quarta-feira, abril 18, 2018

Estado brasileiro se tornou um espelho obscuro da sociedade - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/04

Setor público virou instrumento para grupos privilegiados se apropriarem de parcelas da renda


Viciado que sou na leitura de jornais (quatro por dia, só um pouco menos que as xícaras de expresso), não posso dizer que tenha sido surpreendido pela notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo acerca do fato de os magistrados do Rio Grande do Norte terem se concedido licença-prêmio retroativa desde 1996, prebenda que poderia resultar em pagamentos de até R$ 300 mil para os beneficiários da generosidade dos desembargadores para com seus semelhantes, se não tivessem recuado depois da divulgação.

Como aprendi com Pedro Fernando Nery, a tal licença foi criada em 1952 para beneficiar servidores que não faltavam ao trabalho (o que em si já é revelador da mentalidade nacional: premiar um comportamento que deveria ser padrão) com folga de 90 dias a cada cinco anos, ou seu uso em dobro para a contagem de tempo até a aposentadoria.

A lei 9.527/97, porém, acabou com o privilégio, mantendo apenas uma possibilidade: em caso de morte do servidor que não o houvesse usufruído, seus dependentes poderiam receber um complemento na pensão por morte. Independentemente da lei, contudo, órgãos com autonomia financeira continuaram a pagar para quem se aposentasse sem usar a licença-prêmio.

A Procuradoria-Geral da República, contudo, decidiu que nem sequer seria necessário esperar a aposentadoria, interpretação que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte tentou emplacar.

Obviamente não falta quem defenda a legalidade do pagamento, que, diga-se, por ser considerado indenização, não entra na base de cálculo do Imposto de Renda, ou contribuição previdenciária, nem para fins de determinação do teto de vencimentos.

Nem esse evento, nem o pedido da ex-ministra Luislinda Valois para somar a seu salário também o valor que recebia como aposentada (superando em muito o teto constitucional), nem várias outras instâncias de órgãos da administração pública acumulando vantagenssão casos isolados. Ao contrário, revelam que há muito o setor público foi capturado por interesses privados, tema que explorei em colunapublicada no fim do ano passado.

De acordo com estimativas do Tesouro Nacional, os três níveis de governo do Brasil desembolsaram em 2015 R$ 2,5 trilhões (37,5% do PIB) referentes às suas despesas primárias. Naquele ano, pouco mais de metade delas (R$ 1,3 trilhão, ou 19% do PIB) foi destinada à remuneração de empregados e ao pagamento de pensões e aposentadorias do setor público, segmento que insere, com sobra, na parcela mais rica da população.

Não temos ainda os dados detalhados no que se refere às pensões e às aposentadorias para 2017, mas noto que no ano passado a parcela referente à remuneração do funcionalismo aumentou, sugerindo situação ainda mais grave nos dois últimos anos.

Na verdade, para o período para o qual dispomos de dados, o que se observa é um aumento persistente dessas despesas relativamente ao produto, enquanto o investimento governamental perde fôlego, assim como os gastos associados mais diretamente à prestação de serviços públicos.

O Estado brasileiro se tornou um espelho obscuro da sociedade, instrumento para grupos privilegiados se apropriarem de parcelas crescentes da renda. Apesar disso, ou cegos, ou anestesiados, nada fazemos para alterar o processo que, a se manter o status quo, em poucos anos se tornará insustentável.

Alexandre Schwartsman

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.

Para onde vai o dólar? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/04

Baixa dos juros aqui e altas nos EUA e fraqueza econômica explicariam altas recentes do dólar


O DÓLAR passa apenas uma temporada na casa dos anos R$ 3,40 ou vai se mudar de novo? Muda-se de volta para o andar de baixo, para os R$ 3,25 onde viveu mais ou menos no ano passado? Ou sobe mais andares?

Sobe. Isto é, sobe caso continue a diminuir a diferença entre taxas de juros de EUA e Brasil (e nenhum outro fator de influência na taxa de câmbio se altere de modo relevante). É a hipótese de Julia Gottlieb, economista do Itaú, explicada em relatório divulgado nesta terça (17).

Recorde-se que, nessas corridinhas recentes do dólar, especulou-se que o risco de guerra comercial no mundo e a baixa votação de presidenciáveis “reformistas” no Brasil teriam contribuído para a desvalorização do real. No entanto:

1) moedas de países emergentes se moveram em direção contrária à do real. Não parece que um problema global tenha afetado o câmbio aqui;

2) candidatos preferidos pelos donos do dinheiro vão mal faz tempo, sem perspectiva razoável de mudança em breve;

3) os indicadores financeiros brasileiros começaram a azedar de leve desde meados do mês passado.

A relação entre diferenças de juros e dólar está nos manuais, mas não parece muito evidente quando se observa o comportamento histórico do câmbio, influenciado por um tumulto variado de fatores e por especulação, no curto e médio prazo. E daí?

Em janeiro de 2017, a diferença entre a taxa básica de juros de Brasil e Estados Unidos estava em 12,5 pontos percentuais, caindo para cerca de 5 pontos em março. Mas não mudou tanto assim neste ano.

