domingo, fevereiro 25, 2018

As minúcias - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA -RS - 25/02

Todos sabem: chato é aquele que, ao ser perguntado se está tudo bem, não consegue responder simplesmente que está. Ele acha que a pergunta foi pra valer, então ele discorre sobre tudo o que tem passado e sobre como anda sem esperança na humanidade. Como avisá-lo, sem que ele se sinta ainda mais deprimido, que foi apenas um cumprimento e nada mais?

Minúcias a gente guarda para o nosso advogado. Ele certamente vai precisar delas para nos inocentar.

Minúcias podem ser reservadas também para a família, já que nossos pais e filhos adoram saber o que já aprontamos, aqueles segredos que só podemos contar depois que o crime prescreveu e tudo vira piada.

Por fim, minúcias são bem-vindas em livros, na defesa de teses e em consultas médicas. Em nenhuma outra situação que eu me lembre. Nem mesmo (e principalmente) em conversa ao pé do ouvido com seu amor. Não quebre o clima levando a conversa para muito longe de onde vocês estão.

Ao telefone, evite. Seu neto se machucou na escola? Tadinho. Pule rápido para a parte em que ele se recuperou e ficou tudo bem. Adote a presteza do WhatsApp. O quê? Você discursa pelo WhatsApp? Chegou de que planeta?

Minúcias em festas, nem pensar. Alugar um convidado com uma história comprida é uma inconveniência. As pessoas querem circular, dançar, e não saber detalhes da sua operação no joelho. Você não operou o joelho? Sério, acabou de fazer o caminho de Santiago de Compostela? Ótimo, condense a odisseia em seis minutos. Sete, se foi tão fantástico assim. E troque para outro assunto, a não ser que seu ouvinte pegue você pelo braço, leve-o até um canto e implore pelos pormenores.

Quando estamos falando sobre nós mesmos, é quase incontrolável fazer uma retrospectiva detalhada das nossas experiências, mas lembre-se que a maioria das pessoas prefere o compacto dos melhores momentos. É mais que suficiente.

Entendi, você não está falando sobre si mesmo, e sim sobre seu primo que foi casado com não-sei-quem, que ele conheceu numas férias não-sei-onde. Você está falando do seu professor de matemática da quarta série que tinha propensão a ter acne. Você está falando da sua tia-avó falecida que fazia ótimos bolinhos de chuva. Você está falando de pessoas que não tivemos a honra de conhecer - e falando por horas, sem que a história empolgue. Não se magoe, mas tente lembrar se você não teve um primo que ficou preso no elevador com a Madonna, uma tia-avó que traficava maconha dentro dos bolinhos de chuva, um professor que foi preso político. Se não teve, invente.

Conversar é uma delícia: trocar confidências, falar de sentimentos, opinar sobre o mundo, dar dicas culturais, narrar aventuras, contar episódios divertidos - a tarde inteira, a noite inteira. Mas se o assunto for de uma banalidade extrema, não especifique demais. A gente ama você, mas ninguém está com tanto tempo sobrando.

Somos fênix - LYA LUFT

ZERO HORA - RS - 25/02

A estranha ave lendária que se imolava no fogo e dele renascia é muito usada como metáfora de nosso próprio renascimento de horas ou fases muito difíceis.

Ninguém, eu acho, olhando sua vida, pode dizer que jamais teve esta sensação: "Agora, acabou; nada faz sentido". Ou: "Não vou aguentar". Ou: "Isso eu não vou poder suportar". Coisas desse gênero.

No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, como a perda de alguém muito amado, esperando ou até desejando o fim e a paz, um dia conseguimos levantar, somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto mais promissor.

Dali, podemos espiar o corredor, andar por ele quem sabe apoiados em alguém ou de bengala, e finalmente conseguimos respirar. "Estou respirando livremente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. Tenho para isso o resto da minha vida."

Tenho agora a força do pensamento de que o ser amado que se foi está em outra dimensão, outro registro, mas presente, gostaria que eu saísse da sombra da dor e voltasse a viver: em sua homenagem também, porque a vida deve ser vivida, merece ser vivida. Pessoas queridas nos ajudaram, confortaram, ou simplesmente foram uma presença bondosa e quieta. A gente sabia sem grande escarcéu: ele, ela, está ali para mim.

Estamos vivos. Saímos das próprias cinzas. Existe o mundo com suas belezas e crueldades, existem as pessoas com seus amores ou maldades, existem a loucura, a neurose, o rancor inexplicado, a violência e a guerra, mas também existe vida. Esse primeiro movimento para alguma claridade é como comprar uma flor e botar no vaso à nossa frente quando pouca coisa parece sobrar. E depois, a janela aberta sobre a floresta, ou o mar, ou o belo parque, a porta aberta para algumas pessoas especiais, porque multidão ainda não aguentamos. Essas que, longe ou perto, estiveram ao nosso lado ao redor da fogueira sabendo, torcendo para que a gente pudesse renascer do montinho de cinza em que tínhamos nos transformado.

Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, das coisas simples, daquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, daquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade - pois nem todos sabem, ou conseguem, grandes abraços e palavras, mas estão ali conosco. E tudo isso nos fez de novo viver.

A fênix incansável volta a andar, a abrir as asas, a tentar seu voo: isso somos, até que um vendaval mais forte nos carregue também. Em paz.

Não estranhe, são anomalias positivas - CELSO MING

ESTADÃO - 25/02

O mercado financeiro ignorou o novo rebaixamento da nota do Brasil na avaliação de risco após governo desistir da Previdência; por quê?

Na semana que passou aconteceram certas anomalias, preponderantemente positivas, que têm de ser levadas em conta por quem acompanha a economia e precisa reavaliar suas aplicações financeiras.

A mais notável delas foi a reação do mercado financeiro a novo rebaixamento da nota do Brasil na avaliação de risco, desta vez pela agência Fitch, divulgado nesta sexta-feira, 23.

Para quem não acompanha de perto essas coisas, algumas noções. Essas agências de avaliação de risco existem para apontar aos credores até que ponto uma dívida é confiável, ou seja, até que ponto ela poderá deixar de ser honrada. Se o rating do título do Tesouro do Brasil foi rebaixado é porque o risco de calote aumentou, no caso em mais um degrau. A principal razão desse rebaixamento já é conhecida. É a piora do estado de saúde das contas públicas do Brasil, quando ficou claro que a reforma da Previdência Social foi outra vez pro saco, sabe-se lá até quando.

O rombo da Previdência foi de R$268,8 bilhões em 2017 e não deverá ser menor neste ano. Pior do que o aumento do rombo é a falta de perspectiva para reduzi-lo. É uma situação que aumenta a sangria do Tesouro que, assim, será obrigado a aumentar a dívida pública, que caminha rapidamente para os 80% do PIB e de lá, para o que for.

Mas, como ficou mencionado, o mercado financeiro, onde são negociados e renegociados os títulos de dívida do Brasil, praticamente ignorou o acontecido. Por exemplo, em vez de subir, o dólar caiu em reais (veja o gráfico) e em vez de cair, a Bolsa fechou para cima e bateu novo recorde, atingiu os 87.293 pontos. Outro indicador de risco, o Credit Default Swap de 5 anos, contrato no mercado de derivativos que funciona como seguro contra o calote da dívida, em vez de subir, continuou baixando.

Essa quase indiferença não se explica apenas porque o rebaixamento já era esperado, mas, principalmente, porque os mercados estão atolados em impressionantes sobras de recursos para as quais os investidores não têm opções suficientes de aplicação. Essa situação não encerra o assunto. Bastaria, por exemplo, que os grandes bancos centrais se pusessem a retirar em doses mais altas o volume de recursos que estão zanzando mundo afora para que essa tolerância para com o Brasil ameace se esfumaçar.

Outro fato marcante desta sexta-feira foi nova demonstração de fraqueza da inflação. O IPCA-15 – que mede a mesma inflação em 30 dias, com a diferença de que esse período é medido da metade de um mês à metade do outro – mostrou um avanço de apenas 0,38%, bem mais baixo do que há um ano, quando atingiu 0,54%. No período de 12 meses, a inflação acumulada ficou nos 2,86%.

