quinta-feira, junho 20, 2019

O mundo dá uma chance para o Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 20/06

Brasil tem chance de baixar juro e fazer reforma antes que o tempo feche no mundo

Países ricos afrouxam taxas de juros e ajudam a acalmar finanças por aqui



A economia do Brasil continua entre a desordem e a estagnação, mas o mundo, vasto mundo, lá fora dá um rumo para a nossa bagunça, ao menos no que diz respeito às condições financeiras.

A decisão desta quarta-feira do Fed, o Banco Central dos EUA, nos ofereceu outra dose de ansiolítico monetário. A taxa básica de jurosdeles fica na mesma, mas já olhando para baixo. A nossa continua a olhar para os lados, pois o Banco Central do Brasil também nesta quarta decidiu manter a Selic já enferrujada em 6,5%, sublinhando e dizendo em negrito e maiúsculas que, tudo mais constante, vai se mexer apenas se vierem reformas.

Pelo terceiro ano consecutivo, é bem provável que este país em depressão tenha taxa de inflação abaixo da meta. Mas passemos. Por enquanto, convém observar como o barquinho brasileiro é arrastado pelas correntes mundiais. A gente é muito jeca e dada a olhar demais para o umbigo sujo.

Desde que os juros americanos começaram a rolar a ladeira no mercado, em meados de maio, deu-se o seguinte: 1) as taxas de juros brasileiras no atacadão de dinheiro pegaram carona na banguela; 2) o Ibovespa saiu do fundo do pocinho deste ano; 3) o dólar saiu das alturas de R$ 4,10, mesmo preço em que estivera durante as semanas quentes da campanha eleitoral, em agosto e setembro.

Dado o histórico nacional, podemos reagir a boas oportunidades nos dando um tiro no pé ou mesmo na cabeça. Entretanto, mesmo o tumulto político bolsonariano nos rende por ora apenas uns sorvetes na testa.

Tudo em paz? Nunca está. Donald Trump pode requentar a guerra comercial com a China ou fazer uma bobagem mortífera com o Irã, não convém subestimar o líder antiglobalista. Além do mais, os bancos centrais dos países importantes estão afrouxando a política monetária porque suas economias estão mais lentas.

Crescimento menor não costuma ser bom para ninguém. Neste caso, a desaceleração é paulatina e, nos Estados Unidos, pouco notável. No balanço dos problemas, uma alta de juros seria muito pior do que a calmaria monetária devida à freada por enquanto suave das economias centrais. Não é por causa da lerdeza lá fora que o Brasil não está crescendo nada, mas porque arruinou sua economia de modo extraordinário e está em tumulto político faz seis anos.

Ganhamos algum tempo para consertar os danos e até um motivo adicional para baixar as nossas taxas de juros. Como se tem escrito nestas colunas, os negociantes do dinheiro grosso, “o mercado”, já diminuíram as taxas de seus negócios, no atacadão de dinheiro. As expectativas de inflação de quem faz negócio na finança são menores do que as inertes previsões de seus pares dos departamentos de pesquisa macroeconômica, aquelas compiladas semanalmente pelo BC.

Nem é preciso dizer que o BC sabe disso muito bem e faz tempo. É também óbvio que um revertério na reforma da Previdência tende a enterrar nossas cabeças na lama que está pelos nossos narizes. Isto posto, assim que a reforma passar pelo mata-burro, o BC vai ser agressivo com os juros?

“Taxa de juros não resolve a crise brasileira”, diz a conversa mole. Não, nenhuma medida parcial resolve. De resto, estamos falando aqui de curto prazo, de minorar danos e de uma atitude razoável que não causará prejuízo algum para a suposta alternativa (reformas estruturais, aumento de produtividade). Não podemos abrir mão de impulso racional algum para empurrar esta carroça.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Não há vitória absoluta - WILLIAM WAACK

ESTADÃO - 20/06

Como vai reagir Bolsonaro ao papel que o Legislativo está assumindo?

