quinta-feira, outubro 19, 2017

Viajar a Cuba é conhecer a diferença entre o comunismo ideal e real - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 19/10

Estamos perto da data do centenário da Revolução de Outubro. Para celebrar, decidi passar uma semana em um país "supostamente comunista" —é tudo o que tivemos nos últimos cem anos, países supostamente comunistas; os comunistas "de verdade", ninguém viu, nunca.

Escolhi Cuba, porque a ilha está a uma distância praticável e porque ela encarnou (talvez ainda encarne para alguns, especialmente na América Latina) um ideal.

Foi minha primeira viagem a Cuba, com expectativas misturadas: entre camisetas de Che Guevara nos anos 1960 e o banho de realidade da "Trilogia Suja de Havana" de Pedro Juan Gutiérrez (Alfaguara), nos 1990.

A história de Cuba é diferente da dos países do bloco soviético: a ilha se tornou comunista por movimento interno (não por uma invasão ou pela divisão, entre Rússia e EUA, dos espólios da Segunda Guerra).

Também, a Revolução Cubana aconteceu numa época (1959) em que só os otários e os desonestos ignoravam os horrores da experiência soviética. Gide publicou seu "De Volta da URSS" em 1936 (Vecchi, 1937). E o relatório Khruschov é de 1956.

A virada filossoviética da Revolução Cubana foi também consequência de uma política equivocada dos EUA, que pareciam sobretudo defender os interesses de seus mafiosos donos de hotéis. Mas a virada sanguinária e repressora da Revolução Cubana veio de onde? Camilo Cienfuegos, o proletário, morreu "por acaso": seu avião sumiu logo quando Camilo começava a manifestar seu dissenso.

Os irmãos Castro e Che Guevara, rebentos (respectivamente) da grande e da pequena burguesia, "inventaram" fuzilamentos e campos de concentração para dissidentes; eles tiveram a crueldade típica de meninos que brincam de guerra para se fazerem de herói.

Justamente, o Museu de la Revolución e o ensino de história alimentam para sempre a narrativa que os torna heróis. Um guia me garante que nunca houve campos de concentração em Cuba. E Reinaldo Arenas, seu livro, "Antes que Anoiteça"? Ninguém ouviu falar.

As afirmações de Fidel e do Che, pelas quais "los maricones" seriam "contrarrevolucionários"? Ninguém nunca ouviu.

Mas eu me lembro da provocação de Allen Ginsberg, o poeta beat, que foi expulso de Cuba em 1965 por dizer que Guevara era bonitinho e que Raúl Castro talvez fosse gay.

Cuba é muito diferente da Europa do Leste antes da queda do muro, em que se respirava um clima tétrico, opressivo. As ruas da Havana são alegres, a gente caminha sem se sentir perseguido num filme expressionista alemão. A mão repressora é mais leve? Ou são o Caribe e seu sol que fazem isso? Aposto no Caribe.

Nenhuma criança está fora da escola, e o analfabetismo acabou. A consequência é a própria comunidade: é possível conversar com qualquer um, e talvez namorar com qualquer um, porque existe um fundo de cultura básica (isso, apesar de diferenças econômicas abissais; o salário cubano começa pelos US$ 20 por mês, mas há pessoas vivendo em casas que não desfigurariam no Pacaembu, em SP).

Agora, a cultura comum é pitoresca de tão parecida com um catecismo. Nas estradas, esbarra-se na declaração de que "la unidad y la doctrina" são os "pilares fundamentales". Parece ter sido escrito para mim: em geral, se tem doutrina e unidade na doutrina, eu sou contra.

As ruas são seguras, mesmo de madrugada. Será efeito da polícia, que, numa ditadura, sempre é temida? Ou será pela própria existência de uma comunidade?

A internet é lenta, disponível só em alguns lugares públicos, caríssima (US$ 2 a hora) e censurada. As imagens eróticas do meu Tumblr, por exemplo, não carregam porque a pornografia é proibida em Cuba. Realmente, os governos repressores sempre têm um sentido claro das prioridades. Estou sendo irônico, viu?

