segunda-feira, janeiro 08, 2018

E se nos adaptamos a mesclar trabalho e sacanagem desde o paleolítico? - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 08/01

As pautas progressistas têm se revelado um pouco ridículas, não? Não que eu ache que as pautas conservadoras estejam muito melhores (tipo perseguir exposições irrelevantes com gente pelada se chupando).

Temo que a própria oposição "progressista x conservador" tenha chegado ao seu ocaso e, com isso, aqueles que a defendem de forma radical (refiro-me à oposição descrita acima) tendem a se tornar fundamentalistas.

Parafraseando a máxima "a virtude está no meio", eu diria que a "virtude está na ambivalência". E toda ambivalência é insuportável para fundamentalistas. O Sapiens é ambivalente e, quando "exagera no mal", degenera, assim como também quando "exagera no bem". E ambivalência e maturidade são primas irmãs.

A virtude mais rara no debate público contemporâneo é alguma dose mínima de maturidade. E as redes sociais só pioram: em termos de debates de ideias, as redes sociais só pioraram o mundo. O debate nas redes sociais é coisa de gente boba.

Exemplos abundam. Sei que tem gente por ai defendendo que a Terra é chapada (chapados devem ser esses defensores da Terra plana).

Mas as idiotices não param por aí. Adentram o terreno do "debate qualificado e acadêmico". E isso é o pior: a universidade, além de irrelevante, vai se tornando, aos poucos, um celeiro que faria inveja ao fundamentalismo islâmico em termos de ódio e intolerância.

A única saída para a universidade é abandonar a intenção de salvar o mundo. As ciências humanas devem desistir de mudar o mundo. Conhecê-lo já é difícil o suficiente.

Os racistas progressistas (a moçada que defende o apartheid sexual como forma de combate ao racismo... Risadas?) repetem o caminho das feministas radicais no seu ódio ao sexo.

O que está por trás do mimimi sobre "miscigenação é genocídio" é o ódio ao sexo. É o ódio à ideia de que negros podem gozar dentro de brancas, e estas adorarem, ou a ideia de que negras podem ficar molhadinhas e com água na boca sonhando em dar para o colega branco. Ou vice-versa.

É o mesmo ódio que o feminismo radical dedica ao homem heterossexual. "Todo ato (hetero)sexual é uma forma de estupro" não quer dizer outra coisa. A obsessão por assédio sexual acabará com as relações entre homens e mulheres em poucos anos. E entre gays também. O ódio é o afeto hegemônico no mundo contemporâneo.

E essa gente se diz "progressista". E se a espécie estiver adaptada a misturar sobrevivência, gozo, trabalho e sacanagem desde o Paleolítico?

Acho que Freud nunca foi tão atual em seu diagnóstico acerca do medo histérico do sexo. O Freud "insuportável" foi deixado de lado pela esquerda inteligentinha.

A esquerda deveria se manter naquilo que ela fez de melhor até hoje: ficar atenta aos danos que a sociedade de mercado causa nas pessoas. Diagnóstico este sintetizado nos conceitos de mercadoria e instrumentalização —e largar mão dessas taras sexuais.

E se o desejo sexual morrer quando se tornar "correto"? Não duvido que seja exatamente a intenção desses raivosos contra o gozo alheio. Querem mesmo é fazer de todos os humanos seres castrados no gozo. Não é muito diferente de quem acha que pessoas que gostam de gozar dentro de pessoas do mesmo sexo sejam doentes.

Mas o ridículo vai mais longe. E quem acha que parando de consumir qualquer "matéria animal" está salvando o mundo? Os jovens mais puritanos, fundamentalistas e intolerantes são os que pensam assim. O veganismo é uma forma de fundamentalismo que carrega rúculas ao invés de bombas.

O horror ao sangue é semelhante ao horror ao sêmen ou à mulher molhadinha de tesão querendo "dar". Um dos piores danos aos jovens está sendo realizado nessas escolas que "educam para a paz". O jovem que abraça árvore hoje é o mesmo que não conseguirá abraçar ninguém amanhã.

As taras sexuais da "esquerda de campus" —a esquerda inventada nos campi universitários americanos que tem horror a sangue, sêmen e mulheres molhadinhas de tesão— terá como grande "ganho" o fortalecimento das correntes reacionárias. O século 21 será um terreno baldio de bobos e raivosos regados a algoritmos.


