sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Tudo pelo crime - O Exército está proibido de combater os criminosos no Rio de Janeiro - J.R GUZZO

REVISTA VEJA
O Exército está proibido de combater os criminosos no Rio de Janeiro
Cerca de 2,6 mil integrantes das Forças Armadas e das polícias militar e civil participam de uma mega operação para prender 26 pessoas, apreender dois menores e cumprir 34 mandados de busca e apreensão em Niterói (RJ) 


Está tudo perfeitamente correto com a intervenção do Exército no Rio de Janeiro, mesmo porque não há nada que os militares possam fazer a respeito ─ receberam ordens legais, aprovadas por vasta maioria de votos no Congresso, para patrulhar as ruas da cidade, e não poderiam recusar-se a cumpri-las. Mas está tudo errado com a desordem criada na segurança jurídica no Brasil pela ação conjunta de governo, deputados e senadores, juízes e procuradores, ministros dos tribunais superiores e quem mais tem alguma coisa a ver com a aplicação da lei neste país. Esta desordem, como é bem sabido por todos, é hoje o grande incentivo ao crime: transformou o direito de defesa num Código Nacional da Impunidade. Essa situação fornece tantos privilégios aos criminosos, e coloca obstáculos tão grandes à sua punição, que acabou por dissolver a autoridade pública, as leis penais e o sistema Judiciário, hoje humilhados diariamente pelo crime e impotentes para proteger os direitos do cidadão que os bandidos violam como bem entendem. Criou-se um estado de quase anarquia. Aí não há Exército que pode resolver ─ nem o brasileiro e nem o dos Estados Unidos, com o seu efetivo de 1,3 milhão de homens, o seu orçamento de 600 bilhões de dólares por ano e o seu arsenal inteirinho de bombas atômicas.

O Exército brasileiro não pode resolver o problema porque tem de respeitar as leis ─ e as leis criadas há anos pelos donos do poder impedem que a força armada cumpra a missão que recebeu. O resumo da história é o seguinte, para quem não quer passar o resto da vida discutindo o assunto: a tropa enviada ao Rio de Janeiro está legalmente proibida de combater o inimigo contra quem foi despachada. Muito simplesmente, não há no momento para o Exército enviado à frente de combate as “regras de engajamento”. Como uma força militar pode trabalhar desse jeito? Qualquer exército decente do mundo tem suas regras de engajamento ─ até uma tropa ONU em missão de paz. Do contrário, é um ajuntamento de homens com armas na mão. Essas regras são o conjunto de instruções precisas sobre o que os soldados e oficiais devem ou não devem fazer quando entram em ação. Uma das principais é atirar no inimigo. Não se trata de sair dando tiro por aí, mas também não é uma opção em aberto. Um sujeito que porta um fuzil automático no meio da Avenida Brasil para assaltar um caminhão de carga, por exemplo, ou desfila armado pelas favelas, é um inimigo ─ e, portanto, um alvo. Ou não é? Aqui, pela regra, não é. Pelas nossas leis, não há inimigo. Conclusão: o Exército está no meio de uma guerra no Rio, mas nossas leis e tribunais dizem que a tropa do outro lado encontra-se sob a sua benção.

Nossos soldados, assim, se veem na extraordinária situação de não poder atirar no agressor ─ não têm, para tanto, a autorização da lei, nem sua proteção. É como se numa guerra o soldado que matasse o inimigo armado fosse depois levado ao tribunal de júri e processado por homicídio. Quer dizer: o Exército foi chamado para combater o crime, mas está impedido de combater os criminosos. Não tem “poder de polícia” ─ na verdade, tem menos liberdade que a PM do Rio. Não pode prender sem mandato judicial. Não pode revistar um prédio sem licença do juiz. Serve para ficar na rua, aparecer em fotos e fazer os bandidos tirarem umas férias, até a hora de ir embora e entregar o território de novo para eles. Enquanto isso, soldados e oficiais têm de rezar para não precisarem atirar em legitima defesa; vão dizer, aí, que o Exército matou “um civil”. É uma espécie de falência mental coletiva. Para a mídia, os ministros do Supremo, os pensadores políticos e por aí afora, não há assaltantes nos morros do Rio de Janeiro; há civis. É o triunfo do crime, para a tranquilidade dos defensores da nossa democracia.

Os juízes são os verdadeiros sacerdotes nas sociedades modernas; nem podem fazer greve nem podem ser líderes sindicais - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 23/02

É estupendo que a Associação de Juízes Federais (Ajufe) tenha decidido paralisar suas atividades por um dia em sinal de protesto — e advertência — contra matéria a ser votada no Supremo, que pode extinguir o auxílio-moradia da categoria. Se assim decidir o tribunal, é evidente que o benefício para os juízes estaduais estará também com os dias contados. E caberá, entendo eu, que o processo legislativo se encarregue de definir os casos excepcionais que farão jus ao pagamento. Uma coisa é certa: a farra em curso não pode continuar. E isso vale para o auxílio-moradia e todos os outros penduricalhos.

Paralisação de juízes, que corresponde ao aceno por uma greve? É um troço vergonhoso. Mais de uma vez, já afirmei aqui que não consigo nem mesmo conceber associações de magistrados de caráter sindical. Não tem jeito. Acho que a coisa vai contra a natureza mesma da função.

A Constituição e as leis procuram ser claras na sua generalidade — nem sempre conseguem, é verdade. O juiz existe porque lhe cabe ver cada caso à luz da norma, e isso requer sempre dose considerável de arbitrariedade nas duas pontas: seja na interpretação dos códigos, seja na leitura das ocorrências que estão sob sua apreciação. Isso lhe confere um poder fabuloso. É assim é com todos os magistrados, estaduais ou federais, de qualquer instância.

Deveria haver, assim, em todo juiz um ermitão, um homem solitário, torturado — acho que cabe a palavra — pela obsessão de ser justo, para que o arbítrio que ele exerce esteja o mais próximo possível do espírito das leis e da realidade factual e o mais distante possível de suas paixões, de sua ideologia, de sua visão de mundo, de suas idiossincrasias. Um juiz, se querem saber, deveria ser o verdadeiro sacerdote da sociedade. Não por acaso, na origem das culturas, era a autoridade religiosa que exercia esse papel. A evolução das sociedades fez com que os sacerdotes ficassem, então, restritos ao credo que prodigalizam. Restou aos juízes o despir-se das paixões.

Assim, soa-me incompreensível que juízes se juntem em associações, em sindicatos. Com que propósito senão a defesa da própria corporação? Tal prática toca nas raias do absurdo quando uma associação de juízes decide nada menos do que pôr a faca no pescoço do Supremo em defesa de um privilégio tão inaceitável como inexplicável.