Isso indica que o avanço do custo de vida em 2018 pode ficar abaixo dos 3,81% esperados. Em termos práticos, o Banco Central passou a ter forte razão adicional para continuar a baixar os juros básicos, hoje nos 6,75% ao ano.

Perspectiva de juros mais baixos é, por si só, novo empurrão para que os administradores de patrimônio aumentem suas posições em ativos de risco, principalmente ações. Esta é uma das razões para que continue a valorização da Bolsa.

A outra razão que sopra ar quente para dentro do balão da Bolsa é o desempenho da atividade econômica – que não é uma anomalia positiva, mas passou um ritmo mais forte do que o esperado. Trata-se da evolução do Índice de Atividade Econômica do Banco Central, o IBC-Br, um indicador que pretende antecipar a tomada de pulso da atividade econômica. O que saiu foi o avanço do IBC-Br em dezembro de 1,41%, que aponta para 2018 um crescimento do PIB superior aos 3% projetados por tanta gente.

Se, apesar dos pesares, esse desempenho melhor se confirmar, muita coisa tende a melhorar: mais emprego, mais poder aquisitivo, mais crescimento da indústria e mais arrecadação.

Com a pizza não se brinca - UGO GIORGETTI

ESTADÃO - 25/02

Horário das 19h30 nas rodadas do futebol fazem torcedores ter de escolher entre o jogo e o consumo da iguaria


Gostaria imensamente de saber de qual mente terá surgido a ideia de programar partidas de futebol para as 19h30 de domingo. Esse horário me atormenta e não poderia imaginar hora mais imprópria, mais fora dos padrões do esporte, mais fora dos costumes da cidade do que essa. Por esse horário, aconteciam em São Paulo inúmeras atividades tradicionais, tais como missas, visita a parentes ou mesmo apenas o recolhimento no silêncio dos jardins e das varandas para usufruir dos últimos momentos de tranquilidade e descanso antes do recomeço das aventuras da semana. E, claro, entre elas sempre houve a sagrada pizza dos domingos.

Nunca se ouviu falar, em tempos em que tudo era ordenado pelos costumes arraigados, e não por interesses comerciais, de futebol jogado nesse horário.

Futebol era na tarde de domingo, e os jogos acabavam a tempo de as pessoas cumprirem seus rituais de anos. Hoje quase todos os horários fixados por usos e costumes do futebol já foram aviltados. Falta só marcar jogos nas madrugadas. Não duvido que numa cidade de milhões de habitantes haja insones capazes de lotar o Morumbi.

Isso não me diz respeito, mas o ultraje feito à pizza de domingo me incomoda. O que me irrita é que, num verdadeiro desrespeito à cidade, são jogos do Paulista! Concluo que quem está organizando o futebol e determinando jogos às 19h30 de domingo não é paulista. Fosse paulista pensaria duas vezes antes de bater de frente com a pizza.

Do jeito que as coisas estão colocadas, ou você perde a pizza ou perde o jogo. Conciliar os dois prazeres não é possível. Me falam que na maioria das pizzarias há telões mostrando os jogos. Não vejo vantagem porque ou a pizza é alguma coisa sagrada ou é o jogo que é. Um não pode conviver com o outro. É impossível saborear uma pizza e saborear ao mesmo tempo uma bela jogada. É impensável deixar a pizza esfriando no prato porque a bola insiste em não sair da área do seu time.

Pizzarias deviam pensar duas vezes antes de colocar telões, aliás, colocar qualquer coisa que, por ruído ou imagem, distraia alguém que está diante de sua pizza. A pizzaria que faz isso está desvalorizando o próprio produto, isto é, pensando em dar alguma compensação extra ao cliente que come o que produziu. Uma boa pizza não precisa de compensação alguma, fala por si.

Por isso ouso dizer que pizza deve ser comida em casa, com a televisão desligada e toda atenção dedicada exclusivamente ao prato fumegante.

Não posso aceitar ser expulso de minha casa, abdicando, portanto, de ver o futebol, para poder comer minha pizza dominical. Esse horário está me privando de um de dois grandes prazeres da minha vida, me obrigando a escolher entre um e outro, numa réplica semanal de uma escolha de Sofia que atribuo a algum preguiçoso burocrata que possivelmente come mecanicamente e sem se dar conta um pedaço de pizza medíocre e frio, nas horas mortas em que, fazendo horas extras, num escritório sombrio da Federação, lhe ocorre ideias do tipo.

Trêmulo faço minha escolha irrevogável e não sei quantos teriam minha coragem: abandono meu time em casa, televisão apagada, sala deserta, e escolho a pizza. Saio de coração pesado, mas decidido e não pretendo fazer concessões. Já que é pizza, pizza será, e só pizza. Nem passo diante das pizzarias dos telões.

O futebol, para mim, a acaba às 19h30 do domingo quando, “as mãos pensas”, sou obrigado a me encaminhar para as venerandas, civilizadas pizzarias onde não há futebol nem telão. Em Higienópolis há uma, pelos lados das Perdizes outra. Uma terceira no obrigatório Bixiga, a última, antiga e venerável, no Brás. São minhas preferidas e ganharão sempre, até do futebol. Não se brinca com a pizza de domingo.

Em 1968, ano de fatos marcantes na história, também se jogava futebol - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 25/02

Muitos pedem a volta do esporte à sua essência; é um discurso sedutor, mas fora da realidade

Em 1968, 50 anos atrás, Chico Buarque escreveu a peça Roda Viva. Foi o ano também do Álbum Branco, dos Beatles, do assassinato de Martin Luther King, de grandes protestos pelo mundo, do famigerado AI-5, imposto pela ditadura brasileira, da invasão da Tchecoslováquia pela URSS, dos Jogos Olímpicos do México e de tantos outros fatos marcantes da história.

Em 1968, também se jogava futebol. O Cruzeiro foi tetracampeão mineiro, época em que os estaduais eram os campeonatos mais importantes. A seleção, sem Pelé, que viajava pelo mundo com o Santos, fez uma longa excursão por vários continentes. A estreia foi contra a Alemanha. Perdemos por 2 a 1. Poderia ter sido 4 a 1 ou mesmo 7 a 1.

O Brasil repetiu o sistema tático do fracasso de 1966, com apenas dois no meio-campo e quatro na frente, com enormes espaços entre os setores. Nas copas de 1958 e 1962, vencidas pelo Brasil, houve uma variação do 4-2-4, pois o ponta Zagallo, quando o time perdia a bola, voltava para formar um trio no meio-campo (4-3-3). Rivellino fez o mesmo em 1970.

No dia seguinte à derrota para a Alemanha, eu, Gérson e Rivellino decidimos mudar o sistema tático, sem avisar o técnico Aymoré Moreira, campeão do mundo em 1962. Formamos um trio no meio, com Gérson, mais recuado e centralizado, eu, pela direita, e Rivellino, pela esquerda. Demos um show, e Aymoré foi bastante elogiado. Nas outras partidas, atuamos da mesma maneira, com bons resultados e atuações.

Jogamos também contra Portugal, em Moçambique, que era colônia portuguesa. Uma multidão não saía do hotel e corria atrás do ônibus da seleção, gritando: "Pelé, Pelé"! Não sabiam da ausência do Rei. Os empresários não devem ter dito, para vender mais ingressos. No jogo, o estádio estava vazio. O ingresso era muito caro. Os pobres africanos não viram a partida nem Pelé.

O mundo e o futebol se transformaram nos últimos 50 anos. Muitos pedem a volta do futebol brasileiro à sua essência. É um discurso sedutor, romântico e que dá audiência, mas fora da realidade. Além disso, o futebol arte, bem jogado, não acabou. Está presente nos melhores jogadores brasileiros na Europa, amparados por estruturas coletivas modernas, dos clubes e da atual seleção.

