domingo, outubro 21, 2018

"WhatsApp é gópi - GUILHERME FIÚZA


"WhatsApp é gópi - GUILHERME FIÚZA

GAZETA DO POVO - PR - 20/10


Se você pensa que viver fantasiado de herói progressista é moleza, está enganado. A vida é dura. Pensa que é só inventar uma mentira charmosa, dessas que funcionam maravilhosamente no Facebook, no Baixo Gávea e na Vila Madalena, e viver disso para sempre? Negativo.

Você terá que ser mais e mais criativo, se superar a cada dia – até chegar às raias da genialidade ao propagar que o WhatsApp ameaça a democracia. Sim, você pode! Mas não pense que é fácil.

Tudo começou quando deu errado o truque de reabilitar os bandidos gente boa do PT lutando contra a ditadura do século passado. Até chegou-se ao milagre de levar ao segundo turno o partido que depenou o Brasil, mas aí o Ibope e o Datafolha – que vinham sendo super legais e parceiros – tiveram que desmontar aquele cenário da vitória final inevitável contra a caricatura da direita, tão bem alimentada por mais de um ano.

Deu ruim, e o jeito foi mostrar a real: Haddad morrendo na praia de novo.

Mas se você é um suposto gladiador da elite cultural, ideias não te faltam. Quem passou mais de ano espalhando fake news do Rodrigo Janot, transformando açougueiro biônico (laranja bilionário do Lula) em denunciante da corrupção generalizada, pode criar outras narrativas espertas.

Foi assim que a cruzada do petismo enrustido foi dar nos costados do WhatsApp. A mensagem é clara: só quem está autorizado a espalhar fake news é veículo de mídia tradicional aparelhado pela narrativa politicamente correta. Ou seja: você só pode veicular notícia falsa se ela tiver sido produzida genuinamente pela sua empresa. Como o WhatsApp não produz notícia, não tem a prerrogativa de espalhar mentira.

Fica combinado assim: Lula ia salvar a democracia de dentro da cadeia e foi impedido por um golpe de estado do WhatsApp. Quem achar a formulação complexa demais, peça ao companheiro Cid Gomes para resumir.

Decidido o novo script dos cafetões da bondade, todos se tranquilizaram e partiram para o bom e velho show de bravura cívica a 1,99. Surgiu inclusive um slogan “ditadura nunca mais”, com um complemento que acabou não circulando, mas nós publicamos a seguir:

Ditadura nunca mais, a não ser uma como a do Maduro, ou a do Ortega, ou a do Kadhafi, ou a do Ahmadinejad, ou a do Saddam, ou a de algum outro amigo do Lula que arranque o couro do povo sem perder a ternura e a simpatia do Roger Waters. O resto a gente não aceita.

E o show tem que continuar. Preocupado com a liberdade de expressão, o grupo de artistas e intelectuais decidido a garantir a qualidade do conteúdo nas mídias e no WhatsApp deveria criar logo uma junta de notáveis para tomar conta disso. Alguns nomes naturais, dado o histórico do movimento, seriam os dos pensadores Nicolás Maduro, Lindbergh Farias, Robert Mugabe e Renan Calheiros.

Para mostrar que quem ameaçar a democracia eles prendem e arrebentam, poderiam difundir com mais intensidade o vídeo do professor Haddad explicando por que Stalin era melhor que Hitler: porque, diferentemente do nazista alemão, ele lia os livros de suas vítimas antes de fuzilá-las. Não é lindo?

Vai ver é por isso que há editores de livros no manifesto democrático em defesa do poste iluminado do PT.

O importante é afirmar, em defesa do estado de direito e das liberdades individuais, que o WhatsApp é golpista – e nós podemos provar. Por exemplo: estava tudo correndo perfeitamente bem na democrática operação de abafar a notícia de que o PT, na sua metamorfose verde-amarela, apagou seu apoio à ditadura pacifista e sanguinária do companheiro Maduro.

Se acabamos de demonstrar que Stalin é um ser evoluído, é claro que está tudo certo com a prática de fazer informações sumirem do mapa e, também, com a consequente ocultação do expurgo.

Aí o que faz o WhatsApp? Espalha essa informação que tinha sido tão bem escondida. É ou não é golpista?

Outra notícia que estava fora das manchetes e esse aplicativo fascista mandou para todo mundo foi a da conclamação do companheiro Boulos à invasão da casa de Bolsonaro. É o tipo da informação irrelevante, considerando que Boulos é ex-companheiro de partido do homem que tentou matar o candidato com uma facada – portanto está todo mundo cansado de saber que o negócio deles é barbarizar geral, nenhuma novidade aí.

