sábado, fevereiro 24, 2018

"Começar é preciso" - DORA KRAMER

REVISTA VEJA

Sob o eco da repressão militar, o poder civil se retrai na luta contra o crime


É fato testado, comprovado (e lamentado) que nenhum dos governos desde a reinstituição do poder civil no país enfrentou a questão da segurança pública. Por motivos variados: covardia, indiferença, cálculo político e, no caso das autoridades oriundas da esquerda, constrangimento para o exercício do uso da força do Estado contra o crime. Princípio equivocado de rejeição a qualquer tipo de repressão.

Uma visão herdada da ditadura. Obviamente torta, pois não leva em conta que a defesa da liberdade e dos direitos do cidadão implica a preservação da ordem como fator essencial da garantia de ir e vir sem o risco permanente e iminente de morrer. Tal inépcia nos levou ao descalabro atual.

O caos é nacional, mas o Rio de Janeiro viveu peculiaridades. Entre elas, a mais grave foi o acolhimento da bandidagem como parte do cenário de glamour e maravilha da cidade. Conto duas histórias que vi de perto: uma na década dos 90, a outra anos antes de consolidada a redemocratização no Brasil, em 1985. Nenhuma delas de violência pessoal, embora ambas conceitualmente violentas do ponto de vista geral.

Em 31 de dezembro de 1985, o traficante José Carlos dos Reis Encina (chamado “Escadinha”) foi resgatado do presídio da Ilha Grande por comparsas num helicóptero. Na hora, a fuga foi celebrada com aplausos e muito regozijo na redação do Jornal do Brasil, composta na quase totalidade do “pessoal Zona Sul”, os descolados, como um grande feito. A polícia, naquela concepção, era o inimigo a ser combatido e, como foi o caso, ludibriado.

A comemoração assustava a quem não concordava e, por isso, era classificado como “de direita”. Aos de “esquerda” parecia normal, tanto que “Chileno”, pai do bandido Escadinha, era, em 1986, festejado cabo eleitoral do então candidato ao governo do Rio Fernando Gabeira, hoje uma das cabeças mais lúcidas sobre o Brasil e suas novas circunstâncias; tanto que saiu do PT ainda no primeiro governo, quando Luiz Inácio da Silva estava no auge.

Mais de uma década depois, já no governo Fernando Henrique, numa conversa com o general Alberto Cardoso, ele, então chefe do Gabinete de Segurança da Presidência, alertou sobre a existência de “territórios dominados” pelo tráfico no Rio. Isso há quase vinte anos.

Publiquei a conversa com o general, e o mundo caiu. Marcello Alencar reagiu indignado, exigiu do presidente uma atitude, e o general me ligou constrangido: “Mantenho o que disse, mas vou precisar desmentir por exigência do governador”.

Forçado pela circunstância do cargo, o general desmentiu, e a vida prosseguiu. Levou-nos, rendidos, ao lugar de reféns da bandidagem em que hoje nos encontramos. Ambiente do qual qualquer candidato(a) a presidente na próxima eleição está obrigado(a) desde já a dizer como pretende nos livrar. De modo rápido e de maneira nada rasteira, a fim de nos assegurar uma necessária e indispensável consistência no ato coletivo de resistência.

Sem um projeto de Nação - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 24/02

A desesperança pode fazer com que o eleitor fique longe das urnas


Ex-presidente do TSE, o ministro Dias Toffoli aproveitou ontem um debate na Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para lembrar que os partidos hoje se escoram em nomes para a Presidência da República e não em um projeto para o País. “Hoje está uma tremenda dificuldade de entender quem é quem. Hoje, qual o projeto do PT, do DEM, do PSDB?”, indagou o ministro.

De fato, a sete meses e poucos dias para a eleição, não se conhece um projeto de governo de nenhum dos nomes que se apresentaram até agora como pré-candidatos. Em alguns partidos, como o PT, o projeto parece ser o próprio candidato, o ex-presidente Lula. Uma proposta defeituosa do ponto de vista legal. Por enquanto, o que ele tem dito é que não acatará a decisão judicial que o condenou a 12 anos e 1 mês de prisão e o tornou inelegível, pois cadastrado na Lei da Ficha Limpa. E, quando em algum discurso se refere a um possível quase impossível governo, limita-se a prometer que fará mais do que já fez.

Do mesmo modo, não se vê no que diz o segundo colocado nas pesquisas, o deputado Jair Bolsonaro, algo que possa ser definido como um projeto para o Brasil, que englobe educação, saúde, transportes públicos, crescimento econômico, geração de empregos. O discurso fica limitado ao combate à criminalidade, sem dizer como será, a não ser insinuações de que bandido bom é bandido morto. Não há sinais de que as raízes do problema serão atacadas. Nada. É muito pouco para quem tem conseguido avançar sobre as ideias da juventude desiludida e sem emprego.

O governador Geraldo Alckmin é outro que também não apresentou ainda um projeto para o País. Diz ser a favor das privatizações, que é desenvolvimentista e que não ficará apenas grudado às questões fiscais. Mas cadê o projeto para a educação, para a assistência à saúde, que deveria, pela Constituição, ser universalizada, uma proposta da qual Alckmin participou como constituinte, para os transportes públicos, para a segurança?

Henrique Meirelles, do PSD, e Rodrigo Maia, do DEM, que também se apresentaram para o jogo político, por enquanto estão presos às questões fiscalistas. Marina Silva, da Rede, e Ciro Gomes, do PDT, que esperam herdar parte dos votos de Lula, também estão devendo o projeto para a Nação.

Quanto ao presidente Michel Temer, que numa entrevista à Rádio Bandeirantes, ontem, disse que não será candidato, será razoável que seu governo se encerre tendo por base a intervenção no Rio de Janeiro? É provável que ele ache que sim, porque enquanto a ação durar não se pode fazer nenhuma reforma constitucional. Portanto, a reforma da Previdência ficou para trás. E a chamada “Agenda 15”, que manteria a linha das reformas sem mexer na Constituição, talvez seja atropelada pela campanha eleitoral.

Além da falta de projetos para a Nação, o que torna DEM, PSDB e PT semelhantes, nas palavras do ministro Dias Toffoli, o País sente falta de lideranças novas. Os que se propõem a disputar a eleição presidencial são todos velhos conhecidos do eleitor. Uns, pelo número de disputas ao Planalto; outros, como Bolsonaro, por ocuparem cargos eletivos há duas décadas.

Alguns preveem que sem Lula o índice de abstenção nas eleições de outubro será muito elevado. Talvez um dos motivos para a abstenção, se houver, seja mesmo a ausência de Lula. Mas não é só ela. A falta do projeto de Nação, as velhas caras conhecidas, a desesperança quanto à situação do País, tudo isso pode fazer com que parte do eleitor fique longe das urnas.

Sem alternativas, a razão pode levar o cidadão a exercer o seu direito de dizer não. Mesmo que o protesto seja silencioso, baseado no absenteísmo.

O delírio da certeza - MURILLO DE ARAGÃO

REVISTA ISTO É

Os idiotas têm muitas certezas. Já os sábios têm dúvidas e confiança na necessidade de buscar respostas. No Brasil, os idiotas fazem mais barulho do que os homens comuns e os sábios

Duas coisas fundamentais para o viver: a dúvida e a confiança. O mundo gira em torno desses dois sentimentos. Tanto a dúvida quanto a confiança nos impulsionam. Ambos, porém, estão em falta no Brasil.