Vi muitos times e seleções excepcionais, mas poucos foram os revolucionários, que influenciaram a maneira de jogar de um país e do mundo.

A seleção inglesa de 1966 foi a primeira a formar duas linhas de quatro e dois atacantes, sistema cada dia mais atual, com muita velocidade e intensidade para a época. A brasileira de 1970, pelo talento individual e por ser o primeiro time brasileiro a defender e a atacar com muitos jogadores. A holandesa de 1974, o início da marcação por pressão por todo o campo, sem posições fixas. O Barcelona, dirigido por Guardiola, por priorizar a troca curta de passes, o domínio da bola e do jogo e o futebol bonito e eficiente.

Repito, a melhor estratégia é a que possui jogadores com mais talento. Um leitor acrescentou que, quanto melhor o conjunto, mais brilham os craques. Os dois conceitos se completam. Talento individual e coletivo precisam andar juntos.

O mesmo deveria ocorrer na sociedade. Temos de buscar nossos desejos individuais, com respeito às regras e necessidades coletivas. Somos apaixonados e racionais, ambiciosos e solidários. Somos humanos.

Eleição à vista - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 25/02

Oxalá na próxima eleição nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica

Iniciou-se o ano e, após a Copa do Mundo da Rússia, o tema mais importante de 2018 será a eleição.

É muito importante que, diferentemente do que ocorreu em 2014, o debate entre os políticos seja o mais aberto e franco possível.

Naquela oportunidade, eu participei do grupo que apoiou o senador Aécio Neves e, portanto, tenho minha parte de responsabilidade no processo. O maior erro que todos nós cometemos foi esconder da sociedade a situação fiscal dramática em que nos encontrávamos.

Eu, com meus erros, fui partícipe dessa empulhação. Não me regozijo.

Há dois enfoques totalmente distintos a serem considerados nesse tema. Primeiro, o tradicional debate esquerda versus direita.

A esquerda deseja carga tributária elevada e a construção de um Estado de bem-estar social para auxiliar as pessoas a viver e sobreviver em um mundo que muda e em que o risco é enorme. Para alcançar esse objetivo, a esquerda está disposta a elevar a carga tributária.

A direita considera que elevações da carga tributária podem ter fortes impactos sobre a eficiência e o incentivo ao trabalho, à inovação, ao esforço e à poupança. Podem, portanto, gerar no longo prazo baixa taxa de crescimento da produtividade, estagnação e, no limite, regressão econômica.

Ambos têm razão. A sabedoria do eleitor vai determinar qual projeto melhor se adéqua às necessidades de nossa sociedade no presente momento.

Esse é o debate normal entre uma economia mais liberal e a construção de um Estado de bem-estar social.

Há outra dimensão em que os projetos políticos que têm sido oferecidos à sociedade diferem. E essa distinção não está associada à disjuntiva equidade versus eficiência.

Há diferentes entendimentos entre os profissionais brasileiros de economia sobre o impacto do planejamento e da interferência estatal no processo de desenvolvimento econômico.

A divergência ocorre com relação ao papel do intervencionismo estatal no desenvolvimento econômico. Diversos economistas heterodoxos brasileiros pensam que a Coreia do Sul, por exemplo, cresceu porque o Estado interveio fortemente no espaço econômico. Em razão desse entendimento, entre 2006 e 2014, as seguintes medidas foram tomadas:

Capitalização do BNDES em R$ 400 bilhões; tentativa de reviver a indústria naval; desastrosa gestão da Petrobras, que elevou o endividamento a mais de cinco vezes a geração de caixa; alteração do marco regulatório do petróleo; intervenção desastrosa no setor elétrico, que, segundo esta Folha, deixou conta de R$ 90 bilhões; proteção do programa Inovar-Auto a uma indústria infantil há 60 anos; insistência nos anacrônicos requerimentos de conteúdo nacional; incapacidade de o governo petista encaminhar os problemas da nossa infraestrutura deficiente; a tentativa frustrada, que muito custou à CEF e ao BB, de baixar na marra o spread bancário; a tentativa frustrada de baixar na marra a Selic; a manipulação das contas públicas; as desonerações desastradas que tanto custaram ao Tesouro; a tentativa frustrada de combater a inflação congelando preços de serviços de utilidade pública; e uma longuíssima lista de erros primários de condução de política econômica.

Note que nessa lista encontram-se erros (ao menos ao meu juízo) de formulação de política econômica que não estão associados à disjuntiva equidade versus eficiência. São erros que estão associados a um entendimento equivocado da forma como funciona uma economia de mercado.

Oxalá no próximo processo eleitoral nós estejamos exorcizados dos erros básicos de política econômica e nos concentremos no fundamental do debate político.

A desconfiança social - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO/ESTADÃO - 25/02

Nossos índices de ‘confiança social’ (capital cívico) são vergonhosamente baixos


No Brasil, as pessoas não confiam umas nas outras, e menos ainda nas instituições. A família e os amigos se salvam e olhe lá. No governo, então, nem se fala. Deve ser por isso que somos os líderes mundiais na produção de advogados.

Em avaliações comparativas com outros países, nossos índices de “confiança social” (“capital cívico” ou, em inglês, “social trust”) são vergonhosamente baixos, e o surto recente de corrupção na política certamente piorou as coisas.

É verdade que o Judiciário funcionou, ainda que não homogeneamente, e qualquer pequena sensação de impunidade funciona como a janela com vidros quebrados, um mau exemplo que convida à transgressão.

Mas não se deve perder de vista que as raízes desse fenômeno de “desconfiança social” se estendem para bem longe no passado, alcançando a época da “nação mercantilista”, conforme a expressão de Jorge Caldeira.

A história parece demonstrar que o Estado coletor de impostos, o maior de todos os rentistas, surge antes mesmo da Nação e vai sofrendo metamorfoses que apenas vão reforçando o conceito de que o Estado é um fim em si mesmo, ou uma cabeça cada vez maior que o corpo, uma criatura permanentemente preocupada em encontrar novas formas de atuar e crescer, como um parasita buscando ser maior que seu hospedeiro.

A hipertrofia do Estado não distingue classes, pois trata de multiplicar atribuições decorrentes de desconfiança, quando não a hostilidade, relativamente ao capital e também quanto ao trabalho.

Com relação à empresa basta lembrar que somos o último colocado, em uma amostra de 190 países, quando se trata do tempo que uma empresa média gasta para cumprir suas obrigações tributárias, as principais e as acessórias.

É como se o Estado estivesse dedicado a punir os empreendedores, esses personagens que teimam em produzir riqueza, pois eles estariam permanentemente empenhados em ocultá-la do Fisco. O tratamento é duro. O cotidiano da pequena empresa diante da fiscalização predial, tributária, ambiental ou sanitária é o de quem não sabe se vai voltar para casa inteiro.

É como se o Estado estivesse ali, jamais para melhorar o ambiente de negócios e trabalhar pela comunidade, mas para oprimir empresas privadas que existem apenas para pagar impostos e obedecer.

Pelo lado do trabalho a desconfiança se manifesta em outro formato. Parte-se da idealização de uma sociedade dividida (patrão/empregado) e cria-se o conceito que a “parte menos favorecida” é incapaz de decidir sua própria vida e precisa ser tutelada.

Para garantir essas e outras milhares de regras, o Estado cria, então, estruturas gigantescas que tornam desnecessárias as combinações particulares, pois qualquer contrato de trabalho sempre poderá ser desfeito e refeito na Justiça do Trabalho.

Para que serve o contrato e a confiança que as partes depositaram nesse instrumento? Não é claro que esse sistema fomenta a desconfiança e incentiva a litigância que, por sua vez, requer mais tribunais para resolver? Em vez disso, a regulação do trabalho não deveria promover o emprego e a produtividade qualquer que fosse o caminho escolhido pelas partes?

Esses tribunais custaram R$ 17 bilhões em 2016 (o equivalente a 0,27% do PIB). O valor é mais do que toda a Justiça do Reino Unido precisa para funcionar. E pior: o que está em jogo é bem menos do que custa o mecanismo.