A pressão imediata é dirigida contra o Supremo, mas a bucha de canhão ou o boi de piranha dos senhores togados é o povo brasileiro. Repito agora o que já escrevi dezenas de vezes neste blog: numa democracia, a greve de servidores públicos ou de trabalhadores que prestam serviços de natureza pública deveria ser simplesmente proibida, sob pena de demissão sumária. As coisas são simples assim. O patrão do servidor é o povo. Quando funcionários públicos decidem fazer greve, estão chantageando a população, em especial os mais pobres, porque, afinal, são os que têm menos recursos para enfrentar os contratempos decorrentes da paralisação.

Dado que ser funcionário público é uma escolha — e isso vale também para os juízes —, não uma imposição da natureza, não há justificativa possível para a greve. Não se pode chantagear toda uma população em razão de um interesse que não foi satisfeito ou de uma reivindicação que não foi atendida.

É curioso! Até outro dia, boa parte da população estava convencida de que os males do Brasil estavam todos concentrados no Congresso e no Executivo. Esses dois Poderes estariam carcomidos pela corrupção e por interesses mesquinhos, e juízes e procuradores se apresentavam como os demiurgos, os salvadores, a palmatória do mundo. Bastou que viessem a público os privilégios de que gozam os senhores magistrados e os membros do Ministério Público, e assistiu-se, então, a uma explosão de vigarice intelectual e desculpas esfarrapadas.

As duas categorias, sempre tão solertes em apontar o dedo contra a cara de deputados, senadores, ministros, governadores e presidente da República, resolveram reagir da pior maneira possível: tudo faria parte de uma grande orquestração conspiratória porque ambas estariam ocupadas em combater a corrupção.

Assim, que importa que os bilhões torrados em penduricalhos como auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-paletó, auxílio-alimentação, auxílio-pós-graduação não sejam nem mesmo tributados e superem em muito o tal dinheiro recuperado pela Lava Jato? Os doutores não estão nem aí. Querem aplicar a lei com o rigor de Savonarolas da República, mas só para os membros dos dois outros Poderes. Eles próprios ficariam imunes não apenas à sanha moralista — por esta, não tenho nenhuma simpatia —, mas também à moral.

Consta que a ministra Cármen Lúcia, que costuma fazer a política dos juízes, não gostou da ameaça da Ajufe. A coisa teria caído mal no Supremo como um todo. Já vi e ouvi a doutora a fazer reptos apaixonados contra aqueles que, segundo ela, afrontam decisões da Justiça.

Vamos ver o que diz no momento em que juízes decidem afrontar o próprio Supremo.

E uma nota para encerrar: acho que procuradores e juízes andam indo pouco ao supermercado e não têm recorrido aos táxis e aplicativos — bem, de ônibus é que não andam mesmo. A reputação dos doutores não está melhor que a dos políticos. A sorte é não dependerem do voto popular…


Fugindo do paraíso - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 23/02

A esquerda não pode encarar a realidade dos venezuelanos saindo em massa de lá


No século passado, tive a oportunidade de cobrir a chegada dos refugiados do comunismo às praias de Brindisi, na Itália. Vinham da Albânia, sedentos de liberdade e de algum conforto material. E agora testemunho o movimento dos refugiados do socialismo do século 21. Como o drama se desenrola no Brasil, tive a oportunidade de seguir sua trajetória em três viagens à fronteira.

Na primeira entrei na Venezuela. Nas duas últimas concentrei-me em Boa Vista, Pacaraima e no trecho de 200 quilômetros da BR-174 que liga a fronteira à capital de Roraima.

O Brasil ainda não se deu conta desse drama na sua amplitude. Cerca de 180 crianças venezuelanas entram todos os dias no País, na maternidade Boa Vista nascem quatro por dia. E há muitas mulheres grávidas. Toda uma nova geração de brasileiros está surgindo desse drama histórico.

Índios waraos, que desceram da Bacia do Orenoco, vieram em massa para o Brasil. Estão alojados em Pacaraima e em Boa Vista. No ano passado estavam na rua. Eram um perigo para eles e também para a pequena cidade brasileira. Muitos tinham doenças de pele, pelas circunstâncias em que vivam, amontoados na rodoviária e nas cercanias. Hoje estão em abrigo, ainda em situação precária. É praticamente toda uma etnia que se mudou para cá. O que fazer diante disso?

A novidade desta última viagem é que o drama ficou mais intenso, famílias dormindo no chão, crianças revirando latas de lixo, mulheres se prostituindo na capital. Há também nesse sofrimento muita iniciativa, muita gente vendendo picolé, cortando cabelo, desenhando retratos, enfim, buscando uma forma de atenuar a miséria.

Hoje, são os próprios habitantes de Roraima que alimentam os venezuelanos. Mas isso não significa a inexistência de rejeição. As pesquisas indicam um mal-estar crescente, uma xenofobia latente num Estado que já teve os maranhenses como bode expiatório num momento em que se deslocaram em massa para Roraima.

O governo lançou um plano de ordenamento da fronteira com a Venezuela. Assim como a intervenção no Rio, é uma ideia à espera de um plano concreto. O princípio é correto: cadastrar e distribuir os venezuelanos racionalmente pelo País.

Pelo menos em teoria, aprendemos com a história dos haitianos no Acre. Eram em menor número, mas ainda assim foi preciso mandá-los de ônibus para São Paulo, sem nenhum aviso ou preparação.

No caso dos venezuelanos, no êxodo em massa está embutida também uma fuga de cérebros. Não há indicações precisas, mas há quem calcule em 20% o índice de profissionais com curso superior.

Desde o ano passado eu estranho o silêncio das forcas políticas brasileiras. Naquela época, já era possível prever esse desdobramento e, mais ainda, é possível agora afirmar que não existe nenhuma solução no horizonte.

Os venezuelanos vão continuar saindo em massa do país e as eleições anunciadas por Nicolás Maduro, boicotadas pela oposição, devem fortalecer a ditadura bolivariana. Os instrumentos diplomáticos do continente, Mercosul, Unasul, OEA, parecem incapazes de encontrar saída.

O Brasil hesita em internacionalizar o problema, embora a ONU já tenha mostrado simpatia pelo plano teórico de Temer. A internacionalização dificilmente resolverá pela América do Sul um problema que é muito do próprio continente.

A Europa está sobrecarregada com o êxodo pelo Mediterrâneo. Os Estados Unidos são governados por Trump, que não tem simpatia pelos refugiados.

O plano de ordenamento da fronteira, segundo os militares, depende de segurança jurídica. Ali podem trabalhar contra a entrada de drogas e armas. Mas não podem legalmente tratar de migração.

A fronteira continua porosa. Existe algo muito difícil de combater, técnica e politicamente: o contrabando de gasolina. A 174 está cheia de carcaças de carros queimados, muitos deles tentando escapar da polícia com uma altamente inflamável carga desse combustível. Documentei como os carros evitam a aduana e entram por um caminho alternativo trazendo a gasolina, que no lado da Venezuela é tão barata que dez centavos de real dão para encher um tanque. No lado brasileiro é vendida por R$ 1,50 o litro.