Ainda que possa parecer paradoxal, os idiotas têm muitas certezas. Já os sábios têm dúvidas e confiança na necessidade de buscar respostas. No Brasil, os idiotas fazem mais barulho do que os homens comuns e os sábios. A certeza é outro componente da questão central da dúvida e da confiança. Mas é uma vulgata, já que a certeza foi vulgarizada pela sua banalização.

Sem dúvidas e desconfiando de tudo, os adoradores do “não é possível que” utilizam essa expressão como abertura dos trabalhos mentais para, adiante, concluí-los com um “com certeza”. Em especial, nas respostas prontas a perguntas que visam respostas ratificadoras ao que é perguntado. Do tipo entrevista de rua sobre o BBB.

Nesse caso, perguntado e perguntador são hamsters que dividem a roda onde correm para ficar no mesmo lugar. É o prazer de atender à expectativa de quem pergunta e encaixar a sua previsível resposta em um quebra-cabeça de e para debiloides.Hoje, no mundo, existe uma conspiração contra os especialistas. Ironicamente, o tema é tratado por alguns especialistas e não é revanchismo. Milhares de subcelebridades e celebridades falam sobre tudo com aparente propriedade e são validados pela mídia.

Muitas vezes a mídia opera para transportar o que a mediocridade majoritária quer ouvir e/ou manipular os sentimentos de acordo com as suas expectativas. Ignorantes são indagados e respondem o que serve para validar o que se quer mostrar ao público.

Atualmente, sabemos mais em volume de informação do que sabia Michel de Montaigne em 1580 . Contudo, o que ele sabia vale muito mais do que o que sabemos hoje em termos de filosofia. Na roda do hamster, quanto mais sabemos menos sabemos.

O que fazer? Pela ordem: duvidar de tudo; desejar e esperar o melhor, mas estar preparado para o pior. Saber ao certo em quem confiar e não ser capturado pelo “não é possível que”, que leva, “com certeza”, a conclusões preconcebidas e rasteiras.

Dois pesos e duas medidas - RICARDO AMORIM

REVISTA ISTO É

O governo federal sancionou o projeto que concede os benefícios às grandes empresas, mas vetou aquele que concederia os mesmos benefícios às micro e pequenas empresas

O Brasil criou o péssimo hábito de não tratar todos da mesma forma. Pior ainda, o costume ficou tão arraigado que já nem nos chocamos mais. Enquanto funcionários públicos se aposentam com aposentadoria integral, a maioria dos brasileiros têm de se contentar com uma fração disso. Enquanto a Justiça para a maioria dos brasileiros é uma, para os que gozam de foro privilegiado é outra. Enquanto juízes e legisladores têm auxílios diversos, a maioria dos brasileiros nem sabe o que é isso.

O mais novo caso em que os mais fracos receberam tratamento de cidadãos de segunda classe refere-se ao Refis, o programa de refinanciamento de dívidas do governo federal. Como é de conhecimento geral, o Congresso Nacional aprovou um projeto que beneficia grandes empresas com o parcelamento de dívidas tributárias com a União. Na sequência, ele aprovou por unanimidade um projeto que estende o mesmo benefício aos pequenos negócios, nos mesmos parâmetros do que foi concedido às grandes empresas. O governo federal sancionou o projeto que concede os benefícios às grandes empresas, mas vetou aquele que concederia os mesmos benefícios às micro e pequenas empresas.

A justificativa para o veto presidencial foi que esse projeto pioraria a situação das contas públicas. A justificativa é verdadeira, mas inaceitável, já que ela foi desconsiderada no caso das grandes empresas. Além de não ser isonômico, o tratamento diferenciado é injusto e contraproducente.

As micro e pequenas empresas são responsáveis por mais da metade dos empregos no País e mais vulneráveis a crises econômicas, como a que atingiu o Brasil nos últimos anos. Segundo a Serasa, o número de MPEs inadimplentes cresceu 10,8% em 2017 em relação ao ano anterior, sendo o oitavo mês seguido de alta do indicador.

Além disso, nossa carga tributária é uma das mais elevadas entre os países emergentes e, ainda assim, os serviços públicos deixam muito a desejar. Fica claro que o problema essencial das finanças públicas não é falta de receitas, mas a corrupção e o excesso de gastos e desperdícios, incluindo diversos casos em que alguns recebem privilégios não estendidos a todos os brasileiros.

Seria bom se o Congresso revertesse esse quadro, derrubando o veto presidencial e garantindo que pequenas e grandes empresas recebam o mesmo tratamento. Movimentos já estão acontecendo e estratégias estão sendo pensadas para isso. Imagine o País que poderíamos construir se todos fossem tratados da mesma forma.

A guerra mais importante - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA ISTO É

Ninguém nega que numa operação dessas há risco de abusos, ou que eles devem ser denunciados

Seja por oportunismo político, seja por convicção genuína, o fato é que a decisão do governo Temer de apelar para a intervenção federal no Rio suscitou intenso debate sobre a criminalidade no País. E poucas vezes ficou tão clara a divisão: de um lado estão aqueles que mascaram a defesa da impunidade com a preocupação com eventuais abusos dos militares, e do outro estão aqueles que simplesmente não aguentam mais o domínio escancarado dos bandidos.

A turma da extrema esquerda correu para tentar impedir a medida, sob o disfarce de ameaça aos “direitos humanos”. Ora, ninguém nega que numa operação dessas há risco de abusos, ou que eles devem ser denunciados. Tampouco se rejeita condições humanas para os marginais detidos. A questão é outra, e no fundo os socialistas sabem disso muito bem, mas tomam o partido dos bandidos, por afinidade ideológica (o roubo visto como um ato de “justiça social”).

Tampouco a medida improvisada está isenta de críticas legítimas. Ao contrário! A direita entende que colocar o Exército na rua é medida emergencial, e que sem outras mudanças estruturais será apenas como enxugar gelo. Não o quer a esquerda, como legalização de drogas, soltura de bandidos ou “investimento social”, mas sim seu oposto: endurecer com os marginais, construir mais prisões, reduzir a maioridade penal, permitir posse de armas aos cidadãos, acabar com as proteções descabidas de quem comete crimes.

Se a guerra contra o crime é necessária, ela representa apenas o começo. Mais importante é a guerra cultural, das narrativas. Ora, em qualquer situação de guerra, presume-se que haverá fatalidades, e que o inimigo não merece tratamento VIP. As baixas já temos, mas concentradas hoje na população trabalhadora. Os marginais já contam com muitas regalias também. É essa mentalidade que precisa mudar.

Quem anda nas favelas carregando um fuzil senão um perigoso assassino? A mesma esquerda que aplaude se o governo proíbe um cidadão honesto de ter uma simples pistola em casa, acha que o bandido com arma de guerra deve ser tratado com leniência? Se tem uma arma dessas na mão, então é alvo a ser eliminado, ponto. A vida do policial e a segurança do povo são as prioridades, não os “direitos” de quem declarou guerra ao sistema.