O dia da ira - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO/ESTADÃO - 08/01

Para os petistas, a lei vale para todos, menos para eles e, sobretudo, para seu líder maior



Coincidências, no mais das vezes, encobrem nexos necessários entre fatos, discursos e palavras. Casualidades também revelam projetos e tendências, que assim se expressam. Pode igualmente acontecer que tenham um sentido manifestamente intencional, tornando semelhantes projetos políticos que ganham, dessa maneira, uma afinidade eletiva. Tal é o caso do ex-ministro José Dirceu, que declarou ser o dia 24 deste mês, data do julgamento do ex-presidente Lula em Porto Alegre, o “dia da ira”.

O parentesco político em questão é com os grupos terroristas islâmicos, no caso, o Hamas, que tem na violência e na destruição do outro seus meios de ação e sua finalidade. No caso deles, a destruição do Estado de Israel, no nosso, a destruição da democracia representativa ou, em outra perspectiva, do Estado Democrático de Direito.

Note-se que o ex-ministro, já condenado, usa tornozeleira eletrônica e está pendente de um julgamento para saber se voltará ou não para a prisão. Normalmente, uma pessoa que se encontra em tal condição deveria usar da prudência, pois está pagando por crimes cometidos, salvo se se considera acima da lei ou, na versão petista, um “preso político”. Ou seja, a lei valeria para todos os cidadãos, exceção feita aos petistas e, sobretudo, a seus líderes mais importantes, como é o caso do ex-presidente Lula.

Um caso corriqueiro de tribunais se torna não apenas um espetáculo político, como uma afronta ao império da lei. Nessa perspectiva, o “mensalão” e o “petrolão”, símbolos da corrupção política dos governos petistas, tornam-se instrumentos revolucionários. Esqueceram-se de dizer que espoliaram e exploraram a população brasileira, mormente os pobres, e não a “burguesia”, que se tornou uma aliada no “capitalismo de compadrio”. O Brasil, no desemprego e no retrocesso do PIB, sofre até hoje as consequências dessa aventura, dessa irresponsabilidade política.

Pretender, agora, apresentar o julgamento de Lula como um ato político de “luta” contra os ricos e as classes privilegiadas” está mais para hilário do que para simplesmente cômico, não fosse o fato de muitos brasileiros ainda acreditarem nesse engodo. E esse engodo veste a roupagem revolucionária!

O chamado à manifestação, organizado pelo PT e por movimentos sociais que orbitam em torno do partido, como o MST e o MTST, tem como objetivo deslegitimar, tornar nulo ou dificultar ao extremo o julgamento do ex-presidente. Ora, esses dois ditos movimentos sociais são, em suas versões urbana e rural, organizações hierárquicas com explícito programa revolucionário em moldes marxistas, voltado para a destruição da economia de mercado, da propriedade privada e do Estado de Direito; em suma, para a aniquilação do “capitalismo”. Basta a leitura de seus textos, documentos e até entrevistas. A aura romântica tem sua realidade na destruição sistemática que estão empreendendo na Venezuela. O PT, aliás, não cessa de defender o “socialismo do século 21”, o bolivarianismo, Chávez, Maduro e asseclas. É isso que querem para o Brasil!

O PT e seus aliados estão perigosamente apostando na instabilidade institucional. Deixam sistematicamente claro que a lei não vale para eles. Ameaçam velada ou explicitamente o TRF-4, cujo trabalho tem sido impecável na condenação dos envolvidos na Lava Jato, sejam eles petistas ou não. A cor partidária, num julgamento, não conta. Os desembargadores encarregados do julgamento de Lula têm tido comportamento impecável. O mesmo vale para o presidente do tribunal, desembargador Thompson Flores, que se tem colocado institucionalmente à altura do desafio.

O objetivo do partido e de seus aliados consiste em criar um clima de agitação, procurando politizar o julgamento de seu líder máximo. Alguns falam de grandes manifestações, petições internacionais, e os mais radicais vislumbram uma invasão do tribunal. Visam até mesmo a criar uma imagem internacional pejorativa do Brasil, como se vivêssemos à margem da lei, na perseguição política da “esquerda”. A perversão é explícita. Os que desrespeitam a lei procuram transferir essa imagem para os que defendem o Estado de Direito e fazem cumprir a lei. O crime deixa de ser crime para ser um ato revolucionário!

Observe-se que a defesa de Lula não se preocupa com argumentos jurídicos, mas tão só com encaminhamentos que têm como finalidade maior politização do processo. Advogados tornam-se militantes. Para eles, a lei e a Constituição seriam apenas empecilhos que deveriam ser ultrapassados e desconsiderados a todo custo. A face bolivariana do PT torna-se ainda mais nítida.

