domingo, junho 30, 2019

Caranguejo Brasil troca de casca - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 30/O6

PIB anda de lado e na lama, mas começam mudanças nas profundezas da economia


É preciso notar que a economia brasileira muda, mesmo submersa na lama. O caranguejo, que anda de lado como o PIB do Brasil, troca de casca desde 2016.

Duas notícias desta semana são mais do que simbólicas desta transição tentativa: o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e o plano de abrir o mercado de gás.

Quando, se e como mudanças desse tipo vão ter influência positiva no crescimento são perguntas de R$ 1 trilhão, medida tão ao gosto deste governo. Se o eventual crescimento será distribuído de modo igualitário, é questão ainda mais especulativa. Mas o caranguejo perde sua carapaça estatal e muda de cor. Ignorar a mudança é um erro político, econômico e financeiro.

Do que se trata? Alguns exemplos:

1. Deve haver agora investimento pesado no pré-sal, com aumento grande da produção. Mudanças nesse setor e noutros devem alterar a paisagem empresarial e industrial;

2. Há planos avançados de abrir setores dominados pelo Estado, como refinarias, gás e saneamento. Governos e suas empresas ora não têm como colocar dinheiro nessas pontas de lança do investimento;

3. As taxas de juros estão nos níveis mais baixos desde que se tem notícia, graças ao efeito combinado de depressão econômica e gastos contidos do governo e de seus braços de crédito. Sim, trata-se dos juros do atacadão de dinheiro. Mas o cidadão remediado vai ver seu fundo DI, seu CDB ou seu Tesouro Direto renderem pouquinho. Vai reclamar, procurar retorno em outra parte, empreendimentos em que possa investir. Pois bem. Os donos do dinheiro grosso agem do mesmo modo. Ou vai tudo virar inflação da Bolsa?

4. Por décadas o gasto do governo cresceu mais do que o PIB; cresceu ainda a 6,5% além da inflação nos 20 anos até 2016. Desde então, ficou estagnado;

5. Deve ser aprovada alguma reforma da Previdência;

6. Bancos em geral perdem espaço na concessão de crédito (entram outras fontes de financiamento);

7. Depois de quase 20 anos de paralisia, pode haver alguma abertura no comércio exterior, vide o acordo com a União Europeia;

8. Há planos de conceder serviços públicos e infraestrutura para empresas privadas, ainda que atrasados;

9. Para o bem ou para o mal, há uma nova lei trabalhista.

Há planos mais encrencados, como mexer no setor elétrico e em outras regulações de vários mercados. Até uma reforma tributária tramita no Congresso (caso aprovada, faria efeito direto só daqui a uns três anos, mas é coisa grande). Mas isso tudo ainda é especulativo, protesto.

As mudanças em curso e as planejadas por este governo em tese não devem estimular lá grande coisa de crescimento nos próximos, digamos, dois anos, embora a reação do empresário costume ser um tanto misteriosa. Sim, os planos podem fracassar, até porque o comitê central do governo Jair Bolsonaro não habita o universo da razão. Mas algo se move.

A ala do governo que frequenta o universo da razão enfim concluiu essa obra de 20 anos que é o acordo com a União Europeia. Mesmo com o Planalto jogando contra, haverá um remendão na Previdência. Isso tudo deve causar alguma impressão, aqui e lá fora.

Quase todas essas mudanças mexem nas condições da produção, não no consumo, em um primeiro momento. Se derem certo, demoram a fazer efeito, a fazer PIB, emprego e salários andarem. É uma travessia do deserto com um abismo no meio, mais algum tempo de crescimento pífio e pobreza crescente.

Estagnação e assimetria - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

O Estado de S. Paulo - 30/06

A paralisia está saindo muito cara e isso está evidente na nova onda de recuperações judiciais


A estagnação da economia brasileira ampliou-se em 2019. Cresceremos menos que em 2017 e 2018, anos que sucederam a mais longa recessão da nossa história moderna.

Essa situação é, antes de tudo, um desastre para a cidadania. Entre desempregados, subempregados e desalentados, estamos falando de mais de 25 milhões de pessoas!

Isso sem falar naqueles que só conseguem trabalhar em posições menos relevantes e remuneradas do que aquelas que já ocuparam. Ou naqueles que fizeram força para pagar os estudos e não conseguem vagas ou estágios que lhes permitam prosseguir na carreira.

Os impactos na autoestima das pessoas e nas famílias são seguramente muito grandes.

A mim impressiona o aparente conformismo do governo com essa cena. Nada acontecerá em qualquer área antes da reforma da Previdência, o que, no melhor cenário, nos levará até meados do segundo semestre.

Pior: o Banco Central revela a mesma atitude, mesmo com a inflação ancorada, abaixo da meta, e a fraca atividade. Qual será o custo disso?

A paralisia está saindo muito cara e isso está evidente na nova onda de recuperações judiciais (RJs) de grandes companhias, como sinalizaram os pedidos de RJ das empresas do grupo Odebrecht, as últimas de uma longa série de empreiteiras.

A onda não é casual. Afinal, na vida empresarial, o que não vai adiante, normalmente, volta para trás: empresas muito endividadas apenas têm chance de sair das dificuldades com seus mercados crescendo vigorosamente, pois só assim os bancos estarão dispostos a rolar e alongar seus empréstimos. Quando a estagnação entra em campo, é questão de tempo para algum credor decidir executar a dívida e precipitar uma RJ ou até uma falência.

Os setores perdedores são vários: construção (leve e pesada), bens de consumo não duráveis, comércio, bens de capital. A digestão das empresas “zumbis” também contribui para tornar mais lenta a recuperação da economia.

No mercado da estagnação o jogo é aquele antigo das crianças, o rouba monte. Só se cresce roubando o mercado do vizinho.

Na confusão existem várias empresas ganhadoras. Minha observação é que elas têm pelo menos três características em comum: boa estrutura de capital, boa governança corporativa e capacidade de entender as mudanças tecnológicas e de modelos de negócios em andamento no mundo. Isso permite adquirir bons ativos de companhias enfraquecidas, desenvolver novos produtos e continuar a crescer, alargando mercados, inclusive pela internacionalização.

Esse é, por exemplo, o caso da Weg, a empresa catarinense de equipamentos. Mais da metade do faturamento da Weg vem das exportações, e boa parte das vendas é de produtos lançados recentemente, muitos dos quais em áreas novas, como energia eólica.

A distância entre as companhias ajustadas e as outras também ajuda a entender por que nossa produtividade média não cresce. Além das causas usuais, que apontam os altos custos de fazer negócios no Brasil, a precária infraestrutura, o baixo padrão do sistema educacional e a complexidade de tributos, coloca-se a assimetria entre empresas líderes e aquelas em decadência, que apenas vivem em modo de sobrevivência, mas cujas chances são cada vez mais reduzidas em meio à estagnação.

O que faz a competição. O mercado de adquirência, o das maquininhas de cartão, passou muitos anos dividido entre um duopólio: de um lado a Rede, do Itaú, e de outro a Cielo, do Bradesco/Banco do Brasil.

Nesse período, apenas estabelecimentos maiores tinham os equipamentos e as taxas eram elevadas, pesando nos comerciantes.

Há alguns anos, o Santander comprou a GetNet e entrou no mercado. No último ano, assistimos aos milionários IPOs da PagSeguro e da Stone na Bolsa Nasdaq, dos Estados Unidos. Finalmente, o Banco Safra entrou neste mercado.

Em poucos meses vimos o que não assistimos há anos: disputa pelos clientes e penetração em negócios menores, como médicos, dentistas, bancas de jornal, pequenos prestadores de serviços etc. O custo das maquininhas caiu drasticamente e os modelos de negócio ficaram mais variados. O resultado é uma melhora para os empresários e para os consumidores.

Esse caso me fez lembrar de um dos melhores livros do ano, The Myth of Capitalism – Monopolies and the Death of Competition, de Jonathan Tepper.

O que falta ao capitalismo moderno é mesmo competição.

Economista e sócio da MB Associados

Os frutos do acordo - VERA MAGALHÃES

O Estado de S.Paulo - 30/06

Para além das vantagens comerciais, negociação ajuda a dissipar bobajada ideológica


A semana terminou com uma grande notícia, com o fechamento do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Além das vantagens da abertura econômica e comercial, o acordo serve como um banho de pragmatismo na política externa brasileira, por evidenciar que a crítica ao tal globalismo como um bicho-papão que tragaria o mundo ocidental e seus valores nada mais era do que delírio ideológico que, na hora do vamos ver, foi deixado de lado.

O acordo é uma construção de 20 anos e muitas mãos. Começou a ser costurado no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999. A primeira oferta foi feita no governo Lula, em 2004. Em 2007, no governo Lula 2, o Brasil assinou uma parceria estratégica com a Europa, dando mais um passo para o acordo. Ele ficou dormitando ao longo de quase todo o governo Dilma Rousseff, mas, ironicamente, foi no último dia da petista, 11 de maio de 2016, que houve a apresentação das ofertas de parte a parte. O desenho do acordo que foi finalmente fechado se deve em muito ao trabalho do ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, no governo de Michel Temer.

E, finalmente, graças a uma ação bem coordenada do Ministério da Economia de Paulo Guedes, na pessoa do secretário de comércio exterior Marcos Troyjo, da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e do Itamaraty de Ernesto Araújo, foram alinhavados, ainda nas reuniões de Buenos Aires, os termos finais da proposta finalmente assinada em Bruxelas.

Portanto, ainda que haja aspectos que possam desagradar esse ou aquele setor, que possam existir críticas quanto ao fato de o Mercosul ter sido levado a ceder mais que os parceiros europeus – o que é óbvio, uma vez que os países do lado de cá são mais fechados e atrasados que os de lá –, trata-se de uma rara convergência de propósitos e de continuidade de ação entre governos. Um bálsamo diante de tantos solavancos políticos e econômicos que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos.

É claro que Jair Bolsonaro vai querer faturar em cima do acordo, a despeito de seu discurso, dos filhos, do próprio Araújo e do entorno mais ideológico do governo sempre ter sido avesso ao multilateralismo e de ceticismo em relação à própria existência da União Europeia. É do jogo que o governo exagere os próprios méritos num acordo que já estava bem adiantado, ao qual também foi impelido pelos parceiros do Mercosul, que estavam mais dispostos a fechá-lo que o Brasil, e para o qual contribuiu, também, a necessidade da Europa de dar a volta por cima num cenário internacional que hoje é dominado pelo duelo de titãs entre Estados Unidos e China. Os ganhos advindos da abertura são maiores que qualquer reparo que se tenha a fazer à bateção de bumbo exagerada.

Além do enorme impacto comercial e econômico que a retirada de barreiras trará para o Brasil, devolvendo o País ao tabuleiro global, do qual estava escanteado, o acordo com a União Europeia funciona também como uma bem-vinda garantia de que o ímpeto bolsonarista em áreas como meio ambiente também terá de ser contido. O capítulo político do tratado inclui o compromisso dos países signatários com o Acordo de Paris e com outras metas ambientais e traz importantes disposições também relativas a direitos humanos (com menções específicas a respeito a minorias e garantias de direitos trabalhistas, por exemplo).

A assinatura do acordo faz letra morta da cantilena bobalista da ala ideológica do governo. Ela pode até continuar entoando seus mantras no Twitter, comemorando como sua uma construção que, como se vê é anterior e mais plural. Mas o fato é que, na vida real, falaram mais alto o pragmatismo e a disposição pelo liberalismo econômico e pela abertura do País ao resto do mundo. Grande dia, de fato.

