quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Vem aí o superajuste - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 08/02


A economia mundial terá de passar por um grande ajuste, o que pode produzir solavancos. A derrubada das bolsas globais na segunda-feira não pode ser avaliada apenas como susto. Mostra que os mercados não estão preparados para o que tem de vir.

Necessidade de ajuste pressupõe existência de desajuste. Os atuais desajustes foram produzidos pelos grandes bancos centrais, desde 2008, em resposta a outro desajuste. A crise que começara então caracterizou-se por forte rejeição de ativos (títulos, ações, imóveis e commodities). As razões dessa rejeição são capítulo à parte. O que importa aí foi a reação dos bancos centrais.

Para criar demanda ao megaencalhe de títulos, os bancos centrais passaram a comprar ativos, a chamada operação afrouxamento quantitativo (quantitative easing: QE). Essas compras corresponderam a despejo enorme de dinheiro nos mercados. Apenas o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) emitiu US$ 4,4 trilhões. Operações equivalentes foram feitas pelo Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra e Banco do Japão.

Essa dinheirama supervalorizou os ativos, principalmente ações nas bolsas globais, mas não produziu disparada no custo de vida, fenômeno ainda à procura de explicação. O sumiço da inflação foi a principal razão pela qual os bancos centrais foram adiando o ajuste, que consiste em reverter o QE: devolver, com a suavidade possível, os títulos aos mercados e, em contrapartida, enxugar o volume de moeda. (Menos moeda, pela lei da oferta e da procura, aumenta o preço do dinheiro, os juros.)

A novidade está em que a economia mundial se recupera com força. Nos Estados Unidos, além de avanço do PIB de 1,5% e de 2,3% nos dois últimos anos, houve grande aumento da procura por mão de obra. O desemprego caiu a 4% da força de trabalho, apontando para situação próxima do pleno-emprego. Mais procura por mão de obra implica aumento dos custos de produção e maior demanda por mercadorias e serviços. A volta da inflação parece contratada e o Fed terá de retirar dinheiro (aumentar os juros) para combater a alta.

Apenas a perspectiva de aumento dos juros produz, por si, só brutal transferência de recursos: rejeição de aplicações de risco e procura por renda fixa e segurança. As bolsas despencaram por isso e por um fator adicional: ampla automação nas mudanças de posição. Os computadores estão programados a emitir ordens instantâneas de venda desde que se configurem determinadas condições medidas por algoritmos.

Para evitar grandes deslocamentos que podem botar o navio a pique, os bancos centrais têm de operar com muito cuidado. Mas, por mais suaves que sejam na condução de sua política monetária (política de juros), têm de contra-atacar sempre que a inflação prevalecer. Esse mega-ajuste e a dosagem a ser empregada é questão em debate.

A economia brasileira que se beneficiou até agora da impressionante abundância de recursos (bonanza) poderá ter de enfrentar vagalhões. E aí conta o equilíbrio do navio. Os enormes rombos fiscais e, mais ainda, a baixa disposição política para levar adiante as reformas deixam a economia brasileira especialmente vulnerável.

CONFIRA:

Mais um corte


O Copom decidiu cortar os juros básicos (Selic) em mais 0,25 ponto porcentual, para 6,75% ao ano. É o nível mais baixo desde 1999. Esse movimento já fora sinalizado pelo Banco Central. Por isso, foi objeto das apostas majoritárias do mercado financeiro e de quem põe dinheiro no mercado futuro de juros. O comunicado avisou que a disposição é manter os juros por aí mesmo, a menos que algo novo altere a atual conjuntura favorável para a recuperação da economia. O risco maior é a paralisação das reformas.

A Corte informa: vai cumprir a lei! - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 08/02
Há tolerância com a roubalheira e com os governantes que convivem com essas ilegalidades e deixam passar

Algo vai mal quando a presidente da Suprema Corte, em tom solene, declara que a lei vale para todos e assim será aplicada. E ainda colhe aplausos de muita gente. Firme pronunciamento, foi um comentário comum.

Mas isso, que lei vale, não deveria ser um fato dado? É assim que funciona numa democracia. E se fosse isso mesmo, a fala da ministra Cármen Lúcia teria sido uma formalidade inútil. Claro que a Corte está lá para cumprir a lei.

Mas o discurso e o fato de ter sido reconhecido como importante dizem muita coisa sobre a realidade brasileira hoje.

Na última pesquisa Datafolha, por exemplo, nada menos que 80% dos entrevistados disseram acreditar que Lula sabia da corrupção praticada durante seu governo e o de Dilma. Mas apenas 54% acham que o ex-presidente permitiu que a roubalheira ocorresse. Logo, há uma parcela nada desprezível para a qual Lula sabia da corrupção, uma óbvia ilegalidade, não consentia com essa prática, mas também não a impediu. Ou seja, para essas pessoas, a roubalheira era inevitável, algo normal.

Ou ainda, a lei não se aplica neste caso, e os tribunais deixam passar.

Forçando a barra?

Então, tomemos outro dado. Se 80% acham que Lula sabia da corrupção, apenas 50% dos entrevistados consideraram justa a sua condenação. E ainda: 56% acham que ele não será preso. Essa parcela já foi maior (66% na pesquisa anterior), mas a conclusão permanece: ampla maioria acha que o ex-presidente tinha conhecimento da corrupção, apenas metade dos entrevistados considerou justa a condenação, e mesmo assim outra maioria de 56% acha que ele não será preso por isso.

Ficando apenas no universo dos que declaram voto em Lula, 68% disseram acreditar que, sim, ele sabia da corrupção durante seu mandato. E como continuam votando nele? Bom, para 50% dos seus eleitores, o ex-presidente não poderia fazer nada para evitá-la. Logo, para os restantes 28% ele sabia e deixou rolar. E continua merecendo o voto.

Tudo considerado, pode-se ver aí uma variedade de atitudes de tolerância com a roubalheira e com os governantes que convivem com essas ilegalidades e simplesmente deixam passar.

Portanto, faz sentido o tom solene de Cármen Lúcia para anunciar que esta Suprema Corte está disposta a ser rigorosa no cumprimento da lei. Do mesmo modo, faz sentido o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luiz Fux, declarar em voz ainda mais alta que a Justiça será “irredutível” no cumprimento da Lei da Ficha Limpa.

Uma digressão: sabem os leitores que nós, jornalistas, estamos sempre procurando saber quais as notícias importantes e interessantes. Há vários critérios sugeridos para essa escolha, um deles bem curioso. Diz assim: inverta a notícia; se ficar melhor, mais forte que a original, então esta não presta.

No caso, seria um espanto, uma manchete, pois, se o presidente da Justiça Eleitoral dissesse que a Lei da Ficha Limpa não será aplicada nestas eleições e que essa é uma posição irredutível da Corte. Por essa lógica, desenvolvida por colegas americanos, Fux dizer que vai aplicar a lei com rigor seria uma formalidade tão inútil quanto a de Cármen Lúcia. E, entretanto, ambos ganharam manchetes.

Aplicar a lei virou mérito, firme declaração de propósitos. E isso só acontece quando a lei não se aplica e/ou quando boa parte do público acha que não será seguida.

Já tratamos aqui dos que estão acima da lei — autoridades, líderes políticos e governantes para os quais uma das prerrogativas de seus cargos e funções é justamente a de não seguir a lei.

Pode-se demonstrar isso com facilidade. Mas há o reverso da história — dos que estão abaixo da lei e não são protegidos por ela.

