quinta-feira, março 28, 2019

Guedes, entre bombeiro e equilibrista - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S.Paulo - 28/03

A crise na articulação política do governo com o Congresso colocou o ministro da Economia, Paulo Guedes, no papel duplo de equilibrista e bombeiro. Como bombeiro tem trabalhado nos bastidores para baixar a temperatura da guerra travada entre Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e na busca da conciliação política para manter o foco em torno da aprovação da reforma da Previdência.

No papel de equilibrista entre os dois lados da disputa, tem procurado uma convergência com o argumento de que não se pode “demonizar” a negociação política no Congresso por conta das práticas erradas do passado.

A interlocutores, Guedes tem dito com frequência que tem muita confiança na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, apesar dos percalços na articulação política, mas sempre com o alerta de que a sua função no governo Jair Bolsonaro não faz sentido se a proposta não for aprovada.

Fiador da reforma dentro e fora do governo, Guedes tem sido um ferrenho defensor da necessidade de manter a economia de R$ 1 trilhão em 10 anos prevista com a reforma.

Publicamente, o ministro também não tem escondido a sua posição. Durante a cerimônia de posse do novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, há duas semanas, Guedes chamou a atenção ao afirmar que “se botarem” menos de R$ 1 trilhão “sairia rápido” do cargo. No evento, repleto de empresários, banqueiros e investidores, o tom do ministro foi interpretado como de “brincadeira”. Ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado, disse que não tem apego ao cargo, mas que não sairá na primeira derrota.

Os desabafos constantes são interpretados por auxiliares próximos muito mais como uma tentativa de reforçar a economia, considerada central para barrar uma desidratação da proposta, do que uma ameaça real de que pode deixar o governo.

Um dos assessores diz que Guedes é duro na queda e não tem “queixo de vidro”, apelido dado aos lutadores que sucumbem rápido aos golpes. O próprio ministro, mesmo diante do agravamento da crise na articulação política, tem insistido na avaliação de que o “script já está escrito” e que a situação atual decorre de uma nova realidade provocada por uma “sociedade aberta”, com pressões de todos os lados compartilhadas pelas redes sociais.

Guedes tem condenado, no entanto, os ataques a pessoas e instituições. Os sobressaltos políticos têm sido vistos como uma “chacoalhada” que não alterou a convergência em torno da direção da agenda positiva de aprovação da reforma. Tanto que Maia reforçou esse ponto ao dizer que continuará trabalhando pela sua aprovação.

Por enquanto, as declarações do ministro sobre uma eventual saída não têm provocado incertezas. Mas alguns experientes integrantes do Ministério da Economia veem com preocupação o uso desse tipo de mensagem pelo ministro, mesmo que em tom de brincadeira. Não querem que ele repita Joaquim Levy, que quando era ministro da Fazenda ameaçou diversas vezes deixar o governo Dilma Rousseff para evitar derrotas no governo petista. E acabou pedindo demissão.

Foi ditadura, e daí? - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 28/03


Bolsonaro dá a 64 o significado que não tem, e arrisca consequências


O que aconteceu em 31 de março de 1964 foi um golpe, depois veio um golpe dentro do golpe e tudo aquilo foi uma ditadura. Que, ao enfrentar resistência da luta armada de grupos de esquerda antidemocráticos (o termo técnico é terrorismo) e de correntes da sociedade civil organizada (imprensa, sindicatos, universidades, grupos políticos conservadores e liberais) – estas últimas são as que tiraram o País do regime de exceção –, dedicou-se a reprimir, censurar, prender e torturar, contrariando os próprios códigos de conduta das Forças Armadas. E daí?

E daí que o assunto é página virada e, no caso do Brasil, só assume importância política atual por causa da patética dedicação do presidente da República a aspectos secundários da “guerra cultural”. É bem verdade que Bolsonaro não está sozinho nesse empenho em recorrer a algum episódio traumático do passado como forma de moldar o debate político do presente.

Em Israel, o revisionismo do mito de fundação do país influencia também as atuais eleições. Na Rússia, é a interpretação da implosão da União Soviética como uma “catástrofe geopolítica” a ser corrigida que sustenta Vladimir Putin. Na China, o ressurgimento do nacionalismo é uma arma poderosa de legitimação do partido comunista empenhado em desfazer um século de “humilhações impostas por potências estrangeiras”. Nos Estados Unidos, Trump fala de uma “América grande de novo”, como se alguma vez tivesse deixado de ser.