No ano de 2008 tínhamos 16 milhões de ações na Justiça do Trabalho, cujo valor médio era de cerca de R$ 15 mil. O custo total da própria Justiça naquele ano foi de R$ 9,1 bilhões, ou seja, cerca de R$ 57 mil por processo.

As legislações tributária e trabalhista parecem guiadas por um contrato social equivocado, fundado na desconfiança mútua, e que leva a um equilíbrio ruim, pelo qual os incentivos estão errados (a desconfiança produz transgressão, ambas se reforçando) e a única lógica discernível é a que leva ao crescimento do número de funcionários públicos.

Está mais do que na hora de mudar o paradigma.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

Só o instinto nos salva - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 25/02

As reformas virão. Pelo caminho da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência


A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará.

No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico.

E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus.

A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo.

No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos.

Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva.

O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima.

Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos.

Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência.

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor do livro ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)

Prefeita que não foge à luta - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 25/02
Em Pelotas, prefeitura criou Secretaria de Segurança Pública, assumindo responsabilidades

Paula Mascarenhas é professora da Universidade Federal de Pelotas, tem 48 anos e em 2016 elegeu-se no primeiro turno prefeita da cidade, com 59% dos votos. No primeiro ano de governo, tomou uma medida da qual todos os prefeitos do Brasil fogem como o diabo foge da cruz: criou uma Secretaria municipal de Segurança Pública. Paula acrescentou um novo problema à sua agenda, passando a compartilhar com o estado obrigações e responsabilidades sobre a segurança dos cidadãos de Pelotas.

Polêmica? Claro que a decisão causou polêmica em Pelotas, sobretudo entre os partidos de oposição. Paula, que foi do PPS e elegeu-se pelo PSDB, não arredou o pé, sustentando que as cidades não podem deixar de participar do esforço público para dar segurança aos cidadãos. O futuro da segurança no Brasil, segundo a prefeita, passa pelos municípios. E em Pelotas os resultados já podem ser medidos.

Em agosto do ano passado, a prefeita lançou o Pacto Pelotas Pela Paz, construído pela prefeitura com as participações da Brigada Militar, das polícias Civil, Federal e Rodoviária, do Exército, do Ministério Público e do Poder Judiciário, além da comunidade. Paula diz tratar-se de um grande entendimento entre o poder público e a sociedade civil para uma ação que articule prevenção social, fiscalização administrativa, repressão policial, tecnologia e urbanismo.

Um código de conduta municipal está sendo elaborado para reduzir ao mínimo possível os pequenos crimes, para os quais ninguém dá muita importância, diz a prefeita. Coragem não falta a Paula Mascarenhas. Esta determinação contribuiu para o carnaval deste ano não registrar nenhum Boletim de Ocorrência policial. Fato inédito na terceira maior cidade do Rio Grande do Sul. O exemplo de Pelotas poderia servir às grandes cidades, como Rio e São Paulo? Veja o que diz Paula Mascarenhas.

Você municipalizou a Segurança Pública?

Não. O governo federal tem um papel inalienável, o governo do estado tem as forças de Segurança. O que eu defendo é que o município se envolva. Que não lave as mãos, como é tradicional no discurso dos prefeitos, isso não é comigo. Segurança Pública não é só polícia correndo atrás de bandido. Nós precisamos de trabalho de prevenção, de fiscalização, trabalho de sensibilização da sociedade para que ela cumpra também o seu papel. A reinserção dos presos na comunidade também passa por políticas municipais.

A comunidade apoiou o seu plano?

A sociedade de Pelotas estava num momento de maturidade para isso, para um plano municipal de Segurança, e tem um bom envolvimento no projeto. Eu tive também o apoio importante dos empresários, das universidades, mas, claro, existem focos de resistência. Quando a gente propõe um código de convivência que pretende proibir o consumo de álcool em via pública depois das dez horas da noite, por exemplo, encontramos oposição em jovens estudantes, em movimentos políticos. Claro que, quando propomos mudanças, mesmo com amplo debate da comunidade, nós vamos ser mais cobrados. Mas quem entra na política para não ser cobrado está na área errada, não é?

Este projeto funcionaria em cidades grandes como Rio e São Paulo?

Eu acho que sim. Funciona até mais em cidades grandes. Temos exemplos, como Nova York, que é uma inspiração para nós na questão do combate aos pequenos delitos, por exemplo. Bogotá e Medellín, que são cidades que fizeram a sociedade acordar, puxaram o empresariado e conseguiram fazer um projeto integrado. Qualquer cidade pode se envolver com a segurança de seus cidadãos. E deve.

E a última pergunta. Você não cogita transferir o seu domicílio eleitoral para o Rio?

(Risos). Eu amo o Rio de Janeiro. É uma das cidades do mundo que mais me atrai, mas não, eu tenho um desafio lá em Pelotas que já é muito grande para mim (Risos). Muito obrigada pela pergunta.

FH EM COLOMBEY
Um bom amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que é excesso de vaidade que o faz interferir tanto na política nacional e, mais ainda, na política interna do PSDB. Um homem que foi duas vezes presidente da República devia se aposentar; FH podia buscar uma Colombey-les-Deux-Églises para si, disse o amigo, referindo-se à cidade para onde o general Charles de Gaulle se recolheu depois de deixar a presidência da França.

MEDIDA ELEITORAL
Quando alguns acusaram o presidente Temer de ter feito a intervenção na Segurança do Rio por interesse político, já que estava prestes a perder a reforma da Previdência e dar por encerrado o seu mandato, achei que não seria possível. Mas aí o marqueteiro Elsinho Mouco disse ao Bernardo Mello Franco que, se o clima melhorar no Rio, Temer pode até ser candidato à reeleição. Agora não tenho mais dúvida, perdeu-se mesmo um parafuso no Palácio do Planalto.

MEDIDA ELEITORAL 2
Só falta agora Temer mandar um projeto para o Congresso descriminalizando o uso da maconha. Seria medida importante para reduzir a criminalidade nas grandes cidades. O combate ao tráfico de drogas mata mais gente que overdose e custa mais caro que recuperação de viciados. Mas não acho que ele tenha tanta coragem.

A MÁQUINA
É incrível a desenvoltura com que os políticos se referem à máquina eleitoral. Não se trata de nenhum equipamento, nenhum artefato, nenhum engenho, mas sim da estrutura pública que é usada em campanhas pelos que detêm o seu controle. Desde o presidente da República, passando por governadores, ministros, presidentes e diretores de empresas estatais, até os prefeitos e seus secretários, todos têm máquina. Por isso, aliás, políticos com pouca ou nenhuma densidade eleitoral têm sempre chance de ganhar.

AS PROIBIÇÕES DO MST
No acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Itatiaiuçu (MG), visitado por Lula na quarta-feira, um faixa explicava aos visitantes o que era proibido ali. Armas de fogo, bebidas alcoólicas e drogas, nem pensar. Andar com facão, só à noite. O MST também não autoriza que as pessoas vistam roupas inadequadas e andem sem camisa. Tampouco permite o uso de veneno, mas nesse caso deve ser apenas na lavoura.

RELER PARA NÃO ESQUECER
A última notícia da terra de Maduro é que os venezuelanos perderam em média 11 quilos em 2017 por não ter acesso a comida. No ano anterior, a perda média fora de 8,7 quilos. Mais dramático que isso é a constatação de que mesmo gente empregada, com salário, mas que não encontra produtos nos supermercados, revira lixo para tentar encontrar sobras que ainda sirvam para alimentar a si e à sua família.

PAU NA BUROCRACIA FISCAL
Projeto de lei apresentado semana passada pelo senador José Serra quer mudar um artigo do Código Tributário Nacional para reduzir drasticamente o número de horas e de pessoas usadas por empresas para obtenção de certidões negativas de débitos. Hoje, as empresas gastam em média 600 horas por ano para emitir, manter e renovar certidões, e alocam até três funcionários exclusivamente para este fim. Com a simplificação proposta, uma certidão de débito valerá para todas as finalidades, inclusive para concessão de benefício fiscal.