Um exemplo simples: a lei maior, a Constituição, diz que a saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Logo, todo brasileiro tem o direito de ser atendido nos melhores hospitais, com os melhores tratamentos, tudo isso de graça.

Certo? Errado. Há uma enorme diferença entre estar na fila do SUS e ser atendido no melhor hospital privado do país por conta do governo.

Nos dois casos, a lei é ignorada, num caso retirando direito; no outro, concedendo privilégios.

Cármen Lúcia e Fux têm razão.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Os alertas que vêm de dentro - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 08/02


O mercado financeiro global piscou, bastante. O receio de uma alta mais expressiva das taxas de juros nos EUA, por conta do vigor do mercado de trabalho e do início do mandato de Jerome Powell na presidência do Fed, o banco central americano, fez as bolsas desabarem.

Os sinais do mercado não podem ser desprezados, mas seria precipitado tirar muitas conclusões sobre o ocorrido.

Apesar de os EUA estarem em uma fase mais avançada do ciclo econômico, com a taxa de desemprego próxima das mínimas históricas, as conclusões sobre o impacto disso na inflação e, portanto, na política monetária, não são diretas, nem óbvias. Pesquisas empíricas apontam baixa correlação entre a taxa de desemprego e a inflação nos EUA nas últimas décadas.

Haveria duas razões principais para isso. Primeiro, as relações de trabalho mais flexíveis em um mundo digitalizado e a redução da sindicalização nos EUA, que caiu pela metade nos últimos 30 anos. Esses fatores, principalmente o primeiro, podem estar contribuindo para conter pressões salariais quando o mercado de trabalho fica mais apertado.

Segundo, em um mundo pós-industrial e globalizado, as taxas de inflação dos países com economia mais estável, grosso modo, caminham juntas. Assim, mesmo que ocorram ajustes salariais mais fortes nos EUA, não necessariamente eles serão inflacionários. O ambiente competitivo, com fluxo de mercadorias e serviços entre os países, reduz o espaço para repasses de custos aos preços finais.

Por essas razões, a inflação nos EUA segue em boa medida o ciclo da inflação mundial. E, por ora, a inflação mundial está contida e estável, sem sofrer choques adversos que preocupem. É verdade que os preços de algumas commodities, principalmente as metálicas, estão mais pressionados por conta da recuperação do comércio mundial, este muito associado a investimentos. Porém, o impacto sobre a inflação ao consumidor é limitado.

Os banqueiros centrais de países desenvolvidos devem estar torcendo para a inflação manter-se baixa. Afinal, depois de tanta inovação na política monetária por conta da crise global – juros em torno de zero e muita injeção de liquidez na economia –, a intenção é desmontar essas políticas lentamente, por temerem as consequências do desmonte.

A inflação global baixa permite uma postura cautelosa dos BCs. Por esse aspecto, não seria razoável esperar um tom muito conservador do novo presidente do Fed na sinalização da política monetária.

É precipitado, portanto, tomar a volatilidade recente do mercado financeiro global como um sinal mais preocupante do cenário internacional, com algo que pudesse abortar o atual ímpeto de crescimento do PIB e do comércio mundial.

Discuti em agosto de 2017 que há uma “janela de oportunidade” no cenário internacional que contribui para um ambiente macroeconômico estável no Brasil, pois o ambiente externo não é inflacionário – inflação mundial contida, reduzida volatilidade nos mercados de moedas e baixa aversão a risco. Parece haver mais fôlego para essa janela.

Esse quadro, no entanto, não autoriza o Brasil a adiar reformas. Pelo contrário. Com ou sem alertas do exterior, governantes, congressistas e gestores públicos precisam ouvir os vários alertas internos da crise fiscal. Estes são muitos tons acima dos alertas de fora.

As manifestações do colapso das contas públicas estão cada vez mais evidentes. Faltam recursos para serviços básicos.

No nível estadual, muitos governadores podem ter cometido um erro de cálculo. Temendo as urnas, acharam que seria possível fazer a travessia para um próximo mandato sem ter de conduzir políticas amargas e tampouco apoiar a agenda de ajuste do governo federal. Agora correm o risco de uma maior degradação dos serviços públicos, o que poderá ser um fator de instabilidade social. Começou com Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, seguidos pelo Rio Grande do Norte. Outros estão na fila.

Lula: golpe de mestre? - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 08/02

A inclusão de Pertence na defesa de Lula tem poder simbólico e risco aritmético

O ex-presidente Lula deu um golpe de mestre para tentar escapar da prisão depois de o TRF-4, de Porto Alegre, julgar os embargos de declaração contra sua condenação a 12 anos e 1 mês: a contratação do advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo.

Pertence é grande amigo de Lula e um dos ícones do Supremo, sempre citado e reverenciado nos votos de ministros dos mais diferentes estilos e correntes. Seu reforço na defesa de Lula não tem apenas esse significado, ou esse peso simbólico, mas pode ter resultados práticos.

Analistas da cena jurídica e política veem na inclusão de Pertence na defesa de Lula (pro bono ou não) uma possibilidade também de um novo equilíbrio de votos no STF quanto à questão mais sensível: a prisão já após segunda instância, ou seja, sem o processo passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegar ao Supremo e ser considerado “transitado em julgado”.

O que chamou a atenção é que houve dois movimentos simultâneos: enquanto a defesa anunciava o reforço de Pertence, as redes sociais espalhavam que ele é primo da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, mineira como ele. Isso foi encarado como uma tentativa de acuar a ministra, que votou sempre a favor do cumprimento da pena após a segunda instância e poderia se considerar impedida para julgar um caso do “primo” Pertence.

A isso se soma uma outra questão: a chefe de gabinete do ministro Luiz Fux é casada com um filho de Pertence, o que poderia gerar o mesmo efeito: o de levar o ministro a se considerar impedido para julgar a questão. Como Cármen Lúcia, Fux também votou a favor da prisão após a segunda instância.

Pertence foi o patrono da indicação de Cármen Lúcia para o Supremo no governo do amigo Lula, cheio de elogios para aquela procuradora de Minas, que tinha sido boa aluna de Direito e cultivava a fama de ser dura e “de esquerda”. Um é de Sabará, a outra é de Espinosa, na região de Montes Claros, e um parente distante da ministra tinha o sobrenome Pertence. Por isso os dois se cumprimentavam como “primos” no Supremo, mas eles não são primos nem têm parentesco direto.

Aliás, já há um precedente para manter Cármen Lúcia no julgamento de questões que tenham Pertence na bancada de defesa. Ela julgou normalmente um processo contra o banqueiro André Esteves, que era defendido pelo ex-ministro, sem nenhum motivo para se declarar impedida.

A questão tem um aspecto praticamente aritmético. Como, em 2016, o plenário do Supremo aprovou, por seis a cinco, a prisão após condenação em segunda instância, qualquer mexida pode inverter o placar e impedir a prisão. Seria o caso, por exemplo, do impedimento de Cármen Lúcia e de Fux, dois dos votos vitoriosos.

Uma das dúvidas que havia foi respondida nesta semana, quando o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu na vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, votou pela primeira vez sobre a questão e se manifestou a favor da prisão após a segunda instância num outro processo, o do deputado João Rodrigues (PSD-SC), condenado pelo mesmo tribunal de Lula, o TRF-4.

Isso tudo significa que os dois personagens-chave no destino de Lula no STF passam a ser Sepúlveda Pertence, que pode levar ao impedimento de Fux, e, ora, ora, o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da execução da pena em segunda instância, mas admitiu mais de um vez rever sua posição. Logo, eis mais um dilema típico da confusão que o Brasil vive: Lula está nas mãos de um grande amigo, Pertence, e de um adversário público, Gilmar Mendes.

