quarta-feira, maio 16, 2018

Ser credor em dólar faz país ganhar tempo para solucionar problema fiscal - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 16/05

Quadro político, no entanto, não colabora para a solução do desequilíbrio nas contas públicas

Por que o dólar subiu tanto? Fácil: porque passei dez dias no exterior (Portugal, participei de prova de ciclismo no Douro, incrível, obrigado por perguntar) e sempre que viajo para fora o dólar dá um jeito de subir, pelo menos até que pague a fatura do cartão do crédito...

Entendo, porém, que nem todo o mundo compartilhe minha opinião. Nesse caso, o melhor é olhar o que está acontecendo globalmente com o dólar, que tem se valorizado diante das demais moedas mundiais, embora, é claro, não na mesma proporção. Um euro, por exemplo, comprava cerca de US$ 1,24 há cerca de um mês; hoje, compra menos do que US$ 1,20.

Parte do fortalecimento da moeda americana se deve às tensões geopolíticas. O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os Estados Unidos estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica, como, por exemplo, durante a crise financeira no final de 2008.

Outra parte da história se deve à percepção de que a inflação americana, ainda que permaneça em patamares relativamente baixos, finalmente começou a se mover.

Assim, o IPC, deduzidos alimentos e combustíveis, ultrapassou a marca de 2% nos últimos 12 meses pela primeira vez desde fevereiro do ano passado. A medida favorita do Federal Reserve, o deflator do consumo (também livre de alimentos e combustíveis), segue um pouco abaixo disso (1,9% nos 12 meses até março), mas a tendência de elevação é também visível.

Obviamente não se trata de aceleração descontrolada, longe disso, mas tais números se traduzem em probabilidades mais elevadas de aumentos da taxa de juros americana além do que era esperado no começo do ano. Assim, a taxa de juros de dez anos do Tesouro americano, que embute as perspectivas de alterações das taxas de juros mais curtas, veio de 2,5% anuais para 3,0% ao ano do começo de 2018 para cá.

Aos poucos, portanto, as condições financeiras vão finalmente se normalizando, dez anos depois da crise de 2008. Isso significa que a enorme liquidez mundial que caracterizou esse período deve declinar gradualmente, processo liderado pela economia cuja recuperação foi mais longe, os Estados Unidos, o que, naturalmente, implica dólar mais forte.

A reação de cada moeda, contudo, não deve ser, a princípio, a mesma, muito embora o impulso original o seja. Características específicas de cada país, como a extensão do seu desequilíbrio externo (portanto, a necessidade de recorrer a capitais internacionais) ou problemas fiscais, modulam a resposta das moedas à mudança internacional.

Assim, moedas de países com elevados desequilíbrios externos, como a lira turca, sofreram forte desvalorização.

Já no caso do Brasil o problema é, como de praxe, fiscal. A dívida governamental já ultrapassou 75% do PIB (Produto Interno Bruto), e o déficit operacional recorrente do setor público permanece na casa de 5% do PIB.

Mais relevante, porém, do que os números é a noção de que o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda.

Prevalece, apesar disso, o fato de o país ser credor em moeda estrangeira, fenômeno que limita a realimentação da fraqueza do real para os balanços dos setores público e privado. Isso não soluciona a questão fiscal, mas ganha tempo para o país decidir se irá (ou não) tomar o rumo correto.


Alexandre Schwartsman

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.

A eleição e a economia - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/05

Rombo orçamentário e pleito imprevisível acentuam temores que podem dificultar a recuperação do país


Nem sempre a alta do dólar e outros movimentos dos mercados podem ser atribuídos com precisão a este ou aquele motivo, em particular do campo político. Em ano eleitoral, contudo, tais associações se tornam quase inevitáveis.

É fato que a moeda americana se valoriza em grande parte do mundo, devido à perspectiva de crescimento econômico e de alta de juros nos EUA. Essa tendência se manifesta de modos variáveis entre os países, a depender das fragilidades e incertezas locais.

Na Argentina, mais dependente de capital estrangeiro, os efeitos se mostraram dramáticos. No Brasil, ainda que em grau menor, também se observa nervosismo dos investidores —e as dúvidas suscitadas pelo pleito presidencial são explicações recorrentes.

Já se cogita que tais inquietações tenham consequências além da mera especulação financeira. Na sexta-feira (11), um documento do Fundo Monetário Internacional afirmou que um risco-chave para a recuperação da economia do país é a possibilidade de mudança da agenda reformista após a eleição.

Para Henrique Meirelles (MDB), ex-ministro da Fazenda e presidenciável de chances até aqui obscuras, os efeitos negativos já se dão agora: temores relacionados à disputa pelo Planalto estariam inibindo os investimentos privados e desacelerando a retomada.

Desconte-se o óbvio viés dessa tese, ao mesmo tempo desculpa conveniente para os resultados decepcionantes deste ano e ensaio de discurso de campanha. É inegável, de todo modo, que existem motivos de sobra para angústias.

Estes não se limitam à imprevisibilidade da eleição e aos diferentes defeitos dos principais postulantes.

A fragmentação inédita do quadro partidário nacional prenuncia um cenário inóspito para o próximo governo —ainda mais porque parece improvável que o presidente vá assumir o posto embalado por uma votação consagradora.

À sua espera haverá o enorme rombo orçamentário a exigir decisões imediatas. Levar adiante ou não o teto do gasto federal e a reforma da Previdência, definir a política para o salário mínimo: todas as opções implicam custos elevados.

Não surpreende, pois, que os pré-candidatos mais importantes tratem de cercar-se de economistas de boa reputação ou, ao menos, de mostrar disposição, real ou imaginária, para ajustes e negociações.

Quem pretende herdar um país governável precisa administrar as expectativas —dos mercados, de eleitores, da política— desde já.