Nem inferno, nem céu - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 25/02

Michel Temer deu uma cambalhota, mas nem por isso vira santo ou candidato

O presidente Michel Temer deu uma cambalhota. Deixou de ser o presidente mais impopular desde a redemocratização, sem horizonte e carregando nas costas o defunto da reforma da Previdência, para passar a ser o presidente que interveio no Rio de Janeiro, deflagrou uma guerra à violência e passou até, vejam só, a ser considerado candidato a um novo mandato.

Nem ao inferno, nem ao céu. Temer enfrentou uma pedreira desde o impeachment de Dilma, com a pecha de golpista e as denúncias de Rodrigo Janot, e sacou a arma que sabe manejar bem: a negociação com partidos e políticos, chegando a excrescências como nomear, e desnomear, Cristiane Brasil, sob intenso tiroteio da mídia e com o Ministério do Trabalho vago. Nem por isso era o diabo.

Mas também não vai virar santo – ou candidato –, de uma hora para outra, só com a intervenção na segurança. Apenas ganha fôlego, possivelmente alguns pontos nas pesquisas e discurso para enfrentar os áridos meses até a eleição e a passagem de cargo, com os holofotes nos candidatos, não num governo nos seus estertores.

Antes da intervenção, Temer só entrava mal na mídia. Com a intervenção, entra na boa e ganhando colunas, notinhas e análises sobre uma possível candidatura. Na eleição, tende a sair das manchetes, minguar, tendo de fugir de denúncias e dos malfeitos de companheiros do PMDB e de assessores no governo. Portanto, das páginas policiais.

O que dizer do encaminhamento de Gustavo Perrella como futuro ministro dos Esportes? Não é aquele famoso pela apreensão de um helicóptero da família com cocaína no Espírito Santo? Agora, Temer não tem mais a desculpa de ter de ceder tudo, anéis e dedos, por três ou quatro votinhos a mais para a Previdência. Livre, ele pode escolher melhor, certo? Sua própria equipe acreditava nisso.

E Henrique Meirelles? Presidente do Banco Central de Lula, ileso no desastre Dilma e ministro da Fazenda de Temer, ele só deixou o primeiro time do BankBoston e voltou ao Brasil com uma única ideia fixa: ser presidente da República. Faltou combinar com os adversários. E com ele próprio, sua falta de jeito e de talento para a política.

Além disso, Meirelles pode capitalizar os avanços positivos na economia, com previsão de crescimento acima dos 3% em 2018, inflação e juros historicamente baixos e balança comercial animada, mas... a pior herança de Dilma foi a cratera fiscal e isso continua sem solução. E teve azar. Sem ter quem lançá-lo, ele decidiu lançar-se. No mesmo dia, a agência Fitch rebaixou a nota do Brasil pela falta da reforma da Previdência e de perspectivas de sair do atoleiro fiscal.

É assim que o governo que não tinha nenhum candidato passou subitamente a ter dois, mas nenhum deles é capaz de convencer de que tem as condições de decolagem, voo seguro e pouso garantido. Tudo pode mudar, mas a expectativa é de que se gaste muita tinta e gogó com as candidaturas Temer e Meirelles para nada. Assim como se gasta com as de Lula, ficha suja, e Jair Bolsonaro, aquele que faz que vai, mas não vai.

Além deles, João Doria não deu para o gasto, Luciano Huck roeu a corda, ninguém mais fala em Rodrigo Maia, Marina Silva faz campanha escondida, Ciro Gomes ainda não foi assimilado pelo PT, Álvaro Dias é regional. Enquanto o centro e a direita vão de voo de galinha em voo de galinha e a esquerda está imobilizada pelo fator Lula, Geraldo Alckmin vê a Lava Jato avançando pelas searas do PSDB justamente no ano eleitoral. Ele tem as condições objetivas e trabalha com afinco para consolidá-las, aguardando pacientemente o apoio do Planalto. Mas precisa sobreviver e garantir as condições subjetivas: Alckmin precisa alavancar Alckmin.

Tiranos de estimação dos intelectuais - JOSÉ LUIZ ALQUERES

O GLOBO - 25/02
Albert Camus, o maior romancista francês de meados do século XX, teve a coragem de deixar o Partido Comunista, chocado com as atrocidades e a corrupção de Stalin

Recentemente observamos a evasão de intelectuais das bancadas de partidos ditos de esquerda. Uns saíram cabisbaixos, procurando não chamar a atenção. Pouquíssimos saíram apontando os erros, as distorções e, especialmente, a traição aos ideais do partido perpetrada por seus principais dirigentes.

Não é um fenômeno novo tal debandada no momento em que militantes descobrem a verdade nua e crua: dedicaram-se a estruturas e filosofias viciadas, corruptas e desumanas. Albert Camus, o maior romancista francês de meados do século XX, teve a coragem de fazer isso ao deixar o Partido Comunista, chocado com as atrocidades e a corrupção de Stalin. Sartre ficou pateticamente a repetir palavras de ordem de Moscou.

Há que se destacar que essa coragem de enfrentar o patrulhamento de ex-colegas de partido é tão digna quanto rara. Um intelectual a serviço de causa política e por ela fanatizado — ou preso por interesse/conveniência — é o que mais vemos por aí.

Esquecemos Platão. Este, estabelecido com sua Academia e reconhecido como o maior filósofo de Atenas, é atraído pelo convite de um amigo influente para se estabelecer na cidade de Siracusa, onde havia sido alçado ao poder um jovem tirano chamado Dionísio. Tal governante parecia muito aberto a se transformar no “rei-filósofo” que Platão preconizava em sua famosa obra “A república”.

Seduzido pela proposta, Platão vai a Siracusa por três vezes ao longo dos seguintes dez anos com a esperança de fazer de Dionísio a encarnação do rei-filósofo descrito em sua teoria ou, na pior hipótese, orientá-lo para que governasse com justiça. Em vão! O que Platão conseguiu foi reforçar em Dionísio seu caráter tirânico, “camuflando-o” com tintas filosóficas.

Contrariamente ao que fez Platão — que publicamente repudiou o horror que se tornara Siracusa sob o regime de Dionísio —, hoje intelectuais “profissionais” abraçam e defendem regimes totalitários, mesmo após a exposição pública das barbaridades cometidas, dos resultados adulterados e do seu legado tenebroso.

No seu excelente livro “A mente imprudente”, Mark Lilla constata que Dionísio ressurge ao longo da história. No século XX nós o vemos sob vários diferentes nomes: Lenin, Stalin, Hitler, Mussolini, Mao, Castro, Trujillo, Chávez, Maduro e outros. Eles existem em todas as variantes de socialismo, fascismo, comunismo, sempre amparados pela corrupção e pelo populismo. Naturalmente, cercados de seus intelectuais filotirânicos.

O Brasil não foge a esta regra, e nossa história é rica de tiranetes e seu séquito de intelectuais, que procuram ajudá-los a criar o respaldo retórico para a prática do mal (com a cínica e delirante justificativa que visam ao final alcançar o bem, e os fins justificam os meios ). Precisam ler mais Platão e ter a sua mesma honestidade intelectual.

São poucos os que têm a dignidade, como outrora Camus e, entre nós, Fernando Gabeira, de reconhecer erros e apontar caminhos. Ele, que no passado lutou contra o regime militar, reconhece que não era para instituir um regime democrático, como antigos colegas hoje, oportunisticamente, gostam de proclamar, mas sim para implantar outro tipo de regime tirânico, a “ditadura do proletariado”, de triste legado onde vicejou.