A derrota que o Senado impôs a uma das pautas caras para o presidente Jair Bolsonaro – a derrubada dos decretos que flexibilizam o porte e a posse de armas no Brasil – é apenas o fato mais recente no claro esforço das casas legislativas de aumentar as próprias prerrogativas reduzindo o poder da caneta do chefe do Executivo.

O STF também cerceou a autoridade do Executivo em vários exemplos recentes (privatizações, extinção de conselhos), mas a ação do Legislativo tem um sentido político evidente ao diminuir a capacidade do Executivo em alocar recursos por meio do Orçamento e de limitar o uso de medidas provisórias.

Faz parte desse movimento a tramitação de reformas como a da Previdência e, logo depois dela (promete o presidente da Câmara dos Deputados), a tributária, numa espécie de “plano econômico”. A questão é: até que ponto o Legislativo consegue chegar?

O presidente brasileiro preserva um poder imenso de ditar agendas políticas, mas é evidente a rapidez com que diminui sua capacidade de se afirmar sem uma base sólida no Congresso. Bolsonaro pode achar (como indica que está achando) que é capaz de levar adiante seus planos mesmo à frente de um governo minoritário. No caso da reforma da Previdência, porém, é bom lembrar que os presidentes das casas legislativas abraçaram a agenda reformista, e não foi o caso na questão das armas.

A dupla Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, como condutores dessa “coalizão reformista” (em se tratando da economia), enfrenta um limitador básico. É o fato de que nenhum dos dois distribui cargos no governo ou pode prometer a parlamentares vitória nas próximas eleições (“ao contrário”, admite Maia, reconhecendo danos eleitorais). Controlam pautas de votações, coordenam a atuação de líderes de vários partidos (atendendo ou não aos desejos do Executivo), mas “de facto” estão distantes de estabelecer uma democracia parlamentar.

Maia e Alcolumbre prometem iniciar logo após a reforma da Previdência uma reforma tributária alinhada a demandas urgentes dos principais setores da economia e de categorias profissionais. Ambos são hoje personagens tão procurados por empresários e líderes de segmentos da economia como o superministro Paulo Guedes. Ocorre que a dupla do Legislativo não tem meios para impor disciplina em votações, o que sugere graves dificuldades na aprovação de assuntos complexos, e que demandam a participação direta de governadores, como é o caso da sonhada reforma tributária.

A “rota” política (em sentido amplo) do Legislativo neste momento se beneficia paradoxalmente da volatilidade do clima político. É a primeira vez em muito tempo que a sensação do noticiário não é alguma denúncia contra a “classe política”. O alvo da vez são os principais expoentes da Lava Jato. Um raro caso de “blindagem” do Legislativo num escândalo político (óbvio que isso pode mudar rápido).

É notório que os suspeitos de sempre no mundo político, e dentro do Legislativo, se alegram visivelmente com as dificuldades políticas agora no colo do ministro da Justiça, Sérgio Moro – a quem muitos pretendem dar um troco. Em outras palavras, misturam-se os ratos que pretendem escapar da campanha anticorrupção com uma parte significativa do Congresso (que tem a mesma legitimidade que o presidente) que caminha para tentar tirar o País do tipo de regime por alguns chamado de democracia hiperpresidencial.

Maia e Alcolumbre estão querendo dizer que Executivo e Legislativo só conseguirão governar juntos. “Não há vitória absoluta”, diz Maia. Não parecem ter combinado tudo isso com Bolsonaro. Para quem, ao que tudo indica, a ficha ainda não caiu.

O outono do Executivo-príncipe - FERNANDO SCHULER

FOLHA DE SP - 20/06

Estamos em um momento de aprendizagem para a democracia


Esta semana vimos ruir uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro. O governo fez o que pôde. O presidente mobilizou sua base mais fiel, via redes sociais, e lançou mão de um argumento vindo direto do século 18, vinculando a posse de armas à defesa da democracia. Mas não deu.

O governo perdeu, por óbvio, porque não possui uma base orgânica no Congresso. Boa parte dos analistas políticos, muitos com bons argumentos, enxergam isso como um grave problema. Se o governo tivesse cumprido as tarefas do presidencialismo de coalizão, teria aprovado com facilidade o seu decreto das armas. Como não fez o trabalho de casa, deu no que deu.

