quinta-feira, maio 16, 2019

O pelotão de Bolsonaro - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 16/05

O presidente ainda não demonstrou claramente como pretende lidar com o Legislativo



Em sua relação com o Congresso, Bolsonaro vai sendo encurralado por questões sobre as quais não tem controle e não sabe como lidar.

Não há como o presidente Jair Bolsonaro se queixar de que não sabia. O sistema de governo brasileiro obriga um campeão de votos diretos (ele) a lidar com um Legislativo de baixa representatividade (o sistema de voto proporcional brasileiro garante a desproporção), fracionado entre dezenas de partidos políticos – alguns parecidos a quadrilhas – mas cheio de prerrogativas. Que fazem do presidente da Câmara dos Deputados uma espécie de primeiro ministro, até com pauta própria, enquanto o chefe do Executivo legisla por medida provisória.

Nesse “natural” embate não há, até aqui, a menor novidade. Nem mesmo no fato de o campeão de votos dar sinais contraditórios sobre como pretende enfrentar esse dado básico da natureza do sistema de governo. Que confunde mesmo. Por vezes, Bolsonaro acena com gestos políticos que são inerentes à necessidade de se entender com as forças dentro do Legislativo (eventualmente cedendo à pressão fisiológica por cargos). Por outras, despreza a prática da articulação política – a começar pela condução da própria bancada –, qualificando-a como porcaria com a qual não quer se sujar.

Na prática, não está fazendo nem um nem outro. E vai sendo implacavelmente encurralado por prazos de tempo sobre os quais não tem controle. Arrisca-se a ver perdida a reestruturação administrativa por conta de votação de MP mal conduzida na Câmara. Arrisca-se a ver a crise fiscal esmagar ainda mais o espaço para o Orçamento, enquanto já vai atrasado na aprovação de alguma reforma na Previdência. Arrisca-se a entregar de bandeja a adversários políticos uma narrativa política de impacto, como o contingenciamento das verbas da Educação.

No conjunto da obra, está sendo desmoralizado – ajudou a enfraquecer o nome mais popular, o de Sérgio Moro, ao já nomeá-lo para o STF, e vai vendo o mundo legislativo e jurídico fazendo o mesmo gesto de atirar, só que, desta vez, é contra seu predileto decreto de flexibilização do porte de armas. Chega a ser perverso constatar, nesse contexto, que o “fundo do poço” ao qual se referiu o ministro da Economia ao falar da situação fiscal não está convencendo deputados a aprovar o que o governo quer, mas, sim, está dando a ideia a eles de que o governo não sabe o que fazer.

Não há dúvidas sobre a espúria motivação de nutrido grupo de parlamentares (a famosa área bandalha da Câmara) ao bloquear a reforma administrativa ou impor sucessivas derrotas ao governo. Ocorre que grande parte da relevância que esse chamado Centrão assumiu nas últimas quatro semanas é sobretudo o resultado de um vácuo político a partir da “base” de sustentação de Bolsonaro na Câmara. A constatação tem sido reiterada pelos próprios parlamentares governistas, não é “papo da mídia”.

Aos apoiadores, o presidente e seus filhos têm repetido que “não há jeito”, que uma maioria imbatível no Congresso se comporta “contra o Brasil”, que a área política “não se deixa moralizar” e que ele está sendo encurralado por parlamentares bandidos e mídia podre e adversa a: a) ceder ao fisiologismo e bandalha, acabando na cadeia. Ou: b) a cometer um crime fiscal e ser “impichado”. Se abraçada até as últimas consequências, essa percepção que Bolsonaro aparentemente tem das causas das dificuldades em realizar os projetos que considera mais valiosos, e de aprovar reformas que admite serem necessárias, o levará a agir de forma contundente.

Aí resta saber quem e quantos estarão no pelotão que irá atrás do capitão.


Não confunda o país com sua timeline - FERNANDO SCHULER

FOLHA DE SP - 16/05

É um erro imaginar que ambiente tóxico das redes faz leitura adequada do Brasil


Yuval Harari fez uma provocação interessante em seu último livro, sugerindo que as massas se tornaram um dado menor e dispensável, nas democracias. "É muito mais difícil, diz ele, lutar contra a irrelevância do que contra a exploração."

A irrelevância, para Harari, é um subproduto do avanço tecnológico. Da economia globalizada que torna rapidamente obsoletos setores tradicionais da economia e suas ocupações. É possível que vá aí algum romantismo. A política foi, desde sempre, um jogo de elites. De qualquer modo, o diagnóstico faz sentido: perdeu-se um ator clássico da democracia, associado às estruturas sindicais e partidos da tradição social-democrata.