José Luiz Alquéres é conselheiro da Associação Comercial do Rio de Janeiro

A população do Rio merece ter paz - Há filmes em que as pessoas torcem pelo bandido. No Brasil, isso ocorre na vida real - CARLOS AROUCK

GAZETA DO POVO - PR - 25/02

Há filmes em que as pessoas torcem pelo bandido. No Brasil, isso ocorre na vida real, como se os bandidos fossem as verdadeiras vítimas


A Câmara dos Deputados e o Senado confirmaram a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. O decreto assinado pelo presidente Michel Temer teve 340 votos favoráveis e 72 contrários na Câmara, e 55 a 13 no Senado. O Exército irá assumir a segurança pública do estado, com responsabilidade sobre as polícias, os bombeiros e a área de inteligência, inclusive com poder de prisão de seus membros. O interventor será o general Walter Braga Netto. Ele, na prática, vai substituir o governador do Rio na área de segurança pública.

No momento em que a temática da segurança pública começou a ser pauta prioritária nos discursos de políticos, especialistas e da imprensa, houve um primeiro ensaio de emprego das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio. Desde essa época, por volta de 2010, essa já parecia ser a única alternativa possível no combate às facções criminosas ligadas ao narcotráfico e a outras atividades criminosas. Sem apoio dos órgãos policiais, que boicotavam sistematicamente a iniciativa do governo federal ao considerá-la uma intromissão, optou-se agora pela intervenção propriamente dita, quando há subordinação de todos os que atuam na segurança pública aos militares. A própria Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro mantinha uma colaboração pífia, motivo de muitas reclamações dos responsáveis pela GLO.

Será que pode ser falso o motivo para intervir em uma cidade que tem um aplicativo para avisar sobre tiroteios?


A opinião pública, cansada da insegurança, do medo e de levar a culpa pelo fracasso do atual modelo de segurança, se mostra favorável à medida. Os cidadãos não suportam mais conviver com tiroteios, assaltos e mortes por motivos torpes. Não há respeito nem pelos muito idosos, pelas mulheres grávidas, pelas crianças. Ao contrário, tudo desperta a ira dos que portam suas armas ilegalmente para fazer o ganho do dia por meio do crime. Morre-se por causa de um celular ou por não ter o celular, não há salvação.

A experiência no Rio certamente será um projeto-piloto. Se os resultados forem bons, outros estados seguirão pela mesma linha. O emprego da intervenção federal é necessário como um último recurso na resolução de problemas da segurança pública, enquanto, paralelamente, devem ser adotadas políticas saneadoras para mitigar a situação caótica dos estados na questão da proteção de sua população.

A politização do tema distorce a tentativa de solucionar o problema da insegurança no Rio de Janeiro e não leva em conta o sofrimento da população. Por que alguns partidos, como o PSol, entraram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a votação da intervenção na Câmara dos Deputados, mas nada fizeram, como políticos representantes do povo, para resolver o problema da segurança pública, que se arrasta há anos? Por que algumas ONGs estão criando grupos para fiscalizar a ação militar em vez de fiscalizar as atividades dos criminosos? Por que professores doutores de Direito criticam a intervenção e se mostram preocupados com a possibilidade de abusos cometidos por membros do Exército permanecerem impunes, enquanto a impunidade reina soberana nas vidas das pessoas de bem que perderam seus entes queridos em uma ida ao supermercado ou na volta da escola?

Está tudo invertido em nosso país. Há filmes em que as pessoas torcem pelo bandido. No Brasil, isso ocorre na vida real, como se os bandidos fossem as verdadeiras vítimas. Chegou a hora de todos se posicionarem de forma consensual contra os maus. A comunidade intelectual manifesta o tempo todo seu repúdio à medida, alegando “falsa motivação”. Será que pode ser falso o motivo para intervir em uma cidade que tem um aplicativo para avisar sobre tiroteios? “Fogo Cruzado” mapeia as regiões metropolitanas fluminenses onde ocorrem disparos de armas de fogo e alerta seus usuários. O fim de semana do carnaval deste ano registrou 46 tiroteios contra 17 no ano passado – um aumento de 170%. Nem a maior festa da Cidade Maravilhosa tem sucesso em colocar uma pausa na violência. O Fogo Cruzado registrou ainda 348 tiroteios/disparos de arma de fogo nos arredores das Linhas Vermelha e Amarela entre julho de 2016 e janeiro de 2018. Ou seja, turistas que descem no aeroporto e são obrigados a passar por essas vias correm o risco de encontrar em seu caminho uma bala perdida. Para mim, esse cenário é de guerra. Se isso não for motivo suficiente, então não sei o que será.

Termino citando a cantora carioca Fernanda Abreu: “ Rio 40 graus / Cidade maravilha / Purgatório da beleza e do caos (...) O Rio é uma cidade de cidades misturadas / O Rio é uma cidade de cidades camufladas / Com governos misturados, camuflados, paralelos / Sorrateiros, ocultando comandos”.

Carlos Arouck é agente de Polícia Federal, com formação em Direito e Administração e especialização em Gerenciamento Empresarial, e ex-instrutor da Academia Nacional de Polícia.

Carta Magna - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 25/02

O rei Ricardo Coração de Leão da Inglaterra morreu na França em 1199, aos 41 anos. Sua morte prematura não deveria surpreender. Ricardo passou boa parte da sua vida em meio a batalhas, nas cruzadas ou em disputas pela Normandia com o rei Felipe Augusto de França. Foi sequestrado pelo duque da Áustria e liberado um ano depois, após o pagamento de um regaste equivalente a mais de duas vezes a renda anual da coroa.

As aventuras militares custavam caro e as seguidas aventuras do rei foram financiadas com impostos crescentes sobre seus súditos. Os registros indicam uma arrecadação anual 40% maior do que a recebida por seu pai, Henrique 2º, que já havia aumentado significativamente os tributos em seu mandato.

Ricardo foi sucedido por seu irmão, João Sem Terra, que compartilhava a brutalidade e estratagemas de seu irmão e de seu pai para controlar e obter recursos de seus súditos, mas nenhum de seus méritos ou a admiração dos súditos. Apesar da história registrá-lo como bom administrador, João era considerado cruel e mesquinho, sendo detestado pelos barões, segundo os relatos. Sua autoridade arrogante decorria do cargo, não das conquistas em batalha, e, previsivelmente, revelava-se intimidado quando agredido.

Felipe Augusto compreendeu a fragilidade de João e ocupou terras em França até então sob domínio inglês. Daí para a frente, foi ladeira abaixo. Enquanto a Inglaterra se encolhia, João aumentava o confisco de tributos dos seus súditos, alterando as normas e perseguindo os barões que o desafiavam. A arrecadação anual cresceu 30% durante o seu mandato.

Inadvertidamente, João iniciou a revolução que, séculos depois, resultou no Estado de Direito da democracia ocidental. Em 1214, barões ingleses iniciaram uma guerra civil contra o rei. Derrotado, João foi forçado a assinar a Carta Magna, essencialmente um contrato entre o rei e os seus súditos com muitas cláusulas, como a que estabelece que o rei não prenderá nenhum homem sem julgamento nem aceitará pagamento por decisão judicial.

O rei não mais poderia usar do confisco para fragilizar adversários, e várias restrições foram criadas para limitar a cobrança de impostos, que deveriam ser aprovadas pelo que mais tarde ficou conhecido como Parlamento.

Diversas cláusulas evoluíram para princípios hoje usuais, como o direito de ser julgado por seus pares e o habeas corpus. Passou-se a esperar que a Justiça limitasse o arbítrio, como a concessão de privilégios à custa do público.

Por aqui, parece que os estamentos sustentados por favores, subsídios e auxílios, como o à moradia, ainda não entenderam que estamos demandando a nossa Carta Magna.