‘A população é a grande fiadora da estabilização’ - ENTREVISTA COM PÉRSIO ARIDA

O GLOBO - 30/06

Um dos criadores do Plano Real, economista vê condições mais favoráveis a reformas econômicas que na época da concepção da nova moeda

Por Cássia Almeida


RIO — Um dos pais do real , o economista Persio Arida vê a moeda como conquista da população brasileira, que se tornou “fiadora da estabilidade”. Sobre os desafios de hoje, vê a reforma da Previdência que tramita no Congresso na direção certa, mas identifica paralisia nos investimentos à espera dela.

Ex-presidente do BNDES, ele acredita que o país não precisa mais de um banco de fomento tão grande e diz que há uma “retórica falsa” na afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que nunca houve um governo liberal no Brasil.

Após 25 anos, a população já considera o real uma conquista?
Certamente, hoje virou quase um bem público. O governante que permitir que a inflação seja alta será punido nas urnas. Não é à toa que os 10% de inflação no começo no segundo governo Dilma foram, do ponto de vista de erosão de apoio popular, um dos fatores determinantes. Hoje, claramente, a mensagem aos governantes e aos políticos é muita clara se você permitir a volta da inflação. A população é a grande fiadora do processo de estabilização.

E que não se conseguiu fazer?
O que deu errado infelizmente foi a Previdência que perdemos por um voto. Brasil poderia ter um quadro muito diverso se tivesse aprovado aquela reforma que já estabelecia idade mínima.

E hoje, como vê o Brasil?
Hoje não tem oposição relevante. Mesmo sem articulação política, tem uma liderança no Congresso a favor das reformas, e o país está muito mais consciente dos desafios da Previdência do que estava naquela época. As tentativas, embora malsucedidas do governo Temer, aumentaram enormemente a consciência do país do problema. Cenário internacional está muito mais favorável, não tem o desafio do controle da inflação. Como um todo, é situação muito mais tranquila do que aquela vivenciada antes.

Por que a economia não cresce?
Nosso crescimento atual está abaixo do normal por dois fatores. Certamente Argentina tem um efeito negativo no setor real. Tem um segundo efeito que a ênfase na reforma da Previdência como tudo ou nada, percepção de que o Brasil pode acabar. De um lado ajuda na aprovação, por outro lado gerou em todo empresariado local e externo uma atitude de esperar para ver. Colocou o fluxo de investimento em compasso de espera. Vamos ver o que vai sair, qual é o número que vai sair. O efeito no ânimo empresarial de investir é claramente negativo.

Aprovando a Previdência, os investimentos voltam?
Muitas vezes, há o diagnóstico de que a limitação do crescimento é na demanda. A taxa de juros está alta demais, a política fiscal está contracionista demais, e, portanto, o Brasil não cresce por falta de demanda. Eu acho esse diagnóstico fundamentalmente errado. Acho que há espaço para a redução da taxa de juro sem dúvida, mas não é isso que vai colocar o Brasil numa rota de crescimento acelerado. Os desafios estão do lado da oferta> insegurança jurídica, abertura comercial e financeira, aumento de concorrência, mudança de leis de garantia para diminuir o spread bancário, reforma tributária. São essas agendas que aumentam a produtividade do país. O ministro Guedes (Paulo Guedes, da Economia), decidiu _ o tempo dirá se a decisão está correta ou não _ de focar 100% da energia no começo na Previdência. Mas Previdência não dá ganho de produtividade nenhum. Ela pode estabilizar a expectativa sobre a dívida pública.

O foco na Previdência é ruim?
Claro que isso aumenta a chance de aprovar a reforma, mas retarda a discussão das reformas estruturais. No piloto automático, o crescimento brasileiro infelizmente é baixo, não é tão baixo como este ano indica. O Brasil cresce 2%, 2,5% ao ano, o que é insuficiente para absorver o estoque de desemprego. Quando se cresce aceleradamente é que as oportunidades aparecem. Tornar o Brasil menos desigual com crescimento baixo é praticamente impossível. Colocar o Brasil numa rota de crescimento acelerado é fundamental, de 3,5%, 4%, via ganho de produtividade e imigração.

Nossa produtividade está estagnada há décadas, esse crescimento deve demorar.
Sim, é verdade, mas tem muita coisa para fazer. Tem mundo externo favorável, uma quantidade de capital externo que pode ser atraída enorme, áreas que muito férteis, produtivas, como agricultura de exportação e pré-sal.

Como avalia a reforma da Previdência?
Podemos discutir detalhes, como querer afetar o BPC (Benefício de Prestação Continuada, auxílio dado a idosos e portadores de deficiência de baixa renda) quando boa parte da classe média usa o Simples indevidamente, isso é injusto socialmente. O Congresso tirou a capitalização, mas não é nenhum drama, é muito melhor repensar FGTS e os programas de previdência complementar do que um programa novo de capitalização. Ela vai na direção correta, não tem como enfrentar o problema sem equacionar idade mínima. Tem um lado bom também que o ministro se afastou das ideias deles durante a campanha. Ele sugeria uma privatização maciça para cobrir o buraco da Previdência e uma capitalização como no modelo chileno desde agora. Uma ideia errada, porque a privatização maciça não vem. Primeiro que Bolsonaro está longe de ser privatizante, para começo de conversa, segundo porque é um processo lento. Mas o ministro deu uma meia volta volver e resolveu fazer uma reforma convencional, mas uma boa proposta de reforma. Seria muito bom se os estados entrassem.

E a articulação política do governo no Congresso?
Tem uma diferença enorme. Durante o real, tinha o ministro da Fazenda que era o Fernando Henrique mais Edmar Bacha que negociavam as reformas. Pós Plano Real, o ministro virou presidente e costurava a articulação que sustentava a enorme quantidade de reformas modernizantes do Plano Real. Hoje, você tem uma situação meio paradoxal. Há um presidente inapetente ou que se mostra incapaz de fazer uma articulação na prática, o seu próprio partido perdido, mas para sorte do Brasil, há lideranças na Câmara e no Senado comprometidas com as reformas. Pela primeira vez, estamos desafiando a tese do presidencialismo de coalizão. Você ter um presidente sem capacidade de articulação, mas um Congresso que toma a si as reformas, é uma circunstância inédita. Na política não há vácuo. O Executivo não propõe, o Congresso propõe, o que está acontecendo com a reforma tributária.

Ministro Guedes falou que Plano Real tinha deixado de lado o ajuste fiscal e que o Brasil nunca teve um governo liberal.
Demorou até chegar a um superávit fiscal, mas finalmente chegou a 2,75% do PIB, em 1999. A ideia que o Brasil nunca teve um governo liberal é completamente falsa. No Plano Real, nós defendíamos as reformas modernizantes que são necessárias para sustentar o plano. Ninguém defendeu do ponto de vista abertamente ideológico. Nós somos liberais, portanto queremos fazer isso. Claro que a esquerda rotulou, a vida inteira fui chamado de neoliberal. O impulso extraordinário das privatizações, da criação das agências reguladoras, da abertura da economia, do superávit fiscal, da tentativa, apesar de não ter dado certo, da reforma da Previdência, a reforma administrativa que Bresser Pereira fez. Inúmeros exemplos aqui são reformas de cunho liberal. Toda vez que alguém tem uma retórica messiânica, do tipo eu estou começando uma nova era no país, desconfie.

E o BNDES?
Obviamente tem que devolver os recursos do Tesouro, isso equivale a ter que vender ativos, créditos. Há um fluxo de dinheiro de impostos que vai via FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), está previsto na Constituição, é verdade, mas não faz nenhum sentido lógico que alguém atrele determinado imposto a um empréstimo de um banco de desenvolvimento. É um unicórnio. Têm distorções, independentemente da função do BNDES, que precisam ser enfrentadas. O BNDES não devolve o principal dos empréstimos, é como se tivesse um título público perpétuo. Têm lá R$ 260 bilhões, R$ 270 bilhões a devolver para o FAT. O banco tem que captar recurso a mercado como qualquer um. Outra questão é qual é a função do banco, que volta ao tema da produtividade, do ponto de vista da segurança jurídica, do sistema regulatório, concessões e avanços na Lei Geral de Garantias de empréstimos. Nesse cenário, a economia prescinde de empréstimos estatais.

O BNDES sempre teve o papel de financiador da infraestrutura.
Uma coisa é o passado onde não existia empréstimo de longo prazo. Hoje há debêntures incentivadas, fundos de infraestrutura no mundo inteiro, o que falta é uma estruturação jurídica que permita alavancar com segurança projetos de infraestrutura. Se houver isso, não há limitação mais.

Digitalização e moeda digital crescendo exponencialmente. Quais efeitos?
Uma coisa é um processo de digitalização entrando para valer no setor financeiro. Esse processo é bem-vindo. Só tem vantagens. Outra coisa é moeda digital. O bitcoin é um ativo especulativo. A moeda digital como está é irrelevante. O avanço do processo de digitalização, não, esse é extraordinário. Não só no setor financeiro, nos governos também.

Esse movimento é capaz de baixar os juros no Brasil?
Tudo que aumenta produtividade ajuda. Certamente com mais produtividade, o spread bancário diminui. É um movimento firme, tem recursos, tem dinheiro, é um processo que avança independentemente da taxa de crescimento do país, tem um ganho de eficiência muito grande.


Nem sempre as leis pegam - ARMÍNIO FRAGA

FOLHA DE SP - 30/06

Por 30 anos, a boa missão do Banco Central não foi cumprida


No final de 1964 foi promulgada a lei 4.595, que criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central. O mais importante comando desta lei determina que o CMN e o BC devem atuar para “regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo surtos inflacionários e deflacionários de origem interna ou externa”.

Por 30 anos essa boa missão não foi cumprida, vítima de recorrentes tentações políticas de curto prazo.

No final da década de 1980, período caótico de inflação, planos de estabilização fracassados, hiperinflação, recessão duradoura e moratória, rabisquei um texto com o título “moeda e o direito ao autoflagelo”.

A questão era bem básica: ao contrário da esmagadora maioria dos bancos centrais do mundo, o BC nunca fora capaz de cuidar do valor da nossa moeda, que sempre derretera como se fosse gelo, especialmente no bolso dos mais pobres. Ter uma moeda nacional era como ter o direito de se autoflagelar. Éramos viciados nessa prática.

Escrevendo antes do início do governo Collor, pensei desesperado que, caso os esforços do novo governo no combate à inflação fracassassem, o melhor seria adotar o dólar. Isso mesmo, teríamos as verdinhas circulando por toda parte, uma versão mais radical do sistema de caixa de conversão mais tarde adotado (e abandonado) pela Argentina. Por consequência abriríamos mão da política monetária, o que em condições mais normais faria muita falta.

Bem, engavetei o texto, o Plano Collor foi um fiasco e poucos anos depois um plano melhor finalmente deu certo, o Real, reforçado em 1999 pela adoção do tripé macroeconômico: metas para a inflação, taxa de câmbio flexível (eliminando outro autoflagelo histórico) e disciplina fiscal.

Nos anos seguintes, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a reestruturação das dívidas estaduais pareciam ter institucionalizado a perna fiscal do tripé. Faltava reforçar a 4.595 mas, ainda assim, o sistema de metas para a inflação segue dando certo após 20 anos, em boa medida porque o povo gostou de inflação baixa, hoje um claro bem público. Esse sistema foi duramente testado em diversas ocasiões, e resiste até hoje, a despeito inclusive do enorme colapso do alicerce fiscal ocorrido a partir de 2014.

Mas até quando?

Notem bem onde fomos parar: temos em vigor a lei 4.595, que não foi cumprida por 30 anos, embora ultimamente venha sendo. E, no lado fiscal, a grande conquista que foi a LRF não impediu relevante irresponsabilidade.