É politicamente difícil combater o contrabando, pelos simples fato de que ele faz parte da vida de Pacaraima: a cidade não tem posto de gasolina. Em termos de coerência, o Brasil só pode combater esse tipo de contrabando se abrir um posto em Pacaraima. A cidade se organiza como se isso não fosse necessário.

São 400 quilômetros de ida e volta entre Pacaraima e Boa Vista. É preciso encher o tanque na capital até transbordar ou, então, fazer o jogo do contrabando. Qual o sentido de tirar proveito de um país em ruínas? Jogar no quanto pior, melhor? Essa tese pertence ao outro lado, o de Maduro e seus apoiadores no mundo.

O êxodo entrou no noticiário talvez enfatizando apenas o sofrimento, sem atenção para os milhares de estratégias pessoais de sobrevivência, uma dimensão que é possível sentir nas descrições do escritor Primo Levi do campo de concentração em Auschwitz.

Mas na política mesmo ainda não descobriram o que se está passando por lá, exceto pelo voz desgastada de Romero Jucá. Impressionante como tanto sofrimento some no radar de Brasília. A condição humana escapa à esquerda quando as pessoas fogem do que ela considera um paraíso ou, como Lula, uma democracia em excesso. A esquerda não pode encarar essa realidade porque abalaria sua autoimagem. Entre abrir a cabeça ou se fechar para o mundo, já fez sua opção.

Felizmente, é um drama que não tem repercussão eleitoral, a não ser num universo de meio milhão de habitantes de Roraima. Com as paixões em fogo brando talvez seja possível responder com serenidade a essa tragédia, mesmo sabendo que o horizonte será mais sombrio.

*Jornalista

Uma economia aberta não combina com autoritarismo e descaso social - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 23/02

Repúdio a preconceitos e discriminações é um dos principais valores da filosofia liberal



A longa crise econômica que só agora estamos superando destruiu riquezas, empregos e parte de nossa autoestima, mas deixou certo consenso sobre as raízes dos grandes problemas nacionais.

Hoje parece certo que, independentemente da coloração ideológica dos próximos governos e dos discursos de conveniência de alguns candidatos, a prioridade é reconstruir o Estado brasileiro.

Esse Estado reformado terá que assumir feições enxutas, pautado pela eficiência, e se dedicar mais à definição de políticas estratégicas e menos a atividades que podem, perfeitamente, estar sob a responsabilidade de empresas privadas e organizações da sociedade.

Sua atuação deverá zelar pela regulamentação adequada e pelo aprimoramento das instituições para assegurar a livre concorrência e a igualdade de oportunidades para todos. O grande desafio, para tanto, requer a modernização do Estado e a abertura célere da economia.

Essa é a grande transformação que se faz necessária. Ela trará benefícios ansiados pela sociedade. Mas exigirá uma profunda revisão da relação entre os entes públicos e os interesses difusos da sociedade, a iniciativa privada e os grupos de pressão, especialmente das corporações de funcionários, que desfrutam de largo poder no interior do Estado.

Num país marcado pelo atraso em larga escala e pelo protecionismo de setores empresariais, essa agenda permitirá o avanço do desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade e o progresso social. O leitor identificará aí alguns dos pilares do liberalismo econômico.

Nada estranho em tal conclusão, uma vez que o modelo intervencionista e dirigista do período recente mostrou sua incapacidade em promover políticas públicas eficazes em campos que atendam o interesse geral da sociedade, e não apenas de poucos grupos particulares.

Temos observado, no entanto, um bloqueio dessa formulação moderna e progressista no debate político. Os avanços da agenda econômica liberal têm sido associados, de modo politiqueiro, ao desinteresse pelas demandas sociais e à regressão ao conservadorismo dos costumes.

Tal confusão, sem nenhum lastro na realidade, é propagada muitas vezes de forma deliberada e oportunista pelos que apelam a discursos populistas, de um extremo a outro do arco ideológico, para iludir o cidadão.

Uma sociedade com relações sociais livres de preconceitos e discriminações é um dos valores mais caros à verdadeira filosofia liberal, correspondendo a traços fundamentais de nossa cultura, que tem na miscigenação e na diversidade sua força mais bela.

Atitudes autoritárias, que mal disfarçam o ranço do preconceito de todos os matizes, não ensejam o desenvolvimento que almejamos, ao contrário do que prega quem insiste em apresentar soluções fáceis e monolíticas para problemas complexos e multifacetados.

A visão reacionária ameaça importantes avanços já conquistados, como a consciência ecológica formada com imenso esforço. Além de premissa para a qualidade de vida, o respeito ao ambiente é fator intrínseco à inovação e ao crescimento econômico, como demonstram o desenvolvimento de novas formas de energia e do carro elétrico.

Não há contradição entre a dinâmica de uma economia aberta, moderna, progressista e inclusiva e uma sociedade pautada pela tolerância, liberdade de expressão, respeito à diversidade e evolução dos costumes. As duas visões são intercomunicantes e se tonificam mutuamente. Colocá-las em campos opostos é uma confusão que não pode prosperar.

Falta o dinheiro da intervenção no Rio - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/02

Governo diz que ainda analisa necessidades; Exército quer verba mais ampla para ação e reformas

HÁ MUITAS teorias de críticos e adeptos da intervenção na segurança do Rio. Há muita ambição política no governismo e muita preocupação no Exército de que a ação seja "ampla". Mas não se sabe quase nada de quanto dinheiro será preciso e de quanto haverá.

Os primeiros planos e os comandantes da intervenção devem ser anunciados na semana que vem, mas a operação não se limita a movimentar ainda mais tropas e veículos das Forças Armadas, não apenas do Exército, o que por si só já encarece a logística bem além do previsto pelo Orçamento federal. Os militares querem reequipar minimamente a polícia do Rio.

No Ministério da Fazenda, o que se diz ainda é que as necessidades de recursos adicionais serão analisadas. Logo, a verba extra para a intervenção no Rio ainda não existe. O orçamento do Exército está no osso.

Militares do Exército dizem que alguns investimentos nem são nada extravagantes, em termos de custos e necessidade, como equipar a polícia de veículos que possam circular. No entanto, é óbvio que o governo do Rio não tomava providências, por desordem e porque não tem dinheiro para comprar pneus, incapaz de colocar todos os salários do Estado em dia. Até agora, não há conta do custo desses extras, na verdade básicos.

Oficiais do Exército dizem que há um círculo vicioso de degradação profissional na Polícia Militar do Rio.

Na opinião desses militares, a tropa seria tida como indisciplinada até segundo padrões de qualquer departamento civil de governo, "paisano", que dirá para uma organização militar. É desorganizada, na rotina burocrática cotidiana ou na disposição de efetivos policiais pela cidade do Rio. Além do mais, a hierarquia é muito relaxada.