De minha parte, não vejo isso como grande problema. Acho positivo que o Congresso, sem faca no pescoço ou distribuição de recursos políticos por parte do Executivo, rejeite a flexibilização, via decreto, do Estatuto do Desarmamento.

É irrelevante aqui discutir o mérito da questão. Há quem seja a favor e contra a liberação de armas. A democracia é assim. Acho engraçado quem julga que a democracia só é boa quando suas ideias e seus políticos favoritos ganham o jogo. Não é o meu caso. Ninguém é dono da verdade na democracia, ainda que isso soe como uma ideia terrível para muita gente.

Cansei de escutar que a liberação das armas era mais um exemplo de que nossa democracia estava em risco. Quem me lê sabe que nunca acreditei nessa conversa, e agora temos a resposta: não era o decreto que ameaçava a democracia, mas a democracia que terminou fulminando o decreto. Metabolizou (como diria Marina) mais um item da agenda conservadora (não precisam me lembrar que não se trata do “verdadeiro” conservadorismo), assim como fez com tantos outros, e prosseguirá fazendo.

O mesmo Congresso que dinamitou o decreto das armas aprovou, na outra semana, a suplementação orçamentária requerida pelo governo. Houve concessão de recursos para educação, habitação popular, ciência e tecnologia, e a matéria obteve unanimidade. Talvez tenha ocorrido algum milagre, ou quem sabe apenas um exemplo simples do que tenho chamado de lógica de corresponsabilidade.

Um pouco antes, ainda, o Congresso aprovou a nova lei das agências reguladoras. Bloqueou nomeações políticas, ampliou prazos de quarentena, em um movimento na direção oposta aos interesses do varejo político, representados no próprio parlamento. Outro episódio isolado, como o da aprovação da MP das companhias aéreas, além do avanço da reforma da Previdência? É possível.

Minha hipótese é que vai se cristalizando um novo modus vivendi na relação Executivo-Congresso. O Congresso vem aprovando e recusando matérias com maior autonomia e com base em consensos provisórios. E a democracia não parece estar à beira do abismo por causa disso, ao contrário do que tendemos a achar após algum tempo inalando toxina ideológica e raiva política na bolha digital.

Se você era crítico em relação ao decreto das armas, Escola sem Partido e outros itens da chamada agenda conservadora, dê graças que o governo não dispõe de um rolo compressor no Congresso. Faça um brinde ao fato de que não dispomos mais de um Executivo-príncipe, ao estilo do que nos levou à maior crise de nossa historia recente, em 2015-2016, pela qual ainda pagaremos durante muitos anos.

No mundo imaginário da política, estamos diante de um perigoso risco de plebiscitarismo e erosão democrática. No mundo real, o que vemos é outra coisa: um governo politicamente frágil e de baixo consensodiante de um Congresso avesso à agenda conservadora, ainda que surpreendentemente favorável a temas de modernização econômica. E o mesmo pode-se dizer do STF. Em ambos os casos, não se trata propriamente de uma má notícia.

Antes que alguém diga que o argumento é bom para o atual governo, preste atenção: ele não é. A lógica da corresponsabilidade e o protagonismo parlamentar vêm mais da fragilidade do que da força do atual governo. É um momento de aprendizagem para nossa democracia, e intuo que logo adiante emergirá um novo modelo de coalizão majoritária no Congresso.

O tempo só não é de aprendizagem para aqueles que já sabem de tudo. Felizmente, não é meu caso.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Deus no Itamaraty - MARIA HERMÍNIA TAVARES

FOLHA DE SP - 20/06

Nacionalismo míope e alinhamento automático podem levar o país à insignificância

“Deus em Davos. Falei disso em minha apresentação na abertura do seminário Globalismo”, informou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em sua conta no Twitter.

Vale uma visita ao site da Fundação Alexandre de Gusmão para ouvir as conferências do seminário. Especialmente, as de duas figuras importantes na política externa brasileira: o chefe da diplomacia e o assessor internacional da Presidência.