Está, verdadeiramente, em jogo o que se pode denominar uma luta política entre a democracia totalitária e a democracia representativa, entre o projeto revolucionário e o Estado Democrático de Direito. A primeira está baseada na ideia de que o “povo” – ou melhor, seus representantes e demagogos – tudo pode, não importa o respeito ou não à Constituição. A segunda está ancorada na observância das leis, das instituições e da Constituição, impondo limites a essa espécie de ilimitação da dita soberania popular.

O exemplo recente entre nós é o da ditadura bolivariana na Venezuela, com seus líderes nem mais encobrindo que não se preocupam com as instituições democráticas. Num primeiro momento, guardaram ainda a aparência democrática representativa, enquanto mero instrumento de conquista do poder. Agora a máscara caiu.

O projeto petista, em sua fase atual, tem esse componente de uma “democracia totalitária”, em que a vontade do povo não conheceria limites. A eleição seria uma absolvição. Os rituais democráticos são ainda observados, porém os discursos e manifestações apontam para a subversão da democracia representativa. Pertence ao passado a mensagem de pacificação da então dita Carta ao Povo Brasileiro, jamais reconhecida, porém, como documento partidário.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

O grande desafio ainda é fiscal - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 08/01
Cálculos recentes mostram que, na União, as despesas obrigatórias passaram de um pouco mais de 70% da receita corrente líquida, em 2008, para cerca de 104% no corrente ano


À medida que vêm à tona novos dados do IBGE, a luz da retomada do crescimento do PIB se mostra mais visível no fundo do túnel. O evento-chave da última divulgação é que finalmente apareceram sinais de recuperação do investimento privado, variável fundamental nessa narrativa. Aqui, o que conta mesmo é a percepção dos investidores sobre o desempenho futuro da economia, esta, por sua vez, diretamente associada à situação das finanças públicas. Só que, se retirarmos o curto período do recente boom de commodities, o Brasil está em crise fiscal desde o início dos anos oitenta, ou seja, há mais de trinta anos.

Foi graças a ela que as expectativas se tornaram as piores possíveis no segundo mandato Dilma, os investimentos desabaram, e o país despencou na maior e mais demorada recessão de sua história.

Diante desta, as receitas públicas foram ao chão, problemas estruturais das contas públicas se misturaram aos conjunturais, e as soluções apresentadas pelas autoridades se mostraram as mais confusas possíveis, para dizer o mínimo. Acuado pelas agências de risco internacionais, o ministro da Fazenda acaba de bradar que, se for necessário para ajustar o déficit público às metas, o governo aumentará a carga tributária. Nada mais trivial, nem tão inconveniente para um país em depressão econômica.

Olhando para a União, o “x” da questão é o rápido crescimento dos gastos obrigatórios, aqueles que têm por trás alguma determinação legal de que sua realização tem de ocorrer. Cálculos recentes mostram que, na União, as despesas obrigatórias passaram de um pouco mais de 70% da receita corrente líquida em 2008, até chegar a cerca de 104% no corrente ano.

Ou seja, antes mesmo de considerar as despesas discricionárias (onde se situam os investimentos) e o serviço da dívida, a União gasta mais do que arrecada liquidamente. O item de maior peso nos gastos obrigatórios se refere à Previdência, tanto a geral como a específica dos servidores, por isso mesmo sempre destacado quando se fala em fazer algum ajuste.

Por conta desse desarranjo, a União entrou numa trajetória de seguidos e elevados déficits primários, ou seja, de falta de quaisquer recursos não-financeiros para pagar ao menos uma pequena parcela do serviço da dívida, o que, mantida a política de financiar déficits com emissão de moeda à galega, leva à explosão da dívida e de volta à hiperinflação.

Na gestão atual, o governo acabou colocando os seguintes limitadores financeiros adicionais para tentar implementar uma gestão financeira mais equilibrada: 1) uma meta declinante de déficits primários; 2) um teto para o crescimento dos gastos totais (exclusive dívida) equivalente à taxa de inflação, dessa feita por emenda constitucional. E prometeu aprovar uma reforma da Previdência capaz de reduzir esse tipo de gasto de forma expressiva no curto prazo, algo, como se sabe, muito difícil de realizar.