O petróleo volta a ser nosso - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 08/02


Na semana passada a União assinou os contratos de outorga aos consórcios vencedores dos leilões petróleo do pré-sal realizados em outubro, já sob as regras da Lei 13.365, de minha autoria, sancionada no final de 2016. Essa lei desobrigou a Petrobrás de participar da exploração de todos os campos ofertados e, mais ainda, cobrindo, no mínimo, 30% dos investimentos.

O dinamismo que hoje caracteriza o nosso setor de petróleo e gás contrasta com a letargia que marcou os anos da gestão petista, sob a tutela da lei aprovada em 2010, por iniciativa da então candidata presidencial Dilma Rousseff.

Em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu a quebra do monopólio da Petrobrás – que fechava o setor para os investimentos privados – e instituiu o regime de concessão, em que são pagos os bônus de assinatura (à vista) e são previstos royalties e participações especiais aos entes da Federação, tudo sob a supervisão da Agência Nacional do Petróleo. Esse modelo – ao contrário do que previam os críticos – ampliou rapidamente a produção de petróleo no País, dobrando-a em dez anos, quando chegou a 1,8 milhão de barris por dia.

A contraproducente mudança do marco legal em 2010 – mais como bandeira ideológica do que por fundamentos econômicos sólidos – criou o regime de partilha e determinou que a participação compulsória da Petrobrás em todos os leilões de novos campos fosse de, no mínimo, 30%. Tratou-se de medida acima de tudo desnecessária, pois o regime de concessão já previa as participações especiais, instrumento capaz de ampliar a renda estatal do petróleo em caso de subida dos preços.

A mudança de 2010 criou um imbróglio que parou os leilões por três anos. Somente viria a ser realizado um novo certame em 2013, o do Campo de Libra, com resultados decepcionantes tanto pelo baixo número de competidores quanto pelo pequeno porcentual de óleo-lucro oferecido à União pelo único consórcio participante: 41%. Para se ter uma ideia, nos últimos leilões, já sob a legislação pós-Dilma, o porcentual médio de óleo oferecido à União foi de 60%. Trocando em graúdos, a União receberá 20 pontos porcentuais a mais da produção de óleo nos campos recentemente leiloados, em comparação com o que ganhará em Libra. O petróleo está voltando a ser nosso.

Não é demais lembrar a conjunção de populismo e patrimonialismo que ameaçou levar a Petrobrás à lona. Congelaram-se os preços da gasolina e do diesel na tentativa de debelar a inflação. Os investimentos feitos foram de baixo retorno, em parte por erros técnicos, em parte porque eram um canal para obtenção de vantagens não bem ajustadas ao interesse público.

O fato é que a Petrobrás não conseguiu cobrir os compromissos da lei Dilma e, como resultado, leilões foram sendo postergados. Isso encolheu os investimentos privados no aumento da produção.

Ao final dos governos petistas a deterioração das finanças da Petrobrás atingiu níveis perigosos. Os juros implícitos dos títulos de sua dívida internacional com vencimento em 2024 chegaram a 9,6% – em dólar! Hoje esses juros são de 5%. O pessimismo com a empresa foi tão grande que suas ações caíram a R$ 5 no início de 2016. Agora, em trajetória de recuperação, atingiram R$ 20.

Acelerar a produção do pré-sal é imperativo para aproveitarmos este período em que o petróleo ainda tem valor, apesar de já estar em trajetória de obsolescência. As novas fontes de energia (especialmente solar e eólica), as restrições ao uso de combustíveis fósseis e os ganhos de eficiência energética – vejam a arrancada fulminante do carro elétrico – tendem a reduzir o consumo per capita de petróleo. De 2011 a 2014 o preço médio do barril foi superior a US$ 100. Hoje, mesmo na presença de uma inédita concertação entre os maiores exportadores, o barril está a menos de US$ 70 e muitos especialistas acreditam que nem esse nível será sustentável. Se continuássemos atrasando o aumento da produção no pré-sal, suas imensas reservas ficariam enterradas para sempre.

Não há tempo a perder.

Como bem lembrou o ministro Fernando Bezerra durante a cerimônia de assinatura dos contratos de partilha, o Brasil até hoje perfurou 30 mil poços de petróleo, metade do realizado pela Argentina e igual ao número de poços que se abrem anualmente nos Estados Unidos. Se mantivermos o passo firme que adotamos a partir de 2016, a estimativa é de que alcancemos 5,5 milhões de barris/dia até 2030, dobrando nossa participação na produção mundial de 2,5% para 5%.

Isso demandará a instalação de mais 40 plataformas de exploração, com um investimento de R$ 850 bilhões, o que elevará a receita com petróleo da União, dos Estados e municípios a R$ 100 bilhões por ano.

Dado o aumento do porcentual de óleo-lucro induzido pela maior competição, somente os leilões de outubro passado propiciarão aos entes da Federação uma receita total de R$ 600 bilhões até 2030. Apenas em bônus de assinatura, que são o pagamento à vista feito pelas vencedoras dos leilões, a União arrecadou R$ 6,2 bilhões.

Outras medidas importantes são a reconfiguração do regime fiscal (Repetro) e das regras de conteúdo local. Com o aumento esperado na produção, a demanda por equipamentos impulsionará a indústria nacional, sem os exageros que acabavam por atrasar a entrada em operação dos projetos.

Um subproduto importante do ambiente competitivo reinstalado na produção de óleo e gás é que a indústria nacional terá acesso à demanda por equipamentos das grandes petrolíferas em todo o mundo. Provavelmente essa abertura induzirá maior competitividade no setor, um fator crucial para revertermos a nossa preocupante tendência à desindustrialização.

O novo marco do regime de partilha demonstra como boas políticas podem rapidamente reverter o pessimismo, criar oportunidades e efetivamente gerar emprego e riqueza. O petróleo está ajudando o Brasil a se levantar.

Em lugar de Temer, não retiraria emenda da Previdência nem com 513 a 0; derrota não será sua! Que saibamos quem quer o quê! - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 08/02

Chegou a hora de o presidente Michel Temer qualificar os vários tipos de trigo e de joio. A reforma da Previdência lhe dá essa oportunidade. Sim, direi aqui o que eu faria, o que deve explicar, em parte, por que não sou político, jamais seria e jamais serei. Não tenho estômago de avestruz. Não engulo pedra. Meu pavio é curtíssimo para a covardia e a deslealdade, falhas insanáveis de caráter. O que Temer tem de fazer, pois? Pôr para votar a reforma da Previdência, ainda que o texto possa ser rejeitado na Câmara por 513 a zero. Chega do véu diáfano da fantasia (Eça!) sobre a nudez crua da verdade. Quem é quem nesse debate? Quem quer o quê? Quem está de que lado? Antes que avance, algumas considerações.

O governo negocia mudanças no texto da reforma. Servidores ainda podem ter algumas reivindicações contempladas. Também as viúvas de policiais, os trabalhadores rurais etc. Não deixa de ser peculiar o que fomos fazendo com a nossa história e com as contas públicas, noto à margem. Querem ver? As mulheres só se aposentam mais cedo do que os homens, e assim será também com o novo texto, se aprovado, porque elas têm a chamada “dupla jornada”. Isso quer dizer que o macho “analfa” não ajuda em casa, entendem? É machista e folgazão — geralmente com o apoio de sua (dele) mãe — e machismo de mãe é bem mais difícil de ser enfrentado. Como sabem, sem mãe, não tem Freud.