A falta de equipamentos básicos, como veículos e equipamentos de proteção, além de prédios e quartéis degradados, baixa ainda mais o moral da tropa, o que por sua vez contribui para a desordem, na opinião de oficiais do Exército baseados no Rio. O número grande de mortes de PMs e a falta de sentido de missão dos policiais seriam o problema de base, porém. Mas falta dinheiro para criar outros fundamentos.

Como se sabe, Rodrigo Maia deu uma canelada em Michel Temer ao dizer que o presidente da República assuntou um aumento de impostos a fim de financiar a segurança pública. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz em público que essa ideia jamais foi apresentada a ele.

Seja lá o que o presidente tenha dito, o presidente da Câmara sabia o que estava fazendo, por um motivo e outro. Estava, claro, demonstrando sua irritação por Temer ter roubado a sua "agenda positiva", mas não apenas. Estava expondo o fato de que a pindaíba é um problema da intervenção no Rio.

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, teria dito a Maia nesta quinta-feira (22) que está muito preocupado com a indefinição do governo sobre recursos para a operação, apesar da clareza da ordem de Temer sobre o assunto. Pelo menos isso era o que vazavam parlamentares próximos do presidente da Câmara. Maia quer recuperar sua agenda perdida, até porque deve se lançar pré-candidato a presidente da República agora em março.

Por enquanto, tem mais política do que tutu.

Impunidade no forno - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 23/02


Como o Congresso fracassou e teve de recuar em suas tentativas de “estancar a sangria” da Lava Jato, esse papel pode ser exercido, nada mais, nada menos, pelo Supremo Tribunal Federal. Basta o plenário tomar duas decisões: restringir o foro privilegiado dos políticos com mandato e acabar com a prisão após condenação em segunda instância.

Essas duas decisões, somadas, significam que muitos criminosos de colarinho branco já presos serão soltos e muitos dos que estão na bica para ser presos já não serão mais. Uma equação perfeita cujo resultado tem nome: impunidade.

Como funciona? Assim: 1) o Supremo formaliza o fim do foro privilegiado e empurra os políticos para a primeira instância, em seus redutos eleitorais; 2) o processo praticamente recomeça do zero e pode demorar anos até o acusado ser julgado e condenado pelo juiz e depois pelo TRF; 3) e, com a revisão simultânea da prisão em segunda instância, pelo próprio Supremo, não acontece nada com o réu. Ele vai continuar entrando com recurso atrás de recurso, livre, leve e solto.

Isso tudo com um efeito colateral bastante forte na Lava Jato ou em qualquer investigação, em qualquer tempo, sobre corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Sabem qual? O fim, objetivamente, das delações premiadas que foram fundamentais para desvendar esquemas complexos como o do saque na nossa Petrobrás. Qual envolvido vai fazer delação, sabendo que não corre o risco iminente de prisão?

O fim da prisão após a segunda instância beneficia diretamente o ex-presidente Lula. O fim (ou revisão) do foro privilegiado interessa a todos os políticos com mandato e investigados pelo Supremo. As duas coisas, somadas, dizem respeito a todos eles. Logo, já há especialistas fazendo a seguinte conexão: os antipetistas salvam a cabeça de Lula para salvar todos os aliados; os petistas salvam todos os adversários para salvar a cabeça de Lula. Um “acordão” ou, numa linguagem mais polida, uma “convergência” das forças políticas e dos grandes partidos.

Pode até ser, mas não parece pura coincidência o movimento dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Fachin, relator da Lava Jato, delegou ao plenário o pedido de Habeas Corpus preventivo para Lula não ser preso, criando condições para a previsão de prisão após segunda instância. Ato contínuo, Toffoli anunciou que está pronto para julgar a revisão do foro privilegiado, já virtualmente definida, por 7 dos 11 ministros, mas nunca proclamada porque Toffoli pediu vista mesmo após formada a maioria do plenário.

Uma peça-chave é o ministro Gilmar Mendes, que reúne duas condições curiosas: a de principal anti-Lula do Supremo, mas pronto a mudar seu voto e salvar o petista da prisão. Gilmar não tem proximidade com Fachin, mas Toffoli foi advogado do PT, indicado por Lula para o STF e tem bom diálogo com Gilmar e com Fachin.

Especialistas estranharam detalhes fora da praxe quando Fachin despachou o HC de Lula para o plenário: a rapidez (recebeu, despachou); não esperou a análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ); não pediu informações para os juízes do caso; não solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (que se manifestou apesar disso).

No mesmo embalo, Fachin liberou para o plenário também dois outros pedidos de HC para os quais tinha pedido vista no ano passado na segunda turma. Soou assim: não estou privilegiando o HC de Lula...

Diferentemente da revisão da prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado é bem popular. Mas aos dois, juntos, significam que os processos dos poderosos vão rolar, rolar e rolar, de recurso em recurso, e acabar justamente no Supremo. Só que 20 anos depois...

Autonomia para o Banco Central - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 23/02


Entre as 15 propostas que o governo Temer quer ver aprovadas pelo Congresso está a da autonomia operacional do Banco Central. Embora não tenha a urgência sugerida pelo governo, esta é matéria cuja aprovação terá impacto decisivo no longo prazo, porque aumentará a confiança no Banco Central.

Por que essa autonomia? O Banco Central já não tem autonomia suficiente para exercer sua função? E o que pensar dessa ideia de conferir duplo mandato para o Banco Central: o de controlar os juros tendo como objetivo não só combater a inflação, mas, também, garantir mais emprego?

O Banco Central é o cão de guarda do maior ativo dos brasileiros: sua própria moeda. Se não tiver autonomia para exercer sua função, serão os políticos que passarão a comandar a guitarra. E o resultado disso a gente já sabe.

No momento, o Banco Central opera com autonomia informal. Nem o atual presidente da República nem o ministro da Fazenda se metem na política monetária, o único instrumento que o Banco Central tem para o combate à inflação.

Quando alguém diz que o Banco Central controla a política de juros isso tem de ser entendido como resultado de sua política e não como o mecanismo a ser acionado. O que o Banco Central faz é ajustar o nível de moeda de modo que seu preço, que são os juros, fique nos níveis pretendidos.

Mas nem sempre o Banco Central do Brasil operou com autonomia de fato, já que a formal não existe. Em 2011 e 2012, durante o governo Dilma, por exemplo, o Banco Central derrubou os juros apenas porque a presidente assim exigiu. E deu no que deu, os preços dispararam com o aumento de despejo de moeda e, sob ameaça de perder de uma vez o controle da inflação, o Banco Central teve de reverter sua política.

Para garantir autonomia formal é necessário o cumprimento de duas condições: mandatos fixos dos seus diretores, sem possibilidade de demissão, a não ser por justa causa; e mandatos não coincidentes com os das principais autoridades do Poder Executivo.