A reforma trabalhista e a moralização do acesso à Justiça - RENATO TARDIOLI

GAZETA DO POVO - PR - 24/02

Não há mais impunidade para as reclamações infundadas e abusivas

Todo trabalhador brasileiro pode – e deve – recorrer à Justiça quando seus direitos e benefícios, previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e na Constituição Federal, são desrespeitados. Mas, infelizmente, os Tribunais Regionais do Trabalho lidam diariamente não só com reclamações bem fundamentadas, mas também com outras inconsistentes ou que envolvem indenizações descabidas.

Este é um cenário que já começou a mudar após a implantação da reforma trabalhista, que teve por objetivo primordial regulamentar novas formas de contratação de trabalhadores, bem como sua relação com o empregador. Por que isso acontecia? Porque era muito fácil para o trabalhador – e não trazia qualquer “risco” financeiro – iniciar um processo trabalhista. Em muitos casos, especialmente se ainda não estava trabalhando, o reclamante conseguia acesso à Justiça gratuita, o que o isentava de custas processuais. Quase sempre as empresas acionadas já se antecipavam a fazer algum tipo de acordo, já prevendo que estavam em desvantagem – ou porque realmente deviam algo ou pelo simples fato de serem o empregador, a parte “mais forte”. E, se o empregado perdia, ele simplesmente perdia, não tinha de arcar com qualquer tipo de despesa como honorários advocatícios da parte contrária, perícias ou custas do processo.

A possibilidade de perder dinheiro, além do processo, certamente inibiu grande parte das demandas


Esta realidade fez com que os Tribunais Regionais do Trabalho em todo o país recebessem, em média, 200 mil novos casos em primeira instância por mês, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho. Antes de a reforma trabalhista entrar em vigor, o volume foi ainda maior. Porém, em dezembro de 2017, primeiro mês em que já se aplicavam as mudanças, este número despencou para 84,2 mil.

Há duas razões que podem explicar esta queda. Uma delas envolve dúvidas sobre como os juízes vão aplicar a nova lei. A Justiça do Trabalho é dividida por regiões. Cada uma tem o seu entendimento, e leva um tempo até que estas questões sejam submetidas ao Tribunal Superior do Trabalho. Não há previsão sobre quando haverá consolidação ou o entendimento de muitas delas.

Outra razão é que, caso o empregado perca o processo, ele pode ser condenado a pagar as custas processuais da parte vencedora, bem como os honorários de sucumbência, que envolvem as perícias e despesas com os advogados. A possibilidade de perder dinheiro, além do processo, certamente inibiu grande parte das demandas.

O que se pode afirmar, com certeza, é que o Direito Trabalhista ainda enfrenta o desafio de entender todas as mudanças que vieram com a reforma e ver como elas vão funcionar – ou não – na prática. Independentemente de eventuais dúvidas e inseguranças, a boa notícia é saber que não há mais impunidade para as reclamações infundadas e abusivas. É a moralização do acesso à Justiça trabalhista.


Renato Tardioli é advogado.

Rebaixados mais uma vez - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 24/02
Não há “plano B” de 15 medidas, nem inflação e juros em baixa que consigam atenuar o impacto negativo que a não aprovação da reforma da Previdência terá sobre os cofres públicos

Nesta sexta-feira, a agência de classificação de risco Fitch seguiu o que a Standard and Poor’s já tinha feito em janeiro: rebaixou a nota de crédito do Brasil para um nível que fica três degraus abaixo do “grau de investimento”, que identifica as economias mais sólidas e confiáveis. Mas só alguém muito desatento teria como se surpreender com a decisão: ela era praticamente certa a partir do momento em que o governo federal abandonou a reforma da Previdência.

O que as agências como a Fitch têm observado é o preocupante abismo fiscal em que o Brasil está para cair. Desde 2015, o país tem emendado déficits primários que superam a casa dos US$ 100 bilhões, em uma demonstração cabal de que não tem sido capaz de fazer nem mesmo a economia necessária para pagar os juros de sua dívida – e em 2018 não será diferente, como demonstra a previsão feita pelo governo. A agência de classificação de risco prevê, para este ano e o próximo, déficits primários equivalentes a pouco mais de 7% do PIB, contra 3% na média de outros países com a nota BB – aquela que o Brasil tinha antes de ser rebaixado.

A irresponsabilidade de quem jogou contra a reforma está custando caro demais ao país


Sem conseguir controlar seus gastos, o Brasil corre o risco de ver a dívida pública escapar do controle, e esse é outro aspecto ressaltado pelas agências. Em janeiro, a Secretaria do Tesouro Nacional informou que só em 2017 a dívida pública federal subiu quase 15%, para R$ 3,55 trilhões, tendo mais que dobrado em dez anos. Nas contas da Fitch, a dívida brasileira já equivale a 74% do PIB e deve chegar a 80% no ano que vem. Em outubro do ano passado, a Instituição Fiscal Independente, órgão que acompanha as contas pública e assessora o Senado, afirmou que, sem um ajuste fiscal sério, a dívida atingiria os 100% do PIB no início da próxima década. E a comparação com outras nações cuja dívida é bem maior não se sustenta, pois, enquanto nações como Japão e Estados Unidos se endividam a juros baixíssimos, a dívida brasileira é cara para o governo – mesmo no caso dos títulos de rendimento mais baixo.

O que poderia colocar um freio nessa trajetória era a reforma da Previdência. Mesmo na versão mutilada pelo Congresso, que manteve uma série de privilégios para categorias que souberam gritar mais alto, a projeção do Ministério da Fazenda era a de que ela permitiria ao governo economizar pouco menos de R$ 500 bilhões em dez anos – na sua versão original, seriam quase R$ 800 bilhões. Tudo isso foi simplesmente descartado quando o governo jogou a toalha. A Previdência, que já é hoje a maior das rubricas do orçamento da União, continuará acumulando seus déficits bilionários, pressionando as contas públicas e comendo fatias cada vez maiores do bolo, deixando cada vez menos dinheiro para saúde, educação, segurança e infraestrutura, para citar apenas alguns setores.

E não há “plano B” de 15 medidas, nem inflação e juros em baixa que consigam atenuar o impacto negativo que a não aprovação da reforma da Previdência terá sobre os cofres públicos. A questão, afirmam as agências, não é o curto prazo, em que o IPCA está abaixo do piso da meta de inflação e em que a Selic está em sua mínima histórica. “A decisão do governo de não colocar a reforma da Previdência em votação no Congresso representa um importante revés na agenda de reformas e reduz a confiança na trajetória de médio prazo das finanças públicas”, disse o comunicado da Fitch. A irresponsabilidade de quem jogou contra a reforma – seja espalhando desinformação, seja promovendo sua mutilação, seja chantageando o governo em troca de apoio – está custando caro demais ao país.