Durante longos 45 minutos, o chanceler empilhou ideias e citações no esforço de explicar que o “globalismo” é uma espécie de religião ateia, cujo evangelho junta “ambientalismo”, a ideia de direitos
humanos universais e o politicamente correto. Tudo produto do “gramscismo” (de Antonio Gramsci, pensador e líder comunista italiano que morreu sob o fascismo, em 1937) e do “fisiologismo” (muito provavelmente o ministro queria dizer materialismo).

Ainda segundo a sua teoria, quando descartou a ideia de Deus, ao fim da Guerra Fria, o liberalismo ocidental haveria aberto o caminho para a expansão da ideologia globalista. Ao levar Deus ao Fórum Mundial deDavos, o presidente Jair Bolsonaro teria começado a alinhar o Brasil à cruzada conservadora mundial.

O seu assessor internacional Filipe Martins foi mais direto. O globalismo é a ideologia de uma tecnocracia apátrida e cosmopolita, instalada nas organizações multilaterais, querendo destruir a soberania nacional.

Nacionalismo versus globalismo, eis o grande combate do século 21, proclamou o professor que se notabilizou também por enriquecer a agenda do país com a luta contra a tomada de três pinos, as urnas eletrônicas e a reforma ortográfica. Na guerra do século, avisou, estamos ao lado do nacionalismo, abraçados a Trump, ao húngaro Orban, ao indiano Modi.

Não é possível avaliar o impacto desse livre-pensar sobre a política exterior do Brasil. Esta não depende só, nem principalmente, da vontade dos governantes, mas da pressão de interesses internos, assim como da geopolítica e dos recursos de poder e influência ao alcance de um país como este.

Muitas coisas continuarão a se mover sobre os mesmos trilhos de há muito assentados e sob a condução de um corpo diplomático treinado para buscar o melhor para o país.

Mas o nacionalismo míope à existência de problemas globais —como a degradação ambiental, as migrações ou as pandemias— somado a alinhamentos automáticos a governantes estrangeiros, na base de proximidade ideológica, podem isolar o Brasil e condená-lo à insignificância.

O Deus de Bolsonaro passou por Davos sem abalar a ordem mundial. Falta saber que estragos poderá fazer no Itamaraty.

Maria Hermínia Tavares de Almeida
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

A dialética de Moro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/06

Discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido



O debate sobre os diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol, continua onde sempre esteve desde o início, no campo político.

Assim como existem juristas que acreditam que houve exacerbação do papel do juiz, ferindo a imparcialidade, outros consideram normais os contatos e os comentários.

Sendo assim, a discussão se limita a aspectos subjetivos da nossa ordem jurídica processual, e das poucas sugestões práticas que surgiram no debate de ontem no Senado foi a do senador Cid Gomes, que propôs mudar a legislação para instituir a figura do juiz de garantias, ou juiz de instrução.

Separação entre o juiz que pratica determinados atos decisórios durante a fase investigatória e o juiz que atua na fase da ação penal. Ou seja, juiz que atua no inquérito não pode ser o mesmo do processo.

As limitações dessas duas figuras novas no nosso processo penal seriam definidas pelo Congresso, ouvindo as instituições representativas dos juízes, como a (Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), das associações do Ministério Público.

Esse debate entre correntes distintas no meio jurídico existe porque há uma proposta para incluir a figura do juiz de garantias no Código de Processo Penal em tramitação desde 2010, e não se chega a uma conclusão.

O Instituto dos Advogados do Brasil defende, com base em parecer do ex-deputado federal e advogado Miro Teixeira, que juízes, sejam de instrução, sejam os existentes hoje, têm que evitar toda e qualquer participação na fase investigatória. Outros juristas consideram que mesmo hoje é função do juiz do processo coordenar a investigação.

Ontem, na sabatina a que se submeteu, por decisão própria, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro desanimou os políticos que o atacaram.

Conseguiu levar o debate para o campo dialético, e a discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido, o que favorece muito a sua posição quando juiz da Lava-Jato.