O bolo cresceu, mas ainda há escassez de fermento - ROLF KUNTZ

O ESTADÃO - 25/02

Há incerteza política, o investimento é baixo e pouco se cuida dos temas estratégicos


O bolo voltou a crescer mais que o número de comensais, em 2017, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa é uma das boas novidades – talvez a mais celebrável – trazidas pela nova edição do Monitor do PIB, um acompanhamento mensal das condições macroeconômicas. De acordo com o relatório, o produto interno bruto (PIB) por habitante aumentou 0,27% no ano passado e chegou a R$ 31.358. Foi um avanço muito pequeno, mas importante por ter sido a primeira variação positiva depois de quatro anos de quedas. Calculado a preços de 2017, o PIB per capita chegou ao máximo de R$ 34.471 em 2012 e em seguida caiu até 2016. Apesar do início de recuperação, o valor de 2017 ficou 9,03% abaixo do pico e – pior – ainda foi 5,19% inferior ao nível de 2010. A reação da economia apenas começou e, se as projeções do mercado estiverem certas, deve acelerar-se neste ano e prosseguir pelo menos até 2020, com velocidade em torno de 3%. Mas qualquer estimativa, nesta altura, envolve apostas muito inseguras quanto à evolução das contas públicas, às condições do mercado internacional e ao nível do investimento produtivo, por enquanto muito baixo.

A queda do PIB per capita começou dois anos antes do primeiro ano completo de recessão, 2015. Esse é mais um claro sinal de uma economia já em derrocada no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. É mais um indicador, também, do longo caminho de recuperação ainda pela frente. Nem mesmo o caminho está bem definido, embora seja fácil, com algum conhecimento da experiência nacional e internacional e uma razoável informação econômica, esboçar as condições mínimas de uma estratégia. Mas o cenário permanece enevoado. Há incertezas derivadas do jogo eleitoral, do custoso presidencialismo de coalizão e da vocação paroquial exibida por boa parte dos congressistas.

Voltando aos números: o primeiro balanço oficial da economia em 2017 deve ser conhecido na próxima quinta-feira, data prevista para a divulgação das contas nacionais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não se pode eliminar a hipótese de alguma surpresa. Mas o Monitor da FGV tem oferecido uma boa antecipação dos dados do IBGE. Pode servir de base, portanto, para uma razoável avaliação de conjuntura.

Segundo o Monitor, o PIB cresceu 1,04% em 2017. Economistas do setor financeiro e de consultorias têm apostado em algum número entre 1% e 1,1%. A taxa calculada pelo pessoal da FGV fica no intervalo. Tiveram desempenho positivo, de acordo com o balanço, a indústria de transformação, a extrativa mineral e a agropecuária. Nos serviços, o comércio e os transportes cresceram, mas no conjunto o setor ainda recuou. As famílias, como já se havia observado com base em dados do IBGE, aproveitaram a melhora da renda real para reforçar o consumo de bens, deixando para mais tarde os gastos com outros serviços.

Embora animadora, a recuperação até agora registrada na produção industrial, no consumo interno e no comércio exterior pouco informa sobre como poderão evoluir os negócios e o emprego nos próximos anos. O País saiu da UTI, mas falta saber como e quanto poderá andar ou correr depois da convalescença. A reativação da indústria e de outras atividades urbanas foi baseada principalmente na ocupação de uma ampla capacidade ociosa acumulada nos últimos anos – de fato, desde antes da recessão.

O crescimento neste ano, estimado por especialistas na faixa de 2,5% a 3%, ainda será facilitado pelo uso de meios de produção parcialmente ociosos. Mas o avanço da economia nos anos seguintes dependerá da expansão e da modernização da capacidade produtiva.

O crescimento exigirá, portanto, mais investimentos em máquinas, equipamentos e construções, tanto particulares quanto públicas. Estas serão especialmente importantes, por causa da insuficiência e do mau estado da infraestrutura. Esses problemas são facilmente visíveis na chamada malha de transportes, mas também é preciso cuidar da geração e da transmissão de energia, do saneamento e do abastecimento de água, da ampliação e da melhora da rede hospitalar pública, e assim por diante.

O Monitor confirmou alguma reação do investimento produtivo, baseada principalmente na compra de máquinas e equipamentos. O setor de construção, como haviam indicado outras fontes, ganhou algum dinamismo apenas no último trimestre. Apesar desses dados positivos, o valor investido no ano ainda foi, segundo o Monitor, 1,9% menor que o de 2016. Isso se explica pelo recuo de 6,5% da construção, já que o componente de máquinas e equipamentos avançou 5,8%.

No balanço geral, o investimento, calculado como formação bruta de capital fixo, ficou em 15,69% do PIB, muito abaixo do pico de 20,45% registrado em 2013. Taxas em torno de 20%, raras no Brasil, são muito inferiores às necessárias para um crescimento parecido com o de outros emergentes. Padrões de investimento iguais ou superiores a 24% do PIB são observados na América Latina e ainda mais facilmente na Ásia.

Não basta, no entanto, investir mais em capital fixo. É preciso levar em conta a produtividade do capital convertido em recursos físicos. Além disso, é urgente retomar a discussão, muito mais frequente em outras épocas, sobre a estratégia de formação de recursos humanos. Gastou-se muito dinheiro, especialmente neste século, para ampliar a distribuição de matrículas e diplomas, enquanto pouco se cuidou da formação e da distribuição de competências.

Em muitos países nem seria necessária uma eleição presidencial para assuntos como esses ganharem destaque no debate público. No Brasil, nem a campanha eleitoral garante uma boa discussão desses e de outros grandes temas. Pior: esse debate poderá fazer bocejar boa parte do eleitorado. Subdesenvolvimento é muito mais que uma coleção de deficiências medidas por indicadores econômicos.

*Jornalista

Solução capenga - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/02

O imbróglio envolvendo a posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) como ministra do Trabalho terminou sem que a questão mais importante de todo este caso – a violação da prerrogativa do presidente da República de nomear os seus ministros – fosse reparada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que certamente evitaria que uma ofensa à Constituição como esta se repetisse no futuro. Em abril, novas substituições devem ser feitas no Ministério tendo em vista o término do prazo para a desincompatibilização dos ministros que pretendem concorrer nas eleições deste ano e nada indica que qualquer juiz de remota comarca possa interditar a posse de novo ministro que não lhe seja do agrado.

Na terça-feira passada, o PTB desistiu da indicação de Cristiane Brasil após o inquérito que apura seu suposto envolvimento com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, durante a campanha eleitoral de 2010, chegar à Procuradoria-Geral da República, órgão competente para oferecer eventual denúncia contra a parlamentar.

Em sua página no Twitter, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, escreveu que “diante da indecisão da ministra Cármen Lúcia em não julgar o mérito (da ação que impediu a posse da deputada) neste 1.º semestre, o PTB declina da indicação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho”. Jefferson acrescentou que a decisão do partido servia ao propósito de “proteger a integridade de Cristiane e não deixar parada a administração do Ministério”.

É importante destacar que a desistência da indicação de Cristiane Brasil pelo PTB atendeu aos interesses de todos aqueles diretamente envolvidos no episódio, só o interesse público ficou ao léu.

Por meio de nota oficial, o PTB informou que comunicou ao presidente Michel Temer a decisão de retirar a indicação de Cristiane Brasil e, em seu lugar, recomendar a permanência de Helton Yomura à frente do Ministério do Trabalho, que havia assumido interinamente desde a saída do ex-ministro Ronaldo Nogueira, em dezembro do ano passado. Ou seja, mesmo com o recuo na indicação de Cristiane Brasil, com a imagem já bastante comprometida, o PTB continuará tendo o controle que sempre teve sobre a pasta.

Para o governo também foi uma saída conveniente sob o ponto de vista político. Sem ter de tomar a iniciativa de abrir mão de sustentar sua posição perante a Justiça – posição respaldada pela Constituição, é importante frisar –, livrou-se de um desgaste que vinha se arrastando desde o início do ano. Além disso, o recuo do PTB não produz efeitos práticos na participação ministerial dos partidos da base de apoio ao governo no Congresso, uma vez que o PTB continuará contemplado com a pasta do Trabalho com a confirmação de Helton Yomura.

Cristiane Brasil, por ora, deverá sair dos holofotes e poderá se concentrar em sua defesa. A deputada federal já manifestou interesse em concorrer a um novo mandato nas eleições de outubro.