O que fazer? Em primeiro lugar, faz sentido revisar a lei 4.595, nem tanto para modernizar os objetivos do BC, mas principalmente para formalizar em lei a ideia de que a estabilidade da moeda precisa ser protegida contra conveniências políticas de ocasião. Para tal, cabe estabelecer mandatos fixos e robustos para a diretoria do BC (a chamada independência), como já fazem praticamente todos os principais países genuinamente democráticos do mundo.

Em segundo lugar, urgente e muito mais grave é o estado das nossas finanças públicas, tanto federais quanto estaduais. Aqui cabe uma rigorosa avaliação das causas do colapso recente, que ocorreu estando em pleno vigor a LRF e os contratos entre os estados e o governo federal, todos sob a fiscalização do Congresso e dos tribunais de contas da União e dos estados, e debaixo dos olhos do Ministério Público.

Esse colapso e suas repercussões recessivas e regressivas vêm nos custando muito caro. Cabe apurar se ocorreu em função da existência de brechas legais, se foi crime mesmo, ou ambos. A partir desta avaliação será possível a construção de um arcabouço fiscal robusto que, além de garantir a estabilidade econômica, permitirá o pleno exercício de nossa democracia.

Como bem sabemos, leis nem sempre garantem sucesso. É recomendável portanto uma certa dose de humildade no repensar. Mas temos que seguir tentando.

Arminio Fraga
Economista, é ex-presidente do Banco Central.

Bolsonaro conheceu a verdade! Ela o libertará? - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 30/06


Quando confrontado com um problema, Jair Bolsonaro pode não ter a solução. Mas ele tem sempre à mão um versículo multiuso que extraiu do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Às vésperas do aniversário de seis meses do seu governo, celebrado neste domingo (30), Bolsonaro conheceu a verdade. Descobriu que pode ser conservador sem ser arcaico. Essa verdade tem potencial libertador. Mas para se livrar dos grilhões do arcaísmo, o presidente teria de se manter fiel à racionalidade que levou ao fechamento do histórico acordo entre Mercosul e União Europeia.

O bom senso ensina que dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou num único governo. Dividida entre um e outro, a plateia não dá atenção a nenhum dos dois. Ou, por outra, acaba privilegiando o mais exótico. Estão aí em cartaz, faz um semestre, duas apresentações. Uma é aquela que o general e ex-ministro Santos Cruz chamou de "Show de besteiras". Outra é a coreografia encenada pelo pedaço da Esplanada que tenta provar que o governo não está sob o domínio da Lei de Murphy, segundo a qual quando algo pode dar errado, dará.

Desde que assumiu o trono, Bolsonaro tenta conciliar duas exigências conflitantes: ser Bolsonaro e exibir o bom senso que a Presidência requer. Ao desembarcar no Japão, para a reunião do G20, o capitão sentia-se cheio de tambores, metais e cornetas. Reagiu a uma cobrança da premiê alemã Angela Merkel sobre meio ambiente como se fosse o próprio Hino Nacional. Murphy o espreitava. O presidente francês Emmanuel Macron ecoou Merkel. Vão procurar a sua turma, bateu o general e ministro palaciano Augusto Heleno. Em vez de acalmar o amigo, Heleno revelou-se uma espécie de Murphy em dose dupla.

Bolsonaro e seu séquito tinham todo o direito —e até o dever— de responder a Merkel e Macron. O problema é que, considerando-se o timbre, pareciam tomar o partido não do Brasil, mas do pedaço mais atrasado do país, feito de desmatadores vorazes, trogloditas rurais e toupeiras climáticas. O interesse do moderno agronegócio brasileiro estava longe, em Bruxelas, na reunião em que se discutiam os termos do acordo entre Mercosul e União Europeia. Ali, sabia-se que a insensatez ambiental levaria à frustração do acordo comercial ambicionado há duas décadas.

Súbito, o Evangelho de João iluminou os caminhos do capitão, apaziguando-lhe a alma. Num par de reuniões bilaterais, Bolsonaro soou conservador sem fazer concessões ao atraso. Falou de uma certa "psicose ambiental" que fez Merkel arregalar os olhinhos. Mas declarou que o Brasil não cogita deixar o Acordo de Paris, dissolvendo as resistências de Macron. As palavras de Bolsonaro desanuviaram a atmosfera na sala de reuniões de Bruxelas. Por um instante, o "show de besteiras" saiu de cartaz. E a sensatez pariu um acordo.

Bolsonaro faria um enorme favor a si mesmo e ao país se aproveitasse o embalo para enganchar nas celebrações do aniversário de seis meses a estreia de um espetáculo novo. Nele, o Planalto deixaria de ser uma trincheira. O presidente trocaria o recrutamento de súditos pela busca de aliados. A ala familiar seria desligada da tomada. O guru de Virgínia perderia sua cota na Esplanada. Ministros cítricos e tóxicos seriam substituídos por gente técnica e limpinha.

O problema é que esse conjunto de modificações depende de uma mudança de chave no cérebro do próprio Bolsonaro. Algo que parece condicionado a um milagre. Não basta conhecer a verdade. É preciso querer se libertar do atraso.

O governo atirou no que viu, acertou no que não viu - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - PR - 30/06


O acordo entre Mercosul e União Europeia cria a maior zona de livre comércio do mundo e tem de ser bastante comemorado. Eu comemoro, agradeço e faço um brinde. Parabéns aos envolvidos – a todos os envolvidos. As negociações não começaram em janeiro, com a posse de Bolsonaro, mas há cerca de vinte anos. Entre idas e vindas, arranques e freadas, PT atrapalhando, enfim foi concluído.

Bolsonaro e sua equipe tiveram o mérito inegável de aparar as arestas, acelerar o processo e arrematar o negócio; o impulso liberal de Paulo Guedes e o peso comercial do Brasil terão sido decisivos, tudo somado aos interesses dos outros integrantes do grupo; Argentina, em especial. Ao vencedor, as batatas. Porém, não deixa de ser irônico, quase surpreendente, o desfecho do imbróglio.

Pouco tempo atrás, bem outra era ideia. Já na corrida eleitoral, Bolsonaro acenava com uma relação obsessiva com os EUA (e Israel), alinhado à visão de que existem dois polos de poder no mundo: EUA-Israel, representantes da civilização judaico-cristã; e o resto, representantes do bicho-papão. O resto consiste num amálgama de comunistas europeus, metacapitalistas, muçulmanos, chineses e longo etc., todos numa indecorosa suruba geopolítica.

De fato, os primeiros movimentos da política externa foram nessa direção. Para sorte do governo – e dos governados – a realidade na prática é outra.

A guerra comercial entre EUA e China deixava Europa e América Latina à deriva. As negociações de mais de duas décadas entre Mercosul e União Europeia estavam prestes a ter final melancólico. Interessava aos dois blocos que o tratado fosse assinado. Pareceu oportuno resgatar algum protagonismo num mundo em que EUA e China dão as cartas do poder, enquanto a Rússia esconde as suas sob a manga da espionagem.

Diante da perspectiva auspiciosa, o governo brasileiro, até então liberal na economia e conservador nos costumes, resolve ir de vez para a zona (de livre comércio) e se assume liberal nos costumes da economia. Deixou de lado as juras de amor e o casamento monogâmico com os EUA, saiu do armário e embarcou no poliamor. Em vez de relações bilaterais EUA-Brasil, relações multilaterais Europa-Brasil-EUA. Sem com isso enfraquecer a união com os americanos. Viramos país-da-vida, qualquer um pega.

Tudo isso que ora é comemorado, no entanto, quase não aconteceu. Não apenas por causa da fidelidade canina aos EUA de Trump, mas porque distinta era a concepção do governo sobre o Mercosul (deveríamos ter saído) e sobre o comércio internacional (deveríamos ter cuidado com os metacapitalistas). Há falas da família presidencial defendendo a saída intempestiva do Mercosul. Há declarações de Paulo Guedes garantindo, em brado retumbante, que o Mercosul não seria prioridade.

Pois agora é.

Os entusiastas latinos do Brexit, as Daianes dos Santos da política tupiniquim, deram o duplo twist carpado ideológico e passaram a defender, para o Brasil, o contrário do que defenderam para a Inglaterra.

“Oh, veja bem, são duas coisas muito diferentes!” – dirão eles. Os conspiracionistas são os maiores entendidos das próprias conspirações, reconheço.

A tese arrumadinha é a seguinte: globalização é uma coisa, globalismo é outra.

Globalização é integração comercial, zona de livre comércio, liberalismo do bom e do melhor.

Globalismo é sujeição política, zona de influência, submissão da soberania nacional aos (sempre suspeitos) interesses internacionais.

Existe um grande Centrão mundial, mais endinheirado e mais diabólico que o nosso Centrãozinho, que pretende fazer não sei o que com o mundo, e para isso tem de sufocar ou neutralizar a política nacional por meio de tratados supranacionais. Representantes não eleitos mandam mais do que representantes eleitos. ONU, Unesco, União Europeia contam mais do que Legislativo, Executivo e Judiciário.

Deixo de lado o debate sobre o que há de real – e, sendo real, o que há de diabólico – na tese do globalismo. A discussão seria longa e tortuosa em demasia, para o momento.

Assumindo, portanto, a premissa de que existe um fenômeno – ou “projeto”, como preferem os denunciadores – dito globalista, resta saber se ele pode funcionar a despeito do outro processo em curso – o da globalização econômica. E defendo que não. São dois movimentos integrados, mutuamente influentes e, nalguns aspectos, sinto dizer, indistinguíveis.

Um ponto que deveria ser óbvio: o globalismo é financiado, sustentado ou colocado em marcha por metacapitalistas globais, não por quitandeiros de bairro. Gente como Soros e os Rockefeller (os irmãos Koch são os metacapitalistas do bem). O metacapitalista tem dinheiro, muito dinheiro, dinheiro que não pode ser contado, dimensionado, rastreado, bloqueado. Esse dinheiro todo não seria possível num comércio puramente nacional. Ele só se viabiliza com a globalização, os grandes acordos, as zonas francas do mundo, a homogeneização regulatória, a especulação financeira. Globalistas se beneficiam – e se financiam – por meio da globalização. A globalização é o caixa-eletrônico do globalismo.

Mas há outra consideração importante a ser feita: ainda que com alguma boa vontade seja possível diferenciar globalização de globalismo, zona de livre comércio de zona de influência, economia livre de burocracia comprometida, o fato é que só mesmo a ingenuidade – ou pior: a má fé deliberada – para explicar a crença numa globalização comercial isenta de qualquer globalismo burocrático.

Ora, a economia, embora tenha sua própria lógica, não se dá no vácuo institucional. Transação econômica nenhuma acontece por meio de escambo. O Brasil, com a entrada no acordo, não mandará uns carroceiros à Europa para vender cana e carne seca, na confiança da palavra de homem, do fio de barba e do aperto de mão. Tratados comerciais implicam amplos tratados políticos, institucionais e burocráticos.

Alguns pontos de contato já apareceram. Questões ambientais terão impacto e não serão marginalizadas. Os cuidados com o meio ambiente não são mais vistos, mundo afora, como desperdício ou ideologia, mas como valor, postulado ético, conditio sine qua non. Macron deu o recado, Merkel idem. O Brasil terá de rapidamente ajustar o discurso – e a prática correspondente – às regras internacionais. Ou faz isso, ou não ganha dinheiro.

Também no que diz respeito às questões sanitárias, ao uso de agrotóxicos, às normas trabalhistas, estejam certos: o país estará sujeito a interferências importantes. Não é improvável que, ao longo do tempo, os problemas migratórios sejam colocados em pauta. Já ouviram falar dos tratados internacionais sobre direitos humanos? Acordos podem ser quebrados; vide o Brexit. Ou aceita, ou pede pra sair.

