domingo, agosto 04, 2019

É preciso tirar a máscara - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 04/08

Houve uma estagnação que atingiu todos os setores de atividade do futebol


O zagueiro Leandro Castán, do Vasco, que atuou vários anos na Europa, disse, no programa Bem Amigos, do SporTV, que falta a muitos jogadores brasileiros mais amadurecimento emocional e mais compreensão da estratégia de jogo e de comportamento profissional.

Penso que existe uma exagerada dependência dos jogadores aos treinadores, paizões, supervalorizados e que se tornam os principais responsáveis pelas vitórias e pelas derrotas.

Os atletas, em vez de procurar soluções em alguns instantes decisivos do jogo, ficam à espera dos “professores”.

Há um grande número de jovens promessas que não se transformam nos craques que pareciam ser porque foram mal avaliados —confundem habilidade com talento— e porque não tiveram lucidez e equilíbrio emocional para enfrentar os perigos do futebol e da vida.


Uma das funções dos treinadores e dos sistemas táticos é controlar os devaneios individualistas e valorizar o coletivo. Isso é importante. Por outro lado, um dos sentimentos mais presentes e decisivos na conquista do sucesso é a ambição de fazer individualmente o melhor. O futebol e a vida são feitos de contradições.

Vivemos também a época do futebol midiático, dos melhores momentos, da supervalorização dos lances individuais e da construção de heróis e de vilões a cada jogo.

A sociedade do espetáculo gosta muito mais de festejar e descartar do que de futebol.

Na Europa, com o desenvolvimento da ciência esportiva nas últimas décadas, foi feito um planejamento para melhorar a qualidade do jogo e do espetáculo.

Houve diminuição da violência, nos gramados, nas arquibancadas e fora dos estádios, do número de faltas, de tumultos, e melhorou o conforto para o torcedor e a eficiência e a beleza do jogo.

O futebol tornou-se mais prazeroso, emocionante e lucrativo. A importação dos melhores jogadores sul-americanos e de outros continentes contribuiu para esse crescimento.

Enquanto isso, no Brasil, houve uma estagnação que atingiu todos os setores de atividade do futebol. Todos precisamos evoluir.

Muitos conceitos ultrapassados são repetidos, e ainda aproveitam para usar os álibis de que não existem verdades no futebol e de que cada um tem sua opinião.

Os jogadores habilidosos, rápidos e dribladores, no momento certo, devem ser incentivados, mas é necessário ajudá-los a ter mais equilíbrio emocional, a melhorar a técnica e a fazer escolhas mais corretas. Não basta ser rápido e habilidoso. Essa é uma das razões de muitas derrotas brasileiras.

O 7 a 1 foi atípico, inesperado, mas escancarou nossas deficiências. Não sabíamos disso. A queda foi aos poucos e progressiva. De repente, levamos um susto. É o que acontece quando alguém, um dia, se olha no espelho e descobre que envelheceu.

“Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz.

Conheceram-me logo por quem não era, e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, já tinha envelhecido” (Fernando Pessoa).

Após o 7 a 1, o futebol brasileiro tem tentado tirar a máscara, mas há uma indefinição sobre o que colocar no lugar. Há várias possibilidades e tentativas. Tenho esperanças.

Há muitos jovens bons de bola, técnicos sérios, promissores e estudiosos, e alguns dirigentes e empresários que, para não perder a fonte, tentam unir o lucro com a qualidade do espetáculo. Mas temo que o futuro não chegue a tempo.

Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

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