Um pai, na Havana, quer fazer um bolo para o aniversário do filho. Começa a procurar e estocar os ingredientes três meses antes. O desabastecimento é crônico, salvo nos hotéis para turistas. E não adianta acusar embargos e bloqueios. O modelo econômico faliu o país. Conselho às mulheres que procurassem marido: viagem a Cuba se quiserem ser pedidas em casamento na primeira dança. Casar-se, para o homem cubano, é a única saída do país.

Um amigo, para quem explicamos que, para muitas coisas, o Brasil talvez seja pior, responde: "Mas você veio e pode comparar. Eu não consigo sair daqui".

Tanto pró e tanto contra - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 19/10

Dizem alguns analistas: a necessidade da reforma da Previdência é tão óbvia que, certamente, acabará sendo feita


Foram ruins os principais indicadores da economia real em agosto. A produção industrial caiu, o comércio vendeu menos, e os serviços prestados às famílias e aos negócios perderam volume. Para fechar a sequência negativa, ontem o Banco Central divulgou seu Índice de Atividade Econômica: queda de 0,38% no mesmo período, pior que o esperado.

Como explicar então a melhora nos índices de confiança e nas expectativas de crescimento para este ano e o próximo?

Não se trata de patriotada do governo. Aqui no Brasil, consultorias, departamentos econômicos de bancos e associações, todos se declaram mais animados em relação aos próximos meses. Mesma posição tomada por instituições internacionais, como o FMI e Banco Mundial, e companhias multinacionais.

Há bases para esse moderado otimismo. Aqui: além da clara mudança de política econômica, para melhor, registra-se a inflação muito baixa e a consequente queda da taxa real de juros. Dá-se como certo um período longo de juros baixos — até 2019, pelo menos — uma mudança e tanto na economia brasileira tão acostumada, e viciada, com juros na lua. Isso terá impacto positivo no consumo e no investimento.

Lá fora, é muito bom o desempenho dos principais países e, especialmente, do comércio global, que apresenta um ritmo de crescimento como há tempos não se via.

As altas frequentes das bolsas americanas, com sucessivas quebras de recorde, exprimem esse bom humor global.

Mas por que mesmo o mercado americano vai tão bem? Se você não sabe, não se preocupe. O prêmio Nobel de economia, Richard Thaler, também não sabe.

Disse ele (tradução livre): “Quem poderia imaginar que o mercado continuaria em alta durante este que é o tempo de maior incerteza de minha vida? Não pode ser a certeza de que haverá um maciço corte de impostos (nos EUA), dada a inabilidade do Congresso republicano em agir de modo coordenado. De modo que não sei de onde vem isso.”

Thaler ganhou o Nobel com a tese de que as pessoas (e, pois, as empresas, o governo, as instituições) tomam frequentemente decisões irracionais. Logo, para ele, não é surpreendente que o mercado possa estar equivocado nessa já longa alta nas bolsas americanas (oito anos!).

Por outro lado, há analistas e operadores para os quais a economia mundial pode estar mais aquecida do que pensa o FMI — instituição que recentemente reviu para cima suas projeções de expansão para quase todos os países.

Argumentos: juros baixos ainda por algum tempo; inflação no chão; empregos e, pois, renda total em alta; famílias, empresas e governos com dívidas reduzidas e controladas; investimentos em novas tecnologias (carros elétricos e autônomos, internet das coisas); EUA, China, Europa e Japão entregando crescimento e, pois, demanda global. O que queriam mais? Pode-se devolver a questão com outras perguntas: e se Trump fizer alguma besteira das grandes? Ele tanto pode provocar um conflito com a Coreia do Norte quanto explodir o déficit público americano, gerando inflação e juros, problema que se espalharia mundo afora. Há pressões nacionalistas e/ ou protecionistas por toda parte (Brexit, Catalunha, por exemplo) que podem colocar areia na máquina da economia global. O próprio Trump pode derrubar acordos regionais e internacionais, reduzindo o comércio global.