E a Previdência paga o pato. Como é que o Brasil combate a distribuição desigual de trabalho doméstico entre os gêneros? Ora, assaltando os cofres públicos! A Amélia, mulher de verdade, não tem a menor vaidade, mas custa caro. Da mesma sorte, resolvemos outras disfunções apelando ao caixa — sem fundo e sem fundos. Assim, o folgado que acha que lavar um prato desabona seus países baixos não será jamais um problema doméstico, cultural, antropológico ou psicanalítico. O macho “analfa” vira uma questão previdenciária.

Não conheço outro político, ou me sugiram um nome no campo da especulação teórica ao menos, com capacidade de sobreviver às tormentas enfrentadas por Temer. A lista de feitos em menos de dois anos de governo impressiona quando se considera o buraco em que estávamos e o lugar em que estamos. Reconhecê-lo, desde que se dominem as ferramentas de análise, deixou de ser matéria de opinião. Trata-se apenas de questão de fato. Havendo um esquerdista intelectualmente honesto, ele terá de reconhecer que, “no gênero” — vale dizer: para um governo que não é de esquerda —, os feitos são notáveis.

A reforma da Previdência é a peça que falta para que a menos se atravesse o umbral que nos leva ao futuro. Não há mal que a corrupção e a roubalheira possam fazer — e têm de ser combatidas sem trégua — que o rombo nas contas públicas não multiplique, sei lá, dezenas de vezes.

Saiba o senhor presidente que, em qualquer caso, as manchetes estão feitas. Ou será (com variações de estilo) “Temer é derrotado e retira reforma da Previdência” ou “Câmara derrota Temer e rejeita reforma da Previdência”. Em qualquer caso, o dólar vai subir, as bolsas vão cair, uma onda pessimista varrerá o noticiário e o país, mas nada, acho eu, que vá abalar o crescimento deste ano, que deve ficar em torno de 3,5%. Como afirmei aqui há meses, para o governo Temer, a reforma é irrelevante. Ela conta uma história do futuro, não do presente ou do passado.

Sim, se me der na telha, dou dicas ao Vaticano— já corrigi, e com acerto, uma tradução troncha da Santa Sé do latim para o português, o que foi reconhecido depois. Assim, por que não dizer a Temer o que eu faria? Digo. Levaria o texto à votação, convocaria Rede Nacional de Rádio e Televisão antes e depois do resultado (qualquer que seja), deixaria claro o que está em jogo, a quem cabe a decisão e quem arcará com o ônus e o bônus da aprovação e da recusa.

E que se revelem os corajosos e os covardes, os leais e os desleais, os omissos e os comprometidos com a causa e com as contas. Não se trata de uma questão pessoal. Aprovada a reforma, Temer e o Congresso deixam um legado e tanto ao próximo presidente. Se for recusada, que se evidencie que não faltou empenho do Planalto. “Pra que isso, Reinaldo?” Ora, por apreço à precisão. Que os irresponsáveis e os omissos, incluindo os pré-candidatos que andam por aí, ou mudos ou a falar bobagem, respondam por seus atos.

Na pindaíba, com juros baixos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/02

BC avisa que juros vão ficar onde na verdade estão desde o fim de 2017

CASO NÃO apareça ninguém com um bom argumento para o Banco Central baixar a taxa de juros para, digamos, 5%, a discussão de cortes adicionais é bizantina. Nesta quarta-feira (7), o BC reduziu a Selic para 6,75%, baixa histórica.

A taxa de juro real no mercado, no atacadão de dinheiro, no entanto, anda em torno de 2,9% ao ano desde novembro do ano passado (taxa "ex ante", DI para um ano, descontada a inflação esperada para 12 meses). O Banco Central calibrou um fim suave para o desaperto monetário.

Em caso de surpresa positiva na inflação, o BC pode até cortar mais 0,25 ponto percentual, como afirmou na nota em que divulgou a decisão sobre a Selic. Não deve fazer grande diferença, se alguma, se parar por aí.

A taxa real deve ficar em torno de 2,8% por boa parte do resto do ano. Logo, é preciso mudar a conversa sobre política econômica, se por mais não fosse.

Como nota histórica, observe-se que a última vez em que a taxa real de juros básica beirou os 2,8% foi em maio de 2013, quando o Fed, o banco central americano, indicava que dará fim à política de relaxamento monetário, o que causou algum tumulto financeiro naquele ano. O Junho de 2013 faria algum estrago adicional.

Entre abril de 2012 e maio de 2013, o juro real básico ficou abaixo de 2,8%, raspando 1,3% no início de 2013, o ano em tudo terminou e ainda não acabou, ao menos no que diz respeito à política. A fim de bater o recorde de juro real baixo de Dilma Rousseff, então um sucesso pela culatra, seria preciso baixar a Selic a uns 5,5%. Alguém se habilita a defender a tese?

Nem é preciso lembrar que, ao contrário de agora, o juro real baixou sob Dilma 1 quando havia pressão inflacionária, tabelamentos de preços e desleixo crescente com as contas públicas. Não iria prestar, como estava claro, e não prestou. Deu em besteira grossa.

De mais novo no comunicado do Banco Central lê-se agora que a recuperação econômica é "consistente". Esse uso equivocado da palavra "consistente" é decerto um clichê, cada vez mais desgastado e vazio, mas contrasta com o palavreado dos comunicados anteriores, que qualificavam a recuperação de "gradual". O BC está mais animado, pois. Também não deu muita trela para o paniquito corrente nos mercados financeiros mundiais.

Mais importante que um corte de um quarto de porcentagem será o destino do crédito e das taxas de juros bancárias. Parece que o degelo enfim começou, no trimestre final do ano passado, mas o desentupimento do canal de crédito ainda está entre o parcial e o incerto.

Do lado dos gastos do governo, parece que vai haver uma descompressão Mandrake, um gasto maior do que o previsível, dadas as projeções de receita e a meta de deficit, grosso modo dinheiro de "sobras" do ano passado. Pelo bem ou pelo mal, é algum impulso adicional.

Resumo da ópera, podemos ter um ano de bom alívio, se não houver tumulto financeiro maior lá fora ou a eleição de boçais extremos em outubro. Foi adiado para 2019 o encontro com os nossos problemas teratológicos: governo quebrado, incapaz de manter infraestrutura e gasto social básico, com dívida crescente.

Embraer/Boeing, comércio e geopolítica - RAUL JUNGMANN

ESTADÃO - 08/02

Sejamos pragmáticos, nenhum país vende uma empresa estratégica e líder em tecnologia


Durante anos o Brasil discutiu e utilizou instrumentos para desenvolver a sua indústria. Questões como tarifas, subsídios, cotas, margens de preferências e outros tantos mecanismos de proteção foram utilizados e debatidos.

No entanto, não nos demos conta de que um decisivo instrumento de política industrial que temos está ancorado na parceria estratégica entre a Força Aérea Brasileira e a Embraer. Foi por meio dos sucessivos projetos militares de desenvolvimento de novas aeronaves que a Embraer conseguiu dar saltos de produtividade e de tecnologia, gerando importantes dividendos para a economia brasileira.

Com o desenvolvimento do Bandeirantes e do Xavante a empresa aprendeu a estruturar a produção industrial seriada de aeronaves. Com o Xingu veio a tecnologia que permitiu o desenvolvimento dos sucessos comerciais Brasília e EMB-145.