"O cidadão a sós" - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

'VOLTA DOS MILITARES' PARA CONSERTAR TUDO ISSO? PODE-SE ACHAR A PIOR OPÇÃO - E TEM TUDO PARA DAR ERRADO - MAS, NA VERDADE, CRESCEM MOTIVOS PARA PENSAR ASSIM


Baile funk - Seu principal derivado, o estupro coletivo de garotas menores
de idade, tornou-se símbolo de orgulho do “morro” (//Reprodução)
A intervenção do Exército no Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de combater a ocupação armada da cidade pelos criminosos, recebeu a aprovação de 80% da população — é o que mostram os primeiros levantamentos feitos logo após a chegada das tropas federais a esse pedaço do território brasileiro onde o crime está em guerra aberta contra os cidadãos. Houve, naturalmente, reações preocupadas por parte de muita gente — e não apenas da esquerda. (Com aquele seu instinto que nunca falha na hora de ficar contra a opinião da maioria, o PT e sua periferia, automaticamente, escandalizaram-se com a intervenção. O que fizeram é o que sempre fazem quando se trata de escolher entre a criminalidade, que a seu ver toma parte nas “lutas populares”, e a ordem pública, que consideram coisa de “direita”: ficaram, de olhos fechados, a favor do crime.) Junto com a reação habitual dos nossos revolucionários, veio o espanto apreensivo de uma parte do Brasil “civilizado”. O apoio maciço à intervenção no Rio, segundo dizem, mostraria uma angustiante e apressada inclinação do brasileiro a acreditar que os militares são “a solução” para tudo — crime, corrupção, incompetência e todas as demais taras do Estado e da sociedade no Brasil. Seria uma expectativa ruim, mesmo porque é impossível de ser atendida.


Não dá para medir com exatidão se os brasileiros acreditam mesmo em soluções militares. Mas, com certeza, uma população que há muito tempo não tem o mínimo motivo para levar a sério o governo, é insultada abertamente pelas decisões de um Supremo Tribunal Federal que presta vassalagem a condenados por corrupção e é tratada como débil mental pelo pior conjunto de deputados e senadores hoje presentes sobre a face da Terra não poderia mesmo pensar como se estivesse vivendo na Inglaterra. Que raio se pretende, então, que as pessoas achem? Está cada vez mais difícil para o cidadão, e daqui a pouco pode tornar-se impossível, ficar a sós — vendo em silêncio os seus direitos mais básicos ser violados pelos criminosos, com a proteção de leis feitas para atender aos interesses de bandidos e seus defensores. Salvo os próprios criminosos à mão armada, as quadrilhas que roubam o Erário e o resto dos marginais em circulação por aí, ninguém pode permanecer calmo enquanto o sistema judiciário, a partir de seu degrau mais alto, solta sistematicamente quem deveria estar preso ou mantém fora da prisão quem foi condenado e deveria estar lá dentro. Para a população brasileira, no fim das contas, a situação criada no país é simplesmente incompreensível. “Volta dos militares” para consertar isso? Todo mundo está no direito de achar que se trata da pior opção, mesmo porque é o tipo da coisa que tem tudo para dar errado. Mas é inútil esconder que todo mundo também está no direito de achar exatamente o contrário. Na verdade, há um número cada vez maior de motivos concretos para pensar assim.

“Ninguém pode permanecer calmo enquanto o Judiciário solta quem deveria estar preso ou mantém fora da prisão quem deveria estar lá dentro”

O que querem, sinceramente, que o cidadão pense quando vê uma assassina que ajudou a matar o próprio pai a golpes de barra de ferro ser solta, com o apoio enfurecido do Ministério Público, para passar fora da prisão o Dia dos Pais — justamente o Dia dos Pais? É a lei, dizem advogados, promotores e juízes — mas não lhes passa pela cabeça que uma coisa dessas está acima do entendimento de qualquer ser humano deste planeta. O recado que dão é o seguinte: se a lei é demente, problema seu. Obedeça e cale a boca. Como condenar alguém por sonhar com “os militares”, quando uma promotora de Justiça, que é paga (com todos os “adicionais”) para nos defender dos criminosos, diz que “bandido bom é bandido vivo, e com direitos”? Concorde com a promotora, se quiser — mas não estranhe que alguém discorde e um dia passe a achar que “o único jeito é chamar o Exército”. Mais: é razoável esperar que alguém concorde, ou entenda, que um homicida tenha o direito de cumprir apenas um sexto da pena a que foi condenado? De vinte anos de cadeia, por exemplo, só cumpre três. Faz sentido um negócio desses? Para que serve um Código Penal se ele é anulado pelas leis de “progressão da pena”, regime semiaberto, prisão domiciliar ou tornozeleira para ladrão que rouba o Tesouro Nacional?


A população brasileira, na verdade, vem sendo provocada, cada vez mais, pelo crime e por seus protetores. No Rio de Janeiro, os policiais continuam sendo assassinados na média de um a cada três dias, e 90% das autoridades acham isso perfeitamente normal. Cerca de 40% dos moradores não recebem mais o correio, pois a entrega foi suspensa por causa dos ataques da bandidagem. As seguradoras não aceitam mais fazer seguros para cargas destinadas ao Rio. Se isso não é desafiar as pessoas e abrir a porta para o desespero, o que seria, então? Os cidadãos, ainda por cima, são humilhados diariamente pelo apoio público que os seus opressores recebem da elite “civilizada”, da mídia, da Igreja Católica, e por aí afora. Dizem, esses todos, que o grande problema do Rio de Janeiro não são os crimes praticados contra a população, mas a morte de criminosos em confrontos com a polícia. (Quando morrem em brigas entre si próprios não há maiores comentários.) Ficam indignados com os “excessos da legítima defesa”, e exigem mais rigor contra quem usa a força para defender sua propriedade e sua vida dos ataques de bandidos.


Que provocação maior se poderia fazer às pessoas do que o estímulo aos bailes funk e a seu principal derivado, o estupro coletivo de garotas menores de idade? Tornou-se um símbolo de orgulho “do morro”, e de seus admiradores do Leblon, a “tábua do sexo” — um banco de madeira onde os homens ficam sentados nos bailes, enquanto meninas de até 12 anos de idade se ajoelham sobre suas coxas para fazer sexo, em público, com o maior número possível de machos. São chamadas de “preparadas”; as que já têm “dono”, e por isso não participam, são as “cachorras”. Há garotas que ficam grávidas — seus bebês são os “filhos da tábua”. A polícia, obviamente, está proibida de entrar. Os formadores de opinião consideram que isso seria um ato de repressão contra o “lazer popular”.
 Nenhuma feminista, até hoje, abriu o bico para fazer alguma objeção à prática desses crimes em massa contra a mulher — sexo com menores de 14 anos é estupro, haja ou não consentimento da vítima. Os grandes astros do funk, que animam os bailes da “tábua” e pregam a favor do crime nas letras de sua música, têm circulação triunfal nos programas de variedades da Rede Globo; dão entrevistas à imprensa e são bajulados pelas classes intelectuais. A ideia-mãe é a seguinte: tudo isso forma hoje o que seria uma nova manifestação cultural, a chamada “cultura da comunidade”. Ela é sagrada. Não pode sofrer a mínima restrição. Qualquer crítica é “preconceito” da “elite branca”.

O que há de estranho, diante de tudo isso e muito mais, no fato de 80% da população aprovar a intervenção militar no Rio? O mundo descrito acima não é normal, nem desejável, para a imensa maioria, por mais que a “esquerda” insista em dizer o contrário. Não é normal em nenhuma outra cidade do Brasil. Por que seria aceitável no Rio? A chance de dar certo é zero.

Intervenção parcial - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 24/02
Para atacar o crime em seus diferentes universos, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos

A intervenção federal no Rio foi feita por um governo impopular. E feita apenas parcialmente. Deveria ser completa.