Esqueceu-se, apenas, de verificar que, mesmo atendendo às duas primeiras exigências em 2018 (o que não será fácil), mas dependendo do alcance da terceira, poderia não cumprir algo mais antigo e fundamental, a pouco lembrada “regra de ouro” das finanças públicas brasileiras. Pelo art. 167, III, da Constituição, operações de crédito não podem financiar gastos correntes. E tudo indica que, se nada for feito para evitá-lo, isso acontecerá em 2018, caso em que haveria responsabilização penal e administrativa do Tesouro, e política do presidente. O que mostra que alguma solução, obviamente, a Fazenda acabará indicando.

Em relação às destroçadas finanças estaduais, conforme tenho discutido amplamente neste espaço, a política oficial é deixá-los à deriva, a não ser pelo programa de recuperação dificilmente aplicável — e olhe lá — a qualquer Estado que não o Rio de Janeiro, caso em virtual extrema-unção.

Diante da forte resistência a aprovar a atual reforma, penso ser melhor deixar a mudança das regras previdenciárias para uma segunda fase, e, enquanto há tempo, adotar a melhor solução possível no curto prazo, conforme sugestão que venho apresentando há algum tempo e que pode ser vista em maior detalhe no artigo que publiquei há pouco e está reproduzido em “www.raulvelloso.com.br” com o título “Como manter a regra de ouro”.

Na verdade, para uma boa mudança, e como tenho enfatizado: 1) os efeitos teriam de ser rápidos; 2) o ônus deveria ser maior sobre os menos pobres; 3) algum tipo de troca com grupos sociais relevantes teria de ocorrer; e 4) o equacionamento do brutal problema financeiro de curto prazo dos entes subnacionais deveria ser parte da solução. Agora acrescento um quinto item: a regra de ouro tem de ser obedecida. Só que a estratégia de ação seguida pelo governo não atende a nenhum desses pré-requisitos.

Sendo uma reforma que só mira regras e abrange todo o espectro de beneficiários, afeta igualmente menos pobres e mais pobres. Para não ferir fortemente direitos adquiridos, a vigência de uma reforma como a proposta pelo governo acaba acontecendo muito tempo depois do que os reformistas desejariam.

Raul Velloso é economista

Sem autocrítica - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 08/01

Mesmo economistas ligados ao PT admitem que a situação fiscal estava insustentável


O papel da oposição é, por óbvio, opor-se. Então, mesmo diante das muitas evidências de que a economia está em recuperação, o PT e legendas que compunham a aliança que sustentou Lula e Dilma no poder negarão qualquer melhoria. Bem como legendas que se alinham à esquerda, mesmo sem terem feito parte da gestão lulopetista. É do jogo político.

Como o PT perdeu muitas oportunidades para fazer autocrítica, não deverá reconhecer que a debacle que a dupla Lula-Dilma causou na economia, com o “novo marco macroeconômico”, se garantiu a reeleição da presidente, em 2014, também criou as condições para ela ser impedida pelo Congresso. Enquanto jogava o país na mais profunda recessão jamais sofrida, segundo as estatísticas oficiais ( aproximadamente 8% de retração do PIB no biênio 2015/ 2016; queda de 10% na renda per capita, jogando no desemprego uma população de mais de 14 milhões de pessoas.

Houve uma alteração radical na condução da economia do primeiro governo Lula, com Antonio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, para a segunda gestão, com Dilma Rousseff na Casa Civil e Guido Mantega na Fazenda. A crise mundial aprofundada em 2008/9 serviu de pretexto para o lulopetismo aplicar, enfim, a velha receita intervencionista sempre defendida pelo PT até desembarcar no Planalto.

Com Dilma na Presidência, chegou o momento de ir fundo no experimentalismo nacional-populismo, e o resultado foi o que se viu. O voluntarismo, outra característica deste tipo de visão ideológica, foi exercitado ao extremo. Por exemplo, quando Dilma, em 2011 e 2012, com o BC de Alexandre Tombini sob controle, forçou o corte dos juros básicos da economia ( Selic), de mais de 12,5% para 7,25%, mesmo que a inflação não aconselhasse a redução. Como previsto, ela ganhou fôlego e passou a rodar no limite superior da meta, de 6,5%. Não houve alternativa a não ser permitir que o BC voltasse a elevar os juros. A bola de neve que já descia a ladeira aumentou de velocidade e cresceu.

A clara e indevida intervenção do Planalto no BC ajudou a deteriorar a expectativa perante o Brasil e fez recuar ainda mais os investidores. Projetos de ampliação de fábricas foram engavetados e tudo mais. A inflação se manteve rígida, rumou para os dois dígitos, consumidores se retraíram e foi disparado o gatilho da funda recessão.