Ficou claro que o interesse do PT é apenas soltar o ex-presidente Lula, e com isso perde-se a capacidade de contestar o ministro Sergio Moro. Apesar dos apelos dos partidos de oposição, os petistas não conseguiram discutir o tema de maneira genérica, colocando sempre em questão as condenações de Lula.

A oposição, por sinal, não conseguiu se organizar para fazer com Moro o que fez com o ministro da Economia Paulo Guedes, que acabou perdendo a paciência em momentos cruciais.

O ministro Moro garantiu que não fez treinamento formal para a sabatina, mas estava bastante tranqüilo na argüição, e teve a seu favor uma bancada em defesa da Lava-Jato.

Uma situação curiosa é que, mesmo os oposicionistas, tentavam a todo custo garantir que não estavam criticando a Operação Lava-Jato, sabendo que a sessão estava sendo televisionada pela TV Câmara.

O que ficou definido na audiência é que o crime cometido foi a invasão de celulares de autoridades brasileiras. Moro fez bem ao negar que seja o Super-Homem que o representa no boneco inflável que aparece nas manifestações e ontem foi colocado em frente ao Congresso.

Mas o fato é que enquanto contar com a credibilidade que a maioria lhe concede, e a Lava-Jato for vista como a garantia do combate à corrupção pela população, o ministro Sérgio Moro estará garantido.

É o que se chama em linguagem militar Moral high ground. A origem é o conceito de que, para vencer, há que conquistar os níveis mais altos do campo de batalha. É o que Moro está fazendo, com sucesso, até o momento.

Inclusive afirmando, quase ao final da audiência, que se for constatada alguma irregularidade, renunciaria ao cargo de ministro. Pura retórica, mas eficiente, pois se surgirem irregularidades, ele estará inviabilizado politicamente.

Moro repetiu com gosto o título de um artigo de um professor de Harvard que dizia "O escândalo que encolheu". A não ser que apareçam coisas verdadeiramente graves, o escândalo, como apresentado pelo site Intercept e pela oposição, está realmente esvaziado.


Denúncias contra Lava-Jato ganham forte teor político - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 20/06

Moro responde a questões objetivas no Senado, e discurso da oposição começa a ficar repetitivo

A presença voluntária ontem, na Comissão de Constituição e Justiça, do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ajudou a realçar o sentido político que tem desde o início a série de denúncias divulgadas pelo site Intercept, a partir do acesso à troca de alegadas mensagens entre componentes da Lava-Jato. Não que se deva deixar de lado o sentido do conteúdo que tem sido revelado, mas a sessão da CCJ demonstrou como o uso político do material ganha cada vez mais espaço neste caso.

Moro teria sido aconselhado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, a comparecer voluntariamente à comissão. O ministro fez bem em aceitar o conselho, o que lhe permitiu, nas cerca de 10 horas da sessão, dar explicações em respostas aos senadores, e fazer sua crítica às revelações. De forma organizada, e não mais em declarações esparsas sem qualquer fio lógico.

Com razão, Moro considera que há um “crime contra as instituições, em uma ação contra a Lava-Jato”, alvo preferencial de políticos, de partidos e de empresários preocupados com o fato histórico de que, pela primeira vez em 500 anos, a prática da alta corrupção passou a ser coibida.

Como é natural na democracia, e logo numa das Casas do Congresso, o ministro teve de ouvir críticas pesadas, principalmente de petistas, como os senadores Humberto Costa (PE) e Rogério Carvalho (SE), dos quais se recusou a responder a uma ou outra pergunta, por estarem fora do devido tom.

Ficou nítida a intenção de “vingar” Lula. Para o militante, provas não têm importância, daí esta politização do caso das supostas mensagens.

O ministro se mostra convicto de que o hackeamento foi de profissionais, algo que deve custar muito dinheiro. Por isso mesmo, pede do Intercept a entrega de todo o material — que o site diz ter recebido de “fonte anônima” —, para a devida perícia. O ministro alega ter usado pouco o aplicativo russo Telegram, invadido pelos hackers. Deixou de utilizá-lo em 2017, decisão que tomou a partir do noticiário sobre a manipulação das redes sociais por russos, nas eleições americanas de 2016.