A tentativa de Bolsonaro de dar a 64 uma relevância que também os integrantes do Alto-Comando das Forças Armadas acham que ficou para os historiadores tem pouco a ver com os exemplos acima. É parte do cacoete do palanque digital de campanha eleitoral. E já não se trata de perguntar quando ele vai descer da plataforma da agitação eleitoral e se sentar na cadeira presidencial, pois a resposta está dada: nunca.

O presidente e seus seguidores mais aguerridos nas redes sociais criam e se retroalimentam de “polêmicas” que, na época pré-digital, se chamavam de briga de mesa de boteco. Sobe o volume da gritaria à medida que o tempo avança e as coisas não acontecem como os “revolucionários” esperavam que evoluíssem. E encontram na “velha política”, nas “oligarquias corruptas”, na “mídia”, no “marxismo cultural” as “explicações” para a própria incapacidade de criar uma narrativa abrangente e dotada de clara estratégia de como tirar o País do buraco.

As reações contrárias de diversos setores à “comemoração” de 64 provocam nos militantes dessa franja da direita brasileira um “frisson” de alegria, como se sentissem confirmados em suas piores suspeitas. São a eles que os atuais comandantes militares se referem quando alertam que não estão dispostos a tolerar nenhum tipo de fanatismo, de um lado ou de outro. É o tipo de recado, porém, que provavelmente fará os mesmos militantes se sentirem reconfortados.

Nesse sentido, as agressões verbais por intelectuais que influenciam Bolsonaro e seus entes mais próximos aos generais no governo (xingados de “idiotas”, “cagões” e “comunistas infiltrados”) não são deslizes típicos da mesa do boteco. Na peculiar visão de mundo que move os agressores, trata-se do necessário resgate do espírito da História, no qual a nova “hora zero” de 64 explicaria a razão de o País ser hoje uma democracia aberta e representativa e não uma república popular ou socialista. Por isso, consideram que “comemorar” o distante 64 seria parte da luta de ideias.

Sem dúvida alguma, ideias têm consequências. E ideias malucas e idiotas costumam ter consequências péssimas.

Gravidade - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 28/03

Muitos dizem que Bolsonaro precisa descer do palanque. Talvez já tenha descido.


Um cenário sem reforma não interessa a ninguém. No entanto, o risco de um governo que pouco entrega na agenda econômica é concreto.

A última rodada de pesquisas de aprovação do governo não foi boa para Jair Bolsonaro. Grosso modo, o novo governo começou com patamares de aprovação menores do que os dos governos anteriores em primeiro mandato, em que pese o resultado mais modesto nas urnas. Além disso, ocorreu um encolhimento relativamente rápido da taxa de aprovação, ficando a percepção de fim de lua de mel.

A queda da aprovação em si não chega a ser novidade. As eleições costumam ser carregadas de emoção e, superado o calor do momento, os indivíduos tendem a ter visão mais racional e crítica do governo. A intensidade da queda é que distingue o quadro atual.

Alguns fatores contribuem para isso. A economia não vai bem e os sinais de melhora são muito tímidos. A taxa de desemprego ampla, que inclui subocupados (trabalham menos do que gostariam) e desalentados (gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego, pois veem baixa probabilidade de conseguir algo) está acima de 22%, e sem tendência de recuo. É provável, portanto, que a confiança do consumidor encontre limites para crescer, até porque seu aumento tem se dado mais pela melhora das expectativas para o futuro, por conta da renovação política, do que pela avaliação da situação atual.

Ainda que secundário, outro elemento que pode ter gerado desconforto é a aceleração da inflação de alimentação no domicílio, que atingiu 7,4% após longo período de preços mais estáveis.

O ambiente econômico não ajuda, mas parece insuficiente para explicar queda tão rápida da aprovação. Afinal, a confiança do consumidor aumentou.

Os sinais de confusão no governo são evidentes, mas tampouco devem explicar o recuo da aprovação, pois o cidadão mediano – aquele que melhor representa a sociedade – provavelmente não acompanha o tumulto da política.

