ou, então, que ao paliativo é preciso acrescentar o principal. Ou, então, que o objetivo é ganhar tempo até que as reformas comecem a produzir resultados.

De todo modo, o que deveria chegar como importante decisão de reativação da economia leva boa dose de decepção, não propriamente porque o governo cedeu ao lobby das construtoras, mas porque mostrou improvisação e falta de avaliação prévia sobre o inicialmente pretendido.

Ninguém espera por milagres. Mas o previamente anunciado inflou as expectativas. Na hora em que o trabalhador meter no bolso a parte que lhe couber no pacotinho, o sentimento tenderá a ser de certo desapontamento.

A área econômica do governo passa, assim, três sinais: (1) que vem sendo surpreendida pela falta de reação do setor produtivo; (2) que não tem plano claro para enfrentar a paradeira, não propriamente por uma política contracíclica, que não é do DNA desta equipe, mas com providências que, de alguma maneira, possam servir de motor de arranque da economia; e (3) que não sabe como evitar desgastes políticos provenientes de um plano mal divulgado.

Efeito de mais longa duração poderá acontecer a partir da semana que vem, quando o Copom começará a reduzir os juros básicos (Selic), parados nos 6,5% ao ano desde abril de 2018.

A pesquisa Focus mostra que a economia espera a queda dos juros para 5,5% ao ano, nas próximas quatro reuniões do Copom agendadas para este resto de 2019. Juros mais baixos põem mais dinheiro na roda. Nesse sentido, os recursos do FGTS podem contribuir para que o segmento de baixa renda da população resgate parte de suas dívidas. Seria o primeiro passo para enfrentar a inadimplência e abrir caminho para que o crédito possa atuar.

CONFIRA

O deslize do dólar


Desde o pico dos R$ 4,11 atingido em 20 de maio, as cotações do dólar caíram 8,6%. Em julho, o recuo é de 2,37%; e desde o início do ano, de 2,86%. É trajetória que mostra menor procura por moeda estrangeira e menor disposição para montar defesas contra crises de confiança. Apesar do mau desempenho do lado fiscal, as contas externas continuam em excelente condição. O saldo comercial deverá fechar o ano em torno dos US$ 50 bilhões e a entrada de investimento estrangeiro, nos US$ 85 bilhões.

Deixem o Eduardo ir para os EUA - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 25/07

Ninguém se impressionará por ele ter a confiança do presidente do país que representa


Pensando bem, talvez seja melhor o deputado Eduardo Bolsonaro sair de Brasília e sentar praça em Washington. O Brasil vai perder tendo o Zero Três como embaixador nos Estados Unidos, nenhuma dúvida, mas alguém acha que nossa relação com Trump seria diferente caso um diplomata de carreira assumisse o posto? Ora, o chanceler Ernesto Araújo cuidaria de escolher um que fizesse exatamente o que Eduardo fará caso seja aprovado pelo Senado. Isso é, alinhamento automático e bajulação explícita. Este é o nome do jogo com os Estados Unidos.

Com Eduardo ou com um embaixador de carreira, o quadro será o mesmo. Se o Zero Três for o nomeado, poupa-se o Itamaraty de mais um vexame, o de trazer à luz outro Ernesto Araújo. Embora muitos diplomatas não se submetam de boa vontade ao “faça o que eu estou mandando”, é da natureza da profissão atender às orientações e obedecer à política externa determinada pelo presidente. Em que pese a carreira ser a que mais requer conhecimento técnico e habilidade política no serviço público, não seria tão difícil encontrar um nome que reflita a imagem curvada do chefe.

Nos Estados Unidos, além de dar uns tiros no quintal de Olavo de Carvalho, Eduardo vai fazer exatamente tudo o que se espera dele. Ou seja, nada, nada de mais. Ou nada além do que um embaixador de carreira faria. Vai participar de algumas solenidades oficiais, frequentar e oferecer recepções e coquetéis, receber autoridades brasileiras e bater continência para Trump e sua tropa. Em todos os assuntos. Sobre a sua colaboração com Steve Bannon, o ultradireitista que ajudou a eleger o presidente americano, não se deve esperar muita coisa. Ou alguém imagina que Eduardo vai manter agenda permanente para trocar ideias e ajudar Bannon a formular políticas? Não, o Zero Três tampouco é qualificado para isso.