Isso tudo porque, afinal de contas, economia nunca é só economia, muito menos em negociações de magnitude transcontinental. Considero ótimo que a visão realista-liberal tenha se sobreposto à alucinação conspiratória. Não existe, fora da retórica bruta e oportunista de uns e outros, a opção de ganhar dinheiro de todo mundo sem se submeter a nada e a ninguém.

Que os nacionalistas à direita e à esquerda enfiem a viola preconceituosa e protecionista no saco, e saibam reconhecer o que é bom e dá certo. Um mundo livre, um mercado cada vez mais livre, é o que há de necessário. Reparem: um mundo livre mesmo, também para as gentes que vivem nele. Quer gostem, quer não gostem de admitir os cantadores de vitória, quem assina o contrato em letras maiúsculas da globalização também está assinando as letras miúdas do globalismo. É venda casada."

25 anos do Real: três lições - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 30/06

Um grande acerto do Plano Real foi tratar da infecção e não tanto dos sintomas

Escrevo sobre o aniversário do real a cada ano, desde o primeiro, e o assunto não termina. Sempre se encontra um jeito de trazer alguma lição importante para a atualidade e desta vez me ocorre elaborar sobre três coisas que o Plano Real fez muito certo, e que não são óbvias.

A primeira é sobre como trabalhar com públicos hostis, no caso, irritados tanto com a inflação quanto com o combate à inflação. Em lugar de panaceias como “pactos sociais” e “controle social dos preços”, introduzimos a URV, um mecanismo compatível com os incentivos das pessoas físicas e jurídicas diante dos riscos introduzidos tanto pela inflação quanto pelo programa de estabilização.

Hoje temos um nome para isso, consagrado em 2007, quando a Academia Sueca deu o Nobel de Economia a três pioneiros da “teoria do desenho de mecanismos” (Eric Maskin, Leonid Hurwicz e Roger Myerson). Trata-se de construir mercados, jogos ou mecanismos cujas regras são tais que pessoas egoístas seguem seus piores instintos, mas o resultado coletivo é o melhor para a sociedade.

A nossa URV era exatamente isso, seus resultados foram brilhantes e a grande lição aqui tem a ver com o alinhamento de incentivos.

Entretanto, ainda que bem sucedida, a URV passou longe de resolver o problema inteiro. Em julho de 1994, já com a nova moeda, a inflação foi de 6,8%, e em agosto foi de, 1,9%. Nesses dois primeiros meses, a taxa de inflação anualizada foi de 66%, e nos primeiros 12 meses de vida do real o IPCA acumulou 33%. Números inaceitáveis.

Não há dúvida que começava aí uma segunda fase do Plano Real, bem menos charmosa e festejada que a reforma monetária. Tivemos sucesso na invasão da Normandia, mas tínhamos um longo caminho, e muitos campos minados e metralhadoras inimigas até Berlim.

O segundo grande acerto do Plano Real foi tratar da infecção e não tanto dos sintomas. Era a diferença relativamente aos “choques heterodoxos”, a equipe do real acreditava em antibióticos, cuja administração teve duas vertentes.

De um lado, tratava-se da reconstrução institucional da moeda, o que começava pela governança, continuava com o ajuste no sistema bancário privado, com a extinção ou privatização dos bancos estaduais, com o conserto dos bancos federais e as renegociações de dívidas e programas de ajustamento das finanças estaduais, dos quais resultaria, alguns anos à frente, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma agenda muito carregada.

De outro, a partir de 1995, começam os antibióticos de natureza constitucional. Em seu primeiro mandato, FHC enviou ao Congresso 27 PECs, 13 das quais foram aprovadas, e mais 11 em seu segundo mandato, aprovando 6. É muito mais do que todos os outros presidentes subsequentes somados (24 PECs apresentadas e 7 aprovadas), sem falar no peso de cada emenda.

Desde Castelo Branco o País não experimentava uma combinação tão intensa de reformas modernizadoras com impactos tão agudos para o futuro do País, graças à estabilização, e em apoio a esta. É interessante como urgências e resultados interagem com a política e ajudam a passagem de reformas.

O terceiro acerto do Plano Real foi o de não ceder à complacência, e levar o trabalho até o fim, pois não existe meia estabilização. Isso significava para o Banco Central, que até pouco tempo antes era chamado (pelo presidente Itamar) de “caixa preta”, cumprir a missão para o qual tinha sido criado em 1964, 30 anos antes. Já era tempo.

Como se sabe, o superávit primário só apareceu para ajudar em 1998, quando o trabalho já estava praticamente completo, de modo que depois de julho de 1994 a Autoridade Monetária teve de utilizar as políticas monetária e cambial em gradações elevadas conforme necessário para completar sua missão, pois não se abandona o crack parcialmente.

Esta segunda fase levou vários anos. A inflação caiu abaixo de 20% anuais apenas em abril de 1996, 22.º mês da nova moeda, e abaixo de 10% apenas em dezembro, 30.º mês e abaixo de 5% em janeiro de 1998, o 43.º mês. Em 1998 a inflação foi a menor desde a criação do BCB: 1,6% anuais. Foi quando a estabilização se completou.

Como teria sido a vida se, no meio do caminho, o presidente cedesse às pressões para o afrouxamento das políticas de juro, câmbio e fiscal?

São muitos os cenários possíveis, mas creio que na maior parte deles a abstinência parcial ia arruinar o tratamento, de tal sorte que, muito provavelmente, não estaríamos comemorando coisa alguma nesse momento.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

Hora e vez de Bolsonaro - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 30/06

Não há exagero nem do governo, nem da agricultura, nem da indústria quando todos classificam o acordo do Mercosul com a União Europeia como o mais importante já fechado em toda a história do Brasil e do Mercosul. Afinal, envolve um mercado de 750 milhões de consumidores e um PIB de US$ 19 trilhões, com capacidade de alavancar, aos poucos, a retomada do crescimento econômico e os empregos, abrindo novos tempos para o Brasil.

Então, por que demorou tanto, longuíssimos 20 anos? Primeiro, porque as negociações são setor a setor e em três camadas: com a União Europeia, que reúne 28 países, com o Mercosul, com quatro sócios desiguais, e com os vários setores exportadores do próprio Brasil. O interesse dos produtores de etanol, por exemplo, é diferente do das montadoras de automóveis.

Mas não foi só isso. Além das dificuldades inerentes a negociações internacionais de grande porte, houve percalços políticos, com a danada da ideologia no meio. O processo começou em 1999, no segundo governo Fernando Henrique, mas perdeu força com Lula e Dilma Rousseff, que apostaram tudo no mercado interno e nas negociações multilaterais, relevando as bilaterais ou entre blocos – além de terem empurrado a Venezuela para o Mercosul, o que afugentou os líderes europeus.

As trocas de Dilma por Michel Temer e de Cristina Kirchner por Maurício Macri, na Argentina, imprimiram a guinada liberal no Cone Sul e abriram espaço para o acordo com a Europa. O Paraguai também aderiu à onda liberal e o Uruguai manteve-se à esquerda, mas eles contam menos. E, para alívio de todos e felicidade geral das nações, a Venezuela está suspensa do Mercosul.

Foi com Temer e Macri que o acordo avançou, consolidou-se, ganhou forma. Assim como Bolsonaro já encontrou o plano de privatizações e concessões pronto, com o cronograma e a lista de setores e empresas definidos, ele já tomou posse com o acordo Mercosul-UE bastante amadurecido, na cara do gol.

Talvez até – e isso só os europeus podem confirmar – só não tenha sido fechado no ano passado porque a UE achou mais prudente aguardar as eleições brasileiras e o desempenho do presidente eleito, que, aliás, não parecia tão simpático ao Mercosul na campanha. Detalhe: o craque das negociações na gestão Aloysio Nunes Ferreira, embaixador Otávio Brandelli, é o atual secretário-geral do Itamaraty com o chanceler Ernesto Araújo. Ele tinha toda a memória das negociações e foi personagem importante na reta final.

Nas avaliações tanto do governo quanto da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil vai aproveitar os ventos favoráveis e o céu é o limite. A isenção de tarifas e o aumento de cotas não começam amanhã, às 8 da manhã, elas demoram e têm uma transição que pode chegar a até 15 anos. Mas é, sim, um marco importantíssimo, que pode impulsionar as exportações brasileiras em US$ 100 bilhões e os investimentos em US$ 113 bilhões. Um alívio, no rastro de recessão e de anos de estagnação.

Depois de tantas palavras fora de hora, derrotas no STF e no Congresso, medidas provisórias e decretos grosseiramente errados e um chocante “show de besteiras” que mina sua popularidade, Bolsonaro agora tem o que comemorar, até mais do que as licitações de portos e aeroportos.

Bolsonaro, aliás, sai vitorioso também do G-20. A seu jeito, um tanto estabanado, ele ganhou elogios de Trump, respondeu à altura a Merkel, surpreendeu Macron, foi malcriado com Xi Ji Ping com boas razões, comprometeu-se com o Acordo de Paris e abriu mais a porta da OCDE para o Brasil. Tomara que aproveite o acordo com a UE e o bom momento para parar de fazer e falar “besteiras”, controlar os excessos do seu entorno e passar a governar, ou seja, a focar as prioridades do País.

G-20 e acordo com a UE abrem nova fase, mas presidente tem de acabar com o ‘show de besteiras’

O dinheiro simplesmente acabou - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 30/06

Atual política fiscal não resulta de uma escolha


Alguns economistas têm criticado a “obsessão” pelo ajuste fiscal em decorrência dos seus efeitos deletérios sobre a atividade econômica, enquanto outros defendem a expansão do investimento em infraestrutura.

A atual política fiscal, no entanto, não é o resultado de uma escolha. O dinheiro acabou e o governo não pode aumentar o gasto público.

O problema decorre de muitas leis que tornaram compulsórios diversos gastos públicos, há décadas crescendo bem mais do que a renda nacional. Faz tempo, a receita corrente não é suficiente para pagar esses gastos, quanto mais as despesas discricionárias necessárias para manter a máquina pública funcionando.

Nos últimos anos, as contas foram pagas com receitas extraordinárias, como a devolução dos empréstimos ao BNDES ou o lucro do Banco Central. Essas fontes, no entanto, estão secando. A saída seria o governo se endividar para pagar as despesas correntes, mas isso é proibido por artigo da Constituição —a regra de ouro.

Por essa razão, o governo teve que pedir ao Congresso a aprovação de crédito suplementar, uma saída que pode ser até legal, mas fere o espírito da regra de ouro. A alternativa seria interromper pagamentos de programas como o Bolsa Família, o que ninguém tem defendido.

Não há mais nada que o governo possa fazer na seara fiscal sem a revisão das leis em vigor.

Parece inevitável rever a regra de ouro. Essa mudança deveria ser acompanhada de medidas adicionais que interrompam o aumento descontrolado do gasto público, a começar pela reforma da Previdência.

Caso o governo tenha que se endividar para pagar despesas correntes, a contrapartida deveria ser proibir o aumento dos gastos com os servidores, a concessão de subsídios e a criação de despesas obrigatórias.

Sem essas medidas, o crescimento da dívida pública levará ao aumento da inflação e das taxas de juros, prejudicando ainda mais a economia.

A expansão da infraestrutura seria bem-vinda, mas vale lembrar alguns dos projetos do governo dos últimos 15 anos, como as refinarias ineficientes, o trem-bala e Angra 3. Se é para fazer isso, melhor mesmo não ter dinheiro para gastar.

O poder público foi, inclusive, incapaz de propor projetos executivos detalhados, o que resultou em falta de previsibilidade das contrapartidas ambientais e sociais, comprometendo severamente os planos iniciais.

Quem vai investir em infraestrutura depois dos seguidos problemas emBelo Monte e no linhão de energia em Roraima? Houve ainda as desastrosas intervenções nos setores de óleo e gás e de energia.