O ponto que parece escapar a Harari é o surgimento de um fenômeno relativamente novo na democracia, a saber: a nuvem digital. A massa difusa, fluida e dissonante de vozes, no espaço digital, que se põe como um espelho do que chamamos costumeiramente de sociedade.

O problema é que se trata de um espelho distorcido. O The Hidden Tribes Project identificou com precisão o fenômeno. Uma pesquisa realizada com simpatizantes do Partido Democrata mostrou que 53% se definiam como politicamente moderados ou conservadores, contra apenas 29% dos simpatizantes ativos na internet. Entre este último grupo, 28% haviam participado de algum tipo de protesto, no ano passado, contra apenas 7% dos democratas em geral. A pesquisa indica que o nível de consenso e moderação, na base da sociedade, é significativamente maior do que habitualmente sugerem os argumentos em torno da "democracia polarizada".

É um erro elementar confundir o que se passa no ambiente tóxico das mídias sociais com o sentimento mais amplo e difuso da sociedade. Isto levou, por exemplo, a campanha de Hillary Clinton, em 2016, a uma ênfase exagerada nos temas identitários, na crítica formulada por Mark Lilla. A minoria barulhenta dá o tom. A maioria silenciosa, em algum momento, cobra sua fatura.

Em boa medida, a habilidade para expressar sentimentos e demandas deste espectro mais amplo da sociedade, que a pesquisa apropriadamente chama de maioria escondida, pode explicar o sucesso de líderes populistas em nossa época.

Há, efetivamente, um novo ator na democracia: a minoria volátil e barulhenta que protagoniza o debate público nos meios digitais. Trata-se de um ecossistema marcado pela imediaticidade, a reação instintiva e sem filtros, e pela baixa empatia, como bem identificou a neurocientista britânica Susan Greenfield. O debate feito à distância, longe do rosto e do sentimento real das pessoas, em que a agressão e o argumento ad hominem surgem como padrão.

De tudo isso, o que mais me impressiona (ou diverte) é a lógica do ruído, da informação irrelevante, que se tornou um elemento central da política. Dias atrás andávamos entretidos com o bate boca entre "olavistas" e militares. Um tipo novo de debate, capaz de ganhar manchetes em bons jornais sem que ninguém saiba exatamente explicar do que se trata.

​Anthony Giddens acertou na mosca ao dizer que, no mundo digital, "as grandes comunidades têm as mesmas características de pequenas comunidades. Há emoções, fofocas, os bullies de vilarejo". Talvez seja isto: a incorporação em grande estilo da política à lógica do pequeno entretenimento.

O ponto é que se trata de um erro elementar imaginar que o ambiente tóxico das redes sociais possa traduzir uma leitura adequada sobre o país. Ativistas digitais compõem, segundo pesquisas conduzidas pela Bites, um percentual aproximado de 15% do eleitorado, no caso brasileiro. Trata-se da minoria ativa da sociedade. Nem todos, por óbvio, são militantes insensatos e hooligans digitais. Mas sua presença ali é desproporcional em relação ao conjunto da sociedade.

Erra feio, mas muito feio, quem tentar compreender o que se passa com o Brasil a partir do humor das redes sociais. Algo na linha da observação recente do ministro Luís Roberto Barroso, quando disse se preocupar quando uma Suprema Corte toma reiteradas decisões na contramão do sentimento da sociedade. Sentimento de quem, exatamente?

O que é perigoso para um ministro do Supremo é perigoso para qualquer um. A confusão elementar entre o que se passa na sociedade e o que faz barulho, todos os dias, na nuvem digital pode atenuar o tédio e confirmar nossas certezas. O risco é o sujeito perceber, de repente, que ele mesmo foi tragado pela nuvem e passou a se mover com seus piores trejeitos.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo

A aula do STJ aos justiceiros - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 16/05

Não tem sido difícil encontrar, nos últimos tempos, excessos nas decisões da Justiça.



Não tem sido difícil encontrar, nos últimos tempos, excessos nas decisões da Justiça. Sob o pretexto de combater a corrupção e a criminalidade, alguns juízes têm ido muito além do que a lei permite e, com interpretações que se afastam da razoabilidade e da técnica jurídica, pretendem impor suas idiossincrasias justiceiras. A esses que se arrogam o direito de fazer justiça por seus próprios métodos – e não pelos caminhos legais –, a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu, no julgamento do habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Michel Temer, uma verdadeira aula de Direito. A decisão de terça-feira passada, que suspendeu a prisão preventiva de Temer e do Coronel Lima, não apenas cessou uma flagrante ilegalidade. Ela reafirmou importantes garantias e liberdades de um Estado Democrático de Direito.