Também há incertezas por aqui, todas no campo da política. A sequência do ajuste da economia brasileira — que está atrasada em relação às demais — depende de um amplo conjunto de leis, ou seja, de entendimento entre o governo e o Congresso, de modo a se formar uma maioria pró-reformas.

Quem pode garantir que isso vai acontecer? Dizem alguns analistas: a necessidade da reforma da Previdência é tão óbvia que, certamente, acabará sendo feita. Um dia as pessoas hão de entender essa necessidade, agora, nesse resto de governo Temer, ou no próximo.

Aliás, já se ouve por aqui que não será problema se a reforma ficar para o próximo presidente. Mas vai daí que o tema deverá constar da próxima campanha presidencial —e o que temos visto para 2018? O eleitor brasileiro está mais para escolher um Macron ou um tipo Trump do sul?

Em resumo, há boas razões para a expansão da economia global e a recuperação da brasileira. As expectativas dominantes hoje estão nesse lado, o lado pró-racionalidade, tipo: “no fim vai dar certo”.

Mas as incertezas também estão aí, e Thaler pode ter razão ao desconfiar que as pessoas podem estar fazendo a coisa errada.

Vai depender do quê? Do que as pessoas fizerem, aqui e lá fora. Isso te anima?

O direito das ruas - EDUARDO CUNHA

FOLHA DE SP - 19/10

Assistimos no último dia 11 ao acolhimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação de inconstitucionalidade 5.526, proposta pelos partidos PP, PSC e SD, após decisão unânime do STF em 5 de maio de 2016 pelo meu afastamento da presidência da Câmara dos Deputados e do meu mandato. Mandato que foi obtido da mesma forma que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) obteve o seu, ou seja, pelo voto popular.

Como a decisão sobre o meu mandato foi do plenário do STF, não cabia recurso. Por isso articulei com os partidos a apresentação daquela ação, visando ao menos a garantir ao Congresso a última palavra.

Infelizmente, a ação foi engavetada e não levada ao plenário como agora foi.

É importante lembrar que nem o senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), preso em flagrante duvidoso, teve o mandato suspenso. E, nesse caso, o Senado se acovardou -até o senador Aécio Neves e o seu partido votaram para manter aquela prisão. É preciso historiar os fatos.

No dia 17 de abril de 2016, houve a sessão na Câmara, conduzida por mim, autorizando o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Em seguida, no dia 3 de maio, o partido contrário ao impeachment, usando o antigo escritório de advocacia do ministro Luís Roberto Barroso, propôs uma ação pelo meu afastamento, por ter me tornado réu no STF e estar na linha de sucessão.

A relatoria dessa ação coube ao ministro Marco Aurélio Mello, e marcou-se a sessão de julgamento para 48 horas depois, sem que o relator assim tivesse pedido.

Na sessão da Câmara de 4 de maio, deputados do PT fizeram discursos dizendo que aquela seria a última sessão que eu presidiria. É fácil comprovar, bastando consultar as notas taquigráficas.

Na madrugada de 5 de maio, recebi a notificação de liminar concedida pelo então ministro Teori Zavascki, acolhendo uma ação cautelar proposta seis meses antes pela Procuradoria-Geral da República, afastando-me da presidência e do mandato.

Nesse mesmo dia, a liminar foi levada ao plenário, antes da ação relatada pelo ministro Marco Aurélio, e foi confirmada por unanimidade pelos ministros que, agora, mudaram o entendimento.

Após a decisão, o ministro Barroso ainda pediu que seus antigos colegas de escritório fizessem a sustentação da ação, alegando que eles tinham vindo do Rio de Janeiro para isso, mas o plenário preferiu adiar. Naquele momento, o ministro Barroso não se declarou impedido.

Vimos Dilma, na sua vingança, declarar: "Antes tarde do que nunca." Em seguida, o vice-presidente da Câmara, contrário ao impeachment, acata em 9 de maio um recurso de Dilma e anula a votação do impeachment. A forte reação da Câmara e do Senado o obriga a voltar atrás no golpe que tentou.