A reforma da Previdência, possivelmente, tem papel importante na insatisfação crescente. Esse que é o principal item da agenda governamental não foi discutido na campanha eleitoral. Bolsonaro focou em temas de costumes e segurança, e alimentou a crença da sociedade de que o necessário combate à corrupção resolveria os principais problemas do Brasil. O discurso populista ajuda a ganhar eleição, mas o efeito colateral é de difícil administração.

Olhando adiante, há razões para cautela, pois o governo acumula muitos erros. Em parte por falta de experiência. Esse é o lado mais benigno, pois significa que pode haver uma curva de aprendizado. É o caso do ministro Paulo Guedes. Depois de falas ruidosas no período de transição, gerando desconfiança em segmentos do setor produtivo, montou um time de craques na Secretaria da Previdência e enviou ao Congresso uma proposta de reforma muito boa.

O lado mais preocupante é o estilo polêmico do presidente. A percepção é que sua pouca habilidade política e sua inclinação para a provocação desviam o foco dos temas prioritários. Muitos afirmam que Bolsonaro precisa descer do palanque. Talvez já tenha descido. Vamos aguardar os próximos passos, mas, por ora, os sinais são de um presidente com baixa capacidade de reação diante dos problemas.

É crucial que o governo reaja e organize a agenda econômica, que, ao final, é o que definirá seu futuro. A liderança no Congresso precisa ser estabelecida. Não há vácuo de poder. Executivo fraco implica Congresso ainda mais forte.

Atravessar o deserto até a aprovação da reforma da Previdência não será fácil. Acredito que um cenário sem reforma e, portanto, de colapso não interessa a ninguém, pois não há vencedores. No entanto, o risco de um governo que pouco entrega na agenda econômica é concreto.

Ocorre que um cenário econômico medíocre é perigoso, pela fragilidade da economia aliada ao cansaço da sociedade. O problema não seria a queda da popularidade em si, até porque esta é a sina de presidentes reformistas; a aprovação cai por gravidade. Grave mesmo seria um quadro de agitação social adiante, o que não pode ser descartado. Não há tempo a perder.

Para bom entendedor - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/03

Não dá para minimizar a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha


O recado da Câmara foi para o governo Bolsonaro, mas a proposta de emenda constitucional que já está conhecida como do “orçamento impositivo” só valerá, se aprovada no Senado, para o próximo governo, a ser eleito em 2022. Além do mais, não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, mas apenas tornar impositivas as emendas das bancadas, como já são as individuais.

Portanto, não é uma ameaça iminente, mas potencial, dá tempo para ser minimizada. O que não dá para minimizar é a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que o presidente Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha. Dizer que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está desestabilizado devido aos problemas de seu sogro Moreira Franco, é querer colocar gasolina na fogueira.

Essa discussão do Orçamento, aliás, deveria ser anacrônica, se já tivéssemos atingido um grau de institucionalização política que permitisse Executivo e Legislativo se entenderem acerca do documento básico de um governo, o Orçamento, que, em qualquer lugar do mundo, tem que ser cumprido.

Aqui, é uma peça de ficção, chamado de "autorizativo", isto é, o Executivo tem o poder de não pagar certas despesas, fazendo o contingenciamento do montante necessário ao cumprimento das metas fiscais. Em compensação, os legisladores supervalorizam as receitas para aumentar os gastos das "emendas parlamentares", que representam uma porcentagem da receita.

O que historicamente foi a função básica do Parlamento, estabelecer as prioridades de um governo, passou a ser um detalhe da atividade parlamentar. Deputados experientes no Congresso consideram que o Legislativo corre o risco de se tornar uma espécie de "puxadinho" do Poder Executivo.

Quem define o Orçamento é o Executivo, e, se um parlamentar quiser alguma mudança, tem que negociar com ele. Ou conseguir uma maioria para derrotar o governo no plenário. Não foi sempre assim. Na Constituição de 1946, os parlamentares podiam emendar o orçamento inteiro, como nos Estados Unidos. A partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto lei.
O Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, não emendá-lo. E os deputados e senadores tinham uma cota para dar verbas a entidades assistenciais. A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas o governo Collor, devido aos deputados alcunhados de “anões do orçamento”, que manipulavam as verbas a favor de um pequeno grupo, permitiu que o Executivo voltasse a centralizar o Orçamento.