Aliás, se lhe fosse perguntado, Bannon diria que, para os seus propósitos, Eduardo seria mais útil no Brasil do que nos Estados Unidos. Aqui, o deputado é um dos filhos do presidente. Tem poder. Nos Estados Unidos, será apenas mais um embaixador. Um novato. Ninguém se impressionará por ele ter a confiança do presidente do país que representa. Por definição, todos os embaixadores têm o aval do chefe de Estado. Sua experiência nos Estados Unidos talvez seja a única coisa que o destacará dos demais. Duvido que outro embaixador estrangeiro em Washington tenha fritado hambúrguer no Maine.

Em razão desse poder que detém no Brasil, talvez seja melhor Eduardo fora de Brasília. O presidente perderá uma das pontas do seu tripé familiar, o que será bom para ele e para o país. Para ele, porque um pouco de insegurança e medo pode ser útil. A insegurança obriga uma reflexão mais calma e cuidadosa. O medo impede aventuras, passos maiores que as pernas, decisões atabalhoadas tomadas sem ter todas as consequências bem medidas. Para a nação, a ausência do Zero Três significará menos ruído. O problema é que Zero Um e Zero Dois saberão muito bem fazer barulho sozinhos.

Os embaixadores de Witzel
Por falar em diplomacia, quer coisa mais inútil do que escritórios de representação estadual no exterior? Pode procurar, vai ser difícil encontrar. Pois o governador do Rio resolveu montar escritórios em Miami, Nova York, Paris, Londres, Lisboa, Madri, Berlim, Xangai e na Califórnia. Segundo Wilson Witzel, eles servirão para alavancar o turismo e melhorar o ambiente de negócios no estado. Bobagem, serão criados apenas para o governador mandar nove amigos e correligionários para o exterior, com status de secretário e por conta do contribuinte fluminense.

Inúmeros escritórios estaduais foram abertos e fechados no exterior ao longo dos anos, seja dentro de embaixadas e consulados ou fora deles. Os estados contratam pessoas que não conhecem as manhas do país, não entendem do assunto e não têm projeto, a não ser pessoal. A coisa simplesmente não funciona. E o que é pior, os governantes não aprendem com os erros do passado e os repetem, diz o jornalista e produtor audiovisual Antonio d’Avila, que morou 36 anos em Paris e viu diversas tentativas dessas, todas malsucedidas. Mas, no caso do Rio, tudo bem, afinal o estado está nadando em dinheiro.

Fascistas, marxistas, capitalistas e idiotas - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - PR - 25/07

A jornalista Miriam Leitão e o cientista político Sérgio Abranches tiveram sua participação cancelada numa feira literária que acontecerá em agosto, na cidade de Jaraguá do Sul (SC). O nobre motivo: os promotores do evento não puderam garantir a segurança dos convidados. Petição online e protestos contrários à presença de ambos foram organizados porque, segundo consta, Jaraguá do Sul está com o presidente Jair Bolsonaro e não abre. Opiniões ofendem?

Convenhamos que isso não é novidade no Brasil. Há não muito tempo, a própria Miriam Leitão foi hostilizada por petistas; os mesmos petistas e congêneres que, por sua vez, também hostilizaram Yoani Sánchez, crítica do regime castrista, quando veio ao Brasil. Atitudes assim atentam contra a liberdade de expressão e de pensamento, não importa se à esquerda ou à direita. Tratar críticos ou dissidentes como pessoas não gratas; impedi-los de falar; expulsá-los de eventos ou cidades; atrapalhar a exibição de filmes – tudo isso tem nome e é aquele nome que toda a gente conhece. Sem eufemismo.

O que há de estranho é a sensação, aos poucos tornada certeza, de que o presidente corrobora esses atos sem muita cerimônia ou pudor. Não se trata de contexto ou distorção, pois o contexto é exatamente o mesmo: dias depois da represália dos eleitores da cidade catarinense, o eleito achou por bem acusar a jornalista de ter participado de luta armada (não participou) e supor que ela mente ao dizer que foi torturada (não mente). Ou seja, em vez de, como estadista, repudiar o incidente em Jaraguá do Sul, deu um jeito de sugerir que, pensando bem, ela até que fez por merecer.