Não faltam recursos privados para os investimentos; faltam, isso sim, regras previsíveis, o que é fácil de diagnosticar, mas difícil de resolver. Os problemas são mais sutis do que sugerem as frases de efeito.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

'O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul' - CELSO MING

O Estado de S. Paulo - 30/06


Com o acordo Mercosul-UE, China e EUA serão obrigados a olhar com mais cuidado para o lado de baixo do Equador.


Tantas vezes foi noticiada a iminência de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e tantas vezes esse acordo se frustrou que quase ninguém mais acreditava que um dia seria desentalado. Pois foi desentalado e o resultado é de grande relevância.

Do ponto de vista de sua abrangência, é o maior acordo já assinado pela União Europeia. Atinge uma área geográfica de 773 milhões de pessoas, que perfazem um PIB de 19 trilhões de euros (ou US$ 21,7 trilhões), um comércio conjunto de bens avaliado em 88 bilhões de euros (ou US$ 100 bilhões) por ano e um comércio de serviços de 34 bilhões de euros (ou US$ 39 bilhões).

Seu maior significado político é o de que foi concluído num momento em que o governo dos Estados Unidos – mais particularmente o presidente Trump – mobiliza toda a máquina da maior economia do mundo para desconstruir acordos de comércio, incluído o do Nafta (Estados Unidos, Canadá e México), para torpedear as relações comerciais com a China e desmontar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o xerife encarregado de garantir as regras de um comércio limpo.

Para entrar em vigor, o acordo ainda terá de ser sancionado por todos os países nele envolvidos e isso poderá levar mais de um ano. Mas deverá produzir consequências a partir de agora.

A mais importante talvez seja a de que Estados Unidos e China, os dois maiores gigantes do comércio mundial, sejam obrigados a olhar com mais cuidado para o lado de baixo do Equador e a se mobilizar para abrir seus mercados também para o Mercosul, sob pena de perder influência sobre uma área de grande potencial econômico e geopolítico.

Do ponto de vista dos interesses do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), esse acordo, que dá acesso recíproco a um dos maiores mercados do mundo, tende a trazer volume importante de investimentos para os países do bloco. Espera-se, também, que o setor produtivo inteiro, e não só a indústria do Mercosul, se veja obrigado agora a se modernizar e a adotar padrões de qualidade de primeiro mundo. Aquele velho defeito de nascença da Fiesp e da Confederação Nacional da Indústria, de só buscar proteção e generosos subsídios do governo, perde espaço diante de um acordo de tamanha relevância. Se não ganhar competitividade e não se incorporar rapidamente às cadeias globais de produção, perderá fatias de mercado para produtores mais dinâmicos da Europa e continuará a se desidratar.

Como o novo acordo empurra a economia do bloco para maior competitividade, será inevitável agora atacar todos os focos do alto custo Brasil que emperram o desenvolvimento. De nada adiantará a abertura de mercados se, ao mesmo tempo, não for reduzida a carga tributária, se não forem atacadas as reformas, derrubada a burocracia e se não forem feitos investimentos maciços em infraestrutura.

Até agora, o Mercosul não passou de uma intenção. Embora se considere uma união aduaneira, segundo grau de integração comercial, não conseguiu nem sequer ser área de livre comércio. Resume-se hoje a ser conjunto de currais estanques, cujo intercâmbio entre seus próprios membros está sujeito a tarifas alfandegárias, cotas de importação, licenças prévias e, muitas vezes, a esdrúxulas barreiras não tarifárias. Enfim, esse acordo já será grande sucesso se conseguir avanço também nas regras de comércio dentro do bloco.

De Osaka, onde se encontrava para a cúpula do G-20, o presidente Bolsonaro celebrou o acordo como acontecimento histórico. Retomadas no governo Temer, as negociações obtidas na semana passada deixam de ter boa parcela de mérito do atual governo. Mas, não dá para esquecer, esta celebração vem na contramão de outras políticas e outras atitudes do governo Bolsonaro, que vinham favorecendo modelos populistas fechados e anti-globalizantes.

Com mais recuos do que avanços, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia vinha sendo negociado há exatos 20 anos. Por motivos ideológicos, os governos do PT repudiaram a abertura comercial. Por isso, sepultaram o projeto da Alca (tratado de livre comércio com os Estados Unidos), congelaram o acordo com a União Europeia e empurraram o Brasil para o isolamento comercial. O tempo dirá se prosseguirá nesse caminho da modernização ou se, outra vez, preferirá permanecer estagnado.

A serventia da imprensa - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 30/06


A imprensa estará cumprindo bem seu papel se mantiver em relação ao governo o distanciamento necessário para ter sobre ele visão questionadora e independente.


Houve notável entusiasmo de grande parte da sociedade brasileira com os resultados das eleições de 2018, porque esse desfecho parecia simbolizar uma ruptura com a era lulopetista, marcada pela corrupção e pela irresponsabilidade administrativa. O triunfo dos candidatos que se apresentaram como o “novo” e como a antítese de tudo o que se atribuía ao PT indicava a clara insatisfação do eleitorado com aquele estado de coisas e, por conseguinte, denotava a esperança de mudanças radicais que despertariam o enorme potencial adormecido em razão da captura do Estado por quadrilhas e corporações corruptas.

Para os mais empolgados, a vaga reformista, capitaneada não só pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, como pela surpreendente renovação dos quadros parlamentares na União e nos Estados, demanda da sociedade brasileira total engajamento para atingir os fins a que se destina – quais sejam, limpar o País da corrupção e das influências da esquerda e colocá-lo no rumo do crescimento exuberante, mercê das reformas estruturais modernizantes. Mas o que deveria ser um movimento de revivificação das forças nacionais vai-se tornando um impulso de radicalização e de desunião, incapaz de analisar criticamente as razões de sua própria paralisia. Prefere-se atribuí-la a quem não anuncia sua absoluta aderência aos, digamos, princípios do bolsonarismo e a quem quer que deles se desvie ou em relação a eles nutra qualquer crítica.

Nesse contexto, não são poucos os que julgam que a própria imprensa deveria unir-se aos esforços do governo. O jornalismo, segundo essa visão, deveria refrear seu natural ímpeto de fazer reparos às iniciativas governamentais, pois estas visariam exclusivamente ao interesse público e ao bem comum; por outro lado, o jornalismo deveria dedicar-se a apontar as artimanhas daqueles que lucrariam com o retorno ao desvario lulopetista.

Conforme essa visão, os erros do governo e de seus membros seriam fruto quase natural e esperado de um pedregoso processo de reconstrução nacional, ao passo que qualquer reparo aos projetos governistas só pode ser resultado do inconformismo da “velha política” com o saneamento moral empreendido pelo bolsonarismo. Logo, ao focar sua atenção mais no governo, procurando dissecar os problemas políticos e administrativos da Presidência de Jair Bolsonaro, a imprensa estaria fazendo o jogo dos inconformados e, no limite, prejudicando o País.

É neste momento, portanto, que se faz essencial relembrar qual é a serventia da imprensa em uma democracia. O escritor George Orwell, que entendia como poucos a essência do totalitarismo, dizia que, “se liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”.

A imprensa estará cumprindo bem seu papel se mantiver em relação ao governo o distanciamento necessário para ter sobre ele uma visão questionadora e independente. É o que o Estado vem fazendo ao longo de sua história de 144 anos. Não se trata de fazer a crítica pela crítica, e sim observar se os princípios da boa administração e da boa política estão sendo respeitados, pois disso depende em grande parte a saúde da democracia.

Por isso, nenhum governo pode ser tratado com condescendência pela imprensa. O escrutínio público dos atos de governantes em geral é o único antídoto eficaz para o autoritarismo. Sem essa fiscalização permanente, que é tarefa precípua do jornalismo sério, os cidadãos tendem a ficar no escuro a respeito de decisões que afetam o País e seu futuro. Sem informações críticas para aquilatar o trabalho das autoridades, os cidadãos podem se ver enredados quer pelo discurso oficial, quer pela narrativa da oposição – em qualquer dos casos, alimentam-se o populismo e o extremismo, sem que o interesse nacional seja de fato atendido.

Há quem diga que, a despeito de tudo isso, a imprensa deveria “colaborar” para que o governo seja bem-sucedido, pois disso dependeria a redenção do País. Essa colaboração se daria de duas formas: primeiro, por meio do reconhecimento das boas intenções do governo; segundo, por meio da crítica aos que estariam efetivamente prejudicando o País – nomeadamente os corruptos recalcitrantes.

Ora, nesses termos não haveria mais a necessidade de uma imprensa livre; bastaria a propaganda oficial. Mas então não estaríamos mais numa democracia.


Quem vigia o vigia? - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 30/06

Projeto sobre abuso de autoridade, aprovado no Senado, tenta preencher lacuna


Na vida pública, quem ganha poder deveria também ter mais responsabilidade. Por esse prisma, agiu bem o Senado Federal ao aperfeiçoar e aprovar dispositivos que punem criminalmente o abuso de autoridade, no bojo de projeto que aperta o cerco contra a corrupção.

O juiz, de acordo com o texto votado na quarta (26), estará sujeito a penas que vão de seis meses a dois anos de detenção se praticar atos como o de proferir julgamento em situações em que a lei o impede ou opinar sobre processos ainda pendentes de decisão.

Já o integrante do Ministério Público submete-se ao mesmo espectro de punição se emitir parecer em situação proibida pela legislação ou se investigar alguém sem mínimos indícios de prática criminosa, entre outros atos tipificados.

A motivação político-partidária nas condutas de magistrados, procuradores e promotores também vai se tornar crime na hipótese de esse trecho do projeto passar incólume pela Câmara dos Deputados.

Os senadores tomaram o cuidado de estreitar a margem de interpretação para quem for aplicar os princípios elencados no texto.

Não basta a autoridade ter incidido nas situações descritas para ser enquadrada. É preciso que tenha atuado deliberadamente, com a intenção de prejudicar alguém ou de obter vantagem. Os legisladores, porém, apenas contribuíram para o anedotário ao acrescentar a esse rol de motivações dolosas o mero capricho e a satisfação pessoal.

Não procedem as críticas de que o avanço do projeto sobre crimes de abuso de autoridade seria uma retaliação às operações anticorrupção da parte de políticos, potenciais alvos dessas investigações.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.

Impregna-se na tradição mandonista da República, desde a sua fundação, a cultura da autoridade que não deve satisfação a ninguém, ao que corresponde a figura de um cidadão mal protegido, sujeito a arbitrariedades cotidianas.

A esse substrato a Constituição de 1988 acrescentou categorias superpoderosas de fiscais e aplicadores da lei, sob o objetivo meritório, e satisfatoriamente atingido, de impedir a brotação do germe cesarista sempre latente no Executivo.

E quem controla o controlador?

O sistema apenas tímida e tardiamente tem se lembrado da necessidade de estabelecer limites também a esses agentes. É fraquíssima a capacidade de atuação independente de órgãos de correição, como o Conselho Nacional do Ministério Público, um exemplo do mais rematado corporativismo nacional.

Por isso iniciativas para trazer mais equilíbrio a essa relação, sob a forma de legislações razoáveis e ponderadas como a que saiu do Senado, merecem ser saudadas.

sábado, junho 29, 2019

FAB! Farinha Aérea Brasileira! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 29/06

E o Bonde do Bozo agora tem dois aviões: o Aeromito e o Aeromula!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! G39! Coca da Boa! "Militar da comitiva Bolsonaro preso com 39 quilos de cocaína em avião da FAB!" Farinha Aérea Brasileira! Não é mais "a cobra vai fumar". A cobra vai cheirar! Rarará!