Não creio que seja o caso de defendê-la diante das teorias conspiratórias, de esquerda ou direita, que veem nela uma espécie de ataque ao seu projeto eleitoral. É inevitável que as pessoas fixadas na luta pelo poder interpretem tudo, mesmo um fato dessa dimensão social, como simples contador de votos.

A intervenção está aí. O governo é impopular, mas o instrumento é o Exército, com grande credibilidade. Se escolher atos espetaculares para tirar Temer do sufoco vai afundar com ele.

Logo, a primeira e modesta tese: o norte é a prática militar, com preparo e meios materiais necessários, e não o oportunismo político. Se prevalecer a superficialidade do governo, a batalha será perdida.

A intervenção tem de saber o que quer, para definir a hora de acabar. Isso não se define com uma data rígida no calendário, mas com a realização da tarefa: estabilizar a situação do Rio para que a polícia tome conta depois de reestruturada. É isso que fazem as intervenções, mesmo num país como o Haiti.

Para reestruturar a polícia é preciso contar com a parte ainda não corrompida e pagar todos os salários em dia.

A maioria parece apoiar a intervenção. É fundamental respeitar a população, conquistar corações e mentes. Nesse sentido, foi um grande passo civilizatório o vídeo de três jovens orientando os negros a evitar a violência policial e a se defender, legalmente, dela. Está na rede. É um texto que deveria ser levado em conta, pois revela como as pessoas de bem se comportam nessa emergência.

Circulou uma notícia de que as favelas ocupadas por traficantes armados seriam considerados territórios hostis. É um equívoco, creio eu. As favelas são territórios amigos, ocupados por forças hostis. Parece um jogo de palavras, mas é uma diferença que implica em táticas e estratégias diversas.

A quarta modesta tese: como não foi realizada a intervenção completa, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos. Seria a maneira de combinar um ataque ao crime organizado em seus diferentes universos. Creio que fortaleceria o trabalho da intervenção.

Finalmente, algo que me parece também decisivo. Quem acha que é a única saída do momento, apesar de sua fragilidade, precisa ajudar.

O que significa ajudar? A sociedade já se move de muitas formas, inclusive, na internet, colaborando com aplicativos como Onde Tem Tiroteio, Fogo Cruzado e dezenas de outras iniciativas.

Isso vai depender também da intervenção. Se a visão for de aglutinar o esforço social, o general Braga precisa apresentar as linhas gerais de seu plano. Delas podem surgir uma indicação de como ajudar.

Compreendo que a esquerda diga que a violência foi superestimada pela mídia. O próprio general Braga derrapou no primeiro momento, ao afirmar que é muita mídia.

Ele tem razão, de certa forma. Sou um velho jornalista. No século passado, as notícias eram produzidas apenas por profissionais. Hoje, não: a estrutura industrial ampliou seu alcance diante de milhares de colaboradores filmando tudo. Quem filma os tiroteios no morro? E os assaltantes que tentam enforcar uma velha? Não são repórteres. Nenhum dos atos violentos foi desmentido. Não houve fake news, uma vez que caindo no circuito industrial os dados foram checados.

Não se trata, portanto, apenas de muita mídia. São muitos fatos. De qualquer forma, ganhariam as redes sociais.

É com eles que vamos. Ou não vamos.

"Dureza, general" - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

Nos ombros do general Walter Souza Braga Netto repousa a mais espinhosa tarefa da presente quadra: dar um mínimo de consistência a uma megaoperação de marketing. Se havia alguma dúvida sobre a alma marqueteira da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, foi dissolvida pelas descaradas declarações do próprio marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco, ao colunista Bernardo Mello Franco, de O Globo: “Viramos a agenda. (…) Hoje a maior preocupação do brasileiro é com a segurança pública (…). O Temer jogou todas as fichas na intervenção (…). Ele já é candidato”. Pode parecer muita ousadia a candidatura de alguém com pouco mais de zero de aprovação popular e rodeado pela imagem de malas de dinheiro nas mãos ou no apartamento de alguns de seus mais próximos amigos. Mas por que não se as pesquisas apontam para um primeiro lugar vago, um segundo com proposta de voltar trinta anos no relógio da história e um terceiro disputado por um aglomerado de liliputianos ciscando em torno de migalhas?


O general Braga pouco falou na cerimônia em que foi anunciada a intervenção. Astro da festa foi o ministro da Defesa, Raul Jungmann, secundado pelo ministro da Segurança Institucional da Presidência, general Etchegoyen. O general Braga era antes uma vítima da situação. Acabara de lhe cair nas mãos uma operação para a qual as únicas preparações foram uma reunião do presidente com os ministros de sua cozinha e outra com os marqueteiros. O silêncio lhe mascarava a perplexidade. Nos dias seguintes o silêncio perdurou, e com isso abriu-­se um fio de esperança. O general Braga faz seu serviço calado. É o oposto do loquaz ministro Jungmann. Raiou a esperança de a intervenção marqueteira quem sabe transubstanciar-se em resultados substantivos.

A intervenção põe muita pedra no caminho de um oficial levado a um rumo com o qual não sonhou

Tanques e uniformes verde-oliva nas ruas não são novidade para os cariocas. Sem falar do recurso ao Exército na Olimpíada e em outros grandes eventos, está em curso desde julho uma operação que, segundo o ministro Jungmann, teria vindo para “golpear o crime”. (Decorridos sete meses, ainda não golpeou.) O que se espera de uma intervenção no governo estadual vai muito além. Ela não se completará sem: (1) uma devassa nas polícias do Rio, alguns de cujos comandos, segundo o ministro da Justiça, Torquato Jardim, são cúmplices do crime organizado; (2) igual devassa na administração dos presídios, onde os chefes do tráfico gozam de respaldo e conforto para expedir ordens; e (3) com a ajuda das unidades de fronteira do Exército e da Polícia Federal, conseguir controlar o abundante afluxo de armas e drogas ao estado.


Contra o bom êxito da intervenção tem-se a evidência de que transferir o problema para a esfera federal não é panaceia. Exército e Polícia Federal são os responsáveis pela vigilância das fronteiras, e elas seguem porosas como sempre. Na questão dos presídios, duvida-se de algum progresso quando se lembra que até hoje não se conseguiu nem mesmo barrar a entrada de celulares. Temos ainda a escassez de recursos, que não é só do Rio, mas também do governo federal, para sustentar a intervenção. Quem vai pagar o quê, e como, era uma questão em aberto desde o anúncio da medida. Leve-se em conta, por fim, que o estado segue entregue ao sistema Sérgio Cabral, o príncipe da ladroagem, ora representado pelo triste Pezão. Para ser exitosa, faltará ainda à missão do general Braga imunizar-se contra os efeitos perniciosos irradiados da vasta parte da administração fora de seu controle. É muita pedra no caminho do nosso general calado, desviado numa esquina da vida para um rumo com o qual não sonhou. Dura será sua vida.
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Com a legenda “Militares inspecionam mochilas de alunos em operação em favela na Zona Norte do Rio”, a foto na primeira página da Folha de S.Paulo da quarta-feira 21, publicada na página 54 desta edição de VEJA, exibia em primeiro plano o cano do fuzil pendente do ombro de um soldado, visto de costas, e, ao lado, de frente para a câmera, uma bonita garotinha, negra, gordinha, de uniforme azul e branco, expressão séria e grandes olhos entre indagadores e amedrontados voltados para o soldado. Imagine-se cena similar com uma menina branca, os mesmos olhos indagadores e amedrontados, o mesmo soldado, o mesmo fuzil, numa escola do Leblon. A menção a “mandado coletivo de busca e apreensão” teria chance de causar comoção. Imaginem-se o leitor e a leitora por um momento na pele dos pais da garotinha da foto. Pensemos na garotinha, que teria 5 ou 6 anos. Pensemos nas mochilas sendo reviradas.