Há uma questão técnica e jurídica a ser resolvida: é preciso que as mensagens sejam atestadas como verdadeiras. Mas para quem se interessa apenas em usar o caso com finalidade política, tudo caminha no passo adequado: supostos diálogos são divulgados a conta-gotas, e isso alimenta discursos constantes a favor da anulação da Lava-Jato e consequente libertação e limpeza do prontuário do ex-presidente.

O depoimento do ministro Sergio Moro não foi um extenso declaratório. O ex-juiz também apresentou estatísticas para afastar a ideia de conluio com procuradores. Das 45 ações nas quais deu sentenças, o MP recorreu em 44. A oposição corre o risco de ficar falando só para convertidos.

A nova moeda do Facebook - CELSO MING

O Estado de S. Paulo - 20/06


A libra, moeda global criada pelo Facebook, parece ter condições de revolucionar os sistemas monetário e de pagamentos.


O Facebook acaba de anunciar a criação de uma moeda global, a libra (não confundir com a libra esterlina do Reino Unido, a pound), que parece ter condições de desencadear uma revolução dos sistemas monetários e dos sistemas de pagamentos.

Não se trata de uma nova bitcoin, que se baseia num complexo sistema de “mineração eletrônica” e cujo valor depende fortemente da demanda por ela. Começará a circular a partir do primeiro semestre de 2020, com lastro em bilionária carteira de títulos, moedas, fundos e outros valores. Por trás dela, além do Facebook, terá gigantes digitais como Visa, Mastercard, Spotify, Uber, Lyft, eBay e PayPal.

Essa moeda se propõe a ser instrumento de pagamentos, desde os mais insignificantes, como o de um tíquete de metrô, até de milionárias transferências internacionais. Também deve dispensar a exigência de contas bancárias, até porque pretende incorporar à sua rede de usuários cerca de 1,7 bilhão de pessoas que, ao redor do mundo, não têm acesso a bancos. Para controlar e garantir o sistema de liquidações e transferências, a libra deve se basear na plataforma blockchain, a mesma que garante o sigilo e as compensações que envolvem o bitcoin.

Falta entender pormenores de como o sistema funcionará, mas já se sabe que as transferências poderão ser acionadas por WhatsApp e Facebook Messenger. Porém, dá para dizer que a libra preenche os requisitos que constituem as funções clássicas de uma moeda. Ela será meio de pagamento, na medida em que servirá para liquidar qualquer transação; será unidade de conta, porque terá valor (preço ou cotação cambial) instantâneo; e será reserva de valor, porque qualquer um poderá possuir acervos (digitais) em libras.

Ao contrário do que muita gente supõe, não é necessário que uma moeda tenha por trás dela um Estado e que seja garantida por um banco central. Passam de milhares as moedas que, ao longo da história, foram emitidas por pessoas e instituições que pouca ou nenhuma relação tinham com um Estado. Entre os primeiros bancos, estavam aqueles que emitiam recibos de valores depositados por viajantes ou homens de negócios. Esses recibos circulavam como papel-moeda. O primeiro dólar foi criado em 1519 pelo conde Schlick, que tinha uma mina de prata nos arredores da aldeia Jackymov, na Boêmia (atual República Checa). Com o produto dessa mina, cunhou uma moeda de grande aceitação que se chamou Joackimsthalergroschen (algo como grosso do Vale do Joaquim). Esse nome comprido e quase impronunciável encolheu para thaler (“vale”, em alemão arcaico), que virou dollar.

Apesar da falta de maiores informações, já se prevê que essa libra deverá produzir consequências. Dispensará banco central responsável por sua emissão e sua defesa. Dependendo da aceitação e da densidade com que circular, poderá ter impacto sobre as políticas monetárias dos grandes países ou de blocos monetários, como o do euro.

Quando for largamente usada como meio de pagamento e de transferências globais de recursos, tenderá a tomar fatias de mercado da rede bancária convencional de cartões de crédito, débito e aplicativos do gênero e também de depósitos em conta corrente. Talvez por ter intuído esse risco de canibalização em importantes áreas de atuação, nenhum grande banco, embora convidado, se dispôs até agora a participar do esquema.