O duplo mandato seria um equívoco que, no Brasil, produziria deformações. 

Quem defende o duplo mandato quer que, além de combater a inflação, o Banco Central estimule a criação de empregos e o crescimento econômico.

Trabalhar com duas metas, a de inflação e a de emprego (ou de avanço do PIB), é como pretender apagar incêndio sem sujar a casa. São objetivos de difícil conciliação quando calibrados para produzir efeitos imediatos, especialmente no Brasil, onde a inflação é endêmica. E o desemprego pode ser produzido por fatores que nada têm com o volume de moeda na economia. Pode ser produzido, por exemplo, pela adoção de novas tecnologias, como vem acontecendo.

Argumentar que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) trabalha com dois mandatos é ignorar que o Fed apenas finge o cumprimento da meta de emprego. Na prática, trabalha apenas com meta (informal) de inflação, de 2% em 12 meses.

Além disso, o Brasil está longe de ser uma economia equilibrada. Quando a política fiscal não ajuda, não há outra opção à política monetária do que aumentar os juros para combater a escalada da inflação, ainda que o efeito colateral seja contração da atividade econômica.


CONFIRA:

Imposto para a segurança

O ministro Henrique Meirelles rechaçou a proposta de que o governo crie imposto para cobrir despesas com segurança pública. A ideia desse imposto é absurda e desconhece as regras republicanas de financiamento do Estado.

O apelo de Jatene

Lembra o apelo que o então ministro da Saúde, Adib Jatene, fez em 1996 para a criação de um imposto “para financiar a saúde”. Como a arrecadação de um imposto não pode ter finalidade específica, foi criada a CPF (depois CPMF). Mas, mesmo tendo finalidade específica, o dinheiro arrecadado foi para o Tesouro e usado para outras coisas.

Questão de orçamento

Cada país tem suas necessidades e fontes de financiamento. A elaboração do Orçamento deve eleger as prioridades. Se o dinheiro vai para segurança ou para a educação e não para o investimento em energia elétrica é questão de opção política. Se é para gastar mais em segurança, outros setores terão de perder.

O malabarismo de Temer - ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

O GLOBO/ESTADÃO - 23/02

Por que se precipitou uma intervenção que poderia ter sido feita 10 dias depois?

E tudo se acabou na quarta-feira. Na véspera do carnaval, o Planalto ainda parecia empenhado em levar adiante o que anunciara poucos dias antes: uma derradeira tentativa de mobilizar a maioria de três quintos que permitiria a aprovação da reforma da Previdência, ainda em fevereiro. Mas, num piscar de olhos, as prioridades mudaram. E, de início, Temer nem mesmo deu o dito por não dito. É impressionante a sem-cerimônia com que políticos podem abandonar de chofre um tema que lhes dominou o discurso por meses a fio, como se jamais tivesse sido sequer mencionado.

É bem verdade que o tema ficara espinhoso. Já em dezembro, parecia claro que a aprovação da reforma se tornara difícil. Mas o Planalto fez o que pôde para manter viva a perspectiva de aprovação, dando amplo uso ao tema para ocupar o noticiário de janeiro.

No fim do recesso parlamentar, contudo, o governo já não escondia sua apreensão com o ônus político que poderia advir do desfecho decepcionante da longa batalha pela aprovação da reforma. O desafio passara a ser evitar que o abandono da batalha tivesse conotação de derrota. Ressabiado, o presidente da Câmara externava abertamente sua irritação com a possibilidade de que Temer ficasse tentado a se esquecer dos longos meses de aperto por que teve de passar, na esteira do 17 de maio, e quisesse pespegar toda a culpa pelo fiasco no Congresso.

É até possível que, se Joesley Batista tivesse sido barrado na portaria do Jaburu naquela noite fatídica, a reforma já estivesse aprovada desde meados do ano passado. Nunca saberemos. É também verdade que, no final do ano, quando Temer afinal se livrou da última denúncia, o governo conseguiu afinal acertar seu discurso sobre a reforma, ao passar a bater na tecla certa da eliminação de privilégios. Mas, àquela altura, a fragilização de Temer já tinha comprometido em larga medida sua ascendência sobre a bancada governista.

Não eram infundadas, portanto, as preocupações do Planalto com o ônus político do abandono da batalha. O que surpreendeu foi a forma peculiar com que Temer, afinal, tentou se desvencilhar desse ônus, apostando numa cambalhota política de alto risco que, num passe de mágica, supostamente lhe permitiria transmutar-se, incólume, de patrono da reestruturação da Previdência em paladino da segurança pública.

Não é que as duas coisas não tenham relação. Têm, e muita. A deterioração da segurança pública vem sendo agravada, em grande medida, pela crescente penúria fiscal dos Estados, engendrada, em boa parte, pelo crescimento insustentável de suas folhas de inativos. Não haverá solução estrutural para a crise da segurança pública sem o alívio fiscal que a reforma da Previdência poderá propiciar aos Estados.

O governo poderia ter feito bom uso do agravamento da crise de segurança no Rio de Janeiro para dar ao Congresso o senso de urgência que faltava para aprovar a reforma da Previdência. Caso não conseguisse, pelo menos teria feito da questão previdenciária o tema central da campanha eleitoral deste ano.

Mas o Planalto não quis incorrer no ônus político de uma possível derrota no Congresso. Preferiu jogar a toalha, agarrando-se à absurda alegação de que a necessidade de intervenção federal imediata no Rio de Janeiro inviabilizara a aprovação da reforma na última semana de fevereiro. “O governo tomou a decisão de fazer da guerra ao banditismo sua prioridade”, foi o “esclarecimento” afinal dado, no início desta semana, por Carlos Marun, a quem Temer entregara, em dezembro, a Secretaria de Governo da Presidência da República, para que mobilizasse a maioria requerida para a aprovação da reforma no Congresso.

Nada disso implica subestimar o descalabro da segurança pública no Rio de Janeiro ou negar a necessidade de intervenção federal. O que é deplorável é que Temer tenha precipitado uma decisão que poderia ter sido tomada 10 dias depois, para tentar se esquivar do ônus político de um desfecho desfavorável da batalha pela reforma da Previdência, de olho no seu impensado projeto de reeleição.

* ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Sai a reforma, ficam as contas - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO 23/02

O novo presidente terá de enfrentar os efeitos de uma dívida crescente, a expansão veloz do gasto obrigatório e o peso cada vez maior das aposentadorias


Congelada a reforma da Previdência, a vida prossegue, o governo tem de cuidar das contas deste ano e ainda precisa montar o Orçamento de 2019, tarefa especialmente difícil e delicada. Sem a mudança no sistema previdenciário, será preciso planejar um corte de R$ 14 bilhões nas despesas do próximo ano, disse ao Estadão/Broadcast o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. Para isso será necessária uma revisão mais detalhada e mais severa de cada grupo de gastos. O procedimento seguinte poderá envolver, além da tesourada no dispêndio, uma unificação de programas. Na melhor hipótese, o novo presidente, eleito no fim de 2018, concluirá seu primeiro ano sem violar a meta fiscal ou a regra de ouro, isto é, a proibição de endividar o Tesouro para cobrir parte do custeio. Mas terá de enfrentar os efeitos de uma dívida crescente, a expansão veloz do gasto obrigatório e, de modo especial, o peso cada vez maior das aposentadorias.