Sem vacas sagradas e sem sofismas - ADRIANO PIRES

ESTADÃO - 24/02

É preciso desmistificar os argumentos de que a privatização da Eletrobrás será prejudicial

Anos de Lava Jato e de barbeiragem na política energética já deveriam ter transformado a ideia de privatização da Eletrobrás num consenso nacional. Até quando os impostos que pagamos serão usados para manter estatal uma empresa que poderia perfeitamente ser privada, sem prejuízo nenhum para a União? Até quando viveremos a fantasia de que podemos bancar o refrão de que a Eletrobrás é “estratégica” e, como tal, tem que ser estatal?

Quando, como uma sociedade que supostamente quer progredir, colocaremos as demandas da saúde, da educação e da segurança verdadeiramente à frente dos slogans nacionalistas/populistas que acariciam nosso amor pelo Brasil apenas para obter vantagens privadas, na forma de cargos, contratos e influência?

O triste fato é que, mesmo com sua eficiente gestão atual, a Eletrobrás estatal jamais conseguirá realizar sua vocação: tornar-se uma das maiores e mais rentáveis empresas de energia do mundo. O Estado não é um bom empresário, e quem luta contra essa realidade hoje, em pleno século 21, vive um apagão intelectual de raiz ideológica, que tem impedido o progresso e a modernidade do País.

Dentro desse contexto, é preciso desmistificar os argumentos daqueles que defendem a ideia de que o Projeto de Lei (PL) 9.463/2018 que propõe a privatização da Eletrobrás será prejudicial ao setor elétrico e ao Brasil.

1. A privatização é entregar uma empresa estratégica a capitais privados:

Pelo PL n.º 9.463/2018, a União terá uma ação de classe especial golden share que, entre outros poderes, protege o modelo de corporação e garante a indicação de um membro do Conselho de Administração, além daqueles associados à participação societária da União, previstos na Lei das S.As.;

O PL também assegura a limitação de 10% do poder de voto – que, na prática, evita um controle da Eletrobrás por um único acionista.

2. A Eletrobrás será vendida por um valor muito pequeno:

A expectativa é de que a capitalização alcançará de US$ 3 bilhões a 4 US$ bilhões.

Essa será uma das poucas transações desse porte esperadas em escala mundial para 2018, importante para o equilíbrio fiscal brasileiro, mas o principal efeito não é o de pagar o atual almoço, e sim os futuros.

3. A privatização é uma medida desesperada e súbita:

A Eletrobrás que conhecemos hoje é resultado de um processo de privatização iniciado na década de 90 e interrompido antes do tempo, por causa do racionamento de 2001 e das eleições de 2002.

A privatização da empresa representa a retomada de uma agenda de eficiência para o setor elaborada há 20 anos, que leva o País na direção da modernidade, com o Estado passando a usar o Orçamento em educação, saúde e segurança pública e não em empresas estatais.

4. A privatização da Eletrobrás irá aumentar a conta de luz ao entregar a empresa a capitais privados:

A Eletrobrás privada passará a ser uma empresa eficiente promovendo melhor alocação de risco, queda no custo de transmissão, maior competição nos leilões de expansão da geração e transmissão de energia e, portanto, menores tarifas.

5. A Eletrobrás é uma empresa que pode dar lucro:

A Eletrobrás e uma empresa que acumula prejuízos nos últimos anos e quebrou com a MP 579/2012 do governo Dilma;

Hoje o Estado brasileiro, que tem um déficit público de R$ 159 bilhões e um déficit social incomensurável, teria de colocar algo como R$ 30 bilhões para a empresa ter uma chance de voltar a dar lucro. Faz sentido?

Enquanto o mundo está em ebulição com a transformação digital e inovações revolucionárias no campo da energia elétrica, aqui ainda existem grupos de privilegiados compostos por sindicalistas, políticos populistas e falsos defensores da privatização que insistem, em pleno século 21, na velha e desgastada tese de que as estatais são estratégicas e que estão sendo vendidas de graça aos privados. E preciso derrubar os sofismas sobre a privatização e mostrar à sociedade que o progresso, a modernidade e o crescimento só virão de maneira sustentada sem as vacas sagradas.

* DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

Magistratura é incompatível com sindicalismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/02
Distorções no auxílio-moradia de juízes podem ser corrigidas pelo STF, mas nada justifica que magistrados façam greve, algo incompatível com a função

A crise fiscal tem servido para que diversas corporações que usufruem privilégios na máquina pública se exponham, na defesa de benefícios inaceitáveis num país em que o Estado quebrou e onde há abissais desníveis de renda, de padrão de vida e de acesso à educação, saúde e segurança. O que faz perpetuar a desigualdade, em todos os níveis.

Os embates em torno da reforma da Previdência — que retornarão tão logo o próximo presidente seja forçado pela realidade a recolocá-la na agenda do Congresso — já ajudaram a revelar o desbalanceamento entre aposentadorias no setor privado (R$ 1.240, em média) e no setor público federal (R$ 7.583), entre outros incontáveis desníveis. Entende-se por que o servidor está na faixa do 1% mais rico da população.

Há, ainda, sérias distorções na remuneração de servidores de alto escalão, apenas formalmente enquadrados sob o teto salarial no setor público, de R$ 33,7 mil, o quanto recebem os ministros do Supremo. Adicionais diversos, não considerados para aplicação do teto, elevam o rendimento real de certas castas para muito acima disso. E até agora sempre ficou tudo por isso mesmo.

Um desses adicionais é o auxílio-moradia para juízes — mas não só —, de R$ 4.377, previsto em lei, regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, mas, com o tempo, deformado. Este penduricalho na magistratura deverá ser julgado pelo Supremo em 22 de março. Por isso, como acontece em outras corporações, há intensa mobilização da categoria para a manutenção do benefício.

É indiscutível que juízes, promotores, parlamentares etc. têm de receber remuneração condigna. Mas tudo precisa ser às claras, sem subterfúgios, dentro da lei. O que não pode é associações de magistrados, caso da que representa os juízes federais do Brasil, atuarem como sindicato, inclusive com propostas de greve.

Movimentos de paralisação no setor público costumam prejudicar basicamente a grande massa da população. Na Justiça, além disso, trata-se de uma agressão ao próprio sentido da magistratura.

Quem decide sobre demandas e conflitos na sociedade não pode agir em causa própria e, ainda por cima, em confronto com a lei e devido a motivos pecuniários — justo quando o Tesouro acumula sucessivos déficits. É inconcebível juízes paralisarem um serviço essencial. Quem julgará uma greve de magistrados?

É preciso não misturar a atuação meritória de juízes com aberrações que ocorrem no auxílio-moradia — um penduricalho que beneficia várias outras categorias no funcionalismo. Conceder o benefício a magistrados que têm casa própria na cidade em que trabalham, por exemplo, é uma distorção. O mérito da magistratura, ou de quem seja, não pode justificar desvarios administrativos e ilegalidades

Espera-se que o julgamento acabe com esses desvios e, é claro, o veredicto seja seguido por todos. É também uma oportunidade de se projetar luz nesses remendos, em todo o serviço público, para dar visibilidade à folha de salários da União, o segundo maior item de despesa do Orçamento. O contribuinte merece respeito.