Eu sei que Bolsonaro não inventou o radicalismo em que estamos metidos, não cortou o baralho e nem distribuiu as cartas viciadas dessa nossa política, mas tem jogado o jogo muito bem. Gostou dele e aprendeu novos truques. De certa maneira, ele é o efeito colateral de anos de lulopetismo, que dividiu o país e apostou alto na divisão. Enquanto ganhavam, ninguém reclamava. Mas o jogo virou, e a esquerda, que custa a entender o fenômeno, se agarra aos restos mortais do ególatra residente e domiciliado em Curitiba, ou flerta com o autoritarismo barroco de Ciro Gomes.

Nada disso, contudo, pode servir de permissão para as atitudes iliberais e de espírito antidemocrático da direita reacionária. Bolsonaro não era a única (nem a melhor) alternativa; vendeu-se como sendo; acreditaram no vendedor. Um caso de profecia auto-realizada: voto nele porque ele vencerá o PT, e ele vencerá o PT porque decidi votar nele. Que seja, eleição concluída, Inês é morta.

Inês é morta, enterrada, mas é passada a hora de amenizar o discurso, governar com prudência, liderar com respeito. Não somos nem queremos ser, eleitores e não eleitores, os súditos de um rei de fancaria. Conversar com jornalistas não é gesto de boa vontade. Aceitar dados e informações de institutos científicos, e respeitar testemunhos acreditados até mesmo pelo Exército, não são atos de liberalidade. Duvidar da fome que ainda grassa no país é insultante; confessar que privilegiaria o próprio filho não o é menos. Rir-se de torturas e renomear ditaduras depõe contra quem jura ter se convertido à democracia.

Ainda há tempo para o acerto da rota, e sobretudo: ainda há tempo para compreender as sérias implicações do liberalismo, ideário adotado em campanha. Resta saber se há vontade e vocação para isso.

Otto Maria Carpeaux (“A solidão de Croce”, Ensaios Reunidos) dizia que o velho – e genuíno – espírito liberal não se reduzia nem se resumia à liberdade de mercado; o liberalismo de seu mestre Benedetto Croce representava a luta do espírito individual contra “os totalitarismos fascistas, marxistas, capitalistas e idiotas” de nossa época. Boas medidas econômicas são oportunas, precisam ser feitas, mas não justificam nem desculpam as más condutas políticas, sejam de direita ou de esquerda. Sejam fascistas, marxistas, capitalistas ou simplesmente idiotas.

Cair na real - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 25/07

A fraqueza da economia não é conjuntural e transitória, mas sim estrutural


Em meio a doses de desânimo em relação ao quadro econômico, muitos questionam quando será possível uma arrancada do crescimento. A resposta passa pela compreensão do porquê o Brasil está estagnado.

Fazer diagnósticos não é tarefa fácil e há muitas divergências entre os economistas. Alguns dão mais peso a choques de curto prazo, como a Argentina ou a greve dos caminhoneiros no ano passado. No entanto, estivesse a economia mais sólida, choques adversos teriam impacto mais modesto e transitório.

Outros apontam para a mudança da política econômica nos últimos anos, com o corte dos gastos públicos e do crédito dos bancos estatais. Seria como uma crise de abstinência pela falta dos impulsos econômicos promovidos no passado, sem uma compensação tempestiva do setor privado.

Sem dúvida, há setores que sentem bastante o menor protagonismo estatal, como a construção civil. O segmento habitacional, por exemplo, sofre com o encolhimento do Minha Casa Minha Vida, que era responsável por mais de 70% da oferta de moradias. Vale também colocar na conta os grandes projetos de infraestrutura. Ocorre que foi a mudança do regime de política fiscal que permitiu taxas de juros do Banco Central inéditas no País, produzindo a recuperação paulatina do crédito e o crescimento do mercado de capitais.

Ainda que esses fatores acima possam ser relevantes para compor o quadro de estagnação, não seriam a razão principal para a fraqueza da economia. A importância excessiva dada a eles acaba sendo justificativa para a defesa de estímulos de curto prazo, como a liberação do FGTS.

É crucial, porém, que essas políticas estejam inseridas em um contexto mais amplo de reformas estruturais, para evitar desperdício de recursos e de tempo. Isso porque o grande problema da economia brasileira é estrutural, com encolhimento do potencial de crescimento. Pelas estimativas do economista sênior da XP, Marcos Ross, ele seria atualmente ligeiramente inferior a 1%, ante em torno de 3,5% na média das gestões FHC e Lula.