E o Bonde do Bozo agora tem dois aviões: o Aeromito e o Aeromula! E a charge do Duke! Piloto do Aeromula com a torre de controle: "Pó pousar?". "Pó! Pô". Rarará! E o Mourão: "Esse é uma mula qualificada". As desqualificadas estão todas no governo. Rarará!

E o tuiteiro Bruno Viana: "Então fica dividido assim: maconha é de esquerda e cocaína é de direita!". Rarará! E atenção! CORAM PARA AS CORINAS! Chamem o Godzilla! Bozo no Zapão! Osaka vira Ozika! Japão declara Tóquio de Recolher! Alerta vermelho!

E ele vai fazer aquela piada que japonês tem aquilo pequenininho? Vai, vai fazer piada com os pauzinhos! Tenho certeza! Rarará! Bozo eTrump: encontro do pé com o capacho. O Criador e a Criatura! Se tirar uma foto do saco do Trump (quem tiver coragem, deve ser um milharal) aparece o Bozo pendurado. Rarará! E convidou Macron pra visitar a Amazônia. Antes que acabe!

E como o Bozo tem certeza que ele conversou com o presidente da China?! Todo chinês é a cópia pirata de outro chinês. Ele se encontrou com aquele chinês que vende Lolex no Saara! Rarará! E vai tretar com a Angela Merkel por causa de desmatamento! Desculpe o trocadilho, mas vai rolar um CLIMÃO! Rarará!

"O senhor está transformando a Amazônia num pasto, Pasto Forest." E o Bozo: "E o nazismo é de esquerda". Rarará! E a Merkel continua com cara de ressaca de Oktoberfest! E o Putin é um presidente que já vem com raiva: Putin! Com aquela cara de vilão de filme de 007!

E atenção! Coca América! Brasil X Paraguai! Quem ganhou a partida? Quem foi dormir mais cedo. O Richarlison pegou caxumba. E o resto do time pegou amarelão e bicho do pé! O Alan caiu na escada do túnel e rachou a testa! E o Tite reclamou da grama. Bota ketchup, que melhora! Rarará!

E, me desculpe, mas futebol é popular porque se joga em qualquer lugar: várzea, lameira, pirambeira e até em ladeira! E de repente pode dar Brasil X Argentina! Que coMESSI a zoeira! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Bolsonaro e seus filhos - MARCO ANTONIO VILLA

REVISTA ISTO É
Em 30 anos de vida parlamentar, a maior obra do presidente foi eleger seus rebentos. Juntos, os quatro adotaram a bandeira do irracionalismo


Jair Bolsonaro é uma figura exótica — no mínimo. Permaneceu 30 anos na vida legislativa e não deixou rastros. Nos dois anos passados na câmara de vereadores do Rio de Janeiro, nada fez. Sua atuação como fiscal do Executivo municipal foi nula. Mesmo assim, explorando oportunisticamente o tema da segurança pública, conseguiu se eleger deputado federal em 1990.

Passou 28 anos na Câmara dos Deputados. Presidiu comissões? Relatou projetos? Debateu os grandes temas nacionais? Os anais da casa nada registram. Foi o exemplo mais acabado do que se conhece como baixo clero. Pouco trabalhou. Omitiu-se nos momentos mais graves das últimas três décadas. Faltou a muitas sessões.

Acostumou-se ao ócio, à boa-vida dos parlamentares, todo mês com o salário garantido, as despesas pagas, empregando familiares e amigos, sempre com dinheiro público. Gostou tanto das benesses da velha política que introduziu sua primeira esposa, em 1992, como vereadora no Rio de Janeiro.

Quatro anos depois foi a vez de Carlos Bolsonaro ser candidato à vereança contra a própria mãe — o que daria um belo ensaio psiquiátrico. Em 2002, para a assembleia legislativa fluminense, chegou a hora de seu filho mais velho, Flávio. Em 2014, aproveitou a oportunidade para ocupar o espaço em São Paulo com Eduardo, uma espécie de deputado biônico, sem qualquer ligação efetiva com o estado que, supostamente, diz representar.

Portanto, foram cinco Bolsonaro na política. Hoje estão reduzidos a quatro. É muito difícil encontrar algo similar na história política brasileira, apesar de sermos um País marcado pelo filhotismo.

esmo assim, no último processo eleitoral Bolsonaro se apresentou como o candidato antissistema. Como? Foram 30 anos como parlamentar elegendo quatro membros da família? Um deles, Carlos, era, no momento de sua primeira eleição, menor de idade. Nenhum deles se destacou pelo estudo, pela reflexão. Pelo contrário, tiveram no pai um espelho — dos péssimos.

Reproduziram o desprezo pelos intelectuais e artistas, pelo conhecimento, externaram odes à ignorância, atacaram sistematicamente o estado democrático de direito, defenderam causas reacionárias e transformaram o irracionalismo em bandeira de luta. Da vida parlamentar — tal pai, tal filhos — nada ficou, a não ser o uso e abuso das benesses e o emprego de dezenas de familiares e coligados, alguns que nunca compareceram ao local de trabalho.

Mas, como nos contos de fadas, um dia a casa cai.

Não existe indústria da multa - RODRIGO ZEIDAN

FOLHA DE SP - 29/06

O que queremos é um atalho para tornar a nossa vida melhor e que se danem os outros


Não existe indústria da multa. Para provar isso, bastam as estimativas de dois números: a média de erros no trânsito e a quantidade esperada de multas de um condutor.

Cometemos várias infrações no trânsito toda hora: direção acima da velocidade permitida no local, buzina sem razão, troca de faixa sem ligar a seta, falar (ou teclar!) no celular, ultrapassagem pela direita, estacionamento em fila dupla, e muito mais.

Vamos ser generosos e estimar em somente dez as infrações diárias de um motorista no Brasil (há variação regional, mas está para nascer um motorista que respeite todas as nossas regras de trânsito).

Se uma pessoa dirige 200 dias por ano, isso totaliza 2.000 infrações anuais por condutor. Mas, na média, cada condutor brasileiro recebe duas multas por ano. Isso significa que, a cada mil erros (sendo bem generosos), somente um é punido. Ou seja, a taxa de punição da “indústria da multa” seria de 0,1%.

Nem todas as multas são pagas. Assim, a real relação entre infrações de trânsito e multas pagas seria ainda menor. Vocês conhecem alguma empresa que deixe na mesa 99,9% das suas vendas? Imagine um dentista que consertasse corretamente os dentes de 1 entre 1.000 pacientes. Ou uma fábrica de sapatos na qual 999 de 1.000 fossem defeituosos.

Se existisse indústria da multa, não haveria déficit público no Brasil (exagero, mas não muito). Bastaria colocar agentes de trânsito em qualquer esquina e sair multando todos os carros e suspendendo carteiras de motorista. Depois, seria só colocar empresas atrás dos devedores.

A inexistência da indústria da multa não significa que nossas regras de trânsito não possam ser criticadas. Muitas vezes o Estado usa as multas como medidas punitivas, em vez de educativas. Regras podem (e devem) ser melhoradas, mas ninguém tem o direito de decidir quais regras seguir.

Até hoje me lembro do meu irmão dando carona para uma colega de trabalho, logo depois de ir morar em Portugal. Ele sempre dirigiu bem para os padrões brasileiros, mas, depois de cinco minutos no carro dele, a sua colega lhe pediu que parasse para que ela descesse do carro.

Detalhe: isso no meio de uma avenida no meio do nada. Ela não aguentou a sua forma agressiva de direção. E ele nem percebia isso.

Na verdade, o clamor contra essa inexistente indústria reúne tudo de pior do brasileiro: egoísmo, irracionalidade, ignorância e falta de accountability —parte falta de responsabilização individual e parte transferência de responsabilidade para outrem.

A indústria da multa é a desculpa perfeita para uma sociedade doente: “Não é minha culpa, não é meu erro, a multa nasceu de uma entidade maligna”.

O que queremos é simples: que todos respeitem as leis do trânsito, menos nós. Assim podemos ver uma fila de carros num afunilamento à direita e irmos na outra pista quase até a junção das pistas, nos jogando no primeiro espaço vazio que aparecer perto dela.

“É só um minutinho”, também dizemos quando estamos parados em fila dupla, esperando a filha sair do colégio.

Os brasileiros conduzem muito mal, num comportamento de manada que reforça o comportamento ruim dos outros.

Talvez seja até impossível respeitar todas as leis do trânsito, quando ninguém o faz. Mas dirigir mal não é o problema. Colocar a culpa nos outros é que é.

Não existe indústria da multa, o que queremos, como quase sempre, é um atalho para tornar a nossa vida melhor e que se danem os outros.

Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Participação de moradores pode fazer milagre nos condomínios - MARCIO RACHKORSKY

FOLHA DE SP - 29/06
Projetos ficam melhores e mais baratos quando os condôminos se envolvem

O ditado "santo de casa não faz milagre" não se aplica aos condomínios. O engajamento dos vizinhos tem se mostrado crucial para o sucesso de qualquer iniciativa, e felizmente, aos pouquinhos, a participação dos moradores está aumentando.

É incrível notar como os projetos ficam melhores e mais baratos quando os condôminos se envolvem e dedicam um pouco de tempo para melhorar o lugar onde vivem.

A gestão de condomínios está mais profissional e se tornou uma atividade bastante complexa, que requer a atuação de uma equipe multidisciplinar, composta por advogado, contador, administrador, engenheiro, gestor predial, entre outros profissionais. Mas a engrenagem só funciona direito com a participação dos moradores --citando mais um dito, "o olho do dono é que engorda o porco".

O segredo de sucesso é a criação de comissões temáticas de trabalho, órgãos de apoio e auxílio ao síndico formados por moradores voluntários, com intuito de buscar melhores soluções, práticas e preços.

Temas como finanças, segurança e manutenção são os campeões de demanda nas comissões, mas atividades que buscam integração entre os moradores estão ganhando força, tais como comissão social, de eventos e esporte.

Ademais, a participação dos moradores tende a trazer mais lisura e transparência a qualquer processo, eliminando aquela péssima impressão de que há esquemas nas contratações, propinas e favorecimentos.

Recentemente, num condomínio com mais de 300 apartamentos, o sistema de aquecimento de água entrou em colapso. Síndica e conselheiros buscaram orçamentos para a solução do problema, e as propostas beiravam os R$ 2 milhões.

Em assembleia, foi criada uma comissão da água quente, cujos membros estudaram a fundo o tema, ouviram especialistas e, após reuniões e assembleias, conseguiram uma solução alternativa, que custou menos de R$ 400 mil --um quinto do valor inicialmente estimado. Um case de sucesso, que gerou uma economia milionária.

Em outro condomínio, com problemas de relacionamento entre os vizinhos, criou-se uma comissão social, com a árdua tarefa de aproximar os moradores e acabar com os conflitos. Em menos de um ano, festa junina, dia das crianças, campeonato de futebol e um ciclo de palestras com conscientização sobre direitos e deveres foi o suficiente para quase zerar as ocorrências disciplinares.

Se há algo a melhorar no condomínio, não adianta apenas reclamar, mas sim comparecer à próxima assembleia, se voluntariar para cooperar, angariar o apoio dos vizinhos e fazer a diferença.

Márcio Rachkorsky
Advogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.

Vencer o velho isolamento - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/06


Acordo com a União Europeia tira o Mercosul do isolacionismo e significa a vitória da ala pragmática do atual governo


É uma grande vitória o acordo comercial União Europeia e Mercosul. Ainda é rascunho, os detalhes são pouco conhecidos, mas a dimensão política de um aprofundamento das relações com a Europa é forte. Vai demorar ainda uns dois anos, segundo fontes do próprio governo, para virar realidade. Há o processo de fechamento dos textos, traduções em todas as línguas e aprovação pelos parlamentos. Mas o efeito na expectativa acontece já e vários fatores ajudaram a levar a esse momento, que é histórico.