A contabilidade criativa de Arno Augustin, do Tesouro, foi acionada sob as bênçãos de Dilma e Guido, para maquiar as contas públicas, e isso levou a presidente ao impeachment. Com a retração, a Previdência, já estruturalmente abalada há tempos, entrou na UTI. O que a equipe econômica de Temer fez foi restaurar alguns princípios sensatos de politica econômica e conseguir que o Congresso aprovasse um teto para os gastos, a fim de dar um horizonte visível ao Orçamento. Tem funcionado: a inflação caiu de dois dígitos para 3%, e disso se beneficiam os salários. E o desemprego recua. Fatos.

Política sem riscos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/01

O atual estado de anemia de lideranças só será superado quando a política deixar de ser vista como um mal em si, uma ideia nefasta que alguns procuradores fazem questão de disseminar


É extremamente cômoda a posição de alguns membros do Ministério Público Federal (MPF). Amparados pelo conforto material e funcional que só alcançam os que pertencem à elite do funcionalismo público, arvoram-se em titulares inatacáveis da missão de purgar o País de seus males históricos e, por essa razão, sentem-se à vontade para extrapolar os estritos limites de suas atribuições constitucionais.

Por meio de suas contas nas redes sociais, como o Twitter e o Facebook, esses procuradores se engajam em uma deletéria campanha de judicialização da política – ou da politização da Justiça – em busca da aclamação popular que lhes garanta ainda mais espaço para impor uma agenda que seria própria das lides políticas.

Não são incomuns manifestações públicas de alguns membros do MPF de viés claramente político, o que escapa às competências originárias da categoria definidas pela Constituição. Por meio das redes, imiscuem-se em temas que vão desde o modo como os cidadãos devem se comportar numa fila até o impeachment de ministros do STF.

Tome-se, por exemplo, a condenação indiscriminada da atividade política e dos políticos, considerados assim, no plural indeterminado. Estivessem genuinamente preocupados com o bom destino da Nação, esses procuradores da República pensariam com mais cautela nas implicações que tal campanha pode ter na vida institucional do País. O antípoda da ideia de que toda a política é corrompida é a antipolítica. O que de bom há de surgir disso?

Ressalte-se que a propaganda é reforçada com a vaga e intimidadora expressão “ameaça à Lava Jato”, como se tudo o que contraria os interesses de alguns membros da força-tarefa fosse, necessariamente, um ataque à operação que consideram ser deles, e não do Estado.

Assim, esses procuradores habilmente lançam mão do subterfúgio para fazer valer seus desígnios políticos sem correr os riscos a que estão submetidos todos os políticos que eles condenam, como o processo para filiação e indicação partidária, os desafios de uma campanha eleitoral, a batalha pelos votos dos eleitores, etc.

São inestimáveis os frutos benfazejos que a Operação Lava Jato legou para a vida nacional, principalmente o resgate da ideia central da democracia: a igualdade de todos perante a lei. Descrente diante da longa tradição de subversão desse preceito fundamental, manifestada pela histórica leniência no combate à corrupção, a sociedade, não sem razão, abraçou a Lava Jato e enxergou na operação a redenção nacional há muito aguardada. É compreensível, portanto, que qualquer ameaça à Lava Jato, real ou imaginária, ressoe forte no seio da sociedade. O que é inadmissível é a exploração deste sentimento para o exercício velado da política.

São enormes os desafios que a Nação enfrenta. A aprovação da reforma da Previdência é só o mais imediato deles. Há ainda o crônico déficit de infraestrutura do País, um sistema educacional falido a ser completamente reformulado, um vergonhoso abismo na oferta de saneamento básico à população, entre muitos outros.

É no mínimo ingênuo, para não dizer insidioso, pensar que tais obstáculos ao desenvolvimento do País poderão ser superados fora da chamada política tradicional, como se a sua prática, por si só, fosse um problema, e não os crimes cometidos por maus políticos.

O País precisa de lideranças políticas fortes, éticas e responsáveis que possam quebrar o círculo vicioso que nos mantém no atraso. E o atual estado de anemia de lideranças só será superado quando a política deixar de ser vista como um mal em si, uma ideia nefasta que alguns procuradores fazem questão de disseminar.

A condenação da política como um todo só joga água no moinho dos extremistas, seja qual for o espectro ideológico a que pertençam. Livres das incômodas amarras da responsabilidade, podem oferecer qualquer promessa a ouvidos ávidos por soluções milagrosas.

É lamentável que algo assim seja alimentado pela ação de quem se espera mais espírito público.