O Brasil não sabe o que será o provável governo Bolsonaro. Mas os progressistas de carnaval que cultivaram tão dedicadamente a polarização burra em que o país entrou já sabem o que farão: atiçarão sofregamente a boçalidade para tentar continuar vivendo (bem) como vítimas profissionais."

Alta ansiedade - J.R GUZZO


Alta ansiedade - J.R. GUZZO

Vivemos momentos de "nervosia", palavra antiga, mas muito precisa, para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impaciência e hostilidade nas eleições
REVISTA VEJA


Muita coisa pode ser dita sobre as eleições presidenciais que chegam daqui a pouco ao seu turno decisivo, mas um dos pouquíssimos pontos em que todos estariam de acordo, talvez o único, é que nunca se viu na história deste país uma disputa política que deixasse tanta gente à beira de um ataque de nervos. Um ou outro dinossauro que estava vivo nas eleições de Getúlio Vargas em 1950, Juscelino Kubstichek em 1955 ou de Jânio Quadros em 1960, certamente dirá: “Não, não me lembro de ninguém, na época, que tenha tido algum surto de neurastenia tão desesperado por causa de eleição como esses que a gente vê hoje todo o santo dia”. Depois disso houve sete eleições seguidas para presidente ─ a que elegeu Fernando Collor, as duas de Fernando Henrique, mais as duas de Lula e, enfim, as duas de Dilma Rousseff. Saiu muita faísca, é claro, houve muito bate-boca e xingatório, e muita mãe acabou sendo posta no meio, mas em geral foi mais gritaria de torcida do que briga com fuzil AK-47 no alto do morro. Nem Dilma foi capaz de gerar a ira radioativa que explode agora do Oiapoque ao Chuí por causa de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad ─ e olhem que Dilma não é fácil, em matéria de despertar os instintos mais primitivos do eleitorado, como poderia dizer o ex-deputado Roberto Jefferson. E antes disso, em momentos remotos da nossa história política ─ será que não teria havido alguma campanha tão enfurecida quanto a atual? Antes disso, para falar a verdade, não havia eleições que pudessem ser realmente chamadas de eleições; o New York Times ou o Le Monde de hoje jamais aceitariam, por exemplo, as eleições de um Campos Salles ou um Washington Luís. Mais atrás no tempo, então, já se começa a falar no Regente Feijó ou em José Bonifácio ─ e aí é que ninguém sabe mesmo de absolutamente nada.

O fato é que estamos vivendo momentos sem precedentes de “nervosia” ─ palavra de uso antigo, mas muito precisa, para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impaciência e hostilidade geral que se levanta hoje em dia a cada vez que o cidadão diz que vai votar em Bolsonaro ou Haddad. Em geral, as brigas de campanha costumam se limitar aos próprios candidatos. Hoje, emigraram com mala e cuia para o meio de uma boa parte dos eleitores. É entre eles, e não nos palanques ou “debates” na televisão, que está havendo agora derramamento de sangue ─ inclusive de sangue mesmo. Não é preciso, para acender a banana de dinamite, gritar “Mito!” no meio de um ajuntamento petista, ou de vir com um “Lula Livre!” na comissão de frente de um bloco bolsonarista. O desastre, nesta campanha de 2018, pode acontecer no aconchego do seu próprio lar. Você diz que vai votar num ou no outro, e dali a pouco está formado um barraco rancoroso em sua casa, com a súbita troca de ofensas, palavras malvadas e ressurreição de velhos ressentimentos, no que deveria ser um churrascão inofensivo de domingo. Amigos se desentendem feio com velhos amigos. Há brigas de pais com filhos, de irmãos com irmãos, de mulher com marido. Familiares rompem relações, colegas de trabalho viram as costas uns para os outros e se fecham em suas próprias trincheiras. Falar de política, em suma, virou um perigo.

Os rompantes mais curiosos de neurose se multiplicam por todos os lados. Uma senhora foi notada no facebook fazendo um anúncio aflito: “Hoje, eu tive de dar um block na minha tia de 78 anos!”. Uma jornalista-celebridade de São Paulo denunciou em seu jornal, com a gravidade reservada às notícias de grande impacto, que tinham sido feitas pichações racistas no banheiro de um colégio chique ─ isso mesmo, rabiscaram a parece do toalete da moçada. Quem jamais ouviu falar de uma coisa dessas? A dona de um restaurante paulistano teve a ideia de exibir na internet uma foto, tirada junto com a sua equipe, mostrando o dedo do meio para os bolsonaristas. Amizades intensas formadas nas redes sociais explodem antes que as pessoas tenham tido tempo de se conhecer. Lulistas são chamados de esquerdopatas. Quem vota em Bolsonaro é fascista ─ embora 80% dos que fazem essa acusação não tenham a menor ideia do que estão falando. Não optar nem por um nem por outro, então ─ não seria uma defesa? Esqueça. Nesse caso você será acusado de “isentão”, e muita gente fica irritadíssima quando é chamada de “isentão”. O ambiente deveria estar bem mais calmo, pois até a véspera da eleição todas as “pesquisas” garantiam a mesma coisa: Bolsonaro perderia para qualquer outro candidato no segundo turno. Mas está dando o contrário. Aí vira nervosia pura.