Com a redução dos juros básicos, permitida pelo amplo recuo da inflação, a dívida pública tem crescido um pouco mais devagar. De toda forma, o passivo financeiro do governo continua aumentando e a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) tende a elevar-se nos próximos anos. Embora a inflação deva continuar na meta ou pouco abaixo desse ponto, especialistas projetam para 2019 e 2020 juros mais altos que os atuais. Também isso afetará a gestão financeira do próximo governo.

O quadro poderá ficar mais complicado com qualquer novo rebaixamento do crédito brasileiro. Até agora, a má classificação do Brasil pelas agências de avaliação de risco tem produzido pouco ou nenhum efeito nos mercados. O fluxo de investimentos e financiamentos continua satisfatório. Mas o cenário tenderá a mudar, se os juros externos subirem mais velozmente. Nesse caso, a opinião das agências de classificação poderá ter mais peso nas decisões de financiadores e investidores. Com o congelamento da reforma da Previdência, representantes das classificadoras já falaram sobre o risco de novos cortes da nota brasileira.

A curto prazo, a equipe econômica tem de enfrentar duas tarefas complexas. Até junho deverá enviar ao Congresso o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com as linhas básicas da programação financeira do próximo ano. Em seguida, deverá trabalhar na proposta do Orçamento, para entregá-la até 31 de agosto. Um dos principais desafios será montar uma blindagem contra a violação da regra de ouro. Se romper essa regra, o novo presidente poderá ser acusado de crime de responsabilidade.

Para este ano os ministros da área econômica têm dado como certos o cumprimento da regra de ouro e o da meta fiscal, assim como o respeito ao teto de gastos. A meta fiscal determina o valor de R$ 159 bilhões como limite para o déficit primário, isto é, para o saldo calculado sem a conta de juros. Podem estar certos, mas o mero respeito a esses limites ainda será um desempenho pouco satisfatório.

Afinal, a administração tem tarefas básicas e programas para executar. Mesmo para executá-los modestamente, o governo precisará de verbas previstas no Orçamento, mas ainda muito incertas. Parte do dinheiro poderá vir da reoneração da folha de pagamentos, mas o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), já anunciou a intenção de manter o benefício para grande número de setores. Ou seja, anunciou que, mais uma vez, o interesse particular, favorecido há anos por uma desoneração mal planejada, será sobreposto ao interesse geral.

Para operar com menor aperto o governo depende também da aprovação de outros projetos, como o da privatização da Eletrobrás. A proposta de adiamento do reajuste do funcionalismo nem está em condições de ser votada, porque seus efeitos estão suspensos pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. Enquanto o projeto permanece encalhado, o Tesouro vai gastando. Nesse jogo, alguns ganham à custa de todos, principalmente dos mais dependentes da execução das funções públicas. Como ocorre há muito tempo, tudo se passa como se o equilíbrio do Tesouro fosse responsabilidade só do Executivo.

Preconceito contra a intervenção - VLADIMIR PALMEIRA

O GLOBO - 23/02
Morte de inocentes, sobretudo nos bairros pobres, estava saindo dos limites

A es
querda reagiu mal à intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeiro, com a indicação de um general do Exército para cuidar da área. De forma preconceituosa. E partidarista.

Aqueles que tentam elevar um pouco a crítica afirmam, com razão, que a intervenção não resolverá o problema da violência no Rio de Janeiro. De fato, não resolverá.

Sabemos que a solução deste problema, sempre parcial, aliás, só virá com medidas a longo prazo. A mais importante das quais é, sem dúvida nenhuma, uma distribuição de renda mais justa em nosso país. Não me refiro somente à renda no sentido estrito. Mas também à melhoria efetiva nas áreas de transporte, educação e saúde.

Do ponto de vista policial, estamos diante de mais de uma questão. Em primeiro lugar, nossa polícia tem um grau de despreparo muito alto. Em segundo lugar, houve a preferência pela ação repressiva, e não investigativa. Em terceiro lugar, a própria polícia está em parte ligada à corrupção — basta lembrar o caso do batalhão de São Gonçalo. Em quarto lugar, houve um grande descaso depois do fracasso das UPPs — a demagogia desmascarada trouxe não novas propostas, mas uma terrível inação. Como resultado, a guerra entre quadrilhas tornou-se mais radical, e os próprios policiais começaram a ser mortos sistematicamente pelos bandidos.

Finalmente, a ação policial Cabral-Pezão desconsiderou completamente qualquer poder civil e as comunidades interessadas.

Evidentemente, a intervenção federal não vai resolver este tanto de questões. Mas a situação estava ficando insustentável. A morte de inocentes, sobretudo nos bairros pobres, estava saindo dos limites. A polícia não tinha mais rumo. Rumo nenhum.

O Rio precisava de um choque positivo. A intervenção federal pode representar este choque. Um chega pra lá na bandidagem. Dependendo de como for conduzida, em coordenação com a polícia investigativa, pode deter o avanço da violência.

Às entidades da sociedade cabe acompanhar as ações e denunciar caso os direitos individuais dos moradores sejam violados pelos soldados do Exército — assim como deve ser feito quando esses direitos são violados pelos policiais militares.

Soluções a longo prazo serão debatidas no processo eleitoral. E poderão ser implementadas por um governo eleito.

O governo Pezão já acabou. Por isso, inclusive, a intervenção federal deveria ter vindo antes e ter sido feita de forma completa, afastando o governador. O governo Crivella, por sua vez, nunca começou. É importante, que, dado um chega pra lá nos bandidos, os partidos, inclusive, de esquerda, assumam suas culpas e tratem de mudar a política geral de segurança.

Vladimir Palmeira é professor universitário e foi deputado constituinte (PT-RJ)

O medo dos adversários de Temer é que a intervenção revele o bom governo que ele faz - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 23/02

O eventual efeito eleitoral de uma intervenção não altera as causas que a motivaram



Michel Temer fez o certo e interveio na área de segurança pública do Rio. Os mercadores morais de cadáveres, balas perdidas e execuções sumárias logo conjuraram suas forças, gritando a uma só voz: "Ele está pensando na reeleição!" É mesmo? O presidente está no gozo pleno de seus direitos políticos, e a Constituição lhe faculta o direito de concorrer.

Se toda a ação do Planalto for vista por esse prisma, então é preciso paralisar a máquina do governo. Mais: o eventual efeito eleitoral de uma intervenção —que também pode ser negativo— não altera as causas que a motivaram. O verdadeiro temor dos detratores ainda não veio à luz. E pretendo revelá-lo aqui, depois de algumas considerações.