Os analistas de fora do governo explicam que as negociações foram retomadas durante o governo Temer, nas gestões de José Serra e Aloysio Nunes no Itamaraty, depois de uma longa hibernação nas administrações Lula e Dilma. Negociadores do atual governo, com quem eu falei, defendem que o desfecho só foi possível agora porque houve um alinhamento entre a política econômica e a política comercial, quando as duas áreas passaram a fazer parte do mesmo ministério.

Um acordo dessa complexidade não se faz em apenas seis meses, evidentemente. Mas o que se diz no governo é que as concessões em áreas como propriedade intelectual, regra de origem e navegação de cabotagem permitiram o salto que levou ao acordo. E que isso só foi possível porque na Argentina o governo é de Mauricio Macri, e porque aqui venceu a ala mais pragmática da atual administração.

— Não é só um acordo de livre comercio, é um acordo de associação econômica. Então ele tem aspectos de investimentos, de serviços financeiros, de padrões ambientais. É uma grande vitória de uma vertente mais pragmática sobre a área mais protecionista, mais isolacionista, que não quer se vincular a regras internacionais. E foi uma loucura o trabalho técnico. Estamos falando de 92%, 93% de toda a economia do Mercosul e da União Europeia. São dezenas de milhares de produtos e serviços e para cada um deles é uma regra diferente — me disse um dos negociadores brasileiros.

Em linhas gerais, haverá dois tempos de redução de tarifas. Um mais rápido para eles, um mais demorado para nós. Há produtos em que a tarifa irá a zero em três anos nas exportações nossas para eles. Mas nas importações o prazo será de dez a doze anos. Portanto, é uma abertura com gradualismo. Nas commodities agrícolas nós teremos que aceitar as cotas, mas dentro delas a tarifa será zero. Ou seja, até um certo volume de vendas, não se pagará tarifa. Já é assim em alguns produtos, como carne bovina e frango, mas essa limitação quantitativa será muito alargada. Houve avanços em vários produtos como açúcar, etanol e suco de laranja.

O embaixador Rubens Barbosa lembra que as primeiras conversas começaram em 1995, mas ao longo do tempo, principalmente nos governos do PT, o assunto ficou em banho-maria. As conversas foram retomadas há três anos e tiveram um salto agora, o que ele comemora.

— Termina um período de isolamento do Brasil e do Mercosul que durou 20 anos. Só fizemos acordos com Israel, Egito e Autoridade Palestina. Agora estamos fechando um acordo com o segundo maior parceiro comercial, um bloco de 27 países. Isso é muito relevante. O Brasil precisa acelerar as reformas que nos tornem mais competitivos. O mercado está lá, mas o Brasil precisa ter produto e também tem que ter preço — diz ele.

Na CNI a reação foi positiva, ainda que até recentemente a indústria tenha mostrado preocupação em relação à entrada de produtos remanufaturados.

— Essa é uma indústria deles que está com um volume muito grande. Nós não queríamos que entrassem remanufaturados que não atendessem às nossas especificações técnicas. Esse produto é, por exemplo, um motor que dura dez anos anos, estraga, devolve-se para a fábrica e ela reaproveita as partes que estejam boas e refaz um produto com um tempo menor de vida. Pedimos para isso não entrar. E fomos ouvidos. A redução das tarifas dos produtos industriais será devagar e isso vai nos dar mais acesso a tecnologias — diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.

Muitos eventos ajudaram a esse desfecho. Um deles, o fato de que houve eleições recentes na Europa e muitos comissários estão terminando seus mandatos. Era a chance de deixar uma marca. E esse acordo para eles é o segundo mais importante depois do que foi fechado com o Japão. Assim, a Europa também responde à política comercial protecionista e de conflito do governo Trump.

(COM MARCELO LOUREIRO)

A histórica resistência às reformas - RUBENS PENHA CYSNE

O GLOBO - 29/06

Reis temiam os inventores do progresso e vice-versa


Reformas econômicas, quando de fato necessárias, poderiam em tese ser defendidas apenas com base na sua eficiência para o país. “O bolo (PIB) final será maior para todos”, deveria ser argumento suficiente para o agente da mudança. Ocorre que as ações de cada grupo de interesse não se baseiam no tamanho esperado do bolo. Mas sim no tamanho de sua própria fatia. Via de regra, se a fatia esperada para amanhã, com reforma, for menor do que a de hoje, sem reforma, o respectivo grupo vota e age contra. Independentemente de quanto o país como um todo possa crescer.

Imobilismos gerados pela ação de atores conflitantes, diga-se de passagem, não são inerentes nem ao Brasil nem aos tempos atuais. São vários os relatos de reis que temiam os inventores do progresso e vice-versa. O rei temia os inventores porque o exercício de suas ideias reformadoras poderia fortalecer grupos políticos antagônicos, alijando-o das vantagens do seu reinado. Por outro lado, os inventores temiam o rei porque este poderia sempre usar o seu poder para confiscar-lhes, no futuro, todo o fruto do seu trabalho.

No caso dos inventores e reis, a criação de parlamentos fortes e judiciários efetivos reduziu parte da força do status quo . Mas não toda. Isso porque os próprios Poderes Legislativos e Judiciários são sujeitos a forças políticas, e estas podem se modificar quando reformas importantes são introduzidas. As recompensas futuras dos grupos que acedem às reformas não são passíveis de garantias plenas no campo legal. Demandam também acordos políticos críveis.

A gravidade do conflito entre grupos costuma se mostrar, em cada sociedade, proporcional à desconfiança e à divisão entre as partes. O Brasil, com suas desuniões centenárias de classes por poder aquisitivo e, mais recentemente, com acirramento de suas divisões políticas, passou a ocupar lugar de destaque na fila mundial do imobilismo reformista. As mais óbvias reformas, como a do saneamento básico e a da Previdência, encontram dificuldades que a razão mais simples desconhece.

A solução canônica para esse tipo de problema é tornar crível para todos que quando o bolo cresce todos poderão receber no futuro uma fatia pelo menos um pouco maior do que a atual. Fundamentais no processo são as negociações e os compromissos entre partes. Esse procedimento requer confiança e capital político.

Segue daí que, na solução canônica, aquele que quer resolver o impasse deve ser duro com as ideias que se mostraram inadequadas. Mas não pode se dar ao luxo de entrar no terreno dos revides ou agressões.

Por outro lado, não deve caminhar em demasia na direção oposta, a do consenso subserviente. Aceder além de certo ponto em negociações ou compromissos pode enfraquecer o negociador perante aqueles que estão a seu lado.

Um exemplo histórico de tentativa de conciliação geradora de uma mensagem interna de hesitação ou fraqueza, daí decorrendo forte perda de capacidade de liderança, foi dado pelo segundo presidente americano, John Adams, em 1800.

Em 1798, ele tornara públicos os relatórios da comissão americana na França, que denunciavam uma suposta tentativa de extorsão feita pelo ministro das Relações Exteriores francês. O fato gerou grande revolta americana contra a França. E garantiu a Adams um apoio popular que ele nunca antes tivera.

Dois anos depois, entretanto, o mesmo Adams resolveu adotar uma atitude de conciliação, enviando emissários à França para propor o fim das hostilidades. Perdeu seu apoio interno e passou a ser considerado traidor pelos próprios federalistas americanos que o apoiavam.

Para que as reformas brasileiras se efetivem com mais impacto e rapidez, é necessário que se alcance um ponto de equilíbrio ótimo no chamado “dilema da liderança”. Ela precisa ser suficientemente cordata para oferecer portas de saída às forças políticas que não se elegeram. Mas não tão consentânea que possa transmitir uma percepção de fraqueza de ideais àqueles que lhe conferem suporte político.

O equilíbrio é difícil, mas factível.

Rubens Penha Cysne é professor da FGV EPGE

Trabalhador contra robôs - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/06


Entre as propostas que continuam sendo debatidas para a conclusão do texto da reforma da Previdência, uma é fundamental para o modelo de país que queremos construir. A proposta do relator Manoel Moreira, do PSDB que, no fundo, é do Ministro da Economia Paulo Guedes, é acabar com a poupança do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que já caiu de 40% para 28%, e usá-lo para pagar aposentadorias.

Essa é a opinião de José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), um dos maiores especialistas em finanças públicas do país. “Cobra-se uma contribuição do faturamento das empresas, o PIS, a pretexto de financiar o seguro-desemprego, mas se pretende que 58% da receita seja usada para ex-trabalhadores já aposentados, inclusive os servidores públicos”, lamenta.

O futuro do emprego preocupa José Roberto Afonso, que prevê “um desemprego tecnológico brutal, provocado por robôs, economia compartilhada e outras realidades novas”. Quando mais se precisará do FAT, diz ele, o populismo atual vai esvaziá-lo.

Afonso considera a reforma da Previdência necessária, mas insuficiente para lidar com um futuro em que cada vez mais o trabalho não passará por emprego e salário. Para ele, não é a educação que resolverá o desafio, mas habilidades: “Será premente também mudar as qualificações de quem já está dentro do mercado de trabalho”.

A rede de proteção social aos trabalhadores gira em torno do emprego, e os salários são referenciais, seja para cobrança de contribuições sociais, seja para pagamento de benefícios, como seguro-desemprego e aposentadoria. José Roberto Afonso assegura que “essa construção será abalada pela revolução econômica e social, que passará pela automação do processo de trabalho e a expansão do trabalho independente”.

Mais que o BNDES, será o jovem de hoje que vai virar o desempregado do futuro, que vai pagar a conta dos ex-trabalhadores do passado, alerta. Ele diz que o FAT é dos raros fundos públicos que tem dinheiro, e só conseguiu isso porque foi gravado na Constituição que uma parcela de sua arrecadação seria convertida em poupança, aplicada no BNDES, ao invés de ficar parado nos cofres do Tesouro.

José Roberto Afonso lembra que quando essa medida ia ser votada, Lula perguntou-lhe por que os trabalhadores ficariam só com 60% para o seguro-desemprego e não com 100%. “Eu respondi que 60%, de fato e de direito, eram para os ex- trabalhadores, aqueles demitidos que precisavam receber o seguro-desemprego, e serem retreinados.

Quanto mais bem sucedido fosse a aplicação dos 40%, menos se precisaria usar os outros 60%, explicou a Lula. Também na Comissão Especial há uma discussão acirrada sobre o tema.

O deputado federal Pedro Paulo, do DEM do Rio, pergunta em mensagem que enviou aos companheiros da Comissão: “Vamos tirar recurso de um mecanismo que multiplica investimento, renda e emprego, para vinculá-lo a despesa de pessoal, previdenciária e obrigatória?”

Ele defende que a política de investimento do Banco seja corrigida, e redirecionada, mas não sufocada. Voltando da China há pouco, o deputado Pedro Paulo diz que o país não está reduzindo recursos públicos do Banco de Desenvolvimento Chinês (CDB), nem Japão, a Alemanha ou os EUA esvaziam suas instituições públicas de fomento.

“Em todos os casos, os governos apóiam seus bancos, ora com dotação orçamentária, ora com isenção de impostos, ora dando garantia para títulos que emitem.

Os EUA fortalecerão o Eximbank para financiar a venda de máquinas norte-americanas para Brasil: “Esse é um banco público, com dinheiro público no seu capital, no país mais liberal do mundo”.

Pedro Paulo ressalta que “até mesmo países que não têm bancos de fomento público utilizam fundos públicos para investimentos. Na Europa, 1% de cada cidadão vai para a União Européia financiar investimentos, pesquisas através de seus vários fundos disponibilizando muito dinheiro a fundo perdido e empréstimos até com juro zero e prazo a perder de vista”.