Acompanhando o voto do relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, os integrantes da 6.ª Turma do STJ reconheceram que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena. Não é porque uma pessoa está sendo investigada por um crime grave que ela deva ir para a prisão. “Não se discute a gravidade das condutas investigadas, porém o que está em questão não é a antecipação da pena, mas a verificação da necessidade de medidas cautelares, em especial a prisão preventiva”, afirmou a ministra Laurita Vaz.

Esse respeito aos tempos do processo penal é parte essencial de uma Justiça isenta, que busca a verdade dos fatos e, portanto, respeita a presunção de inocência. Como lembrou o ministro Nefi Cordeiro, presidente da 6.ª Turma, “manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer. É uma garantia, somente afastada por comprovados riscos legais”. A lei prevê os casos em que a Justiça pode determinar a prisão preventiva, como, por exemplo, o risco concreto e contemporâneo da destruição de provas.

Os ministros entenderam que os fatos apurados, que teriam ocorrido quando Michel Temer ocupava a Vice-Presidência da República, são “razoavelmente antigos” para justificar a prisão preventiva. “Não foi tratado nenhum fato concreto recente do paciente para ocultar ou destruir provas”, afirmou o relator, Antonio Saldanha Palheiro. “Sem essa contemporaneidade, a prisão cautelar se torna uma verdadeira antecipação de pena”, disse.

No julgamento, recordou-se que uma delação, tomada isoladamente, não pode servir de fundamento para a prisão de uma pessoa. O depoimento de um delator “é mero meio de obtenção de prova”, disse o relator. Esquecido com frequência, esse ponto tem dado causa a abusos – toma-se por verdade o relato do delator – e a investigações frágeis – autoridades contentam-se com o que foi afirmado na delação. Para que o processo penal possa revelar o que de fato ocorreu, é preciso que a delação seja ponto de partida da investigação criminal, e não a sua conclusão.

Ao suspender a prisão preventiva, a 6.ª Turma do STJ impôs a Michel Temer e ao Coronel Lima medidas cautelares alternativas à prisão, como a proibição de manter contato com outros investigados, mudar de endereço, ausentar-se do País ou ocupar cargo público ou de direção partidária. Assim, o STJ reafirmava outra verdade habitualmente ignorada nos tempos atuais: a prisão preventiva não é o único meio previsto pela lei para proteger a instrução criminal, havendo outras medidas menos gravosas.

Por isso, antes de decretar a prisão preventiva, o juiz deve analisar adequadamente a possibilidade de aplicar as outras medidas cautelares diferentes da prisão. Sem essa rigorosa análise, o decreto de prisão é ilegal – infelizmente, tal prática é assustadoramente comum. “Não se pode falar em mera conveniência da restrição de liberdade, mas em efetiva necessidade da medida cautelar mais grave”, lembrou o ministro Rogerio Schietti Cruz.

O STJ é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o País. Que a lição de terça-feira passada, dada pela 6.ª Turma, não seja ignorada pelas demais instâncias do Judiciário. Sem lei, não há liberdade.

Claro enigma - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/05
Má relação com os parlamentares é alimentada pelas decisões voluntariosas de Bolsonaro, impróprias para um presidente


O guru dos Bolsonaro, através de quem a parte obscura do poder age no terreno das intrigas, das informações incompletas, quase clandestinas, com mensagens propositadamente enigmáticas, continua dando as cartas.

O vereador Carlos, o filho 02, o de maior ascendência aparente sobre o pai, mais uma vez deixou no Twitter uma intrigante mensagem, advertindo que “o que está por vir pode derrubar o Capitão eleito. O que querem é claro!”.


O que mais preocupa é que, tanto o presidente quanto os filhos, adoram espalhar boatos, criando um clima de insegurança terrível, para quem está dentro ou fora do governo.

A mensagem do 02 foi precedida por outro enigma lançado pelo próprio Bolsonaro, que comentara que esta semana acontecerá “um tsunami”. O que estaria sendo armado para que um tsunami derrube o capitão eleito?