O coro dos contrários juntou Jair Bolsonaro, Lula, os críticos profissionais do governo e, para a minha surpresa, uma verdadeira multidão de especialistas em intervenção federal. Nem sabia que eles existiam.
Dado o ineditismo da coisa, qual é a fonte de informação dos palpiteiros? Essa gente cotejou as suas respectivas teses com que realidade fática? Não há nada. Só mesmo o ímpeto de maldizer e a picaretagem retórica.

Até a semana passada, dizia-se que a reforma da Previdência era a cartada do presidente para tentar se viabilizar eleitoralmente. Nunca entendi por qual caminho, dada a óbvia e injustificada impopularidade da proposta.

Agora vociferam: Temer trocou a Previdência pela intervenção. Para uma mentira ao menos verossímil, forçoso seria que a reforma fosse questão de vontade. Era? Para inviabilizá-la, até Cármen Lúcia, presidente do STF, vestiu meias e chuteiras e entrou em campo, impedindo a nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho. Em nome da suposta probidade, a doutora deu uma bica na Constituição, inciso I, artigo 84, e a mandou pro mato.

O verdadeiro temor dos adversários de Temer atende pelo nome de "efeito espoleta". Dilma conheceu o dito-cujo pelo avesso. Em 31 de março de 2013, seu governo era considerado ótimo ou bom por 65% dos brasileiros (Datafolha). A economia havia crescido só 2,7% em 2011 (contra 7,5% no ano anterior), com inflação de 6,5%. Em 2012, esses índices foram de 0,9% e 5,84%, respectivamente; em 2013, de 2,3% e 5,91% --mas já com dois trimestres seguidos de PIB negativo.

O mal-estar era sentido, mas não percebido. Aí a extrema-esquerda, encarnada pelo Movimento Passe Livre, resolveu botar fogo no circo. Na primeira semana de junho, 57% ainda consideravam a gestão Dilma ótima ou boa. Na última, depois de alguns dias de protestos, o índice haveria despencado 27 pontos. O MPL perdeu o controle das ruas, que passaram a ser ocupadas por adversários do petismo.

Dilma foi reeleita, batendo na trave. O resto é história. Não caiu por causa da Lava Jato. Foi derrubada pela recessão, pelo desemprego, pela inflação, pelos juros, pelo déficit. O crime de responsabilidade foi só a condição necessária, mas nunca suficiente, para o impeachment.

Temer está no poder há 21 meses. Não tenho memória de uma gestão tão eficaz em período tão curto. A inflação saiu da casa dos 10% para menos de 3%, mas 69%, segundo o Ibope, reprovam a atuação do governo na área. A Selic desceu a ladeira: de 14,25% para 6,75%, mas estupendos 82% repudiam a política no setor. Saímos de uma recessão de 3,6% para um crescimento de ao menos 3,5% neste ano, mas 70% consideram o governo ruim ou péssimo. Os que anteviram as múltiplas ruínas no governo vão ter de renovar seu estoque de cacoetes do pessimismo profissional ou despudorado —porque a serviço de causas...

Dilma sustentava sua popularidade num paiol de pólvora. O esquerdista Passe Livre foi a espoleta que mandou pelos ares o governo de esquerda. Sempre serei grato à turma.
Temer tirou o país do buraco, mas uma espécie de "doxa de opinião" --os motivos são conhecidos-- impede que se veja a vida como ela é.

Dilma teve uma queda de popularidade de 27 pontos em três semanas. Reviravoltas acontecem em política, em especial quando aprovação ou reprovação, por motivos os mais diversos, são artificiais. O fato é que os adversários do presidente temem que a intervenção no Rio possa ser o mecanismo a despertar parte considerável dos brasileiros para a nudez crua da verdade —que, no caso, é favorável a Temer.
Isso explica a gritaria.

Mandado coletivo é necessário - FÁBIO MEDINA OSÓRIO

O GLOBO - 23/02
Serve para adentrar residências em busca de armamentos ou mesmo na perseguição a criminosos foragidos, sem falar na busca de produtos de crimes

Alguém tem dúvida de que a residência é local inviolável, nos termos do artigo 5º, capítulo 11, da Constituição Federal? As exceções são as hipóteses previstas de prévia ordem judicial, flagrante delito ou desastre, e para se prestar socorro.

Tratemos, então, da prévia ordem judicial, que remete ao mandado de busca e apreensão, disciplinado no artigo 243 do Código Processual Penal. Esse dispositivo estabelece que se deve indicar “o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”.

Os mandados de busca servem para adentrar residências em busca de armamentos ou mesmo na perseguição a criminosos foragidos, sem falar na busca de produtos de crimes. O que significa o mais precisamente possível quando estamos a cuidar de territórios inteiros dominados pelo crime organizado? O direito de propriedade sobre os imóveis situados nesses territórios fica bastante fragilizado. E a finalidade a que se destina um mandado de busca resultaria esvaziada, se houvesse uma visão restritiva dessa regra — o que enfraqueceria os direitos dos próprios ocupantes desses imóveis, que se veriam expostos à ação de quem domina aquele território.

Em áreas ocupadas pelo crime organizado, como ocorre nas favelas cariocas, em que os próprios moradores vivem sob o império do medo e do controle por parte dos delinquentes, não se pode estabelecer os mesmos parâmetros do mandado de busca destinado a uma área sob controle do Estado.

Analiso tal quadro pela perspectiva dos direitos dos próprios titulares da propriedade ou posse dos imóveis. A característica central do crime organizado no Rio é a territorialidade ocupada em detrimento do Estado. A autoridade territorial nessas comunidades não é o Estado, mas sim o detentor do poder paralelo. Vale dizer, esses personagens integrantes das organizações criminosas garantem os direitos dos moradores, incluindo o direito de propriedade. São eles que detêm o monopólio da violência, não o Estado. É exatamente na caracterização de uma grave desordem pública que se justifica a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, conforme está assegurado no decreto presidencial.

Por essa linha de raciocínio, mandados de busca coletivos seriam uma garantia de que os criminosos não conseguiriam invadir domicílios alheios para buscar abrigo contra legítimas ações do poder público.

Ao contrário do que muitos juristas afirmam, os mandados coletivos resguardam os direitos dos próprios moradores dessas comunidades, na medida em que lhes permitem o acesso das Forças Armadas às suas casas, e assim impedem que seus imóveis sejam ocupados pelas organizações criminosas.

Impressiona o discurso, encampado até mesmo por respeitados juristas, que presume que as autoridades policiais e Forças Armadas sejam o “lado mau” nesse embate que se travará em áreas ocupadas no Rio há muitos anos pelo crime organizado.

