quarta-feira, março 27, 2019

Forças ocultas? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/03

Ninguém entendeu ainda o que pretende Jair Bolsonaro

A forma como o presidente Jair Bolsonaro está lidando com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), deve ser parte de uma estratégia ainda não compreendida pelos melhores observadores da cena política em Brasília. Ou não, o que torna tudo ainda mais nebuloso e preocupante, uma vez que Maia não integra as fileiras da oposição ao governo, muito pelo contrário. Número 2 da República, o presidente da Câmara se comprometeu com a articulação para a aprovação das mudanças nas regras de aposentadoria - a reforma das reformas - e de projetos relevantes, como o que dá autonomia legal ao Banco Central.

Convidado para um encontro com Maia e Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro decidiu desmoralizar o anfitrião (o presidente da Câmara) ao levar 20 ministros, anulando assim o caráter "petit comité" da reunião. Nas redes sociais, Bolsonaro deu a ideia de que Maia o convidou para oferecer apoio em troca de cargos. Foi um golpe de marketing de resultado pífio e perigoso.

A carreira política de Maia tomou impulso quando ele se elegeu presidente da Câmara no período 2017-2018, um momento extremamente delicado da vida nacional. Dilma Rousseff foi afastada em maio de 2016 - e impedida, em caráter definitivo, de ficar no cargo em agosto daquele ano - em meio a uma das mais graves crises econômicas da história do país, ruína da qual a nação ainda não se recuperou. Impeachment de presidentes eleitos é sempre um processo traumático numa democracia.

Ninguém entendeu ainda o que pretende Jair Bolsonaro
No presidencialismo de coalizão, modelo político que grassa no Brasil na ausência de partidos fortes, presidentes da República dependem sobremaneira, para governar, dos presidentes da Câmara e do Senado Federal, especialmente do primeiro. A deposição de Dilma mostrou isso com clareza. A então presidente tentou, em vão, impedir a ascensão ao comando da Câmara do deputado Eduardo Cunha, e este lhe deu o troco - usou uma das prerrogativas do cargo, a decisão monocrática de tirar da gaveta e colocar em tramitação um dos pedidos de impeachment contra a então chefe do Poder Executivo, para derrubá-la.

É verdade que Cunha tentou negociar durante meses um armistício com Dilma, mas a ex-presidente julgava-se, como Bolsonaro, acima dos políticos que, inclusive, integravam sua base de apoio no Congresso e cujos apadrinhados ocupavam milhares de cargos, muitos sem nenhuma qualificação, no enorme aparato estatal nacional. Eleita, Dilma, passou a ter desprezo até pelo responsável por sua chegada triunfal ao poder - Luiz Inácio Lula da Silva -, sem nunca ter sido eleita antes para coisa alguma.

"House of Cards Brazil": quando se tornou público o escandaloso caso da compra superfaturada, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, Lula teria mandado um emissário - o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da primeira campanha de Dilma, em 2010 - informar à presidente que Pasadena ajudou a elegê-la. A reação da mandatária teria sido um festival de palavrões dirigidos ao interlocutor e ao remetente do aviso. Lula decidiu mandar o recado depois de ver Dilma, como presidente do conselho de administração da Petrobras, confessar, em entrevista, que assinara um parecer tecnicamente "falho" em defesa da compra da refinaria em 2006, em pleno governo Lula. Amigos do ex-presidente têm convicção de que Dilma procurou jogar o caso no colo de Lula para conter seu assanhamento para ser o candidato do PT à Presidência em 2014.

Bolsonaro quis mostrar a seus milhões de seguidores nas redes sociais, e com os quais ele acha que governa este imenso país, que repele a "velha política" e que Maia é um exemplo acabado da velhacaria. Duas hipóteses derivam da ação de Bolsonaro:

1) Ao tentar desmoralizar publicamente o presidente da Câmara, ele tenta enfraquecê-lo porque sua desenvoltura em Brasília, segundo assessores, o incomoda desde sempre. Fraco, Maia perderia poder sobre seus pares e, assim, os governistas dominariam a Câmara com o "apoio" das redes sociais, o que facilitaria ao presidente e seus aliados impor sua principal agenda - mudar na marra, com a força das leis, os costumes de uma sociedade marcada pela diversidade e que, desde a redemocratização, vem avançando de forma significativa no quesito tolerância;

2) Qual Policarpo Quaresma, o anti-herói quixotesco de Lima Barreto, Bolsonaro estaria dizendo ao povo que em Brasília só há políticos corruptos que não o deixam governar com decência, idealismo e em favor dele, o povo. Seria, claro, um simulacro, uma vez que Bolsonaro, eleito presidente do Brasil quando ninguém esperava por isso, não compartilha a ingenuidade de Quaresma. A intenção, portanto, seria atirar em Rodrigo Maia para atingir toda a classe política e, desta forma e com o "incrível" apoio das massas, pedir licença para ter poderes excepcionais nesta quadra da vida nacional, momento que, dada a gravidade da crise econômica, demanda líderes fortes, destemidos, obstinados, denodados e, por que não, autoritários.

Ontem, dia em que as tensões na Praça dos Três Poderes se intensificaram, o presidente "matou a reforma e foi ao cinema". O chiste de mau gosto, que se disseminou nas redes qual epidemia, foi inevitável. No clássico "Matou a Família e Foi ao Cinema", de 1969, o cineasta Júlio Bressane mostra um rapaz que mata os pais com uma navalha e, impassível, vai ao cinema. Bolsonaro se mostra solene e imune a paixões em sua marcha contra Maia.

No retrovisor, vemos o seguinte: em 1961, Jânio Quadros comanda governo dividido por forças da esquerda e da direita e, sete meses depois da posse, renuncia, alegando "forças ocultas" e achando que o povo iria às ruas para lhe dar o poder supremo. Ninguém deu o ar da graça porque o presidente se esqueceu de combinar o ardil com os "russos". Collor assumiu em 1990 sem a companhia dos partidos tradicionais. Confiscou, no primeiro ato, o dinheiro dos viventes sem o apoio de PMDB, do PFL etc. Deu tudo errado e um ano depois caiu nos braços da tradição - o PSDB só não aderiu porque Mário Covas não deixou -, o que não o impediu de ser apeado do cargo em setembro de 1992.

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