Saia do Face você também - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 24/02

O idioma do Facebook é anticívico, nele não há lugar para a pluralidade


O hino espanhol não tem letra. Há pouco, Marta Sánchez cantou-o com uma letra de sua autoria, que menciona Deus e as cores da bandeira. Na Catalunha, prossegue –mas agora sob uma chuva ácida de críticas– a política de “imersão linguística” escolar: o catalão domina o currículo, deixando meras duas horas semanais para o espanhol. A Folha decidiu abandonar o Facebook. É uma questão de idioma –e de democracia. “Minha pátria é minha língua”, escreveu Fernando Pessoa. O idioma do Facebook é anticívico. Nele, não há lugar para a pluralidade.

A linguagem nunca é inocente. É o trauma da Guerra Civil que veta à Espanha, monárquica, mas democrática, preencher seu hino com uma letra. Um nacionalismo atrai o outro, seu oposto: a bandeira espanhola tremula nas sacadas de grandes e pequenas cidades, acompanhando o ritmo da agitação separatista na Catalunha e atestando o ressurgimento de uma chama que parecia extinta. A “imersão” catalã obedece à constatação de Pessoa. Crianças e jovens devem pensar num só idioma: ler jornais ou livros, navegar na internet, sintonizar em programas de TV exclusivamente em catalão. O Facebook funciona da mesma forma, mas por meio de algoritmos.

A linguagem veicula projetos políticos, ideológicos. A Groenlândia é a única região oficialmente bilíngue do mundo que marginaliza tanto quanto a Catalunha a principal língua nacional. Na ilha norte-atlântica quase não se ensina o dinamarquês. A razão, explicitada na justificativa dos regulamentos escolares: evitar que os habitantes dos povoados cedam ao canto de sereia da migração rumo às cidades. Você deve permanecer fechado na sua identidade, na sua concha de possibilidades, na sua caverna de certezas –eis o cerne da engenharia social linguística da Catalunha, da Groenlândia e do Facebook.

O conceito original do Facebook nasceu de descobertas da neurociência. Nosso cérebro adora “likes”: buscamos avidamente a aprovação, o reconhecimento e, se possível, a admiração dos outros. No início da vida, queremos “likes” dos pais; mais tarde, do círculo formado por nossos pares, que são amigos, colegas de trabalho ou “irmãos de fé” numa igreja ou partido. Contudo, entre uma etapa e outra, aprendemos o valor do “dislike”: a opinião diferente, a dissensão, a divergência proporcionam uma segunda reflexão –que, reiterando ou negando nosso primeiro impulso, sofistica nosso raciocínio. O “like” está arraigado na estrutura do cérebro; o “dislike”, tal como uma infinidade de instâncias intermediárias entre “like” e “dislike”, é fruto da cultura. Os algoritmos do Facebook operam no registro da negação da cultura.

O ideal dos separatistas catalães é que os habitantes da Catalunha sintonizem apenas a TV3, o canal público controlado por eles que oferece, dia e noite, sempre em idioma catalão, o alimento identitário do nacionalismo. O ideal do Facebook é que os usuários da rede social conversem exclusivamente no pátio murado de seus nichos de interesses, comportamentos e ideologias. A nicotina vicia. Escutar a reverberação das próprias ideias, dos próprios preconceitos, produz efeito semelhante. A Folha saiu do Face para resistir na trincheira do jornalismo.

No berço histórico do jornalismo encontra-se a celebração da divergência: o direito de publicar aquilo que não convém ao governo (veja bem: a qualquer governo). No berço do Facebook encontra-se um truque empresarial inspirado pela neurociência que semeia rancores e aduba o sectarismo. Durante a campanha eleitoral americana, o Facebook lucrou com a disseminação de “fake news” fabricadas pelos órgãos russos de inteligência. O episódio, porém, foi meramente circunstancial. A difusão de propaganda mentirosa pela rede social não depende de um pacto de ocasião com veículos russos, pois decorre da natureza do Facebook. Saia do Face você também.

Alheamento judicial - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/02

Não é a primeira vez que uma parcela de juízes federais se volta para dentro de seu mundo muito particular e, deliberadamente, ignora a realidade do País a que deveriam servir

Um grupo de juízes tenta arregimentar mais colegas de toga para uma greve da magistratura federal prevista para ocorrer no mês que vem. Trata-se de uma reação dos sindicalistas à decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de pautar para o dia 22 de março o julgamento das ações que tratam do auxílio-moradia. O STF decidirá sobre a constitucionalidade do pagamento do benefício a todos os juízes do País.

Cabe lembrar que o auxílio-moradia, que atualmente acrescenta R$ 4.378,00 mensais ao holerite dos magistrados, mesmo aos daqueles que residem em imóveis próprios nas comarcas onde atuam, é pago graças a uma decisão liminar concedida pelo ministro Luiz Fux em uma das ações que, no mês que vem, serão julgadas pelo plenário da Corte Suprema.

Ao conceder a antecipação de tutela, em 2014, Fux entendeu que os juízes federais fazem jus ao benefício por se tratar de “verba de caráter indenizatório”, compatível, segundo ele, com o regime de subsídios previsto pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Verbas indenizatórias não são contabilizadas para efeitos do teto do funcionalismo público.

O ministro Luiz Fux também ressaltou em sua decisão liminar que o benefício já vinha sendo pago a outras categorias profissionais, como os membros do Ministério Público, os ministros de tribunais superiores e a magistratura dos Estados.

O movimento que propõe a greve dos juízes é articulado por um grupo restrito, composto por uma centena de magistrados. No entanto, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que tem cerca de 2 mil associados, avalia se irá apoiar a paralisação. À luz do viés sindical que a associação resolveu adotar sem grandes melindres ultimamente, não é difícil inferir a resposta.

Em nota, a Ajufe diz que os juízes federais estão “no foco de poderosas forças em razão de sua atuação imparcial e combativa contra a corrupção e as desmazelas perpetradas na Administração Pública”. Ora, é difícil compreender por que juízes não tomariam as medidas que lhes são asseguradas por lei contra qualquer indivíduo ou organização que sobre eles desencadeie “poderosas forças”. Ao que parece, a alegação não passa do puído subterfúgio de reagir a todas as críticas que possam ser feitas aos imorais privilégios concedidos aos magistrados como um ataque direto à própria prestação jurisdicional. Nada poderia estar mais distante da verdade.

Não é a primeira vez que uma parcela de juízes federais se volta para dentro de seu mundo muito particular e, deliberadamente, ignora a realidade do País a que deveriam servir. Sobre alguns desses clubes de juízes deve recair uma parcela da responsabilidade pelo fim da tramitação da imprescindível reforma da Previdência, pelo menos neste ano. Em nome da manutenção de um regime previdenciário injusto e anacrônico, parte dos juízes se engajou em uma forte campanha contra a reforma que tem por objetivo não só tornar o primado da igualdade de todos perante a lei uma realidade no País, mas salvar as contas públicas e permitir que futuras gerações de brasileiros possam viver em condições melhores.