A separação dos poderes, criada na Constituição americana em 1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na Inglaterra. Os EUA formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. A base é que quem dá os rumos é o Congresso. Por isso, nega verbas a Trump para construir o muro na fronteira do Méxixo e provoca uma paralisação geral do funcionalismo público, até que o presidente desista ou chegue a um acordo com os que o derrotaram.

Sendo um Trump, pode usar um instrumento excepcional, como o estado de emergência, para fazer o que considera certo, mas o desgaste existe.

No presidencialismo, um deputado, um senador não tem chefe, muito menos pode ser subordinado ao chefe de outro poder, o Executivo. Por isso, para que um parlamentar americano seja ministro, precisa renunciar ao seu mandato, e não apenas licenciar-se.

Aqui, toda vez que existe uma votação importante no Congresso, há uma corrida de deputados e senadores ao Palácio do Planalto em busca da liberação de verbas, uma espécie de chantagem implícita, ou submissão, situação que seria atenuada se os partidos se guiassem por programas para participarem do governo. Mas no sistema que vigora, e que Bolsonaro diz querer acabar, partidos recebem ministérios sem mesmo saber qual é o programa que vão conduzir.

Num governo sem “toma-lá-dá cá”, nem corrupção na veia para montar uma base parlamentar majoritária, seria preciso que os membros do Legislativo e do Executivo se respeitassem mutuamente, cada um na sua função. Mas, para isso, é preciso que exista um programa de governo, e que a maioria seja formada em torno dele.

Falta de articulação cobra seu preço - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/03

Agendamento desastroso de ida de Paulo Guedes à CCJ e aprovação de PEC negativa são exemplos


Passadas as rusgas entre o clã Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a tramitação do estratégico projeto de reforma da Previdência, esperava-se que o clima melhorasse. O presidente Jair Bolsonaro e Maia trocaram acenos. Parecia que o Planalto, enfim, iria se envolver, como imprescindível, na articulação política para viabilizar o projeto no Congresso. Deixaria de imaginar que o presidente da Casa poderia acumular esta função. Não há registro de algo parecido no passado.

Mas bastaram os fatos ocorridos em Brasília na terça-feira para se constatar que o Planalto continua leniente na condução das mudanças na seguridade social, básicas para todos — sociedade e governo. As trapalhadas em torno do agendamento da ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça começaram a abalar o otimismo que possa ter sido criado com o aparente apaziguamento na Praça dos Três Poderes.

Guedes tem demonstrado apetite e desenvoltura para combater no campo político por esta reforma e outras, também necessárias. Mas ele não pode, nem deve, tentar fazer tudo. Por impossível. Se alguém imagina que Paulo Guedes possa ser o ponta de lança da coordenação política erra tanto quanto quem considerou a hipótese de Rodrigo Maia se desdobrar em representante primordial do Planalto na Câmara.

Permanecem os sinais de falta de coordenação, agravada pela persistente ausência do próprio presidente Bolsonaro no trabalho de viabilização das reformas no Congresso. O agendamento da presença de Paulo Guedes na CCJ foi um da série de desastres que o governo vem acumulando. Não houve qualquer dos cuidados básicos da suposta base do governo para impedir que a oposição ocupasse os primeiros lugares nas inscrições para a sabatina do ministro. Ele ficaria isolado num paredão de fuzilamento. Enquanto isso, torna-se cada vez mais gritante a ausência do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do mesmo partido de Maia, mas com quem não se entende.

Quanto custa o mito - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/03

Bolsonaro não dá sinal de se importar com crise; mercado se irrita com Guedes

A pororoca no mercado financeiro parece feia, mas as baixas por ora são apenas espuma. A reincidência do governo em erros, despropósitos e arruaças é lama.

Menos de 24 horas depois de ficar explícito que não dispõe de coalizão partidária para sobreviver no Congresso, Jair Bolsonaro voltou a provocar parlamentares e discórdia. Em entrevista na TV, fez comentários de escarninho colegial sobre o presidente da Câmara. Em resposta, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que Bolsonaro está "brincando de presidir o Brasil". Nas redes insociáveis, voltou a incitar rixas ideológicas sinistras (1964).

No Congresso, não houve tentativa organizada de criar uma mesa de conversa para valer entre governo e parlamentares. No DEM, há gente empenhada em levar Bolsonaro para a luz mínima da política, como Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Será um esforço em vão caso Bolsonaro não crie uma equipe, no governo e no Congresso, experiente e com poderes de organizar uma coalizão, o que significa ceder à "velha política".