Ontem Carlos avalizou o vídeo de outro seguidor de Olavo de Carvalho, indicando que se referia à possível derrota da reforma administrativa na Câmara. De fato, a relação do capitão com os parlamentares vai de mal a pior, a ponto de haver entre os deputados os que desejam mostrar força política de maneira extravagante.
Não apenas tirando do ministério da Justiça o Coaf, mas impedindo, por exemplo, que o ministro Sérgio Moro sonhe com uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

Quando houve um movimento dos bolsonaristas para reduzir a idade de aposentadoria dos ministros para 70 anos, abrindo logo três ou quatro vagas para Bolsonaro preencher, a disposição da ala que trava uma queda de braço com o governo era aprovar a idade limite para 80 anos. Agora pensa-se o mesmo, inviabilizando, pelo menos temporariamente, a nomeação de Moro.

É claro que a não aprovação da Medida Provisória da reforma administrativa será uma derrota política significativa para Bolsonaro, mas será também uma demonstração de irresponsabilidade da Câmara, que terá reduzida sua já parca autoridade.

Se for derrotado nessa votação, o governo poderá ter de recriar até dez ministérios, mas deixará claro que foi obrigado a isso pelo Congresso. Não foi por outra razão que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, desistiu de indicar o ocupante de um dos novos ministérios a serem criados.

Percebeu a tempo que caíra em uma armadilha, pois Bolsonaro poderá alegar que os deputados e senadores (outro ministério estava reservado para uma indicação do presidente do Senado, David Alcolumbre) impediram a redução da estrutura governamental por interesse em nomeações fisiológicas.

Se é a esse tsunami que se referem os bolsonaros, o caminho para debela-lo é mais uma vez equivocado. A capacidade do presidente e seus filhos de produzir crises através dos novos meios digitais está acima do normal. A maneira que sabem negociar é na base da ameaça.

O que deveria preocupa-los, na verdade, é a investigação sobre o senador Flavio Bolsonaro, o 01, que pode vir a ser o verdadeiro tsunami ao qual o presidente Jair Bolsonaro se referiu no início da semana, fato político a trazer graves consequências.

A investigação abrange pessoas com quem o próprio presidente Bolsonaro convivia, podendo transbordar para a família.

A má relação com os parlamentares também é alimentada pelas decisões voluntariosas de Bolsonaro, impróprias para um presidente da República. Como o telefonema, na frente de deputados, ao ministro da Educação mandando sustar os cortes no orçamento.

Com o presidente sendo desmentido pela realidade com que têm que lidar ministros e assessores, até mesmo deputados que apoiam o governo perdem a credibilidade. Para negar informação do próprio presidente, é preciso dizer que os deputados entenderam mal. Ou que o presidente da Petrobras entendeu como uma ordem uma curiosidade do presidente sobre o preço do diesel.

Tanto as intrigas veiculadas pelo Twitter quanto as ordens impossíveis de serem cumpridas, contribuem para o clima de insegurança acerca do que quer ou vai fazer o governo. Situação que complica ainda mais a formação da maioria para aprovar uma reforma da Previdência robusta.
E dá gás para manifestações como as de ontem por todo o país.

Justiça para Temer - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/05

Prisão preventiva do ex-presidente, acusado de crimes graves, não se justificava

Por unanimidade de quatro votos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou a soltura do ex-presidente Michel Temer (MDB), que se encontrava em prisão preventiva. Os efeitos da decisão se estendem ao coronel João Baptista Lima Filho, braço direito do emedebista.

Em seus votos, ministros usaram imagens fortes —como “caça às bruxas com ancinhos e tochas na mão”— para criticar o abuso das prisões cautelares. Trata-se de recado veemente à ala de juízes e promotores da Lava Jato que aposta em interpretações folgadas dos requisitos para o encarceramento.

Ressalte-se que o julgamento não representa um golpe contra a operação jurídico-policial nem passa um atestado de inocência a Temer.

Como ministros do STJ fizeram questão de destacar, o combate à corrupção é um imperativo —e deram-se passos importantes nesse caminho. Entretanto não se pode confundir a prisão cautelar com o cumprimento da pena.

Com efeito, a preventiva (uma das modalidades de prisão cautelar) deveria ser uma exceção, cabível apenas quando a manutenção do suspeito em liberdade representa perigo para a sociedade (se continuará a cometer crimes, por exemplo) ou quando há risco de destruição de provas, pressão sobre testemunhas e fuga do país.

Embora a avaliação desses requisitos envolva sempre algum grau de subjetividade, nenhum deles parece aplicar-se a Temer, que não ameaçou o andamento das investigações nem mesmo quando despachava no Palácio do Planalto e teria muito mais condições de fazê-lo.