Muito além da economia - EDITORIAL O ESTADÃO


Muito além da economia - EDITORIAL DO ESTADÃO

O objetivo dos valores liberais não é simplesmente maximizar ganhos econômicos. É assegurar o exercício das liberdades individuais e políticas
O Estado de S.Paulo - 21 Outubro 2018

O tema do liberalismo esteve muito presente na campanha eleitoral deste ano. Entre outros fatores, cresceu o número de candidatos e partidos dispostos a defender ideias liberais, especialmente na área econômica. Ainda que possa parecer pequeno diante da força dos diversos populismos, é um passo importante para a qualidade das discussões políticas do País. A discussão dos valores liberais sempre enriquece o debate público.

Deve-se reconhecer, no entanto, que a campanha eleitoral é um espaço mais propício para simplificações e polarizações do que para um diálogo maduro e construtivo. Por exemplo, as discussões sobre o liberalismo quase sempre estiveram restritas a questões econômicas, o que reforça a equivocada ideia de que as ideias liberais se resumiriam a um conjunto de princípios e postulados relativos à economia e ao mercado.

É evidente que os valores liberais têm consequências na área econômica. No entanto, a defesa da liberdade é muito mais do que um meio para resolver problemas econômicos. O objetivo dos valores liberais não é simplesmente maximizar os ganhos econômicos em uma determinada sociedade. É assegurar o exercício, em todos os âmbitos, das liberdades individuais e políticas.

Um exemplo da ampla dimensão das ideias liberais é a própria história deste jornal. Sob inspiração liberal, o Estado foi fundado em 1875 com o objetivo de contribuir para a abolição da escravidão e a instauração da República. As duas causas não são bandeiras econômicas, ainda que tenham consequências positivas sobre a economia. A abolição da escravatura e a instauração da República eram imperativos políticos baseados numa concepção forte de liberdade.

E a firme defesa da liberdade continua sendo necessária nos dias de hoje. Causa grave prejuízo ao País o discurso, tantas vezes recorrente, de uma suposta oposição entre as ideias liberais e a preocupação social, como se os populistas fossem os grandes aliados políticos da população mais carente.

Na realidade, ocorre o inverso. Os diversos populismos não enfrentam os problemas sociais. Eles utilizam as questões sociais apenas como tática de manipulação política, como ficou evidente nos anos em que o PT esteve no governo federal. O presidente Lula da Silva não utilizou as condições extremamente favoráveis de seu governo - resultado de circunstâncias externas benéficas e das medidas estruturantes promovidas pelo seu antecessor, o presidente Fernando Henrique Cardoso - para realizar reformas que assegurassem as condições para o desenvolvimento das classes sociais mais pobres. Os pobres continuaram dependentes do Estado. Apesar de dispor de condições muito favoráveis, o PT não promoveu as necessárias reformas, por exemplo, na saúde e na educação.

Os valores liberais - que nada mais são do que essa profunda defesa da liberdade em todas as esferas - não estão desvinculados das questões sociais. Só há liberdade real onde estão presentes as condições para se exercer a liberdade. Por isso, o desenvolvimento social de um país não é um aspecto acessório - ele é essencial para o fomento da liberdade.

Vale lembrar também que o regime da liberdade é o regime da lei. A fundamental igualdade de todos, princípio básico de um Estado Democrático de Direito, manifesta-se precisamente na submissão de todos, sem exceção, à mesma lei. Quando o poder público extrapola os limites legais, mesmo nas situações em que tenha apoio popular para isso, ele está violando a liberdade de todos os cidadãos.

Depois de mais de uma década de lulopetismo, o País tem pela frente o inadiável desafio de retomar o crescimento, por meio de uma política econômica responsável e realista. O populismo já causou demasiados estragos. Mas é preciso também restabelecer a igualdade de todos perante a lei, seja para tolher privilégios e benesses, seja para impedir os abusos do poder estatal em searas que não lhe competem. Afinal, a defesa das liberdades individuais não é apenas um tema de campanha - foi um ensurdecedor clamor que se levantou das urnas no dia 7 de outubro.