Posteriormente o programa AMX com a Itália levou ao desenvolvimento dos sistemas fly-by-wire (comandos elétricos), e com a fabricação do Super-Tucano, juntamente com a modernização dos caças F-5, possibilitou o domínio da integração de softwares e o desenvolvimento de sistemas integrados de missão. A partir daí a Embraer deu novo salto e lançou toda a linha E-jet 170/190, cujo êxito comercial consolidou a nossa aviação regional.

A Embraer é, portanto, mais que uma empresa aeronáutica: é líder de uma importante cadeia global de valor, responsável pelo desenvolvimento e pela integração de importantes e complexos sistemas. É desenvolvedora do software de gerenciamento do espaço aéreo brasileiro, responsável pelo sistema de propulsão nuclear no submarino brasileiro, está no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira (Sisfron), no projeto do primeiro satélite geoestacionário nacional e é desenvolvedora de radares.

Largamente utilizado pelos países desenvolvidos, particularmente pelos Estados Unidos, o investimento em programas militares permite que as empresas desenvolvam tecnologias que não estariam disponíveis apenas com o esforço empreendedor do setor privado. Por meio dos projetos militares, as empresas contratam engenheiros, cientistas e inúmeros outros técnicos para o desenvolvimento de novas tecnologias e de novas capacidades. Com esse instrumento, o risco do empreendimento fica com o Estado, mas o benefício se espalha por toda a sociedade, que passa a contar com novos empregos, novos produtos e serviços, novas soluções e novos métodos produtivos, tornando o processo de inovação resultado de uma efetiva estratégia de desenvolvimento.

Esse mecanismo faz com que o principal instrumento de política industrial desses países seja o contrato militar de desenvolvimento, imune a contenciosos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por isso o dispêndio em defesa é mais do que simplesmente a aquisição de produtos militares. É um poderoso instrumento que pode impulsionar cadeias produtivas e fomentar a inovação em setores estratégicos.

Além disso, em geral produtos e serviços estão disponíveis para venda nos mercados, mas não as tecnologias, que são fortemente controladas pelos Estados soberanos, tendo como expoente as legislações de controle de exportações (Aitar) e de produtos e tecnologia de defesa dos Estados Unidos.

Analisando sob a óptica comercial, uma possível parceria entre a Boeing e a Embraer traria inúmeros benefícios. As empresas contariam com uma forte ampliação do portfólio de produtos, seria possível verticalizar partes importantes da produção, haveria ganhos de escala e as aeronaves brasileiras contariam com a força e o poder logístico e de comercialização da maior fabricante de aeronaves do planeta. A Boeing, por sua vez, passaria a contar com uma engenharia de excelência que surpreendeu o mercado aeronáutico ao produzir, em curto espaço de tempo e com mínimos problemas, duas novas aeronaves, a saber, o cargueiro tático KC-390 e a nova família de jatos comerciais E-2.

Com o mercado dobrando de valor a cada década e meia, nos próximos 20 anos algo entre 35 mil e 40 mil novas aeronaves serão entregues aos operadores comerciais – um mercado entre 5,5 e 6 trilhões de dólares. Do total, 70% das entregas serão em aeronaves de um único corredor e 40% terão como destino o eixo Ásia-Pacífico, ficando a América Latina com 8% das entregas. Com esses números, verifica-se que o mercado está em forte expansão. E com a concentração global no setor, não apenas na fabricação de aeronaves, mas também na cadeia de suprimentos, algumas barreiras à concorrência ficarão mais nítidas e sólidas.

Em perspectiva, a recente aquisição do projeto C-Series da Bombardier pela Airbus colocou ainda mais pressão no mercado. Com esse movimento a empresa americana viu a sua maior rival não apenas ampliar a sua linha de produtos para a categoria de 100 e 140 lugares, mas também inseriu sua operação dentro do mercado americano por intermédio da fábrica da Bombardier no Alabama.

Com efeito, o que tem dificultado o desejável jogo ganha-ganha entre Brasil e Estados Unidos são as questões de propriedade intelectual, de transferência de tecnologia e controle regulatório e legal por parte do Congresso americano. Isso porque, num modelo de subordinação de governança corporativa o desenvolvimento de novas capacidades militares e tecnológicas ficaria sujeito à legislação estadunidense. O que poderia implicar a perda de desenvolvimento de tecnologia e de conhecimento no Brasil, porque as relações que imperam nessa área não são regidas pelas leis de mercado, mas por estratégias geopolíticas e de defesa nacional.

Por isso precisamos ser pragmáticos. É importante que as partes compreendam os limites impostos e busquem formas construtivas de estruturar relações benéficas, de longo prazo, para todos os envolvidos.

Daí que nenhum país no mundo vende uma empresa estratégica e líder em tecnologia como a Embraer.

*Ministro da Defesa

Os cegos que não viram o Brasil ser saqueado - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 08/02

Claro que Cabral e Geddel não declararam o fruto das suas roubalheiras no Imposto de Renda. Mas vai você deixar de declarar algum ganho para ver o que acontece


Onde estavam o Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf) e a Receita Federal nestes últimos anos? Como foi que ninguém viu as movimentações bancárias milionárias feitas por parlamentares, ministros, governadores, líderes partidários, executivos de governos, e ex-diretores da Petrobras e de outras empresas públicas? Centenas de pessoas enriqueceram enorme e ilicitamente nas suas barbas, e ninguém notou.

O Coaf foi criado em 1998, no pacote das reformas econômicas do governo FH, para monitorar movimentações financeiras de maneira a impedir lavagem de dinheiro. E, claro, comunicar autoridades competentes sobre suas apurações. Nenhuma denúncia foi feita, nada se apurou contra Sérgio Cabral nos seus oito anos de mandato. Tampouco nada se observou de estranho na vida financeira do ex-ministro Geddel Viera Lima. E nem na de tantos outros, só expostos pela Lava-Jato.

A Receita tem um dos corpos técnicos mais bem preparados e bem pagos do serviço público federal. São 9.542 auditores e 6.758 analistas, que não deixam uma agulha passar na sua prestação de contas, leitor, se ela não estiver devidamente declarada. Claro que Cabral e Geddel não declararam o fruto das suas roubalheiras no Imposto de Renda. Mas vai você deixar de declarar algum ganho para ver o que acontece.

Sérgio Cabral está preso, condenado a 87 anos de cadeia, e ainda responde a mais 14 processos por desvios de algumas centenas de milhões de reais dos cofres estaduais. Seus sinais externos de riqueza são escandalosos. Como o Coaf e a Receita não viram nada disso com todo o poder que detêm, inclusive de fuçar as contas das pessoas? Como a Receita, que fareja altos padrões de consumo e conduta até em colunas sociais de jornais, pode ter deixado passar despercebida tamanha extravagância?

Geddel transferiu R$ 53 milhões em dinheiro vivo para um apartamento em Salvador. Este dinheiro não foi fabricado no Pelourinho, ele saiu de um cofre de banco. Pela lei, movimentações superiores a R$ 10 mil devem ser comunicadas pelos bancos ao Coaf. Para passar por baixo deste radar, a grana do Geddel teria de ser sacada em 5.300 operações distintas. Se ele, ou quem tirou este dinheiro para ele, fizesse uma operação desta por dia, levaria 14 anos e meio fazendo saques. Francamente.

Está certo, a Justiça só conseguiu colocar atrás das grades esta enxurrada de corruptos nos últimos anos porque houve delações premiadas. Mas, no caso de gastos fora dos padrões, transferências acima da média ou movimentações em espécie que só carros-fortes podem fazer, Coaf e Receita deveriam ter visto. Só há três explicações para esta cegueira: Coaf e Receita estão deliberadamente fechando os olhos; os dois órgãos trabalham mal; ou os bancos não estão informando como manda a lei.