Foram muitos recursos públicos gastos de forma ineficaz, como o crédito subsidiado para setores que poderiam acessar o mercado de capitais e sem impor contrapartidas de metas de investimento; renúncias tributárias setoriais, em vez de se promover a inovação e o treinamento da mão de obra para todos os setores; projetos questionáveis de infraestrutura, etc. Além disso, houve aumento da insegurança jurídica, em função das frequentes mudanças de regras do jogo, como na tributação e em regulações de setores. O resultado é a infraestrutura insuficiente e deteriorada, mão de obra pouco qualificada, parque produtivo obsoleto e problemas de gestão das empresas, que sofrem com o custo Brasil.

Os problemas não param aí. O difícil ambiente de negócios gera distorções na estrutura produtiva, pois é barreira natural para entrada de novas empresas em muito setores e ameaça as médias empresas existentes. O resultado é a maior concentração nos setores, prejudicando os consumidores. Além disso, estimula-se a informalidade, reduzindo a produtividade da economia.

Há analistas que depositam excessivo otimismo no avanço das reformas. Um ambiente econômico estável contribui certamente para o avanço da agenda econômica (gastamos tempo demais discutindo a taxa Selic), mas não é automático. É necessário esforço reformista, o que não é fácil. Basta notar as idas e vindas de anúncios do governo, como a redução das tarifas de importação de bens de capital e informática. E não será uma reforma sozinha que permitirá a aceleração do crescimento ao menos para o patamar mundial (3,5%), como no passado. Não há bala de prata.

Vamos encarar os fatos. Não há milagre para gerar uma arrancada de crescimento. A fraqueza da economia não é conjuntural e transitória, mas sim estrutural.

Caberá ao governo Bolsonaro avançar na agenda de reformas, com a ingrata realidade de que o grosso do benefício poderá ficar para uma próxima administração.

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

Sócio oculto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/07


Com a confissão e provável delação premiada de Walter Delgatti Neto, líder dos presos na Operação Spoofing, resta saber quem está por trás do hackeamento de mais de mil autoridades dos três poderes, pessoas ligadas a elas, e jornalistas. O sócio oculto da ação criminosa.

Se alguém pagou aos hackers pelo serviço, é preciso localizá-lo e saber qual sua intenção. Se essa pessoa repassou as informações sobre a Lava-Jato para o site Intercept Brasil, os editores não têm nada a ver com os crimes cometidos, e cumpriram sua função jornalística protegida pela Constituição.

Mesmo que alguns juristas entendam que, como esse tipo de informação só pode ser conseguido com autorização judicial, o órgão de imprensa deveria desconfiar que a origem era ilegal.

Se tiverem pago pelas informações, há uma questão ética e outra jurídica. A ética, não parece estar ligada a nenhum crime. Mesmo assim, há uma dúvida sobre o momento do pagamento: antes do hackeamento, ou depois de o material obtido?

Se antes, podem ser considerados cúmplices. Também o período em que pagaram é importante na definição. Se pagaram por um pacote de informações depois de o crime ter sido praticado pelos hackers, e não receberam nenhuma informação adicional, não há como acusá-los.

Como o crime continuou a ser praticado até a véspera da prisão, com o celular do ministro Paulo Guedes sendo invadido, se o Intercept pagou por novas informações nesse período, pode ser considerado cúmplice.

A única mulher presa, Suelen de Oliveira, transaciona com bitcoins, e a Polícia Federal suspeita que parte do pagamento possa ter sido feita em moedas virtuais.

O editor do Intercept Brasil Glenn Greenwald comparou-se ontem a Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, atualmente preso em Londres, depois de viver sete anos exilado na embaixada do Equador na capital inglesa.

Assange é o fundador do site Wikileaks, que publicou documentos sigilosos sobre a atuação dos Estados Unidos nas guerras o Iraque e Afeganistão. Vazados pelo soldado Bradley Manning, que hoje se chama Chelsea depois de uma operação de troca de sexo, os documentos foram publicados em vários grandes jornais do mundo.

Chelsea foi condenada por divulgar documentos de Estado sigilosos, mas teve a pena comutada em 2017 pelo presidente Obama.