Ao cogitar entrar em greve e privar os cidadãos de um serviço essencial – razão pela qual a “paralisação” é proibida por lei, ainda que a ela se deem nomes pomposos como “valorização da carreira” ou “movimento em defesa da Justiça” – tão somente para defender a manutenção de um privilégio que não se coaduna mais com a realidade do País, esse grupo de juízes federais se mostra, mais uma vez, alheio aos ventos de mudança que em boa hora passaram a soprar no Brasil. Já não há mais lugar para disparates como uma greve de juízes para evitar um julgamento.

A mesma turma que diz estar sob ataque de “poderosas forças” deveria ser a primeira a não acionar essas forças contra instituições como o STF. Não pode ser interpretada de outra forma a ameaça de greve dos juízes federais logo após a inclusão em pauta do julgamento de ações que podem contrariar interesses de classe.

Miséria venezuelana - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/02

Pobreza se generaliza em meio à recessão catastrófica criada pelo regime chavista


Estarrecedora, ainda que não surpreendente, pesquisa recém-divulgada sobre as condições de vida na Venezuela dá novas medidas da tragédia provocada pelo regime ditatorial de Nicolás Maduro.

A investigação —a cargo da reputada Universidade Católica AndrésBello (Ucab), com uma metodologia semelhante à da amostra de domicílios do IBGE brasileiro— retrata uma população acuada pela hiperinflação, assustada com a violência e cada vez mais disposta a abandonar o país.

Quase 9 em cada 10 domicílios não dispunham, em meados do ano passado, de renda para comprar uma cesta básica (que inclui alimentos, higiene pessoal, mensalidade escolar e outros itens). A deterioração dos padrões de vida se mostra vertiginosa: em 2014, a parcela, já altíssima, de venezuelanos nessa situação era de 48%.

É um resultado do processo descontrolado de alta dos preços, a uma taxa que, segundo estimativas recentes, tende a passar dos 10.000% neste ano —em meio a uma recessão catastrófica que adentra seu quinto ano.

A segurança pública é outro flagelo. Um em cada cinco venezuelanos declarou ter sido vítima de um crime no ano anterior, mas 65% não formalizaram queixa por falta de confiança nas autoridades.

Na ressaca da bonança petroleira, a maioria das propaladas “misiones”, programas sociais do chavismo, praticamente desapareceu —caso da versão local do Mais Médicos. No seu lugar, criaram-se esquemas emergenciais de distribuição de alimentos, aviltados por corrupção e manipulação política.

Diante de tamanho descalabro, tampouco é surpresa que os venezuelanos deixem o país em massa, fenômeno sem precedentes na sua história. A pesquisa da Ucab estima que 815 mil tenham emigrado nos últimos cinco anos.

O principal destino do êxodo é a Colômbia, para onde rumaram 600 mil pessoas, segundo Bogotá. Em que pese o caos em Boa Vista (RR), o Brasil recebe menos gente do que países pequenos, como República Dominicana e Panamá.

Diante do quadro desesperador, chega a ser espantosa a permanência de Maduro —que, incapaz de governar de fato, tem como único objetivo perpetuar-se no poder.

Rejeitado pela maioria da opinião pública, abandonou o autoritarismo populista e popular de Hugo Chávez para estabelecer uma ditadura sem máscara, a um custo humanitário que não para de crescer.

‘Eu não sou candidato’ - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/02

Não é aceitável que partam do governo sugestões de que atos de Temer tinham por objetivo alimentar candidatura que não existe


Desde que assumiu a Presidência da República, em maio de 2016, com o afastamento de Dilma Rousseff, Michel Temer vem reiteradamente afirmando que não é e não será candidato à reeleição. Isso deveria bastar para encerrar as insistentes especulações sobre o suposto interesse eleitoral de Temer – muitas delas cultivadas pelo próprio entorno do presidente –, pois tal falatório só aproveita a quem pretende criar embaraços ao governo no momento em que este se desdobra para entregar um país minimamente governável para a próxima administração. Como o falatório continua, no entanto, o presidente Temer tornou a vir a público para dizer com todas as letras, de novo, que não é candidato à reeleição.

“Eu não sou candidato”, disse Temer em entrevista à Rádio Bandeirantes. Diante da insistência do entrevistador, que queria saber se aquela resposta era definitiva ou se poderia mudar no futuro, a depender das circunstâncias, Temer respondeu em português claro: “Eu não serei candidato”.

Não há diferença entre essas respostas e a que ele deu em maio de 2016, ainda na condição de presidente interino, quando afirmou, em entrevista à TV Globo: “Eu estou negando a possibilidade de uma eventual reeleição”. Um ano mais tarde, em entrevista coletiva, declarou que era “zero” a possibilidade de tentar a reeleição, ainda que houvesse, no futuro, clamor popular por sua candidatura.

Em nenhum momento, portanto, se ouviu da boca do presidente qualquer afirmação ou mesmo insinuação de que ele poderia ser candidato à reeleição. Essa hipótese só existe e se sustenta, a despeito das negativas do maior interessado, em razão da insistência com que os áulicos do Palácio do Planalto, cada qual com seus objetivos pessoais, fazem circular fuxicos e balões de ensaio sobre as imaginárias pretensões de Temer.

O último a tocar no assunto foi o chefe da Secretaria de Governo, ministro Carlos Marun. Em entrevista à Veja, Marun, a despeito de admitir que Temer “continua a dizer que não quer” tentar a reeleição, afirmou que a candidatura do presidente é “necessária”, pois assim seria possível aprovar a reforma da Previdência no próximo mandato. O ministro acrescentou que a decisão de Temer de intervir na segurança pública do Rio, que a oposição denuncia como um ato eleitoreiro, “será, sim, um fator determinante nas próximas eleições”.

Pelo visto, nem todos entenderam o pito que o presidente mandou passar naqueles que falam mais do que devem a respeito das suas decisões neste momento e de seus supostos planos para as eleições. Como se sabe, depois que o marqueteiro Elsinho Mouco, um dos responsáveis pela propaganda do governo, disse que Temer “já é candidato” e que “o Temer jogou todas as fichas na intervenção”, o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, esclareceu que “assessores ou colaboradores que expressem ideias ou avaliações sobre essa matéria não falam, nem têm autorização para falar, em nome do presidente”.

É evidente que, em política, promessas e garantias não valem grande coisa, mas, ao dizer, de saída, logo ao assumir a Presidência, que não era candidato a nada em 2018, Temer construiu as condições que lhe permitiram se dedicar a uma agenda crucial de reconstrução do Brasil, depois da tragédia lulopetista. Ciente de que sua enorme impopularidade dificilmente seria revertida a tempo de viabilizar uma candidatura à reeleição, Temer pôde se dedicar sem embaraços à dura tarefa de aprovar as reformas que estancaram a violenta crise econômica e administrativa legada por Dilma Rousseff.

O relativo sucesso dessa empreitada acalenta legítimas aspirações eleitorais dentro do governo, a começar pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que fala abertamente de sua candidatura. Assim, é até natural que surjam especulações sobre um eventual desejo do presidente Temer de se reeleger. O que não é aceitável é que partam de dentro do governo sugestões de que os últimos atos do presidente, de enorme gravidade, tinham por objetivo alimentar uma candidatura que simplesmente não existe.