A nova moeda deverá disparar luzes amarelas nos sistemas reguladores do mundo inteiro, que buscarão controlar a todo custo essas novidades dotadas com tanta força de escape. Um dos apelos são as facilidades proporcionadas às atividades ilegais que buscam mecanismos de lavagem de dinheiro.

Entre os interessados em controlar a nova moeda (e as que virão na cola da libra) estarão também as instituições fiscais, que se esforçarão para encontrar meios de alcançar essas atividades que tentam fugir à tributação.

Finalmente, é preciso entender que essas inovações baseadas em alta tecnologia digital não nasceram para ser monopolistas. Não tem cabimento achar que bastará enquadrar Mark Zuckerberg (foto), fundador do Facebook, para submeter essas atividades ao poder central de um governo. Como, em menor escala, já aconteceu com o bitcoin, que hoje conta com 2.257 moedas do gênero, esse sistema libra será aperfeiçoado e disseminado mundo afora. Parece improvável que os governos consigam controlar esses sistemas, a menos que seja costurado um acordo internacional com esse fim.

Talvez estejamos diante de outra consequência: iniciativas desse tipo deverão contribuir para o aumento da globalização, na contramão do que pretendem tantos movimentos populistas ou “nacionalistas” que se espalham hoje pelo mundo.

Economia sem qualidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 20/06


Têm-se observado, em muitas economias do mundo, ganhos de produtividade em períodos de crise. Também nesse ponto o Brasil tem destoado.



O tombo da economia foi mais feio no primeiro trimestre do que mostram os grandes números da produção. O cenário fica pior quando se observam dois detalhes especialmente sombrios – o drama de 20,2 milhões em busca de emprego ou de oportunidades melhores e a perda de qualidade do trabalho. O dado mais amplo desse fiasco econômico já era conhecido. Entre janeiro e março o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,2% menor que nos três meses finais de 2018. O País se moveu no sentido oposto àquele previsto por muitos empresários e consumidores depois da eleição presidencial. Mas, além disso, a mão de obra ainda ocupada produziu menos do que em outras ocasiões. Nos quatro trimestres encerrados em março deste ano caiu 0,3% a produtividade geral do trabalho, medida pela quantidade de produto gerado em cada hora de atividade.

Esse número resume as condições de eficiência dos três grandes setores, a agropecuária, a indústria e os serviços. Os cálculos são da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No quarto trimestre do ano passado o mesmo tipo de comparação mostrou uma queda de 0,1%. Essa é mais uma confirmação do enfraquecimento da economia brasileira nos três meses iniciais deste ano – e do governo do presidente Jair Bolsonaro. O enfraquecimento, nesse caso, tem um evidente componente qualitativo.

Vem de longe, no entanto, a perda de produtividade geral do trabalho. O estudo examina a variação do produto por hora de atividade em 22 períodos anuais, desde 2013, tomando sempre como referência um conjunto de quatro trimestres. Em 13 desses períodos a variação foi negativa. Mas o quadro fica mais claro quando se consideram separadamente os três grandes setores, com linhas de evolução consideravelmente distintas.

O balanço geral evidencia, sem surpresa, a produtividade maior da agropecuária, o setor mais competitivo da economia brasileira. Em 19 dos 22 períodos houve ganhos de eficiência no campo. Em 8, os ganhos superaram 10%. Não por acaso o agronegócio tem dado a maior contribuição para o superávit comercial do Brasil e, como consequência, para a solidez das contas externas.

Nos piores momentos dos últimos anos, o poder de competição internacional desse setor protegeu o País de uma crise cambial, isto é, de um quadro desastroso de escassez de dólares. Outras economias emergentes tiveram desempenho bem pior nesse quesito.

No caso da indústria, a série de números mostra resultados negativos em 8 dos 22 períodos. Mas a perda de qualidade – com produtividade em queda ou em crescimento pífio – é observável pelo menos desde os quatro trimestres encerrados no primeiro de 2014. Entre os trimestres encerrados no terceiro de 2014 e o segundo de 2016 os números são sempre negativos. Essa fase começa um ano antes da recessão geral da economia brasileira, iniciada em 2015, e termina no meio de 2016. Ganhos de eficiência da mão de obra ocorrem em todos os períodos seguintes, mas quase sempre muito modestos, até a modestíssima taxa de 0,6% observada nos quatro trimestres encerrados no primeiro de 2019.