Em dezembro, essa ação acabou apreciada no âmbito da crise com o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se tornaria réu no STF e teve liminar de afastamento da presidência concedida pelo ministro Marco Aurélio e não acatada pelo Senado.

Nesse momento, o ministro Barroso se deu por impedido, e a decisão do pleno foi que Calheiros poderia ficar na presidência do Senado, mas sem assumir a Presidência da República.

Meu afastamento chegou ao cúmulo de incluir a proibição de ir à Câmara, e houve até pedido de prisão devido a uma entrevista em que manifestei tal intenção. Eu era obrigado a comunicar ao STF o motivo de qualquer comparecimento.

Em sessão de defesa no Conselho de Ética, fui acusado de ameaçar os deputados pelos meios de comunicação ao usar a conhecida expressão "Eu sou você amanhã". Parece óbvio que eu estava certo.

A pergunta que se faz é: o plenário da Câmara, naquele momento, manteria meu afastamento? Seria eu cassado se a votação se desse comigo no mandato, exercendo a minha defesa (fui proibido, inclusive, de visitar os gabinetes dos deputados para me defender e pedir o voto)?

Estaria eu preso preventivamente, de forma alongada, por um ano, em uma irregularidade comum nas decisões da república de Curitiba? Quem me quer como troféu? Ou será que a decisão foi apenas pelo fato de o nome da capa do processo ser Eduardo Cunha e por ele ter conduzido o impeachment?

EDUARDO CUNHA (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados, cumpre prisão preventiva por determinação do juiz Sergio Moro

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

ATÉ JUÍZES DEFENDEM FIM DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A extinção da Justiça do Trabalho, elaborada na Câmara sob rigoroso sigilo, tem a aprovação de juízes e de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), diante do ativismo político e a sindicalização da magistratura. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), conhece a posição desses juízes. O projeto reage à articulação, na Justiça do Trabalho, para burlar a reforma trabalhista que vigora a partir do dia 11.

RELATOR, DE NOVO
Se depender do presidente da Câmara, o relator do projeto que acaba a Justiça do Trabalho será o mesmo que relatou a reforma trabalhista.

FÃ DE CARTEIRINHA
O deputado Rodrigo Maia sempre elogiou o trabalho competente de Rogério Marinho (PSDB-RN) como relator da reforma trabalhista.

CARA DEMAIS
A Justiça do Trabalho custará R$22 bilhões em 2017, enquanto toda a Justiça Federal dos EUA não gastará mais do que R$21 bilhões.

DEFESA NO TST
O presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho, já se manifestou em defesa da Justiça do Trabalho e discorda da sua extinção.

SARNEY DIZ QUE ILHAS À VENDA SÃO ‘CHANTAGEM’
O ex-presidente José Sarney tomou um susto ao tomar conhecimento, nesta coluna, da decisão de um sobrinho de d. Marly de vender por R$37 milhões 12,5% de três ilhas no litoral de São Luís. Sarney disse que o parente da ex-primeira-dama pretende, na verdade, que a família compre a parte dele, correspondente a dois milhões de metros quadrados. “É uma espécie de chantagem”, diz o ex-presidente.

VALOR EXAGERADO
O ex-presidente garante que o imóvel não vale os R$37 milhões. “Acho que por metade disso, o pessoal aqui vende as três ilhas”, ironizou.

PARENTE PROBLEMÁTICO
Sarney diz que o sobrinho de d. Marly, Gustavo Macieira, “sempre foi problemático”. E “ele pensa que temos dinheiro para comprar a área”.

HERANÇA DE FAMÍLIA
As ilhas Curupu, Mogijana e De Fora ou Corimã pertencem à família de d. Marly há várias gerações, desde a bisavó da ex-primeira-dama.