Outro caso famoso é o de Edward Snowden, analista de sistemas que trabalhou na CIA e na NSA, e divulgou no Guardian, de Londres, e no Washington Post, dos Estados Unidos, documentos detalhando programas do sistema de vigilância global de comunicações do governo americano.

Foi acusado de roubo de propriedade do governo, comunicação não autorizada de informações de defesa nacional e comunicação intencional de informações classificadas como de inteligência para pessoa não autorizada.

Houve também os Pentagon Papers, documento sigiloso sobre a atuação militar dos Estados Unidos na guerra do Vietnã tornado público por Daniel Ellsberg, fucionário do Pentágono, primeiro pelo New York Times e em seguida pelo Washington Post.

O então presidente Richard Nixon tentou impedir a publicação dos segredos de Estado, mas a Suprema Corte considerou legítima a atuação dos jornais. Mais recentemente, durante as primárias do Partido Democrata em 2016, o Wikileaks divulgou emails da candidata Hillary Clinton.

Os democratas e técnicos em informática denunciaram que órgãos de inteligência da Rússia hackearam os emails e os entregaram ao WikiLeaks, o que é negado por Julian Assange.

Como se vê, em nenhum dos casos mais famosos os jornais foram punidos, e quando o governo tentou barrar a divulgação, prevaleceu a liberdade de imprensa e de informação. Mas todos os casos, com exceção do de Hillary Clinton, foram protagonizados por indivíduos que acessaram documentos oficiais para denunciar o que consideravam práticas indefensáveis dos governos.

São os “wistleblowers” (literalmente “sopradores de apito”, os que alertam a sociedade). Os presos em São Paulo e seus antecedentes de estelionato e fraudes cibernéticas não parecem ser “whistleblowers”. Não foram documentos oficiais divulgados, mas conversas privadas através de invasão de privacidade de cerca de mil autoridades e jornalistas.

Operação contra hackers da Lava Jato ainda deixa perguntas - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 25/07
Em seu depoimento na Câmara no início do mês, Sergio Moro lançou uma suspeita. O ministro disse três vezes que o vazamento de mensagens da Lava Jato teria sido orquestrado por “alguém que ainda não foi atingido” pela operação.

A ação realizada pela Polícia Federal não revelou até agora um esquema desse tipo, mas Moro celebrou, nesta quarta (24), a prisão dos suspeitos de invasão dos telefones de autoridades. Além de alimentar teorias de todo tipo, a investigação deixa, por ora, algumas perguntas.

Os responsáveis pelo inquérito afirmam que o grupo hackeou mil celulares, mirando procuradores, juízes e políticos. Um dos suspeitos teria acabado de capturar o telefone do ministro da Economia, Paulo Guedes. A extensão e a abrangência desses alvos levanta certas dúvidas sobre os interesses dos invasores.

Se os integrantes da Lava Jato não foram as únicas vítimas, a ideia de que o objetivo central era aniquilar a operação precisa de novos elementos. Ao mesmo tempo, se os invasores acessaram tantos telefones, por que apenas as conversas entre membros da força-tarefa vazaram até agora?

Quando as primeiras mensagens foram divulgadas, o ex-juiz e os procuradores passaram a descrever uma rede sofisticada de hackeamento. Os suspeitos presos nesta semana, porém, integram uma quadrilha que comete fraudes bancárias e de cartões de crédito, segundo a investigação.

Na Câmara, o ex-juiz declarou que “alguém com muitos recursos está por trás dessas invasões”. A PF relata movimentações financeiras de R$ 627 mil pelos presos e diz que alguém pode ter patrocinado a ação. Afirma, entretanto, que ainda é preciso descobrir a origem do dinheiro.

As investigações vão prosseguir para responder a essas e outras dúvidas do caso. Moro já aproveitou para explorar a ficha corrida dos suspeitos e ironizar a publicação dos diálogos da Lava Jato. O ministro tenta se desviar das revelações que lançaram questionamentos sobre sua atuação como juiz. Essas perguntas também precisam de explicações. 

Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Bolsonaro e os xiitas - WILLIAM WAACK

O Estado de S. Paulo - 25/07

É ampla no Brasil a percepção de que agronegócio e meio ambiente não combinam

O governo Jair Bolsonaro, especialmente o presidente, tem uma rara capacidade de ajudar seus críticos e adversários. A mais recente demonstração é a briga de Bolsonaro com os dados do Inpe, acusado por ele de favorecer campanhas internacionais contra o País ao divulgar informações sobre desmatamento obtidas por satélites. É tão ridículo quanto brigar com o termômetro ou o barômetro.

O material elaborado pelo Inpe é o resultado de considerável esforço científico nacional e internacional em entender as dimensões da questão – e se esse material indica que o desmatamento persiste em proporções preocupantes, o ponto central é a incapacidade demonstrada pelo Estado brasileiro ao longo de décadas de fazer valer suas próprias leis. Teria sido fácil dizer isso a correspondentes estrangeiros, não tivesse Bolsonaro permanecido preso a um (para usar a linguagem militar) teatro secundário de operações.

Xiitas ambientais, diz o presidente, são os responsáveis por uma enorme campanha contra o Brasil lá fora. Por xiitas ambientais Bolsonaro entende em parte ONGs internacionais – algumas, sem dúvida, com agenda claramente ideológica (combater o agronegócio capitalista) e/ou comprometidas com interesses comerciais de competidores (pela proximidade com partidos políticos que representam segmentos eleitorais com grande influência em governos de outros países). Sim, esse tipo de campanha existe, e atinge parte da imprensa tradicionalmente responsável e objetiva.

Mas, a rigor, é no Brasil mesmo que persiste há muito tempo a ideia de que o negócio agropecuário e o meio ambiente são grandezas irreconciliáveis. E que o lucro e a rentabilidade (a principal razão de existir do grande negócio) seriam obtidos pela sistemática destruição da natureza e apropriação privada de recursos divinos como a terra. Há também um ranço clerical na noção bastante popular de que um bem para todos não pode ser repartido entre alguns poucos. E que a tarefa de alimentar as pessoas cabe a quem trabalha a terra com o próprio suor, e não a entidades gananciosas que transformam centenas de milhares de quilômetros quadrados em monoculturas destinadas à exportação.

Em termos abrangentes, a moderna sociedade “urbanoide” brasileira não desenvolveu em torno do produtor rural a mesma aura positiva que se registra em países como Alemanha, França ou Estados Unidos (nossos competidores). O imaginário da sociedade brasileira não se alimenta de números sobre a relevante contribuição do agronegócio para o PIB (portanto, para a economia nacional). Não dá muita bola para coisas como inovação tecnológica – o público continua achando, em geral, que o Brasil se tornou uma grande potência agrícola pois tem água, terra, clima e expulsou de seus territórios os povos da floresta junto com as árvores. Aumento de produtividade é um conceito pouco discutido ou compreendido, aliás.

Também a representação política desses segmentos econômicos e sociais ligados à produção agropecuária no Brasil (fortemente regionalizados e muito distintos entre si) é vista com desconfiança. “Bancada ruralista” costuma ser sinônimo de um grupo de parlamentares controlados por interesses econômicos que se dedica a acobertar crimes ambientais, arrebentar direitos trabalhistas, abrir cofres públicos para subsídios e facilitar a utilização de substâncias tóxicas que deixarão resíduos em alimentos.

É secundário se os fatos objetivos da realidade suportam essa percepção bastante difundida no Brasil. Em alguns pontos essenciais, não suportam – ao contrário. Mas o choque de poderosas narrativas, como são as da relação entre meio ambiente e agronegócio, se dá no palco da política, no qual o grande determinante dos “fatos” são as percepções. Seria tão mais fácil se o problema fossem apenas os xiitas.

Aparelhamento ao estilo de Bolsonaro - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/07

Reduz-se o peso da sociedade em conselhos, para haver um controle mais direto por parte do Planalto

Treze anos de PT em Brasília foram mais do que suficientes para demonstrar como se aparelha a máquina pública com fins políticos e ideológicos. Agora, com o outro extremo ocupando o Planalto, o presidente Jair Bolsonaro expõe seu estilo de aparelhar, com a mesma finalidade — usar o Estado para executar seus projetos —, mas por meio de métodos diferentes.

Um ponto a ser lembrado é que o presidente eleito nas urnas tem legitimidade para ocupar cargos com pessoas que o ajudarão a executar o programa sancionado pelos eleitores. Mas há limites. Para começar, os da Constituição, os mais importantes.