Difícil acreditar na primeira hipótese, haveria muita gente envolvida, em diversas instâncias das duas instituições, para que um roubo de R$ 53 milhões fosse descoberto e em seguida acobertado outra vez para proteger Geddel. O que parece ser possível, e isto também é muito grave, é que os dois órgãos são ineficientes por razões que precisam ser rapidamente identificadas e resolvidas.

E a terceira hipótese, que também é bastante razoável, deveria merecer uma auditoria especial do Banco Central no setor financeiro. O argumento de sempre, de que o país é muito grande e o corpo técnico é muito pequeno, não é aceitável e não pode ser admitido. Por que não recorrer a tecnologias que permitam multiplicar eletronicamente a fiscalização, resolvendo este e outros problemas de um Estado moderno?

É mais fácil atribuir a crise de cegueira à burocracia preguiçosa. Os dados estão lá, mas são tantos que só de pensar em mergulhar naquele mundo de números já dá sono. O Brasil, a União, deveria se envergonhar dessa constatação ridícula. Tem uma das legislações mais modernas do mundo, mas não sabe fazer bom uso dela. E nós, contribuintes, temos a obrigação de cobrar explicações.

Podem acusar a imprensa de também ter sido cega. Como ninguém conseguiu perceber, por exemplo, a volúpia de Sérgio Cabral ao longo de dois mandatos? Veículos e jornalistas não têm poder de investigação como Coaf, Receita ou Polícia Federal, mas também investigam. Verdade, mas não podem quebrar sigilos bancários, checar movimentações financeiras, abrir sindicâncias ou convocar suspeitos para depor.

Ascânio Seleme é jornalista

Poder Judiciário e infantilização da política: o caso de Cristiane Brasil - BERNARDO S. GUIMARÃES

GAZETA DO POVO - PR - 08/02

Como se desconfia dos políticos, os juízes tomam para si o papel de dar substância aos valores da Constituição, assumindo o papel de fiscais da política


É líquido e certo. Hoje, qualquer decisão política de impacto acaba sendo judicializada. Suspende-se nomeação de ministro com base no princípio da moralidade, suspende-se indulto natalino invocando desvio de poder e cassam-se medidas provisórias alegando ausência de urgência. O fator “Judiciário” passa a ser considerado nos cálculos políticos. A mais recente manifestação dessa celeuma é a nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho, atualmente obstada por decisão da ministra Cármen Lúcia, do STF. Em todos esses casos, vê-se a nítida interferência do Judiciário em decisões que competem, constitucionalmente, ao chefe do Poder Executivo.

Nem sempre foi assim. Antes, nos tribunais, havia nítido respeito ao espaço da deliberação política. A teoria jurídica sempre cuidou de delimitar que o controle do Judiciário sobre a atuação do Estado se dá pela legalidade, e que espaços de autonomia do governo e da administração devem ser respeitados, pois, assim, se concretiza a separação dos poderes.

Mas isso hoje em dia é démodé. O espírito do tempo reconhece aos juízes amplas capacidades de judicar com vistas a concretizar as promessas da Constituição. E a Constituição tem mais promessas que os bancos da Basílica de Aparecida. Nessa linha, é evidente que juízes passam a incorporar em suas decisões juízos políticos.

Um dos pressupostos da democracia é a existência de grupos que ficarão frustrados com a política


A Constituição é um texto amplo que se dirige à sociedade e aos poderes constituídos. Ela traz um misto de regras de organização, normas de conduta e também de objetivos a serem implementados (os princípios). Muito da linguagem constitucional se dirige a um estado ideal de coisas almejado pela sociedade brasileira. Muitas vezes, a Constituição elege fins sem tornar claros os meios pelos quais esses fins serão atingidos. Cabe aí a atuação concreta do Estado e da sociedade para implementar esses objetivos. A potência transformadora contida na Constituição precisa ser concretizada. E diversas visões de mundo, com distintos projetos, se articulam na complexa missão de tornar efetiva a Constituição. A articulação possível entre essas diversas formas de enxergar a realidade se faz pelo processo democrático.

A Constituição se abre à política. Ela pressupõe que pelo jogo democrático a sociedade elegerá os meios pelos quais pretende tornar efetivas as promessas da Constituição. E é natural que seja assim, pois a aplicação da normatividade constitucional dialoga com a realidade. Não se pode hipertrofiar o sentido jurídico da Constituição e pretender que ela seja um documento alheio à política.

O que se passa, contudo, é que, na prática, as promessas da Constituição são em larga medida descumpridas. Nesse espaço de desencantamento constitucional brota a atuação política dos juízes. Como se desconfia dos políticos, os juízes tomam para si o papel de dar substância aos valores da Constituição, corrigindo os supostos desvios praticados. Assume-se, assim, um papel de fiscal da política, criando um nível novo de controle sobre a atuação do governo. A existência de normas abertas na Constituição serve de fundamento para tanto. Assim, decisões que tradicionalmente seriam aceitas como sendo “atos de governo” ou “atos discricionários” – e, portanto, escapariam à revisão judicial – hoje são revisitadas pelo Judiciário sem maiores embaraços.

A teoria jurídica tradicional enxergava com clareza a questão ao proscrever o controle judicial de atos de governo. Assim, preservava-se o espaço da decisão política, criado pela própria Constituição. Para tais questões, o controle se dá pelas vias políticas, pelo processo democrático.

Tal modo de ver o problema exige maturidade e que se assuma que no processo político haverá descontentes, haverá frustrações. Isso é parte do jogo. Afinal, um dos pressupostos da democracia é a existência de grupos que ficarão frustrados com a política. Democracia implica descontentamento. Apenas os totalitarismos mais delirantes pretendem não haver conflitos dessa natureza e afirmam uma homogeneidade de interesses.

Percebe-se, portanto, que o Judiciário tem pouquíssima aptidão para lidar com essa complexidade. Os juízes decidem sobre recortes de realidade, contidos dentro de um processo. A velha frase de que “o que não está nos autos não está no mundo” dá conta disso. Portanto, ao pretenderem agir como fiscais da política, corrigindo o que veem como desvio, os juízes agem, necessariamente, sem ter a visão do todo. O risco de criar problemas que nem sequer foram imaginados é grande. Um outro ditado que vem a calhar diz “summum jus, summa injuria”.

O problema dessas visões que ignoram a realidade e creem nas virtudes mágicas do Direito é que elas não funcionam

Pior. A vulgarização do controle judicial sobre deliberações de governo acaba por incentivar a adoção de posturas passivas por parte dos governantes, que abdicam de agir para não se exporem aos controles do Judiciário, evitando assim desgastes de opinião pública. Não raro, sabedores de que suas decisões serão judicializadas, os que respondem pelo exercício do poder optam em nada fazer, criando vazios de deliberação. Todavia, um dos pressupostos do Executivo é exatamente ser um poder ativo, que dá contornos concretos à atuação do Estado. Estimular a paralisia do Executivo gera efeitos institucionais sérios.

O problema dessas visões que ignoram a política é que elas não funcionam. Elas ignoram a realidade e creem nas virtudes mágicas do Direito. Não há como pensar a atuação do Estado para além da política. Até há, mas isso é totalitarismo. Para o bem e para o mal, a formação de consensos em uma sociedade altamente complexa e desigual exige recurso à política. É ingênuo pensar que substituir a deliberação política resolverá nossos problemas. A intrusão desmedida do Judiciário no campo da política serve para infantilizar a política e tende a gerar problemas muito mais graves que aqueles que se pretendem combater. O respeito ao espaço da deliberação política deve ser respeitado, limitando-se a atuação do Judiciário ao controle de ilegalidades reais.