O ex-presidente é investigado por crimes graves e as evidências contra ele estão longe de desprezíveis. Para eventualmente levá-lo à prisão, entretanto, há passos óbvios e essenciais —a começar por um julgamento em que terá todas as oportunidades de defender-se.

Se depois de análise técnica das provas apresentadas houver condenação por um magistrado e, posteriormente, por uma corte colegiada, aí sim o réu poderá começar a cumprir a pena imposta.

Há quem veja como excessivas as proteções dadas aos acusados, em especial devido à justa exasperação com a impunidade. No entanto elas integram direitos e garantias fundamentais que, por sua vez, resultam de um longo e precioso processo civilizatório.

Agiu bem, portanto, o STJ ao rever a prisão de Temer. Deplorável é que, em casos menos notórios, o sistema não funcione com a devida presteza. Inexiste outra explicação para o fato de detentos provisórios, que não passaram por julgamento, representarem 40% da população carcerária do Brasil.

Hora de o Congresso agir contra a crise - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/05

O Brasil só não cairá no ‘abismo fiscal’ com a ajuda de deputados e senadores nas reformas


O Congresso precisa entender a mensagem dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e equipe ao comparecerem terça-feira à Comissão Mista de Orçamento. O motivo da visita já é sugestivo por si só: pedir a deputados e senadores que aprovem projeto de lei do Executivo com a permissão para o governo descumprir a “regra de ouro” e emitir R$ 248 bilhões a fim de pagar despesas correntes: folha de salários, benefícios previdenciários, despesas sociais e assim por diante.

Comparável à família que pede empréstimo para se manter: supermercado, feira, conta de luz, despesas fixas em geral. Nenhum centavo para investir em projetos que possam mais à frente permitir a geração de renda e o pagamento das dívidas. Neste caso, pode-se fazer o paralelo entre Estado e famílias.

A finalidade do sinal verde para a emissão de títulos da dívida já serve de estridente alerta: é necessária a permissão do Congresso porque o governo está impedido, por força constitucional, de usar recursos provenientes de endividamento para pagar gastos de custeio. Mas ser preciso levantar dinheiro no mercado financeiro para manter a máquina pública minimamente funcionando já é alarmante.

Voltam as críticas ao teto, também constitucional, corretamente criado no governo Temer para conter o crescimento descontrolado do déficit das contas públicas, a força que empurra para o alto a dívida pública. Ela está na faixa dos 80% do PIB, e continuará a subir. Era 50% no final da gestão Dilma, a responsável pelos desmandos de política econômica que deixaram de herança esta disparada do endividamento. Quanto ao teto, revogá-lo serve apenas para maquiar a difícil situação das finanças públicas, sem qualquer resultado positivo, pelo contrário.

A defesa do projeto de lei serviu para o ministro realçar a importância da reforma previdenciária: “a Previdência virou um buraco negro fiscal que ameaça engolir o Brasil”. O país está à beira de “um abismo fiscal”, reforçou.

O momento é adequado para todos entenderem o que acontece no país. Por trás da incapacidade de a economia reagir — caminha-se para o terceiro ano consecutivo de virtual estagnação — está a catástrofe fiscal que impede a volta de investimentos, porque não há confiança no futuro.

E, sem investimentos, a economia perde fôlego, não gera empregos e reduz a arrecadação de tributos. Em março, por isso, o governo anunciou um contingenciamento de R$ 29,7 bilhões — que poderão ser convertidos em cortes efetivos — e já se prevê mais R$ 10 bilhões para até o fim do mês. No boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, as projeções de analistas do mercado financeiro, para o PIB deste ano, já retrocederam para abaixo de 1,5%.

A situação, porém, representa para o Congresso uma chance especial de exercer um papel exemplar no combate à crise. Já ficou no passado, felizmente, o tempo em que a sociedade aguardava o lançamento de pacotes econômicos pelo Executivo. Nenhum deu certo.

O Plano Real funcionou, mas, além de uma engenharia econômica refinada, passou pelo Congresso, onde ganhou legitimidade. A era dos pacotes acabou, e o que se trata agora é de deputados e senadores, conhecida a proposta de reforma da Previdência, já em debate, darem seu aval à indiscutível necessidade de modernização do sistema. É também uma oportunidade para deputados e senadores trabalharem juntos com a equipe econômica a fim de construir outras medidas que ajudem a destravar a economia, cujo cenário é preocupante.