Também outros parâmetros precisam ser levados em conta. Por exemplo, a própria composição dos 57 milhões de votos que deram a vitória a Bolsonaro na disputa no segundo turno com o petista Fernando Haddad, grande cabo eleitoral do ex-capitão. Pois foi pela rejeição ao PT que muitos votaram em Bolsonaro, mesmo sem concordar com a parte radical e preconceituosa de suas propostas. Como a que ele segue ao intervir em conselhos, anunciar o desejo de mudar a Ancine e assim por diante. Há também — ou deveria haver — o limite da sensatez.

Aconselha-se o presidente a não considerar que todos os seus eleitores aprovam sua pauta de costumes e áreas afins. Ele já deveria saber disso, com base na vertiginosa perda de popularidade nas primeiras semanas de Planalto.

O caso da intervenção de Bolsonaro no Conselho de Políticas sobre Drogas (Conad) é exemplar. E mostra uma característica do bolsonarismo no aparelhamento. Enquanto o PT distribuía militantes e apoiadores na máquina pública, o atual governo procura intervir em organismos públicos de forma direta, escalando ministros para cargos-chave.

Deduz-se que o próprio Bolsonaro deseja interferir em certos segmentos da máquina do Estado. Esta intenção transpareceu quando, antes da posse, ao criticar uma prova do Enem, disse que ele mesmo leria as questões do teste.

O Conad, por tratar do sensível tema da droga, merece atenção especial do Planalto. Por decreto, o presidente reduziu o tamanho do conselho e excluiu dele os representantes da chamada sociedade civil.

Nomeou dois ministros, Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e Osmar Terra, da Cidadania, que dividirão a presidência do colegiado, composta por representantes de outros ministérios e secretarias do governo. Bolsonaro no comando. E Terra é conhecido defensor de métodos ultrapassados no tratamento de usuários de drogas.

Outro caso de intervenção vertical é na Agência Nacional de Cinema (Ancine), que perderia a gestão do Fundo Setorial do Audiovisual. O governo quer estabelecer “filtros” na aprovação de projetos. O PT tinha o mesmo plano, mas recuou. O governo Bolsonaro não parece ter esta flexibilidade.

Diligência seletiva - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 25/07

Chama atenção a pronta investigação dos vazamentos de informações sobre Moro.



Após um mês e meio da primeira divulgação das mensagens que teriam sido trocadas entre o então juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, e integrantes do Ministério Público Federal, a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing, que investiga possíveis crimes relacionados à invasão dos aparelhos celulares das autoridades envolvidas na Operação Lava Jato. Quatro pessoas tiveram a prisão temporária decretada. Ainda que não se saiba muito sobre o efetivo estágio de investigação – se de fato foram encontrados indícios robustos sobre os tais crimes –, é digna de louvor a diligência das autoridades policiais no caso.

Chama a atenção, no entanto, a disparidade de tratamento entre este caso de vazamento de mensagens privadas e tantos outros casos de vazamento de informações sigilosas que vêm ocorrendo desde o início da Operação Lava Jato. No caso que envolveu o agora ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes do Ministério Público Federal, o vazamento foi prontamente investigado, com resultados palpáveis em menos de dois meses. Já em relação aos outros casos de vazamento de informações – muitos e espetaculosos –, não se soube de nenhuma prisão cautelar, de nenhuma denúncia oferecida e, menos ainda, de nenhuma punição dos responsáveis por tantas quebras de sigilo. Na maioria destes casos, não houve sequer abertura de inquérito.

A impressão que têm – equivocada impressão, deve-se reconhecer – é a de que invadir celular é crime, mas vazar informação judicial sigilosa, não; por exemplo, partes de um inquérito ou de uma delação ainda não homologada pela Justiça. Os dois casos constituem crimes igualmente.

Na decisão que decretou a prisão temporária dos quatro suspeitos de invadir os celulares de Moro e de integrantes da Lava Jato, o juiz Vallisney Oliveira menciona que um dos crimes investigados pela Operação Spoofing é o previsto no art. 10 da Lei 9.296/96. Diz o artigo que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

É pedagógico que a Lei 9.296/96, ao regulamentar a garantia constitucional da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas e de dados (art. 5.º, XII da Constituição), coloque sob o mesmo guarda-chuva a interceptação telefônica não autorizada judicialmente e a quebra do segredo de Justiça. A pena prevista para as duas condutas é a mesma: reclusão de dois a quatro anos e multa.