“A reforma da Previdência não promoverá crescimento apenas por si. Precisaremos de investimento público de qualidade” ressalta José Roberto Afonso, para quem o BNDES é o melhor agente.

O preço dos desacertos - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/06


Há muitos eleitores e não eleitores de Bolsonaro insatisfeitos com os rumos do governo. Pesquisa captura este sentimento. Que o presidente olhe para eles.


O presidente Jair Bolsonaro precisa tomar decisões todos os dias, a todo instante. A mais importante – porque dela dependem não só o futuro de seu governo, mas, principalmente, o do País – é se deseja continuar governando como um presidente de nicho ou, como esperamos, assumir como o presidente de toda a Nação, adotando um tom conciliador.

Até aqui, o presidente tem demonstrado, por meio de suas ações e palavras, ter uma compreensão equivocada do que representam os 58 milhões de votos que o levaram da Câmara dos Deputados para o Palácio do Planalto. Trata-se, é evidente, de uma eleição consagradora, mas nem remotamente o resultado das urnas significa carta branca para que Jair Bolsonaro leve adiante sua agenda programática a ferro e fogo, sem negociá-la com amplos setores da sociedade, sejam ou não seus eleitores. As diatribes da campanha eleitoral deveriam ter cessado em 29 de outubro do ano passado.

Desde sua posse, as faturas dos desacertos do governo de Jair Bolsonaro não param de chegar. A mais recente foi apresentada pelo Ibope na quarta-feira passada. Uma nova pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), revelou que a insatisfação da população com o governo federal subiu de 27% em abril para 32% em junho, o maior índice negativo do governo Bolsonaro nesses seis meses de mandato.

Em janeiro, só 11% consideravam o governo “ruim ou péssimo”, o que é compreensível, pois compõem esta fração da sociedade os que não ficaram satisfeitos com a vitória de Bolsonaro. À medida que o tempo passou e o presidente forneceu aos cidadãos mais elementos para análise de seu desempenho, o porcentual de insatisfeitos só subiu. Em fevereiro, aqueles 11% do mês anterior tornaram-se 19%. Em março, 24%. Em abril, 27%. E no mês passado, 32%, o pico até agora.

Quando questionados pelo Ibope “O (a) sr. (a) aprova ou desaprova a maneira como o presidente Jair Bolsonaro está governando o Brasil?”, 48% responderam que desaprovam. Em janeiro, este porcentual era de 21%. Os que aprovam o governo somam 46%, uma expressiva queda em relação aos 67% colhidos no início do ano.

No entanto, o que mais salta aos olhos no resultado da nova pesquisa Ibope/CNI é o índice de confiança no presidente Jair Bolsonaro. O porcentual de brasileiros que confiam no presidente vem caindo drasticamente entre janeiro e junho. No início do mandato, 62% dos pesquisados pelo Ibope disseram confiar no presidente. Em fevereiro, o número caiu para 55%. Em março, para 49%. Em abril, houve uma pequena melhora para 51%. Em junho, nova queda, atingindo 46%, o menor patamar de confiança pessoal no presidente até aqui. A curva dos que não confiam em Jair Bolsonaro percorreu a direção contrária, ou seja, só fez subir de janeiro até junho, de 30% para 51%. O resultado não é alvissareiro para um presidente que exerce liderança baseado primordialmente em seu apelo popular.

O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, preferiu ironizar a pesquisa. “Pelos números do Ibope, o presidente jamais seria Bolsonaro.” A atitude do ministro era previsível dado o comportamento de membros do governo adotado após a apresentação dos resultados anteriores. Ainda assim, não se trata de uma análise precisa porque o Ibope não se furtou a registrar o avanço do então candidato Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto no decorrer da campanha.

Seria muito melhor para o governo e para o País que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe recebessem os resultados dessa pesquisa, e de outras que lhes sobrevierem, com humildade e espírito público. A mesma sociedade que o elegeu, e que agora aponta seu desconforto, deseja que, ao fim e ao cabo, seu governo seja virtuoso para o País. Há, decerto, quem torça contra o sucesso do governo apenas por fazer parte do espectro político-ideológico diferente do que chegou ao poder. Mas não é a maioria da população que pensa assim. Há muitos eleitores e não eleitores de Jair Bolsonaro insatisfeitos com os rumos do governo. A pesquisa captura este sentimento. Que o presidente olhe para eles.

Guerra de titãs - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S. Paulo - 29/06

A equipe econômica trabalha em um plano de corte de renúncias fiscais

O presidente Jair Bolsonaro deflagrou uma guerra de titãs ao antecipar, nas redes sociais, que o governo vai reduzir o Imposto de Importação (II) de produtos de tecnologia, como computadores, celulares e jogos eletrônicos.

A alíquota vai cair de 16% para 4% para fomentar a concorrência e a redução dos preços dos produtos fabricados no Brasil, avisou o presidente.

Extremamente sensível e polêmico, o tema vinha sendo tratado com extrema reserva pelo Ministério da Economia – para não atrapalhar as negociações para votar a reforma da Previdência antes do fim do recesso parlamentar.

Ao usar suas redes sociais para anunciar uma decisão que ainda não foi tomada oficialmente, o presidente acabou chamando para a briga, antecipadamente, toda a indústria nacional e a Zona Franca de Manaus – que fazem uma grande articulação para barrar essa política dentro e fora do Congresso.

Na segunda-feira, o próprio Bolsonaro recebeu, em agenda marcada de última hora e sem publicidade, o presidente da Superintendência da Zona Franca de Manaus, Alfredo Menezes, e o senador emedebista Eduardo Braga (AM).

A disputa com a equipe econômica se antecipara porque, na segunda-feira, o governo publicou uma portaria que altera o processo produtivo básico do terminal portátil de telefonia celular industrializado na Zona Franca.

Na conversa, o senador e o presidente da Suframa reclamaram a Bolsonaro que a norma (muito técnica e datada do dia 21) mexia com a fórmula de cálculo dos produtos importados no Brasil, atingindo em cheio não só a Zona Franca, mas também a indústria de outros Estados, como São Paulo, Paraná e Bahia.

O argumento dado ao presidente é o de que a mudança afeta uma indústria estabilizada e que gera 500 mil empregos no País. Eles cobraram de Bolsonaro um “freio de arrumação” e que ouça também o “outro lado”.

A equipe econômica defende a estratégia de abertura como um processo necessário para o crescimento do País. É ponto central da política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de aumento da produtividade e competitividade do País.

Mas procurado oficialmente pela coluna, o time de Guedes não quis comentar o encontro com o setor – que ocorreu no mesmo dia, logo depois da reunião de Bolsonaro, em Brasília.

Bolsonaro ouviu as críticas e prometeu comandar a primeira reunião ordinária do Conselho de Administração da Zona Franca, marcada para o próximo dia 12. Foi um passo considerado importante para a abertura de diálogo.

A polêmica portaria é só mais um episódio das disputas entre a área econômica e a Zona Franca. O Ministério da Economia considerou um desastre a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que ampliou os subsídios para a região em R$ 49,7 bilhões nos próximos cinco anos.

Em abril, o Supremo decidiu que as empresas de fora da Zona Franca, que compram insumos produzidos na região – portanto, isentos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – terão direito a contabilizar, como crédito tributário, como se o imposto tivesse sido pago. Fatura considerada inaceitável por Guedes e sua equipe em um momento de correção do déficit fiscal e corte de benefícios.

Como mostrou reportagem do Estado, a equipe econômica trabalha em um plano de corte de renúncias fiscais na tentativa de reduzir os subsídios em mais de um terço do montante atual.

A intenção é cortar o equivalente a 1,5% do PIB até o fim de 2022, ou cerca de R$ 102 bilhões em valores de hoje. Em 2018, o governo abriu mão de R$ 292,8 bilhões em receitas, ou 4,3% do PIB. É claro que a Zona Franca é um dos principais alvos desses cortes.

O embate de corte dos subsídios se soma à política de abertura comercial, à guerra dos concentrados de refrigerantes e à reforma tributária. A PEC de reformulação do sistema tributário, apresentada pelo líder do MDB, Baleia Rossi (SP), é mortal para a Zona Franca ao dar fim a todo tipo de incentivo – ponto fundamental da reforma. Essa briga vai longe e aponta uma guerra sangrenta no Congresso.

Seis meses decepcionantes - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 29/06

Nesse período, o que houve, em excesso, foi muito falatório


O balanço dos seis primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro não pode ser considerado positivo, pelo menos na visão deste repórter. A despeito da baixa taxa de juros e da inflação sob controle, heranças do governo de Michel Temer, é bom lembrar, a economia está empacada e o desemprego de 13 milhões de pessoas na idade economicamente ativa é desesperador. Quanto ao PIB, o próprio Banco Central reduziu a previsão de crescimento de 2% em 2019 para 0,8%. E ninguém descarta a possibilidade de nova redução nos próximos meses.

Quanto à reforma da Previdência, único projeto com potencial para dar uma sacolejada boa na economia e reconquistar a confiança de investidores, este praticamente saiu das mãos do governo, passando ao controle do Congresso. Mesmo com toda a dificuldade que propostas desse teor enfrentam, em qualquer lugar do mundo, é possível que o projeto seja aprovado mais por méritos do Congresso do que por esforço do Palácio do Planalto. O governo não se preocupou em criar uma equipe de articuladores competente, mas, sim, uma fórmula incompreensível de atuação, até há pouco tempo dividida entre o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o então secretário de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido no calor das discussões da reforma da Previdência. Não porque tenha falhado na articulação política, mas porque Santos Cruz não dava bola para a agenda conservadora do presidente e ainda era agredido com expressões de baixo calão pelo escritor Olavo de Carvalho, tido como guru do presidente.

Quanto ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, também não se vê da parte do governo um empenho grande para que seja aprovado logo. E olha que o combate ao crime foi uma das bandeiras de campanha do então candidato do PSL.

O ideal para qualquer um que escreva sobre política, e que vivenciou erros e acertos de todos os governos do período da redemocratização para cá (1985/1988), seria dizer que agora a coisa vai, que o programa de recuperação econômica é isso e aquilo, que o País caminha para o pleno emprego e que, por isso mesmo, o presidente, no auge de sua popularidade, desistiu de acabar com a reeleição para buscar mais um mandato. O que há é o avesso disso.

Seria também interessante dizer que estão com os dias contados estatais como a Empresa de Planejamento e Logística, criada no governo de Dilma Rousseff para administrar um trem-bala que faria o trajeto entre Rio e Campinas, passando por São Paulo, a tempo de carregar torcedores para a Copa de 2014. Isso, no entanto, não é possível. Passados mais de oito anos da criação da EPL, e sem que um único dormente para o trem de alta velocidade tenha sido assentado, tal empresa continua lá na sua sede, em Brasília, com presidente, diretoria, benefícios sociais, comissão de ética, assessoria de imprensa e milhões para torrar.

Nesses seis meses de governo, o que houve, em excesso, foi muito falatório. “Um festival de besteiras”, na definição de Santos Cruz, que costuma ser cuidadoso quando fala do governo. O general passou quase seis meses lá dentro. Vivenciou grandes e pequenos acontecimentos. Deve saber o que diz.

O certo é que o presidente, que tem falado constantemente em ser candidato à reeleição, continua a agir como se estivesse em campanha. A economia vai mal, não há um projeto de desenvolvimento, por exemplo, para a Amazônia, para o Nordeste, para reduzir a pobreza, para melhorar a educação. Mas Bolsonaro acha que daqui uns dias todos vão querer votar nele.

Para não ficar só nessa lenga-lenga, registre-se que houve o anúncio do fechamento de um acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul. Acordo que começou a ser costurado no governo de Fernando Henrique Cardoso, ainda em 1999.