O Judiciário, que criou toda a confusão ao barrar a posse de Cristiane Brasil por uma razão não prevista em qualquer diploma legal – o fato de já ter sido condenada em uma ação trabalhista –, perdeu uma excelente oportunidade de mostrar ao País que a obediência à Constituição está acima de qualquer opinião pessoal que os magistrados possam ter a respeito de decisões políticas que cabem exclusivamente aos detentores de mandatos eletivos conferidos pelo voto popular.

Embora politicamente o caso possa ser considerado resolvido, o País continuará convivendo com a insegurança jurídica gerada pelo furor moralista que acomete alguns juízes, inclusive em Cortes superiores, sem qualquer respaldo na lei. Sem uma decisão cabal do STF confirmando o que já está escrito no artigo 84 da Carta Política, nada impede que outro magistrado, em qualquer comarca do Brasil, se arvore em fiscal de decisões políticas do presidente da República, um despautério que, para além de sua inconstitucionalidade, deixa o País à mercê de quem busca notoriedade.

A ilusão de uma bonança econômica duradoura - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/02
Indicadores positivos da economia tendem a se multiplicar, mas não se pode esperar que a retomada será consistente, sem a mudança do regime fiscal

A derrota do governo Temer — e do país — em não conseguir viabilizar a minirreforma da Previdência tende a ser contrabalançada por uma safra de indicadores econômicos alvissareiros. Que na verdade já vêm sendo colhidos. À medida que a recuperação esboçada há meses se firma, a retomada fica mais visível nas estatísticas.

Enquanto a aprovação da reforma se tornava inviável, o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), referente ao último trimestre do ano passado, era divulgado fechando quatro períodos consecutivos (12 meses) em alta, e com tendência ascendente. Os dados apontam para a possibilidade de o PIB do ano passado, calculado pelo IBGE, vir no início de março apontando para um crescimento acima de 1%. Estará sendo preparado o terreno para uma expansão na faixa de 3% este ano. Sem pressões inflacionárias — inflação esperada, próxima de 4% —, e portanto ainda juros baixos, para a realidade brasileira (6,5%).

Firmam-se, então, em tese, condições clássicas para a recuperação do crescimento em bases benignas. Mas a não realização da reforma previdenciária, mesmo modesta em comparação com o projeto inicial, impede que o crescimento ganhe velocidade de cruzeiro. Porque as expectativas sobre as contas públicas são negativas. Mesmo com a retomada do recolhimento de impostos, impulsionado pela volta da expansão do PIB.

Há muita capacidade ociosa a ser preenchida e, hoje, um colchão de ainda 12 milhões de desempregados para conter qualquer pressão nos preços via salários. Mas, sem a reforma da Previdência, seus gastos continuarão aumentando sem controle, dificultando o reequilíbrio das contas públicas.

Segundo o pesquisador da Fipe/USP Paulo Tafner, citado pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, sem a reforma deixarão de ser economizados de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões no ano que vem. Portanto, se em 2018 parece garantido o objetivo de, com receitas extraordinárias, não se ultrapassar o teto dos gastos e cumprir a regra de ouro — o Estado não pode se endividar, também por imposição constitucional, como no caso do teto, para financiar gastos de custeio —, para o ano que vem, nada está garantido.

E logo no começo do próximo governo. Parecem, então, previsíveis, no segundo semestre, oscilações nos mercados em função de pesquisas eleitorais. Porque é certo que, seja qual for o próximo presidente, o regime fiscal da Nova República, de governos tucanos e petistas, preponderantemente, chegou ao fim, e já há algum tempo. Crescimento constante dos gastos, com o correspondente aumento do peso da carga tributária — a mais elevada entre as economias emergentes, de cerca de 35% do PIB —, é uma política que se esgotou a partir do Lula II.

O sinal da percepção da impossibilidade de serem feitas a tempo a reforma da Previdência e outras será a volta da inflação elevada e, em decorrência, a elevação dos juros. Marcarão o fim da ilusão de que a volta do crescimento, por si, acertará todas as contas. Já poderá acontecer este ano, ou não. Vai depender da política.

Irresponsabilidade com o campo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/02

O Código Florestal afeta o desenvolvimento econômico, ambiental e social do País


Ainda não foi concluído o julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) das cinco ações sobre a constitucionalidade do Código Florestal de 2012 (Lei 12.651/2012) – falta o voto do ministro Celso de Mello –, mas o que se viu até agora foi uma inequívoca demonstração de irresponsabilidade com o campo e com a lei, como se os ministros estivessem a debater academicamente uma teoria, sem maiores consequências práticas para a Nação. A Lei 12.651/2012 afeta diretamente o desenvolvimento econômico, ambiental e social do País. Convém, portanto, que a Suprema Corte seja especialmente cuidadosa, consciente de que está lidando com a vida de milhares de famílias.

Não é a prudência, no entanto, o que tem prevalecido até o momento. Em primeiro lugar, chama a atenção a insegurança jurídica que o julgamento vem provocando. Dez ministros já proferiram o voto, mas não se sabe ao certo qual é a posição majoritária a respeito de cada um dos 22 pontos da Lei 12.651/2012 que são questionados nas cinco ações. São quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 e uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42. O problema é que nem todos os ministros se manifestaram sobre cada item debatido, o que levou o ministro Marco Aurélio a alertar para a dificuldade de computar ao final os votos.

O ministro Ricardo Lewandowski disse que seu voto adotava uma “interpretação biocêntrica” da questão do meio ambiente. Para ele, havendo conflito interpretativo, deve valer um princípio, não encontrado na Constituição, que ele chamou de in dubio pro natura. Em caso de dúvida, a decisão deveria ser favorável à natureza. Como é evidente, tais enunciados não contribuem para a resolução da questão debatida nas ações, que é avaliar se a Lei 12.651/2012 afronta ou não a Constituição.

Não é papel do STF dizer se o meio ambiente é mais importante que o ser humano, numa falsa disjuntiva entre o Código Florestal de 2012 e sustentabilidade ambiental. Se a preocupação é com o meio ambiente, não resta dúvida de que a Lei 12.651/2012 tem contribuído decisivamente para a sustentabilidade ambiental. Basta ver o sucesso que tem sido a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo Código Florestal de 2012. Os resultados confirmam: o CAR é um eficaz instrumento de regularização ambiental das propriedades rurais, além de ser uma poderosa fonte de dados na análise e no planejamento da sustentabilidade.

Conforme atestam os números compilados pela Embrapa a partir dos dados do CAR, o agricultor e o pecuarista não são os inimigos do meio ambiente. A vegetação protegida por eles em suas propriedades representa mais de 20% de todo o território nacional. No Estado de São Paulo, a fatia de terras preservadas em propriedades rurais é maior do que a área total de reservas indígenas e de unidades de conservação.

A função da Suprema Corte é assegurar o respeito à Constituição. Pouco importa se os ministros do STF consideram a Lei 12.651/2012 muito rígida ou muito branda. Ao julgar as cinco ações, a tarefa do STF não é avaliar se a maioria dos ministros dá anuência ao conteúdo do Código Florestal de 2012. Tampouco é sua competência redigir uma nova lei ambiental, mais conforme às posições ideológicas e políticas da maioria do colegiado.

A avaliação política relativa ao Código Florestal de 2012 já foi feita pelo Congresso Nacional, a quem compete, pelo voto recebido do eleitor, definir qual é o equilíbrio mais adequado para o País a respeito do meio ambiente nacional. Quando o STF entende que pode interferir nesse equilíbrio, há um evidente retrocesso institucional. A rigor, o País torna-se refém da posição política de 11 pessoas que não detêm mandato popular para exercer esse poder político.

Está claro que a Lei 12.651/2012 não fere a Constituição. Para alguns, ela fere o que a Constituição deveria ser. Tal opinião não tem, porém, validade jurídica. No Estado Democrático de Direito, vale o que está na lei. E o papel do STF é justamente defender o que está na Constituição. Tudo o que passa disso é atropelo da ordem jurídica.