Não há motivo para tratamento tão diferente entre o caso da invasão de contas do aplicativo Telegram e os outros casos de vazamento de informações protegidas por sigilo judicial, tão frequentes e igualmente daninhos para a reputação das pessoas. É criminosa a violação do sigilo das comunicações – o grampo – e é igualmente criminosa a quebra do segredo de Justiça – o vazamento.

É ruim para o País a impressão de que autoridades investigativas atuam zelosamente apenas nos casos em que interessa ao Ministério Público o avanço das investigações. Uma atuação que desse causa a esse tipo de interpretação contrariaria frontalmente o Estado Democrático de Direito. Por exemplo, o sigilo da correspondência é uma garantia constitucional de todos os cidadãos, e não apenas dos membros do Judiciário ou do Ministério Público. Não há por que investigar apenas algumas suspeitas e deixar outras sem explicações.

É grave a denúncia de que as contas do Telegram de pessoas envolvidas na Operação Lava Jato foram invadidas. As autoridades policiais e o Poder Judiciário agiram corretamente, movimentando-se para proteger a privacidade dos cidadãos. Mas essa não pode ser uma atuação seletiva nem ser esse um sigilo seletivo. Se com razão promotores da Lava Jato queixam-se de que suas conversas pessoais foram reveladas, também com razão queixam-se muitos cidadãos de que seus sigilos bancários e fiscais foram quebrados sem a devida autorização judicial. Na República, é essencial que todos sejam tratados igualmente perante a lei.

Cuidado com o SUS - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/07

Proposta de ministério parece bem fundamentada, mas deveria ser testada antes


É meritória a disposição do Ministério da Saúde de alterar as regras de financiamento da atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS), incorporando indicadores de efetividade e desempenho.

Uma gestão eficiente, afinal, não pode pautar-se somente por critérios demográficos —cumpre olhar também para a produtividade.

Pelas normas hoje em vigor, o repasse de recursos aos municípios para a atenção primária —vale dizer, a assistência prestada pelo programa de saúde da família (PSF) e unidades básicas de saúde— é definido com base na população local, segundo as estimativas do IBGE, e no número de equipes do PSF em atividade em cada cidade.

Em vez disso, o ministério pretende considerar a população efetivamente cadastrada nos programas de atenção primária (e não mais o total de residentes), além de introduzir medidas de desempenho, como a qualidade do pré-natal prestado, controle de doenças sexualmente transmissíveis, de diabetes, hipertensão arterial e outras.

A fim de evitar que as áreas onde as condições de saúde são mais precárias fiquem à míngua, o governo promete levar em conta também indicadores de vulnerabilidade socioeconômica e a distância entre os municípios considerados e as grandes conurbações.

À diferença do padrão de improviso extremo que marca grande parte das iniciativas da administração de Jair Bolsonaro (PSL), a proposta do ministério parece ter sido bem pensada, debatida com gestores e desenvolvida com ao menos algum detalhamento.

Isso não impede que especialistas se dividam em relação a seus prováveis efeitos práticos.

Há quem reconheça virtudes no projeto, mas também quem veja riscos ao princípio de universalidade do SUS, por não se contemplarem usuários não cadastrados no rateio de verbas —por outro lado, estimula-se o aperfeiçoamento de cadastros das prefeituras.

A controvérsia tem razão de ser, quando se considera que o Sistema Único de Saúde é uma estrutura gigantesca e profundamente heterogênea. Não raro observa-se um fosso entre o efeito esperado de uma medida e aquilo que de fato ocorre no mundo real.

Para uma ideia do desafio basta lembrar que, das 43 mil equipes de saúde da família que atuam no país, 17 mil não estão informatizadas. Como farão para gerar os cadastros de pacientes e produzir dados sobre a qualidade do atendimento?

A proposta do ministério mostra objetivos corretos. Diante das complexidades do SUS, entretanto, a prudência recomenda que, antes de promover uma reforma que mexerá com todo o sistema, se teste o modelo em algumas regiões que representem bem a diversidade do país. O seguro morreu de velho —e não de erro médico.