Como se não bastasse, causou má impressão a audiência do ministro Paulo Guedes (Economia) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Para os senadores, mesmo os simpáticos a reformas, Guedes se comportou de modo "arrogante", "agressivo", "ignorante dos modos da política" e "desavisado" por levantar a hipótese de que pode deixar o governo caso as reformas sejam bloqueadas. Trata-se de possibilidade óbvia, mas isso não se antecipa em público.

No mais, gente da praça do mercado se irrita loucamente com Guedes porque o ministro "não controla" Bolsonaro. "O mito saiu caro", diz um financista.

A maioria dos preços desabou no mercado financeiro, em parte por reação estereotipada, em parte porque o clima na finança mundial não está bom, faz semanas.

Os maus humores podem se dissipar em dias, sem deixar efeito na economia real, mera espuma. Mas a persistência de condições financeiras degradadas por uns dois meses deve multiplicar vetores de estagnação.

Por exemplo, a confiança de empresários e consumidores está em queda, provavelmente devido à frustração das promessas de recuperação econômica. O tumulto político pode engrenar um círculo vicioso.

É difícil entender ou encontrar alguém que explique os objetivos de Bolsonaro.

Um general conselheiro acredita que o presidente espera com otimismo exagerado ver o Congresso "se dobrar às necessidades do país", mas que vai se tornar mais maleável aos poucos.

Visto de fora, Bolsonaro e seu núcleo puro, filhos e assessores, não parecem diferentes da campanha: vieram para "quebrar o sistema". Trata-se de uma crença rude, entre fantástica e autoritária, de que governará "fora do mecanismo", apoiado por pressão popular permanente.

A paranoia parece, no entanto, agravada, em particular pela opinião pública de elite cada vez mais favorável ao vice-presidente, Hamilton Mourão.

Por ora, não parece haver força que demova Bolsonaro. No Congresso, não há ordem, recursos ou impulsos para tirar a política do impasse, o que em tese não é difícil.

Não há racha essencial na elite econômica, que quase toda colaborou com a vitória de Bolsonaro, na crença de que o capitão seria "business as usual", com um tempero amargo de ferocidade inócuo em termos materiais, "reformas" etc.

Assim, um mero acordo de divisão de poder do governo com alguns partidos resolveria a parada. Mas Bolsonaro acha que é uma revolução.


Governo parece derreter e Bolsonaro joga carvão na fornalha - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 28/03

Audiências de ministros no Congresso exibem gestão vazia e sem rumo


Sete ministros de Jair Bolsonaro apareceram no Congresso para apresentar seus planos para o país. Se o objetivo era mostrar que o governo está trabalhando apesar das trapalhadas, seria melhor que alguns tivessem ficado em seus gabinetes. Somadas, as dezenas de horas de audiências reforçaram a imagem de uma gestão vazia e sem rumo.

A Câmara recebeu um ministro que já caiu, mas não percebeu. Ricardo Vélez (Educação) passou mais de cinco horas diante dos deputados e não conseguiu detalhar o planejamento estratégico da pasta e as metas para o setor. “O papel do ministro não é saber de cor e salteado as estatísticas”, argumentou.

Vélez é um ministro de fachada. Foi forçado a trocar parte de sua equipe e se tornou refém de uma disputa de poder. Na audiência, disse que o cargo é “um abacaxi do tamanho de um bonde”, mas se recusou a pedir demissão. Mais tarde, numa entrevista, Bolsonaro afirmou que vai “decidir a questão” da pasta. “Realmente, não estão dando certo as coisas lá.”

Já o Senado ouviu um ministro que parece prestes a se demitir. Espremido pela crise política entre o Planalto e os parlamentares, Paulo Guedes (Economia) disse que volta para casa se a reforma da Previdência não andar. “Eu venho para ajudar. Se o presidente não quer e o Congresso não quer, vocês acham que vou brigar para ficar?”, declarou. A Bolsa despencou 3,6% e o dólar subiu 2%.

Depois de pressionar a Câmara para tentar votar seu pacote de medidas de combate ao crime, Sergio Moro foi para cima dos senadores. O ministro ameaçou abandonar a proposta se os parlamentares retirarem trechos ligados à corrupção.