BANDIDO BLINDADO
O governo da Itália confia que vai pôr as mãos no terrorista Cesare Battisti. O Supremo Tribunal Federal já autorizou sua extradição, em decisão ignorada por Lula, e agora o caso voltou à Corte, após a concessão de habeas corpus que blindou o bandido outra vez.

JOGO É JOGO, TREINO...
Escolha do relator, dois dias de discussão na CCJ, votação favorável a Temer... Tudo isso não é nada, não é nada, não é nada mesmo: o que vai valer é a decisão do plenário da Câmara sobre a segunda denúncia.

BOM DE PONTARIA
O resultado da votação na CCJ da Câmara, favorável ao presidente Michel Temer, confirmou a previsão do vice-líder do governo Darcísio Perondi (PMDB-RS), que previa entre 39 e 42 votos.

AEROLULA É PREJUÍZO
Ainda está fora de operação o Airbus 319, “AirForce 51”, comprado por Lula em 2005 por US$57 milhões (R$360 milhões em valores atuais). A Força Aérea agora aluga um outro avião para o presidente.

FUNDÃO, NINGUÉM MERECE
O PSL (Social Liberal) foi o único partido que apelou ao Supremo Tribunal Federal contra a parte da reforma política que criou o “fundão eleitoral” de quase R$ 2 bilhões para financiar campanhas eleitorais.

OPORTUNISMO ELEITORAL
O PDT se aboletou em mais de 300 cargos do governo do DF por três anos, mas decidiu se afastar do desgaste que ajudou a produzir, porque a eleição vem aí. Na maioria cara de pau, ainda pretende o apoio do PSB de Rodrigo Rollemberg à candidatura de Ciro Gomes.

BARNABÉ CUSTA CARO
As despesas de pessoal do governo federal nos primeiros oito meses do ano foram de R$23,1 bilhões. Tudo isso em salários, pensões e aposentadorias de funcionários públicos.

SECOU, SÓ QUE NÃO
A Cia de Abastecimento de Brasília (Caesb) promete ir à Justiça contra os autores de boato de que a capital passaria a racionar água por dois dias consecutivos a cada semana. Um reservatório já chegou a 11%.

PENSANDO BEM...
...custa um Geddel a parte das ilhas colocada à venda por um sobrinho da d. Marly, onde a família Sarney tem casas. E ainda sobraria.

Previdência ‘come’ outros gastos importantes - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 19/10

Políticos dignos do nome não recuam diante de dificuldades como essa

Em dezembro último foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que impôs um teto a um amplo conjunto de gastos públicos federais, determinando que não mais poderiam crescer em termos reais, ou seja, descontado o efeito da inflação. Essa emenda foi saudada como indispensável em face do enorme desequilíbrio a que foram levadas as contas públicas federais, com destaque para o que aconteceu durante o desastrado governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Esperava-se que o teto de gastos fosse um estímulo a que o Congresso Nacional aprovasse uma adequada reforma da Previdência Social pública, pois diante desse teto o déficit previdenciário, em expansão, exigiria que outros gastos importantes diminuíssem.

Mas esse caminho não foi seguido. A fragilidade política do presidente Michel Temer dificultou o encaminhamento de sua proposta de reforma no Congresso. E este demonstrou, mais uma vez, que seu interesse primordial está na reeleição de seus membros. Ainda recentemente aprovou uma pífia reforma do sistema eleitoral, deixando de lado medidas mais profundas como a adoção do voto distrital, que aumentaria a representatividade de deputados e vereadores, além de facilitar o acompanhamento de seu desempenho pelos cidadãos dos distritos onde fossem eleitos. A maior preocupação foi buscar dinheiro para campanhas eleitorais mediante financiamento público, já que o das empresas privadas foi interrompido por sábia decisão do Supremo Tribunal Federal. Quanto à reforma previdenciária, os congressistas se acovardaram diante da eventualidade de serem criticados por antigos e potenciais eleitores nos pleitos do próximo ano. O interesse nacional novamente ficou de lado.