Bernardo S. Guimarães, advogado, mestre e doutor em Direito do Estado, é professor da PUCPR.

O desejo de ser exceção - EDITORIAL O ESTADÃO

FOLHA DE SP - 08/02

Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, que assegura que todos são iguais perante a lei


Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, que assegura que todos são iguais perante a lei. Não há castas e não deve haver privilégios. A Constituição de 1988 abre o capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais com a seguinte declaração: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º).

Tal princípio, que parece tão cristalino e tão consensual quando está exposto na Carta Magna, recebe, no entanto, forte resistência no dia a dia. Um exemplo de enfrentamento são os inúmeros projetos de lei que tentam instaurar algum privilégio para determinada categoria social ou profissional. Existem pelo menos 112 projetos de lei tramitando no Congresso ou em Assembleias Legislativas que preveem a isenção, parcial ou total, da tarifa do pedágio em rodovias federais ou estaduais concedidas à iniciativa privada, informa o jornal Valor Econômico.

Os casos são variados. No Paraná, há um projeto de lei para isentar estudantes do pagamento de pedágio. Em Santa Catarina, tenta-se conceder isenção aos condutores com mais de 60 anos. Em Mato Grosso, há um projeto de lei que prevê desconto de 50% no pedágio para os agricultores familiares. Em dezembro de 2017, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou isenção completa de pedágio nas rodovias estaduais para professores, dentistas, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que trabalham na rede pública. O projeto de lei foi enviado para exame do governador Geraldo Alckmin.

Depois de passar pela Câmara, tramita no Senado um projeto de lei, de autoria do deputado Esperidião Amin (PP-SC), que estabelece gratuidade a todos os veículos registrados em nome de quem mora ou trabalha no município em que o pedágio é cobrado. Se o tal projeto for aprovado, romperá com o equilíbrio econômico-financeiro de muitos contratos de concessão de rodovias.

Essa situação evidencia como as pretendidas isenções prejudicam os usuários. As gratuidades e os descontos concedidos ao longo do contrato ensejam pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro pelas concessionárias. Dessa forma, leis que parecem preocupadas com alguns usuários acarretam aumento da tarifa para todos os outros que não desfrutam do privilégio. O resultado é claro: quanto menos pessoas pagam, o valor para quem paga é cada vez maior.

É preciso resistir à pressão para conceder exceções. Além de encarecer o valor pago pela maioria dos usuários, esse tipo de privilégio camufla o custo real do serviço prestado. Tal desconexão com a realidade tem inquietantes consequências sociais, já que fomenta a equivocada percepção de que as gratuidades não têm custo.

Esse fenômeno é também uma perversão do processo legislativo. Há um perigoso populismo quando os representantes eleitos, em vez de trabalharem pelos interesses de toda a população, buscam benesses para um determinado segmento social, à custa da coletividade. Numa democracia, a dependência que os políticos têm do apoio popular deve levar justamente a uma maior responsabilidade pelo interesse público, e não se tornar um manancial de privilégios para alguns poucos.

A rigor, as exceções afrontam as próprias categorias que recebem o benefício, uma vez que são tratadas como hipossuficientes. É o que ocorre, por exemplo, com os professores. Em vez de pagar salários adequados, opta-se por criar uma série de favores, numa espécie de recompensa indireta. Na prática, reforça-se o estigma de que os docentes estão na base da pirâmide social, necessitados de esmolas do poder público. O reconhecimento que os professores merecem é exatamente o oposto.

Além de pouco justo, o caminho das benesses não constrói desenvolvimento econômico e social. É preciso reafirmar a igualdade, a transparência e a eficiência como princípios básicos da atuação do Estado.

Folha deixa de publicar conteúdo no Facebook

FOLHA DE SP - 08/02

Jornal decide parar de atualizar sua conta após diminuição da visibilidade do jornalismo profissional pela rede social


A Folha deixa de publicar seu conteúdo no Facebook nesta quinta (8). O jornal manterá sua página na rede social, mas não mais a atualizará com novas publicações.

A decisão é reflexo de discussões internas sobre os melhores caminhos para fazer com que o conteúdo do jornal chegue aos seus leitores, preocupação que consta do novo Projeto Editorial da Folha, divulgado no ano passado.

As desvantagens em utilizar o Facebook como um caminho para essa distribuição ficaram mais evidentes após a decisão da rede social de diminuir a visibilidade do jornalismo profissional nas páginas de seus usuários.

O algoritmo da rede passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, em detrimento dos distribuídos por empresas, como as que produzem jornalismo profissional.

Isso reforça a tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade, favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções, e a propagação das "fake news".

Além disso, não há garantia de que o leitor que recebe o link com determinada acusação ou ponto de vista terá acesso também a uma posição contraditória a essa.

Esses problemas foram agravados nos últimos anos pela distribuição em massa de conteúdo deliberadamente mentiroso, as chamadas "fake news", como aconteceu na eleição presidencial dos EUA em 2016.

Sem conseguir resolver satisfatoriamente o problema de identificar o que é conteúdo relativo a jornalismo profissional e o que não é, a rede anunciou no mês passado que reduziria o alcance das páginas de veículos de comunicação, entre outros.

Em lugar desse tipo de link, passou a priorizar o conteúdo feito por amigos e familiares.

No caso da Folha, a importância do Facebook como canal de distribuição já vinha diminuindo significativamente antes mesmo da mudança do mês passado, tendência observada também em outros veículos.

Em janeiro, o volume total de interações (compartilhamentos, comentários e curtidas) obtido pelas 10 maiores páginas de jornais brasileiros no Facebook caiu 32% na comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo dados compilados pela Folha.

Com a queda do alcance das páginas, o Facebook perde espaço como fonte de acessos a sites de jornalismo. De acordo com a Parse.ly, empresa de pesquisa e análise de audiência digital, a participação da rede social nos acessos externos caiu de 39% em janeiro do ano passado para 24% em dezembro.

O espaço vem sendo ocupado principalmente pelos mecanismos de busca, como o Google, que no mesmo período avançou de 34% para 45%.

A Folha tem atualmente 5,95 milhões de seguidores no Facebook. É o maior jornal brasileiro na rede social. As páginas das editorias somam outras 2,2 milhões de curtidas.

O jornal também tem perfis atualizados diariamente no Twitter (6,2 milhões de seguidores), Instagram (727 mil) e LinkedIn (726 mil).

Os leitores poderão continuar compartilhando conteúdo da Folha em suas páginas pessoais do Facebook.

HISTÓRICO

Anteriormente, o Facebook tentou cooptar as empresas de mídia para seu projeto Instant Articles. Nele, os veículos transferem gratuitamente seu conteúdo para a rede social, sem direito a cobrar pelo acesso a ele, em troca de acelerar o carregamento das páginas. A única remuneração oferecida pelo Facebook diz respeito à venda de anúncios dentro de sua plataforma. A Folha jamais aceitou as condições e nunca integrou o Instant Articles.

Em seu Projeto Editorial, em que periodicamente reafirma suas diretrizes jornalísticas, a Folha já falava dos aspectos mais problemáticos das redes sociais. "As redes sociais, que poderiam ser um ambiente sobretudo de convívio e intercâmbio, são programadas de tal modo que estimulam a reiteração estéril de hábitos e opiniões preexistentes", diz o texto.