Para piorar, Bolsonaro ainda estimula uma crise permanente com o Legislativo. De graça, ele voltou a provocar Rodrigo Maia e disse que o deputado está abalado com a prisão de Moreira Franco, padrasto de sua mulher. Maia reagiu e afirmou que Bolsonaro está “brincando de presidir o país”. Enquanto o governo parece derreter, o presidente faz questão de jogar mais carvão na fornalha.


Não é brincadeira - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 28/03

A Câmara dos Deputados mandou clara mensagem ao presidente Jair Bolsonaro: não está para brincadeira.


No momento em que o presidente adota uma atitude imperial ante o Congresso, esperando que este cumpra as vontades do Executivo sem nenhuma forma de diálogo, na presunção de que os projetos do governo se impõem por si mesmos, os parlamentares de todos os partidos, inclusive governistas, decidiram manifestar seu descontentamento de forma esmagadora.

Na noite de anteontem, em sessão liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados aprovaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o porcentual do Orçamento que o governo pode manejar livremente. A PEC, que agora vai ao Senado, torna obrigatória a execução de emendas propostas por bancadas estaduais e por comissões, a exemplo do que já acontece com as emendas individuais dos parlamentares.

Note-se que, enquanto as emendas individuais se prestam basicamente a satisfazer a base eleitoral deste ou daquele deputado, as emendas estaduais e de comissões geralmente têm um caráter eminentemente programático, respondendo a demandas mais abrangentes. Assim, se respeitadas as restrições fiscais – como, aliás, está expresso na PEC aprovada–, trata-se de legítima expressão do papel do Legislativo na definição de políticas públicas.

Dito isso, é inegável que a inesperada votação dessa PEC foi uma manobra para constranger o presidente Bolsonaro e para deixar explícita a ausência completa de algo que se possa chamar de “base governista” no Congresso.

A PEC estava engavetada desde 2015. Havia sido elaborada como parte da chamada “pauta-bomba” dos partidos que compunham o “centrão” para minar o governo da então presidente Dilma Rousseff. Ressuscitá-la agora parece ter como único objetivo constranger o presidente Bolsonaro – que, quando deputado, apoiou essa PEC, bem como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho. Se o objetivo era esse mesmo, foi plenamente atingido.

A PEC foi aprovada por placares acachapantes: 448 votos a 3 no primeiro turno e 453 votos a 6 no segundo, com 1 abstenção. Praticamente todos os deputados do PSL, o partido do presidente Bolsonaro, votaram a favor de um projeto que claramente atrapalha o governo, porque aumentará o engessamento orçamentário de 93% para algo em torno de 97%. “Eu estou perplexo. Muitas vezes não sei mais quem é situação e quem é oposição”, desabafou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).

De fato, o governo, especialmente o presidente Bolsonaro, parece empenhado em tornar a oposição desnecessária. Está conseguindo unir quase todo o Congresso contra o governo, inclusive os parlamentares que comungam da mesma agenda do Executivo – a começar pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

A quase unanimidade dos parlamentares contra os interesses do governo, verificada na votação da PEC sobre o Orçamento, indica uma evidente reação à tentativa do presidente Bolsonaro de desqualificar qualquer forma de diálogo político, ao sugerir que as negociações em torno da aprovação de projetos no Congresso são corruptas por definição. Sempre que pode – e nos últimos dias o fez com frequência –, o presidente Bolsonaro tem justificado sua resistência em organizar uma base aliada argumentando que, ao fazê-lo, estaria cedendo à “velha política”. A “nova política”, segundo sua concepção, seria então aquela em que os deputados votam como quiserem e escolhem se ficarão do lado do “bem”, que é o do governo, ou do “mal”, que é a oposição.

“Não somos contra o governo. Somos a favor do Parlamento”, reagiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “O governo não disse que é cada um no seu quadrado? Então, chegou a hora de resgatarmos as prerrogativas do Legislativo. Cada um faz o seu papel”, disse o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM.

A acidentada história do País mostra que presidente nenhum pode descuidar da articulação política no Congresso, ainda mais de forma tão deliberada como faz Bolsonaro. Essa lição se reveste de especial importância quando estão em jogo reformas de cuja aprovação depende a solvência do Estado. Não parece claro se Bolsonaro é capaz de aprendê-la.