Os dados de Julia Gottlieb indicam, porém, que o efeito da queda da taxa Selic no câmbio (“no dólar”) tende ser maior quanto menor a diferença entre juros aqui e lá fora. Em tese, portanto, essa diferença tenderia ainda a afetar o câmbio nos próximos meses, tudo mais constante.

O Banco Central deve fazer mais um corte na Selic, em maio, pelo menos. Os juros americanos vão continuar a aumentar. Caso a lerdeza econômica persista e a inflação continue baixa até 2019, pode ser que a Selic baixe ainda mais.

Quanto mais o dólar poderia se valorizar? As melhores casas do ramo do chute econômico informado não acreditam em dólar muito longe de R$ 3,30 no final do ano.

Em parte, estão influenciadas pela tranquilidade nas contas externas: déficit externo diminuto, financiamento e investimento externos abundantes, reservas internacionais ainda exageradas.

De resto, parecem acreditar que nenhum demente ou desafeto extremo do “mercado” vai ganhar a eleição, que a economia vai crescer pelo menos uns 2,5% e que a Selic para logo de cair, em maio. Parecem acreditar, pois, que a recuperação econômica volta com força no segundo trimestre (apenas teria prolongado as férias do verão frio de vendas e produção).

A recaída hipotérmica seria passageira. Não seria preciso levar os juros reais a zero. Devem cair a 2% em maio e por aí ficar. Lembre-se de que tivemos picos de juros reais de 9% em 2015, quando se viu que quebramos. Em abril de 2016, os juros básicos reais estavam em 6,6%; em abril de 2017, em 4,7%.

Olhando o mundo deste abril de 2018, são perspectivas otimistas, tanto a respeito da política quanto ao crescimento da economia.

A necessária segurança jurídica - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/04

Encaminhado para sanção presidencial, Projeto de Lei 7.448/2017 é sumamente importante e fixa regras claras para a aplicação do Direito Público


Aprovado pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 7.448/2017 foi encaminhado ao Palácio do Planalto para sanção presidencial. De autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), trata-se de um projeto sumamente importante, que fixa regras claras para a aplicação do Direito Público e, assim, contribui para uma maior segurança jurídica. Justamente por enfrentar com rigor jurídico temas considerados polêmicos, o PL 7.448/2017 vem recebendo críticas de quem deseja a manutenção de amplas e discricionárias margens interpretativas.

Recentemente, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), em conjunto com outras sociedades recreativas, solicitaram ao presidente Michel Temer o veto integral do PL 7.448/2017. Protestaram pela necessidade de aperfeiçoamento do texto, já que no debate ocorrido no Congresso não teria havido suficiente envolvimento dos “potencialmente envolvidos”. Desprovidos de melhores razões, os signatários dizem que, “acaso aprovadas as disposições (do PL 7.448/2017), a futura norma poderá servir como claro reduto para a impunidade”. Houve até quem dissesse que o projeto dificultaria o futuro da Lava Jato.

Não se vislumbra no texto aprovado pelo Congresso nenhuma conivência com a impunidade. O perigo sugerido pelas associações mais parece uma cortina de fumaça sobre a real finalidade do PL 7.448/2017, que é disciplinar a aplicação do Direito. O projeto acrescenta 11 artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), mais conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil, seu nome oficial até 2010. Trata-se de uma lei que regula a aplicação das outras leis. Ela fixa, por exemplo, a importante norma de que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

O PL 7.448/2017 estabelece critérios para a aplicação do Direito pelos agentes públicos. O seu primeiro artigo diz que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Trata-se de medida de elementar prudência, que reforça a imprescindível responsabilidade do agente público ao aplicar normas jurídicas indeterminadas. O assunto afeta, por exemplo, os contratos de concessões, com reflexos diretos sobre os investimentos no País.

O PL 7.448/2017 é de enorme bom senso. “A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”, diz o artigo 4.º do PL 7.448/2017. Só faltava que o agente público quisesse impor imediatamente novos deveres às partes simplesmente por haver mudado sua interpretação.

As resistências ao PL 7.448/2017 dizem muito sobre o ambiente institucional do País. Não se chegou ao atual grau de insegurança jurídica por acaso. Continua havendo muita gente convencida de que o cargo que ocupa dá direito a impor suas interpretações criativas, e muitas vezes excessivamente onerosas, aos demais. Seriam prerrogativas de sua função pública. O PL 7.448/2017 diz claramente que isso fere o bom Direito. Como afirmou Antonio Anastasia, “é preciso proteger pessoas, organizações, empresas e servidores contra incertezas, riscos e custos injustos. Ou melhoramos nosso ambiente institucional ou o Estado será um inimigo”.

O PL 7.448/2017 determina que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Ataca-se, assim, um problema frequente, que é a paralisia na tomada de decisões do agente público pelo receio de sua posterior responsabilização pelos órgãos de controle. A insegurança é prejudicial para todos. Deve, portanto, o presidente Michel Temer sancionar integralmente o PL 7.448/2017, com o qual o Congresso, cumprindo sua função constitucional, deu resposta precisa a uma grave deficiência.