Baixo investimento, escassa inovação, pouco treinamento e muita insegurança na definição de planos explicam, provavelmente, a estagnação da produtividade do trabalho no setor industrial.

O pior cenário é, de longe, o dos serviços. As comparações anuais mostram resultado nulo em um ano e variações negativas em 19. Esses dados contaminaram o conjunto e reforçam a imagem dos serviços como o setor menos eficiente e menos desenvolvido do País. A informalidade é um componente importante desse quadro. Os serviços têm grande peso estatístico na composição da atividade geral, isto é, do PIB, mas poucos de seus segmentos têm dinamismo próprio e eficiência elevada.

Têm-se observado, em muitas economias, ganhos de produtividade em fases de crise: menos empregados trabalham mais duramente, até para manter sua posição. Também nisso o Brasil tem destoado. Por falhas da política, os empregadores têm sido, há anos, os primeiros a relaxar e descuidar da eficiência e da competitividade.

Veto acertado - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 20/06

Jair Bolsonaro segue a racionalidade ao restabelecer cobrança de bagagens

A concorrência, não a lei, pode conter ou reduzir os preços de um produto. Tal noção nem sempre é intuitiva, e proliferam pressões para que autoridades criem normas que protejam o consumidor.

Tais iniciativas, no mais das vezes, não passam de ilusões tarifárias, que mais contribuem para desorganizar as relações econômicas do que para proporcionar benefícios efetivos aos cidadãos.

No Brasil são particularmente encontradiças as falsas gratuidades. A lista pode começar com a bandeira da universidade pública e gratuita —sustentada, de fato, pelos impostos pagos pelos contribuintes, incluindo os mais pobres.

Exemplos mais prosaicos incluem legislações locais que proíbem cobrança em estacionamentos de shopping centers —com custo repassado aos preços nas lojas— e a proverbial meia-entrada em cinemas, teatros e outros estabelecimentos, levando adultos de todas as faixas de renda a bancar o lazer de estudantes e idosos.

Nas últimas semanas o país esteve às voltas com mais uma manifestação dessa ilusão, desta feita no setor aéreo, mais especificamente na franquia de bagagens.

Por aqui, dava-se como natural que passageiros carregando poucos volumes ajudassem, na prática, a pagar pela viagem dos que levam malas pesadas. Nos dois casos, afinal, o preço do voo era o mesmo.

Em 2016, entretanto, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) editou resolução que autorizava as companhias a cobrar pela bagagem despachada. Criou-se a partir daí um alvoroço que, previsivelmente, chegou ao debate político.

Como não se verificaram quedas nominais no valor dos bilhetes, houve denúncias apressadas de um engodo contra o consumidor. A seguir, o Congresso aproveitou a tramitação de uma medida provisória sobre a abertura do setor de aviação para reintroduzir a suposta gratuidade da bagagem em voos domésticos.

Em boa hora o presidente Jair Bolsonaro (PSL), contrariando seus impulsos iniciais, decidiu vetar o dispositivo contrabandeado pelos parlamentares. Pautou-se, nesse caso, por técnica e racionalidade.

A cobrança é meritória por mais de um motivo. Em primeiro lugar, estabelece a transparência de custos, permitindo que cada passageiro pague apenas por aquilo que vai consumir, sem impor subsídios cruzados invisíveis.

Mais importante, a possibilidade de tarifar cada mala despachada constitui exigência das empresas aéreas “low cost” (de baixo custo) para instalarem-se no Brasil. Com tais companhias, poderíamos ter, ao menos em algumas rotas, um choque de concorrência com efeito redutor de preço realmente perceptível pelos consumidores.

Por fim, educa-se o consumidor, fazendo-o ver que bondades tarifárias em geral não passam de truques. O mesmo se aplica a políticas públicas de benefícios aparentes e custos camuflados.