Como as despesas previdenciárias continuaram a crescer, e há o teto, é interessante saber que gastos caíram para acomodar essas despesas. Nessa linha, um artigo no jornal Valorde 13/9 (página A11) assinado por Fábio Giambiagi, conhecido especialista em finanças públicas, apresentou números sobre o assunto. Entre outros, ele examinou os da variação do valor real, a preços de julho de 2017, de várias despesas do Tesouro Nacional entre 2014 e o período de 12 meses que vai de agosto de 2016 a julho de 2017.

Nesse período de 12 meses, o item de maior valor das despesas analisadas (R$ 596 bilhões) foi dado pelo conjunto que inclui o INSS e os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) a portadores de eficiência ou a idosos não deficientes com idade mínima de 65 anos, além de outros requisitos legais. Nesse caso, desde 2014 houve um aumento real de 12,4%. O segundo item de maior valor (R$ 282,5 bilhões), e também o outro único com variação positiva no período analisado, foi o de gastos com pessoal, com crescimento de 3,6%, concentrado a partir de agosto de 2016 em função de reajustes sancionados pelo presidente Temer em clara dissonância com a péssima situação das contas federais.

Todos os demais itens, numa análise que enfatizou gastos sociais e investimentos, assumiram no período mais recente os valores a seguir, acompanhados de sua redução desde 2014: saúde, R$ 100,9 bilhões (ou -2,6%), educação, R$ 31,9 bilhões (-28,5%), desenvolvimento social, R$ 33 bilhões (-13,6%), outros gastos sociais, R$ 56,5 bilhões (-2,2%); e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de investimentos como em obras públicas, R$ 32,2 bilhões (-54,5%). Há também outro item de gastos, chamado de “demais despesas”, no montante de R$ 155 bilhões, cujo valor em números redondos permaneceu estável. Como visto, o PAC teve a queda mais forte, merecendo que seja redefinido como Programa para Ajustar outras Contas.

A despesa com INSS e Loas passou de 42% do total em 2014 para 46% nos últimos 12 meses completados em julho. Essa ampliação de 4% na participação de tal despesa não é coisa miúda no seu valor, representando R$ 52 bilhões nesses 12 últimos meses. Giambiagi também mostrou dados de 2015 e 2016 e apontou que esse movimento de contenção de vários gastos em face do avanço dos previdenciários começou já em 2015, ano em que Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda.

Mais recentemente, no último dia 9, o mesmo jornal publicou reportagem em que detalhou a natureza de alguns cortes em programas sociais do governo federal. Entre eles, o Minha Casa, Minha Vida, que alcançou R$ 20,7 bilhões em 2015, recuou para R$ 7,9 bilhões em 2016 e apenas R$ 1,8 bilhão neste ano (até agosto); o Programa de Aquisição de Alimentos (da agricultura familiar) gastou R$ 41 milhões neste ano (até junho), uma redução de 91% relativamente ao total gasto no ano passado; e os dispêndios do Luz para Todos foram de R$ 44 milhões em 2017 (até junho), uma queda de 91% em comparação com os realizados em 2016.

Fica claro, portanto, que sem conter os gastos previdenciários em geral, e também impedir reajustes salariais incompatíveis com a situação fiscal do governo federal e com as várias distorções salariais existentes na sua folha de pagamentos, esse quadro caminhará para uma asfixia contínua dos demais gastos, pois é improvável um aumento de receitas capaz de acomodar uma recuperação deles com o seguido aumento dos previdenciários.

Nesse impasse, espero que o teto para despesas seja preservado. Se não for, o déficit e a dívida governamental seguirão a rota de uma crise fiscal agravada, que poderia abortar a recuperação econômica em andamento e até trazer retrocessos comparáveis aos de 2015 e 2016.