"Em contraste com esse condomínio fechado das convicções autorreferentes, caberá ao conjunto dos veículos semelhantes à Folha enfatizar sua condição de praça pública, em que se contrapõem os pontos de vista mais variados e onde o diálogo em torno das diferenças é permanente."

Os caminhos se estreitam para Lula - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 08/02

Depois das bravatas sobre o julgamento no TRF-4, tudo voltou à normalidade, e, assim, com base na Ficha Limpa, o futuro eleitoral do ex-presidente ficou sombrio

Prova de que aquelas bravatas do próprio Lula e de petistas como a senadora Gleisi Hoffmann (PR) e o senador Lindbergh Farias (RJ) tinham perna curta e nenhum fôlego é que hoje, passados menos de 15 dias do julgamento do recurso pelo TRF-4, em Porto Alegre, e da condenação em segunda instância do ex-presidente, tudo corre normalmente.

Advogados do ex-presidente buscam alternativas para livrá-lo da prisão, depois da avaliação dos embargos de declaração a serem entregues ao TRF-4 — que não podem reverter a sentença condenatória —, enquanto buscam formas de driblar a Lei da Ficha Limpa, pela qual pessoa condenada em segunda instância, por colegiado de juízes, fica inelegível por oito anos. Tudo muito claro.

A baixa mobilização de militantes antes, durante e depois do julgamento, em 28 de janeiro, era uma prévia do que aconteceria — ou seja, nada. E é bom que assim seja, dentro da lei. Por isso mesmo, os prognósticos para o ex-presidente não são animadores.

A possibilidade do registro da candidatura de Lula na marra — algo por si só delirante, fora da realidade — foi afastada, com todas as letras, pelo novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, em entrevista ao GLOBO.

Fux, ministro do Supremo, recorreu a um neologismo para qualificar a situação eleitoral do ex-presidente: “irregistrável”. No entendimento do presidente do TSE, sequer há a possibilidade de o aspirante a candidato, enquadrado de maneira clara na Ficha Limpa — caso de Lula —, recorrer para obter uma candidatura sub judice. Para o ministro, é uma forma de burlar a lei.

Seria um presente dos céus para Lula e PT: com um registro capenga no bolso, o candidato teria reforçado o seu proselitismo e, talvez, realizado o sonho de, mesmo de forma precária, ter a foto nas urnas. O plano óbvio é obter alta votação e assim constranger a Justiça a aceitar talvez a vitória de um ficha suja. Desmoralizaria a lei, fruto da vitória de uma mobilização popular, e o próprio Judiciário.

Seja como for, Fux diz que convocará o colegiado do TSE para o tribunal como um todo firmar uma posição. Que, pela lógica, não poderá ser diferente da defendida pelo ministro na entrevista.

Outra questão é a prisão do ex-presidente, rejeitados os embargos pelo TRF-4, a se manter o entendimento em vigor do próprio STF. Não parece haver dúvidas de que a defesa recorrerá à Corte.

Nela, os prognósticos se mantêm indefinidos, mesmo que o ministro Alexandre de Moraes, considerado um voto contra, haja se definido pela prisão depois da segunda instância, em um julgamento, na terça, na Primeira Turma do STF. Mas a ministra Rosa Weber é uma incógnita. A presidente da Corte, Cármen Lúcia, já disse que não pautará o assunto. Mas algum recurso de Lula pode provocar o julgamento. Porém, ao menos os espaços eleitorais do ex-presidente se estreitaram.

Horizonte estreito - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/02

O impasse em torno da reforma da Previdência evidencia a incapacidade do Brasil de superar os interesses das corporações e dos políticos, que somam esforços para garantir privilégios e votos


O impasse em torno da reforma da Previdência evidencia a incapacidade do Brasil de superar o horizonte imediato dos interesses das corporações e dos políticos, que somam esforços para garantir seus privilégios e votos. É essa limitação que torna o País permanentemente vulnerável a choques externos, como este que parece se avizinhar.

Como sublinhamos no editorial Um susto e um alerta, publicado ontem, os parlamentares deveriam ser, por princípio, capazes de entender que uma mudança no cenário internacional, com um possível aperto monetário nos Estados Unidos e na Europa, pode ter efeitos graves sobre o Brasil, pois limitaria os investimentos externos em países emergentes. A eclosão de uma nova crise sem que as contas nacionais estejam ajustadas – isto é, sem que a reforma da Previdência e outras medidas de austeridade tenham sido aprovadas – teria como principais prejudicados os brasileiros mais pobres, justamente aqueles que os parlamentares contrários à reforma dizem defender.

A julgar pelo nível dos debates e das reivindicações da base governista para aprovar a reforma, contudo, os congressistas estão longe de compreender a extensão dos problemas derivados do desarranjo das contas. Não parece haver, em nenhum momento, uma preocupação estratégica com o futuro do País, pois as discussões limitam-se à barganha de votos por garantias de que este ou aquele privilégio será mantido. Na vanguarda desse atraso estão os parlamentares que representam os interesses dos servidores públicos e aqueles que aproveitam o destaque proporcionado pelo tema para fazer demagogia com vistas à eleição de outubro.

Infelizmente, não surpreende que assim seja. O Congresso Nacional tem se notabilizado há muitos anos por ignorar a necessidade de construir e manter as bases de um crescimento sustentável, única forma de acabar com a pobreza crônica. Contam-se nos dedos as medidas de rigor fiscal que foram aprovadas pelos parlamentares – a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e o teto dos gastos públicos, de 2016, estão entre os raros exemplos de conciliação dos deputados com a realidade do País.

No mais das vezes, contudo, prevalece a fantasia segundo a qual o dinheiro público é infinito. O maior exemplo dessa mentalidade é a própria Constituição, cujos múltiplos direitos e benefícios ali previstos excedem em muito a capacidade do Estado de atendê-los – e as grandes vítimas dessa distorção são os cidadãos que dependem de um serviço público cada vez mais precário, por falta de recursos. E sempre que se fala em reformar a Constituição, para adequá-la ao mundo dos fatos concretos, erguem-se desde logo barricadas para assegurar prebendas e sinecuras como se fossem cláusulas pétreas.

Além disso, a própria recuperação econômica do País, a despeito de ainda ser incipiente e claudicante, já começa a dar azo à presunção, por parte dos oportunistas, de que não há mais necessidade de reformas. Tal irresponsabilidade parece ter se tornado um padrão entre as lideranças políticas do País, com raras exceções: não há crise grave o bastante que os convença da necessidade de prevenir a próxima.

O Brasil, assim, brinca com a sorte, mais uma vez. Ao longo da história, o País sofreu duros choques decorrentes de turbulências externas em razão de proverbial imprevidência. Quase sempre que se viram diante da necessidade de escolher entre a prevenção de uma nova crise e a manutenção de privilégios os mais variados, os políticos escolheram o lado dos privilegiados e dos irresponsáveis. Uma crise como a produzida no governo de Dilma Rousseff, por exemplo, não surge da noite para o dia; é resultado de uma tremenda vocação para o desperdício de recursos em nome de ilusões populistas.

Como se vê, a dificuldade de realizar reformas para o saneamento das contas públicas vai muito além da necessidade de superar uma oposição ocasional. Trata-se de desafiar uma sólida cultura perdulária, que convida à busca incessante de vantagens pessoais e corporativas em detrimento da capacidade do Estado e do próprio futuro do País.