Pode-se discutir se a intervenção foi ou não oportuna, se foi ou não bem planejada, se poderá ou não funcionar, se teve ou não fins políticos. Porém, para que produza resultados minimamente satisfatórios, as Forças Armadas necessitam dispor dos meios adequados. A deterioração dos espaços públicos nas favelas ocorreu por abandono do Estado, por ineficiência endêmica, por corrupção.

Houve falhas estruturais na gestão da segurança pública, e lamentavelmente essa não é uma realidade apenas do Rio de Janeiro. Porém, em tal estado, a característica da ocupação territorial pelo crime organizado é peculiar. A (re) ocupação do território pelo Estado exige, sim, mandados de busca coletivos, circunscritos a determinadas áreas, com especificações que assegurem a lisura das operações, seus objetivos, suas finalidades, e as razões em que se alicerçam.

Fábio Medina Osório é jurista e foi ministro da Advocacia-Geral da União

Sem juízo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 23/02

Apego de magistrados a penduricalhos dá ideia de como será a batalha para reformar o Orçamento


Entre a desfaçatez e o ridículo, magistrados federais tentam fazer avançar a ideia de uma paralisação da categoria —movimento cujo propósito, embalado em retórica jurídica e sindical, limita-se à defesa do indefensável.

O alvoroço decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal, já tardia, de marcar para 22 de março o julgamento que pode acabar com a concessão generalizada de auxílio-moradia a juízes, incluídos os que residem em imóvel próprio na cidade onde trabalham.

Essa benesse, de R$ 4.377,73 mensais, está amparada em decisão provisória de 2014 do ministro Luiz Fux, e apenas afinidades corporativas parecem explicar a delonga do STF em deliberar de modo definitivo sobre o assunto.

Basta o bom senso mais elementar, afinal, para entender que tal modalidade de remuneração extra só faz sentido nos casos de profissionais deslocados para regiões distantes de sua residência habitual.

Entretanto a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) faz o que pode para desafiar a lógica. Em nota pública, a entidade reclama que outras vantagens, a exemplo das pagas na Justiça estadual, não serão examinadas —como se um privilégio justificasse outro.

Já em mensagem aos associados, a Ajufe repete a cantilena de que o Judiciário não tem recebido reajustes salariais —e o auxílio-moradia, presume-se, seria uma forma tortuosa de compensação.

É espantoso que o argumento venha de uma categoria instalada no 1% mais bem pago da população nacional, além de protegida do elevado desemprego que aflige os brasileiros há três anos.

Em média, cada um dos 18 mil magistrados do país custa R$ 47,7 mil mensais aos cofres públicos. O montante, bem superior ao teto do funcionalismo (R$ 33,8 mil), evidencia que o auxílio-moradia é apenas um de muitos mimos custeados pelo contribuinte.

O apego mesquinho de uma corporação de elite a penduricalhos desse tipo dá ideia de como serão árduas as batalhas para reformar o Orçamento público. Privilegiados pelas garantias do Estado, no mais das vezes, refugiam-se às lamúrias no papel de vítimas para manter seus ganhos ou reivindicar novos.
Uma eventual paralisação dos juízes, por sinal, acrescentará mais um período de folga aos dois meses de férias a que eles têm direito.


Quando muita gente fala - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 23/02

O ano de 2019 é uma incógnita. É momento de cuidado, impróprio para boquirrotos


O Palácio do Planalto foi enfático ao rejeitar a insinuação de que o presidente da República, Michel Temer, deseja ser candidato à reeleição e que suas recentes decisões, como a intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, seriam uma preparação para a campanha eleitoral do segundo semestre. “A agenda eleitoral não é, nem nunca o será, causa das ações do presidente”, disse o porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola.

“O presidente da República não se influenciou por nenhum outro fator, a não ser atender a uma demanda da sociedade. É essa a única lógica que motivou a intervenção federal na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou o porta-voz.

O esclarecimento foi muito oportuno, já que as circunstâncias do anúncio da decisão da intervenção federal suscitaram dúvidas a respeito das motivações da inédita medida. Tratava-se de um ato muito sério, com muitas consequências para o País – não apenas para o Estado do Rio de Janeiro –, que veio desacompanhado das necessárias explicações. Na semana passada, quando a medida foi anunciada, o que se notava era um tom de improvisação e precariedade, que alimentou ainda mais as naturais incertezas envolvidas em episódios dessa natureza.

A declaração do porta-voz da Presidência da República também atendeu a outra finalidade, talvez ainda mais necessária, tendo em vista recentes afirmações de quem, ao menos aparentemente, é próximo ao presidente Michel Temer. “Assessores ou colaboradores que expressem ideias ou avaliações sobre essa matéria não falam, nem têm autorização para falar, em nome do presidente”, disse Alexandre Parola.

Foi o caso do marqueteiro Elsinho Mouco, um dos responsáveis pela propaganda do governo federal. Em entrevista publicada pelo jornal O Globo, Elsinho Mouco afirmou que Michel Temer “já é candidato”. Na avaliação do marqueteiro, “a vela está sendo esticada. Agora começou a bater um ventinho”.

Em qualquer governo e em qualquer circunstância, declarações desse tipo são desastrosas. Convém lembrar que o presidente Michel Temer afirmou várias vezes que não será candidato à reeleição. No caso do atual governo, que conta em seu repertório com episódios de comunicação falha, a questão torna-se ainda mais grave. Não poucos podem pensar que, de fato, Elsinho Mouco fala em nome do governo de Michel Temer.

Não é apenas a imagem do presidente da República que está em jogo. As próprias instituições são postas na berlinda, como se estivessem sendo manipuladas para determinados interesses eleitorais. A intervenção federal na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro envolve diretamente as Forças Armadas, tendo sido nomeado como interventor um general. Certamente causa enorme desconcerto na população ouvir o marqueteiro que presta serviços ao Palácio do Planalto dizendo que a intervenção foi como um lance de pôquer. “O Temer jogou todas as fichas na intervenção”, disse Elsinho Mouco, provando que, se não ouve bem, fala demais.

É um alívio para o País, portanto, o esclarecimento de Alexandre Parola, que expressou com precisão qual é o valor que se deve dar a declarações como a de Elsinho Mouco. Ele não fala em nome do presidente Michel Temer. Elsinho Mouco fala em nome de Elsinho Mouco, e quando afirma que Michel Temer “já é candidato”, ele está indo muito além de suas atribuições profissionais.

Antes da intervenção federal, a situação atual já era especialmente sensível. Com muito sacrifício, o País luta para sair da grave crise que o lulopetismo deixou. A economia apresenta sinais de melhora, mas as circunstâncias políticas continuam a gerar significativas incertezas, especialmente por ser ano eleitoral. O ano de 2019 é ainda uma grande incógnita. Nesse cenário, vem abaixo a reforma da Previdência e entra a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. É, alerta até o mais incauto, momento de grande cuidado, impróprio para boquirrotos.