Mas como ampliar gastos como os de saúde, educação e investimentos, que estão sendo asfixiados pela expansão dos previdenciários? A saída adequada continua sendo uma efetiva reforma da Previdência Social pública. Seu custo político é alto, mas políticos dignos do nome são os que não recuam diante de dificuldades como essa.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

A regra do jogo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 19/10

Se o Senado resolvesse aceitar o afastamento de Aécio, como havia ordenado a Primeira Turma do Supremo, estaria aplicando pena antes que fosse ditado o veredicto


Exercendo sua prerrogativa constitucional, o Senado rejeitou anteontem, por 44 votos a 26, a estapafúrdia decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que havia determinado o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato, além de outras medidas cautelares, como o recolhimento domiciliar noturno. Como está claro na lei maior do País, cabe ao Congresso, e não ao Supremo, dar a palavra final sobre a interrupção de mandatos obtidos nas urnas.

Ao contrário do que pensam os indignados que viram na decisão do Senado a prova cabal da impunidade dos corruptos, a sessão de anteontem não julgou a conduta de Aécio Neves, suspeito de corrupção passiva e obstrução de Justiça. Não estava em questão se o senador tucano é culpado ou inocente dos crimes pelos quais foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Afinal, Aécio nem mesmo é réu, ou seja, não tem do que e como se defender. Se o Senado resolvesse aceitar o afastamento de Aécio, como havia ordenado a Primeira Turma do Supremo, estaria aplicando pena antes que fosse ditado o veredicto. Isso só existe em regimes de exceção.

É preciso um pouco mais de serenidade para que a ânsia de castigar os corruptos – que obviamente é o desejo de todos os cidadãos brasileiros de bem – não se transforme em guerra generalizada contra o Legislativo, ao arrepio das leis do País. Tanto o foro privilegiado para os políticos com mandato como as prerrogativas do Congresso para punir parlamentares não são artimanhas corporativas desenhadas para salvar o pescoço de malfeitores, como parece ter se convencido grande parte da opinião pública, e sim formas de proteger o voto do eleitor contra o arbítrio.

A Constituição instituiu que o mandato de um parlamentar não pode ser retirado sem mais essa nem aquela, pela simples razão de que expressa a soberana vontade dos cidadãos. É preciso haver sólidas evidências de que o detentor desse mandato delinquiu e violou o decoro requerido para o exercício do cargo. Se a qualquer momento, em razão de meras suspeitas e acusações ainda carentes de provas, sem que tenha havido um julgamento formal, cassa-se ou suspende-se um mandato obtido nas urnas, então não há nenhuma segurança de que a vontade do eleitor será respeitada no futuro. Trata-se de intolerável ameaça à própria democracia.

Felizmente, mesmo ao custo de ampliar o desgaste popular dos parlamentares, prevaleceram no Senado o bom senso e a necessidade de reafirmar a importância do mandato conferido pelo eleitor ante a onda de descrédito dos representantes do povo no Congresso. Nem a gritaria das redes sociais nem a determinação do Supremo de que a votação fosse “aberta, ostensiva e nominal” – em mais uma intromissão indevida do Judiciário no Legislativo com o objetivo de constranger os parlamentares perante a opinião pública – foram capazes de demover a maioria do Senado na defesa de suas prerrogativas.

Não se deve supor, é claro, que os senadores que votaram pela manutenção do mandato de Aécio Neves o fizeram, todos, em razão da gritante ausência de bases legais, pois é evidente que muitos deles, encalacrados em processos por corrupção, estavam interessados, antes, em dar uma demonstração de força perante o Judiciário. Mas esse interesse não torna menos legítimo o desfecho do caso, que caminhava a passos largos para se tornar paradigmático destes tempos em que vai se tornando perigosamente natural exigir o justiçamento em lugar da aplicação da lei. Ou não foi isso o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal quando alguns dos ministros – a título de acabar com uma “tradição brasileira” de “prender miúdos e proteger graúdos”, como disse o ministro Luís Roberto Barroso ao justificar seu voto contra Aécio Neves – condenaram o senador como corrupto mesmo antes que houvesse um processo formal contra ele?

Espera-se que esse episódio, afinal, sirva como parâmetro para determinar os limites institucionais da ação de irresponsáveis que pretendem destruir a política em nome da salvação do Brasil.